Graduação de créditos 535/10.7TBSTS-M.P1
J1 da 1ª secção de comércio de Santo Tirso
Sumário: Se o reclamante de um crédito alega, como fundamentos do pedido, factos dos quais decorre a natureza laboral do seu crédito, terminando embora com o pedido de verificação do seu crédito como comum, e o juiz julga verificado o crédito do reclamante, aderindo aos seus fundamentos, o crédito deve ter-se por verificado como laboral e não como crédito comum e depois deve ser graduado como laboral.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:
Em 30/09/2010, S intentou, por apenso ao processo de insolvência de T, SA, uma acção de verificação ulterior de créditos contra a massa insolvente desta sociedade, contra a sociedade e todos os seus credores, pedindo que o seu crédito de 6710,95€ sobre a insolvente fosse considerado reclamado e verificado como comum.
Alegou para tanto que esse seu crédito resulta da indemnização devida pela antiguidade do autor, na qualidade de trabalhador da insolvente; o autor tinha sido admitido na insolvente para exercer as funções inerentes à categoria de Director de Serviços, em 01/09/2005, por contrato de trabalho a termo certo, convertido posteriormente em contrato por tempo indeterminado, em 01/10/2006; tendo cessado funções em 15/02/2010, na data em que a insolvente encerrou a sua actividade; desta forma, a antiguidade do autor, para efeitos indemnizatórios, ascende a 4 anos, 5 meses e 15 dias. Ora, tendo a insolvente procedido ao encerramento da sua actividade, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 366 do Código do Trabalho, por força do disposto no artigo 346 do CT: (…) o trabalhador tem direito a compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”. Na data de encerramento da insolvente, o autor auferia 1500€ a título de vencimento base, acrescido da quantia de 97,75€ como subsídio de alimentação [apresentou o doc. 1 que é um recibo de vencimento] Aplicando os preceitos legais referidos, e tendo em conta os anos de antiguidade, bem como o seu rendimento base, o crédito do autor sobre a insolvente ascende a 6687,50€. Sobre o montante de capital em dívida incidem juros de mora, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a data (cessação do contrato de trabalho até à data de declaração de insolvência (03/03/2010), o que perfaz 23,45€.
A 16/11/2010, nesse apenso, foi proferida a sentença em que, depois de se fazer a síntese da petição, dando por reproduzidos os factos alegados na petição inicial e de se dizer que não tinha havido oposição à pretensão do autor, se consideraram confessados os factos articulados na petição inicial, que de novo se deram por reproduzidos, e julgou-se procedente a acção, considerando verificado o crédito reclamado pelo autor, com adesão aos fundamentos alegados por ele na petição inicial.
A 07/04/2015, no apenso C do processo principal, de verificação de créditos, foi proferida sentença na qual o crédito do autor foi graduado como se fosse crédito comum.
O autor recorre desta sentença, terminando o seu recurso com as seguintes conclusões, em síntese deste TRP:
O autor reclamou um crédito que resultava da sua antiguidade, na qualidade de trabalhador da insolvente, no montante de 6687,50€; no entanto, por ostensivo lapso de escrita da sua mandatária, aquando da elaboração do pedido final, o crédito do autor não foi classificado como privilegiado, mas sim como comum; o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, concede o direito à rectificação desta (arts. 249 e 295, ambos do Código Civil), sendo lícito ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença (art. 613/2 do Cód. de Processo Civil); da sentença de verificação ulterior de créditos, nada leva a crer que a interpretação que o tribunal recorrido tenha feito da natureza do crédito seja diversa daquela que o autor pretendia fazer valer e realçar; na verdade, em momento algum da sentença é classificado o crédito do autor como comum, limitando-se a aderir ao que é peticionado na petição inicial, compreendendo que o crédito em causa é privilegiado, uma vez que do teor da petição inicial se alcança perfeitamente que o crédito reclamado pertence a um ex-trabalhador da insolvente; tal significa que, não obstante o manifesto lapso de escrita cometido pela ora signatária, todos os restantes intervenientes processuais envolvidos compreenderam o sentido que o autor queria ter dado ao texto; pelo que deverá proceder-se à rectificação da sentença recorrida, graduando-se o crédito do autor como privilegiado.
Apesar de notificados todos os intervenientes processuais, não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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Questões a decidir: se se deve proceder à alteração da sentença de verificação e graduação de créditos, de modo a que o crédito do autor passe a constar como privilegiado.
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Os factos que interessam à decisão da questão são os que resultam do relatório que antecede.
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Antes de mais diga-se que é inequívoco que se verifica um erro na sentença: ela graduou um crédito que se sabe ser laboral, como crédito comum. Nenhum dos intervenientes no processo pôs em dúvida a existência deste erro. O caminho para se chegar a esta conclusão e para corrigir o erro é que suscita algumas dúvidas.
Desde logo, ao contrário do que pretende o autor, a sentença recorrida, de 07/04/2015, não enferma de nenhum erro de escrita manifesto (arts. 613/2 e 614/1, ambos do CPC). Nesta sentença nada consta que faça crer que o crédito do autor fosse laboral e que por isso não devesse ser graduado como comum. O erro, a existir, seria da sentença de Nov2010, já lá vão quase 5 anos.
Mas a sentença de Nov2010 também não está errada, ao contrário do que diz o autor. Ela aderiu aos fundamentos alegados pelo autor na petição (onde o autor devia, como fez, indicar a natureza do crédito), não aderiu ao pedido. Ora, era o pedido formulado pelo autor que estava errado (pedia que o crédito fosse reconhecido como comum), não os fundamentos (dos quais decorria que o crédito era laboral).
Posto isto…
A verificação e a graduação de créditos são actividades processuais diversas. A verificação destina-se a reconhecer ou não um crédito, a graduação destina-se a graduar um crédito reconhecido.
A verificação de um crédito pode ser feita em momento anterior ao da sentença de graduação (arts. 136/4, 5 e 7, e 146/1 do CIRE), e, por isso, uma sentença de graduação de créditos não teria que estar a verificar novamente os créditos já reconhecidos.
Apesar disso, entende-se que deve haver uma verificação formal de todos os créditos na sentença de graduação (art. 140/1 do CIRE), mesmo daqueles que já estejam assentes, reconhecidos, em função da actividade processual anterior (Carvalho Fernandes e João Labareda, parte final da nota 11 ao art. 136 do CIRE anotado, 3ª edição, Quid Juris, pág. 540).
Só que, como resulta desta forma de pôr a questão, se o crédito já está reconhecido/verificado, a verificação ulterior na graduação já será só uma verificação formal.
Assim, a verificação formal, na fase da sentença de graduação, de um crédito, em contradição com uma sentença de verificação desse crédito, não prevalece sobre esta, antes pelo contrário (art. 625/1 do CPC).
No caso, o crédito do autor já tinha sido verificado na acção própria para o efeito (art. 146/1 do CIRE), pelo que a nova verificação, se estiver em contradição com a primeira, cede perante esta.
Na primeira verificação, o crédito do autor tinha sido reconhecido como tal, sem mais nada, isto é, sem que se explicitasse a respectiva qualificação.
Mas, interpretando-se a sentença de verificação pelos seus fundamentos, e sendo estes fundamentos inequívocos no sentido de que o crédito do autor era um crédito laboral, não se pode deixar de entender que o crédito reconhecido e verificado é um crédito laboral.
Constando essa sentença de um apenso do processo principal, a sentença de graduação, ao desconsiderar essa sentença de verificação, assentando antes numa lista de créditos elaborada pelo Sr. Administrador Judicial (que tinha interpretado erradamente a sentença de verificação ulterior como tendo reconhecido um crédito comum – o que será compreensível se só tiver tido acesso à sentença, visto que os fundamentos desta só existem por remissão), incorreu num manifesto lapso de julgamento por não ter considerado uma sentença proferida num apenso que era pressuposto necessário (autoridade do caso julgado…) da graduação do crédito ali reconhecido.
Estamos pois perante um caso de manifesto lapso de julgamento da sentença de graduação, situação também prevista no art. 616/2b) do CPC, que poderia ser suscitada no tribunal que a proferiu se a decisão não admitisse recurso, mas, admitindo-o, tem que ser suscitada no recurso e corrigido por este tribunal ao dar procedência ao mesmo.
Assim, o crédito do autor de 6710,95€ deve ser excluído da lista dos créditos comuns (n.º. 101) e passar a fazer parte de um outro do mesmo autor, com o n.º 68 da lista dos créditos privilegiados (de 4534,10€), agora pelo valor global de 11.245,05€.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, alterando-se a sentença de verificação e graduação de créditos, excluindo-se o crédito de 6710.95€ do autor dos créditos comuns descritos em A. da sentença (n.º. 101) e passando a fazer parte de um outro do mesmo autor, com o n.º 68, de 4534,10€, privilegiado, descrito em B. da sentença, agora pelo valor global de 11.245,05€ e passando, pois, a considerar-se como graduado como qualquer outro crédito laboral.
No tribunal recorrido far-se-ão os necessários averbamentos desta correcção e o Sr. Administrador Judicial terá de ter em conta esta graduação no pagamento dos créditos.
Sem custas.
Porto, 15/10/2015
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto