Embargos 754/14.7YYPRT – 1.ª Secção de Execução do Porto – Juiz 6
Sumário:
I – “Janelas […] abertas nas paredes perimetrais, que servem ao uso exclusivo de um condómino, não são objecto de comunhão, pois, pela sua natureza e pelo fim a que se destinam, não são idóneas ao gozo promíscuo por parte dos outros condóminos. […]”
II – Uma deliberação da Assembleia de Condóminos que as tenha por objecto, delas dispondo como se fossem partes comuns do edifício, são ineficazes em relação aos condóminos afectados, que podem arguir a ineficácia a todo o tempo, designadamente em embargos de executado.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:
O Condomínio do edifício X requereu, em 06/03/2014, uma execução de 15.770,12€ contra o Y, soma de uma dívida de 15.320,12€ decorrente de uma deliberação da Assembleia Geral de Condóminos para a reabilitação da fachada sul do edifício com uma de 450€ a título de despesas administrativas e de contencioso que o administrador do Condomínio fixou devido à necessidade de recurso à via judicial para a cobrança daquela dívida.
Y deduziu embargos de executado, entre o mais invocando a nulidade daquela deliberação na parte que diz respeito à substituição das caixilharias das janelas, defendendo que as janelas em causa não constituem parte comum.
O Condomínio contestou, defendendo a improcedência da oposição.
Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando os embargos improcedentes.
Y interpôs recurso desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) A única questão jurídica em causa nos presentes autos é sabermos se as caixilharias existentes na fachada do prédio, são ou não parte comum do referido prédio;
b) Na sentença recorrida entendeu-se «que as janelas numa parede exterior de um edifício constituído em propriedade horizontal, nada se dizendo em contrário no título constitutivo da propriedade horizontal, são parte comum do prédio»;
c) Não podemos concordar com este entendimento, resultando do mesmo uma errada interpretação do artigo 1421 do Código Civil;
d) A solução para o facto de sabermos se as janelas, e respetivas caixilharias, são parte comum, ou se pertencem ao proprietário da respetiva fração autónoma, poderá, tal como fez a sentença recorrida, resultar da análise da alínea e), do n.º 2, do art. 1421 do CC, segundo a qual se presumem partes comuns «as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos»;
e) Contudo, ainda que concordemos com a solução não podemos concordar com o resultado. Isto na medida em que a janela e o respetivo caixilho são do uso exclusivo de cada condómino, ou seja tal como se refere expressamente na parte final da alínea e), do n.º 2, do art. 1421 do CC, estão afetados ao uso exclusivo de cada um dos condóminos, pelo que não são parte comum do prédio;
f) O requisito geral do afastamento da presunção prevista na alínea e), do nº 2, do art. 1421 do CC não tem de constar no título constitutivo, antes podendo resultar de uma provada afetação material, uma destinação objetiva, mesmo que verificada após a constituição da propriedade horizontal;
g) A exclusividade referida na alínea e), do nº 2, do art. 1421 do CC determina-se através da utilidade funcional, do proveito objetivo que pode decorrer do uso do espaço em questão, pelo que, se a utilidade e proveito se provarem apenas quanto a um só dos condóminos, deve assim a parte do edifício em causa ser considerada como integrante da propriedade exclusiva da fração daquele;
h) As janelas e os respetivos caixilhos de cada fração são utilizados exclusivamente por cada condóminos pelo que não podem ser considerados partes comuns do prédio;
i) É certo que as referidas janelas e caixilhos são parte integrante da fachada do prédio, e como tal, os condóminos estão sujeitos às limitações previstas no art. 1422 do CC, designadamente não podendo pôr em causa a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifico, mas esse facto não é suficiente para se considerar que as janelas e respetivos caixilhos sejam considerados partes comuns;
j) Foi o próprio legislador que, na definição imperativa das partes comuns do prédio no art. 1421/1 do CC, não fez propositadamente qualquer referência às janelas ou respetivos caixilhos, pois as mesmas pertencem ao proprietário de cada fração autónoma;
I) As obras que incidam sobre as caixilharias de cada fração, sendo estas propriedade privada de cada condómino, não são da esfera de competência da assembleia de condóminos, não podendo o executado, de modo algum, ser obrigado a contribuir para as despesas de conservação das janelas/alteração caixilharia das frações que não são sua propriedade nem tão pouco são consideradas partes comuns;
m) A deliberação da Assembleia de Condómino de 29/10/2012, vertida na Acta n.º 44, ao aprovar obras que não incidem sobre as partes comuns, viola de forma grave e manifesta os princípios básicos da propriedade horizontal previstos nos arts 1414 e segs do CC, pelo que é, assim, nula e de nenhum efeito devendo, em consequência, ser decretada a extinção da presente execução (art. 732/4, do CPC) revogando-se a sentença recorrida.
O Condomínio contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso (passam-se a transcrever as “conclusões” das contra-alegações, pois que lhe vão ser feitas referências e assim se evitam as repetições):
“a) Na sentença recorrida entendeu-se que as caixilharias de um edifício são parte comum do prédio.
b) Pela análise e conteúdo da referida deliberação não restarão a obrigação [sic] de Y é certa, liquida e exigível e que se encontra vencida dado o incumprimento nos prazos expressamente definidos na deliberação em causa.
c) A obra deliberada consistia numa intervenção na fachada do edifício a qual na sua globalidade não cumprirá a sua função de revestimento e isolamento da entrada de água para o interior das fracções conforme consta da alínea f) dos factos provados.
d) Reproduzindo o texto do art. 1421 do CC em especial a alínea e) do nº 2 constata-se que as caixilharias do edifício, como parte integrante da fachada do mesmo funcionam como um todo, e não obstante a sua utilização em termos funcionais poder ser de uso exclusivo de um condómino, fazem parte integrante de um conjunto de elementos estruturais que constituem uma fachada.
e) As caixilharias são indivisíveis na sua forma e substancia e apenas cumprem a sua função se estiverem integradas num contexto estrutural amplo e multifuncional que é a fachada do edifício.
f) A destinação objectiva da caixilharia não é apenas servir de suporte a uma janela ou elemento envidraçado, mas sim deverá ser enquadrada numa perspectiva mais ampla como sendo a ligação de dois elementos sem o qual a fachada não pode desempenhar, em termos concretos uma função de impermeabilização.
g) O título constitutivo da propriedade horizontal não prevê que as caixilharias sejam parte integrante de cada fracção autónoma.
h) O título constitutivo da propriedade horizontal, não afecta a caixilharia ao uso exclusivo de uma determinada fracção autónoma art. 1421/3 a contrario.
i) Não pode assim ser ilidida a presunção de comunicabilidade previsto no art. 1421/2e) do CC, nem pela sua utilidade funcional nem pela sua destinação efectiva.
j) As caixilharias, pelo seu elemento funcional de cumprimento da sua função e ligação estrutural à fachada do edifício ser consideradas como zona de intervenção comum.
K) E como tal, competência do administrador do condomínio após deliberação tomada em assembleia geral de condóminos.
l) A deliberação tomada em assembleia geral de condóminos de 29/10/2012 não viola qualquer preceito de natureza imperativa.
m) Nada na lei refere expressamente serem as caixilharias partes integrantes de uma facção nem afectas exclusivamente a uma fracção, pelo que a deliberação que aprovou a realização de obras na fachada do edifico não é nula.
n) Uma deliberação tomada pela assembleia de condóminos ao dispor que todos os titulares de fracções autónomas com direito ao seu uso exclusivo [sic], seriam responsáveis pelos respectivos custos, mesmo que tal deliberação estivesse ferida de qualquer invalidade, sempre a mesma seria anulável cuja invocação está sujeita ao previsto no nº 4 do art. 1433 do CC.
o) E não nula como o pretende e arguiu Y.
p) É extemporâneo o direito a Y invocar e deduzir a anulabilidade de tal deliberação, pois já decorreram mais de sessenta dias sobre a data da deliberação em apreço.”
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A questão a decidir é a saber se a decisão recorrida está certa quando considera que a deliberação da assembleia de condóminos de 29/10/2012, na parte que diz respeito à substituição das caixilharias das janelas, não é nula, e isso por considerar que aquelas constituem parte comum do edifício.
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São os seguintes os factos dados como provados, para além do que resulta do requerimento executivo já sintetizado acima, que antes constava como facto provado, em alínea onde também se fazia remissão para as actas 44 a 46, que se davam por reproduzidas e que agora passam a ser de facto transcritas na parte que interessa:
A) Na acta 44 (fls. 370/371 do processo em papel), da Assembleia de Condóminos de 29/10/2012, escreve-se na parte que interessa:
“Ordem dos trabalhos.
1. Análise, discussão e aprovação do melhor orçamento para a realização da obra de reabilitação da fachada sul do edifício.
2. Forma de financiar esta obra.
[…]
No ponto 1 da ordem de trabalhos, foram informados os presentes do custo dos vidros a aplicar e o seu coeficiente de transmissão térmica, conforme anexo○.
Após análise e discussão foi deliberado por unanimidade adjudicar à empresa W, Lda, a realização da obra de reabilitação da fachada sul do edifício, conforme Anexo 3, com os documentos Doc nº 1 a Doc nº 4.
O prazo previsto para o começo da obra será Maio de 2013.
No ponto dois da ordem de trabalhos, para fazer face a esta obra ficou deliberado por unanimidade a administração efetuar uma cobrança extraordinária do valor de 159.833,32€, a respeitar a permilagem de cada condómino e dividir em 4 prestações mensais a começar em Janeiro de 2013 e acabar em Abril de 2013. O não pagamento de uma mensalidade implica o vencimento integral da dívida.”
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Nos docs. 3 e 4 (fls. 379/380 do processo em papel) dividem-se os trabalhos e preços assim:
0. Trabalhos preparatórios […] 5634€;
1. Tratamentos das fachadas […] 5577,60€ + 1998,64€ + 33.093,76€;
2. Tratamento dos vãos exteriores – remoção das caixilharias […]; aplicação da argamassa […]; colocação de novos perfis […]; colocação de novas caixilharias […]2621,05€ + 3920€ + 2623,35€ + 55.631,05€
3.Tratamento de cobertura em terraço […] 8372,73€.
Total = 119.472,18€
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Na acta 46, da Assembleia de Condóminos realizada no dia 27/09/2013 (fls. 382/384), escreve-se, na parte que interessa:
«No quinto ponto da ordem de trabalhos [ponto de situação da cobrança das obras de reabilitação, medidas a tomar], foram informados os presentes dos valores referentes à obra que ainda se encontram por liquidar, tendo apenas existido uma reclamação recente por parte de Y, que não aceita que a caixilharia das suas frações seja substituída, embora o caderno de encargos da obra já tenha sido aprovado em 2009.
Tomou da palavra o representante de Y explanando as razões da posição tomada, nomeadamente que no entendimento de Y, a caixilharia não pode ser considerada como um elemento comum do edifício. No entanto comprometem-se a reanalisar a questão.
Pelos presentes foi sugerido dar o prazo de 30 dias após a recepção da presente acta para todos os condóminos em dívida liquidarem os valores relativos à obra que se encontrem em atraso.
Os condóminos decidiram por unanimidade mandatar a administração para levar a cabo as deliberações aprovadas se necessário com recurso à via judicial.”
B) Por escritura pública intitulada «constituição de propriedade horizontal em prédio da sociedade “Z, Limitada”», com o teor que consta a fls. 285-293 do presente processo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi constituída a propriedade horizontal relativamente ao edifício em causa, o qual está descrito na Conservatória do Registo Predial de K, sob o n.º xxx/19910122, freguesia de H.
C) No dia 12/06/1995, realizou-se uma assembleia geral de condóminos do edifício, na qual foi aprovado o regulamento do condomínio, nos termos que constam do documento intitulado acta n.º 5, junto a fls. 76-103 do presente processo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [este acórdão do TRP esclarece que no art. 23 se estabelece uma penalidade por falta de pagamento das prestações de condomínio e prevê-se que serão suportadas pelo condómino que deu causa à acção, todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o administrador faça para haver a quantia em divida, incluindo advogados de advogado e salários do procurador, e isto mesmo que, verificando-se o pagamento antes da propositura da acção, não se tenha passado dos actos preliminares a esta, bem como juros de mora; no art. 24 prevêem-se sanções para a infracção das normas do regulamento ou das ordens que, em seu cumprimento, sejam dadas pelo administrador…].
D) As fracções autónomas designadas pelas letras BQ. BR, BS, BT, AZ, BA, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BH e BI integram o edifício e está definitivamente inscrita, na CRK, a aquisição dessas fracção a favor do Y.
E) Aquelas fracções correspondem as permilagens de, respectivamente, 18,668, 9,485, 14,319, 14,898, 3,848, 3,848, 3,848, 3,848, 3,848, 3,848, 3,848, 3,848, 3,848 e 3,848.
F) As caixilharias referidas na acta n.º 44 são elementos integrantes da fachada sul (voltada para a Av. T) do edifício.
G) As caixilharias actualmente colocadas na fachada sul do edifício não cumprem a sua função de revestimento e isolamento da entrada de água para o interior das fracções.
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São as seguintes as razões da decisão recorrida:
“[…]
As partes referidas no n.º 1 do artigo transcrito [art. 1421 do CC] são partes imperativamente ou necessariamente comuns, já as partes referidas no n.º 2 são partes presumidamente comuns, sendo que tal presunção é uma presunção iuris tantum, que poderá ser ilidida mediante prova em contrário (cfr., inter alia, Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, 2006, p. 29).
Lendo o n.º 1 do art. 1421 do CC não encontramos expressa referência a caixilharias ou janelas. E outro tanto sucede face às alíneas a) a d), do n.º 2, do mesmo artigo. Pelo que a solução para o caso em análise poderá encontrar-se na alínea e), do nº 2, segundo a qual se presumem partes comuns «as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos».
Nas palavras de Sandra Passinhas, com as quais concordamos, “a afectação susceptível de vencer a presunção de comunhão prevista no n.º 2 do artigo 1421, terá de ser uma afectação formal, a realizar no título constitutivo. Ou seja, tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum dos condóminos. O legislador presume que, em geral, as partes que não estão descritas no título constitutivo como pertencendo exclusivamente a um dos condóminos são partes comuns do edifício” (op. cit., p. 43).
[…]
“[…] A exclusão de alguma das partes do edifício que se presumem comuns, do rol das coisas comuns, incide sobre a constituição ou modificação de um direito real sobre um imóvel, devendo resultar ad substantiam de escritura pública, conforme o art. 875 do CC e o art. 80 do Código do Notariado” (op.cit., p. 43-44). Conclui a autora que “são comuns, além das indicadas no n.º 1 do art. 1421, todas as partes do edifício que não estejam especificadas no título constitutivo como sendo partes próprias” […].
No caso em análise, resulta da factualidade provada que as caixilharias referidas na acta 44 são elementos integrantes da fachada sul […] do edifício […] e que […] actualmente […] não cumprem a sua função de revestimento e isolamento da entrada de água para o interior das fracções.
Além disso, analisados os diversos documentos juntos aos autos, nomeadamente, o título constitutivo da propriedade horizontal […], daí resulta que as caixilharias em causa não estão afectas ao uso exclusivo de Y – pois o título constitutivo da propriedade horizontal não contém qualquer referência a janelas ou caixilharias. […].
Acresce ainda que, em nosso entender, a expressão “paredes mestras” (sublinhe-se que, de acordo com o art. 1421/1a do CC, as paredes mestras integram o elenco das partes imperativamente comuns) deverá ser interpretada de uma forma actualista, de modo a incluir as paredes perimetrais (paredes exteriores que delimitam o edifício) bem como as fachadas de edifícios (independentemente dos materiais aí utilizados), com todos os seus elementos integrantes, pois desempenham funções essenciais para o edifício: por exemplo, delimitam-no, determinando a consistência volumétrica do edifício, definem o perfil arquitectónico do edifício, isolam o edifício do exterior, protegendo-o termicamente, protegendo-o de infiltrações e de outras agressões de elementos naturais (no sentido de que as paredes perimetrais são de considerar partes comuns, pronunciaram-se, de forma expressa, Sandra Passinhas, op. cit., p. 33, e Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, p. 72; na jurisprudência, cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/01/2008, processo n.º 9673/2007-7, disponível em http://www.dgsi.pt, e o acórdão do STJ de 19/02/2008, in CJ-STJ, 2008, I, pp. 114-116).
[…Isto] pese embora a tolerância com que se permitem actos dos condóminos sobre as janelas e caixilharias utilizadas pelas respectivas fracções […].
Consequentemente, a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 29/10/2012, documentada na acta 4, sobre a substituição das caixilharias não padece de nulidade.”
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Decidindo:
Antes de mais, e como pano de fundo, lembre-se que, segundo o art. 204/1, alíneas a) e e) do CC, são coisas imóveis: os prédios rústicos e urbanos; […] as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos. Acrescenta o n.º 3: é parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.
Uma janela é, por isso, parte integrante (ou mais precisamente uma parte componente) de um prédio; e os caixilhos de uma janela são parte integrante da janela.
Logo, os caixilhos de uma janela são parte integrante do prédio, ou seja, da fracção autónoma de um edifício.
Ora, o art. 1305 do CC, sob a epígrafe de conteúdo do direito de propriedade, diz que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
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Posto isto, Antunes Varela e Pires de Lima dizem:
“Deverão considerar-se também propriedade do respectivo condómino, […] as janelas, com tudo o que as integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois trata-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam. Em sentido contrário, poderá dizer-se que, encontrando-se estes elementos implantados em paredes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica. Esta consideração, porém, conforme sublinham alguns autores (cfr., por ex., F. Aeby, ob. cit., n.º 120), peca por excesso de lógica, não ponderando devidamente a realidade. Com efeito, os elementos em questão, alguns de natureza muito frágil, estão sujeitos ao uso contínuo por parte dos utentes da fracção em que se integram, dependendo o seu estado, essencialmente, do modo como cada um se sirva deles e os conserve. Há toda a conveniência, por isso, em atribuir-lhes natureza privativa.” (CC anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 417).
E mais à frente escrevem:
“Distintas das paredes mestras ou dos muros comuns são as aberturas (janelas, balcões, varandas, sacadas, etc.) que neles se rasguem ou neles se apoiem, pertencentes ao dono da respectiva fracção autónoma (G. Branca, ob. cit., pág. 334; vide, supra, nota 3 ao art. 1420) (obra citada, pág. 421; Y também cita esta passagem da obra destes autores no corpo das suas alegações de recurso).
No mesmo sentido, Aragão Seia, na obra citada pela sentença recorrida, agora em anotação aos art. 1420 e 1421 do CC, págs. 61 e 71/72, edição de 2001.
Contra isto, não vale invocar as passagens citadas de Sandra Passinhas, pois que esta autora logo a seguir a elas escreve (passa a fazer-se citações de passagens das páginas 42 a 45 da edição de 2000 da obra em causa):
“A função própria do n.º 2 e, em particular, da alínea e), é a de qualificar como comuns todas as partes que não estejam previstas no título constitutivo como próprias. Tudo aquilo que não for atribuído, no título constitutivo, exclusivamente a algum condómino, não pertence ao construtor, ao vendedor do prédio ou a qualquer terceiro, mas é parte comum do prédio, objecto de compropriedade entre os vários condóminos.
Diferente é a situação que, colocando-se num estádio temporal anterior, existente já à data da constituição do condomínio, configura uma destinação objectiva […]. É a coisa que, pela sua estrutura objectiva, pela sua situação ou por alguma outra circunstância juridicamente relevante, se encontra destinada à fracção autónoma (v.g., um jardim a que só se possa aceder pela sala do rés-do-chão). Estas coisas que, não estando especificadas no título constitutivo, deveriam ser consideradas comuns, nos termos da presunção do n.º 2 do artigo 1421, não poderão, todavia, deixar de ser consideradas como partes próprias. A destinação objectiva da coisa funciona como um elemento limitador do seu domínio.”
Em nota, a autora acrescenta:
“Esta é a opinião unânime da doutrina portuguesa que se tem pronunciado sobre o assunto, embora nem sempre com a mesma formulação. Para Luís Carvalho Fernandes, Lições, pág. 343, “poderia parecer implícita na lei a ideia de o afastamento da presunção de cenas coisas como comuns resultar necessariamente do título constitutivo. Mas não é assim, porquanto isso pode resultar da sua própria natureza ou função. Por virtude da sua natureza, não pode considerar-se comum um pátio que só tem acesso por uma das fracções. Se atendermos à sua função, não podemos ignorar a destinação da parte do edifício e esta não depende apenas da vontade do dono do edifício, dadas as limitações de vária ordem decorrentes das normas relativas à edificação urbana […]”.
Outros autores não acentuam a afectação real, mantendo-se presos à letra da lei. Pires de Lima/Antunes Varela, ob. e loc. cits., escrevem ainda quanto à presunção de comunhão estabelecida no n.º 2: “E deve mesmo considerar-se afastada em relação às coisas que, exorbitando das necessariamente comuns, não possam servir senão, pela sua destinação objectiva, um dos condóminos”. Para Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 462, presumem-se comuns as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos. Esta afectação pode dar-se por natureza (em nota: assim o jardim que só tem acesso através de uma das fracções não se presume comum) ou por negócio jurídico. […]
No mesmo sentido, embora a propósito de outra questão jurídica, se tem pronunciado a jurisprudência italiana: “A presunção legal de condomínio de algumas partes do edifício constituído em propriedade horizontal no sentido do artigo 1 117 do Codice funda-se na destinação ao uso ou ao gozo comum, que deve resultar de elementos objectivos e determinam uma aptidão funcional do bem ao serviço e ao gozo colectivo. Ao invés, quando o bem, pelas suas características estruturais objectivas serve de modo exclusivo ao uso e gozo de uma parte do imóvel, objecto de um autónomo direito de propriedade, decai o pressuposto de uma contitularidade necessária, pois a destinação particular vence a presunção legal de compropriedade ( … )”.
E a autora continua:
“[…] uma coisa que pela sua destinação objectiva só possa servir um condómino não pode deixar de ser considerada parte própria.”
E de seguida realça:
“segundo a nossa opinião, a destinação objectiva não afasta a presunção de comunhão do artigo 1421.°, n.º 2, mas impede, obsta à sua actuação. É um factor pré-negocial ou, pelo menos, extranegocial. Está antes e para além do título constitutivo, não ao lado dele.”
Em suma: havendo uma destinação objectiva da coisa, a presunção do art. 1421/2 do CC não chega a funcionar, pelo que ela não tem de ser afastada pelo título constitutivo, bem ao contrário da conclusão a que a sentença recorrida chegou.
Quanto ao argumento da analogia com as paredes perimetrais, que na sentença recorrida se sugere que decorre da posição da Sandra Passinhas, veja–se o que ela diz logo a seguir à passagem citada (ao menos na edição de 2000, pág. 31):
“As janelas ou varandas abertas nas paredes perimetrais, que servem ao uso exclusivo de um condómino, não são objecto de comunhão, pois, pela sua natureza e pelo fim a que se destinam, não são idóneas ao gozo promíscuo por parte dos outros condóminos. […]”
Ou seja, por um lado, a autora chega à conclusão contrária da sentença; por outro, demonstrar-se que há analogia entre as paredes perimetrais e as paredes mestras não é suficiente para demonstrar que existe analogia entre as paredes mestras e as janelas abertas nas paredes perimetrais. Trata-se de um salto lógico da sentença.
Por fim, a observação crítica da sentença de que a prática tem tolerado actos dos condóminos sobre as janelas e caixilharias utilizadas pelas respectivas fracções, traduz-se no reconhecimento implícito de que o entendimento que seguiu não é o mais corrente, pelo que se lhe impunha um ónus acrescido de demonstração de que o seu entendimento é que era o correcto. Dito de outro modo, a crítica não pode ser utilizada como argumento, porque pressupõe que o entendimento que segue está correcto.
Quanto às contra-alegações do Condomínio ainda não rebatidas com o que antecede, diga-se que o facto de deslizar da qualificação dos caixilhos como parte comum do edifício para a sua qualificação como zona de intervenção comum da competência do administrador, é, por si só, demonstrativo da fragilidade da construção feita. Se são parte comum não se precisa de dizer que são zona de intervenção da competência do administrador.
Por outro lado, repare-se na sua insistência no facto de os caixilhos permitirem a entrada da água nas fracções; como o que se passa nas fracções não é da competência do Condomínio, o Condomínio não pode dizer apenas que a água entra nas fracções, para daí concluir que tem legitimidade para tratar do problema. Aliás, dito daquela forma acaba por ser o reconhecimento de que os caixilhos servem as fracções a que pertencem e não o edifício, por mais que o Condomínio insista na sua qualificação como “elemento funcional de cumprimento da sua função e ligação estrutural à fachada” ou na “função de impermeabilização” da fachada. É que o Condomínio não diz que as águas entrem nas partes comuns do edifício.
Por fim, o seu argumento de que os caixilhos fazem parte da fachada, equivale ao argumento já rebatido da sentença recorrida da analogia das janelas com as paredes perimetrais. E, na prática, equivale a dizer que tudo o que está integrado nas paredes comuns é parte comum, o que entra em clara contradição com as especificações de partes comuns feitas na al. a) do n.º 1 do art. 1421. Ou seja, não faria sentido a lei ter restringido a parte comum às paredes-mestras, se tudo o que está implantado numa fachada fosse parte comum.
Entretanto, note-se que, se entrar água para as fracções de Y pelos caixilhos e isso vier a causar prejuízos aos edifício ou às outras fracções, Y é responsável por esses danos (arts. 1352 e 492 do CC). Só que isto é uma consequência precisamente do facto de os caixilhos serem de Y e não do Condomínio e não se resolve com deliberações dos condóminos que tratem os caixilhos como partes comuns do edifício.
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Sendo os caixilhos das janelas coisas próprias de Y, a Assembleia de Condóminos não se podia pronunciar sobre os mesmos como se eles fossem parte comum do edifício, determinando a sua substituição (no caso através da sua retirada e colocada de novos, como se vê no doc. 4 para que a acta 44 remete).
Tendo-o feito, invadiu uma área de competência que não era sua e a consequência é a da ineficácia da deliberação nessa parte.
Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela:
“A sanção cominada no artigo 1433 é a anulabilidade (e não a nulidade: cfr. arts. 285 e segs.) da deliberação.
Deve entender-se, no entanto, que no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia dos condóminos.
[…]
Quando a assembleia se pronuncie sobre assuntos para que não tenha competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respectivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberação deve considerar-se ineficaz: desde que a não ratifique, o condómino afectado a todo o tempo pode arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção, ou através de uma acção de natureza meramente declarativa. E é este, sem dúvida, o regime mais aconselhável: seria violento, com efeito, obrigar o condómino afectado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tornada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. De resto, a sanção da ineficácia é a que a lei comina para os actos praticados por um representante sem poderes (art. 268.°, 1), e as duas situações são em tudo análogas: em qualquer dos casos faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem (vide, neste sentido, ac. da Relação de Coimbra, de 2 de Novembro de 1982, na Col. Jurisp., ano VII, t. 5. págs. 22 e scgs.) (obra citada, págs. 447/448)
Y, utilizando parcialmente a citação que está feita acima, mas através do ac. do TRL de 02/05/2013, 2917/09.8TBMTJ.L2-6, concluiu pela nulidade da deliberação, sem explicar porque é que a delilberação em causa nestes autos se deve entender como violando preceitos de natureza imperativa, em vez de se entender que o que faz é deliberar sobre assuntos que exorbitam da esfera de competência. da assembleia dos condóminos.
Ora, o que se passa, realmente, é que a assembleia de condóminos, ao deliberar sobre a substituição dos caixilhos das fracções do edifício, está a ir para além da sua competência de “administração das partes comuns do edifício” (art. 1430/1 do CC). Pelo que, nessa parte, repete-se, do que se trata é da ineficácia (em sentido estrito) da deliberação em causa, que pode ser arguida por Y a todo o tempo – não estando, por isso, sujeita a qualquer prazo, como, por sua vez, pretende o Condomínio -, designadamente através dos embragos de executado como o fez (neste sentido, também, Sandra Passinhas, obra citada, págs. 255/256).
E é disto que se trata, e não de qualquer anulabilidade, como pretende o Condomínio, invocando para tanto o ac. do TRP de 19/12/2007, como se vê do corpo das suas contra-alegações; é que o acórdão reporta-se a situação que nada tem a ver com a dos autos, pois que, como resulta da leitura do seu sumário (referência 0736562 da base de dados do IGFEJ) o mesmo diz respeito a uma deliberação que se limita a reproduzir o critério vazado no art. 1424/3 do CC, não tendo, por isso, nada a ver com uma deliberação que trata como comuns (decide do seu destino) de partes próprias de uma fracção autónoma. Dito de outro modo, o art. 1433 do CC trata das deliberações anuláveis, não das nulas ou das ineficazes (neste sentido, expressamente, Sandra Passinhas, obra citada, edição de 2000, pág. 243).
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Assim sendo, a deliberação com base na qual o Condomínio está a executar Y é ineficaz em relação a ele, pelo que não pode servir de base à execução.
Mas isto é assim apenas em relação à parte da deliberação que se refere, por remissão, à substituição dos caixilhos, não quanto a tudo o mais (quer a petição de embargos, quer as conclusões do recurso, quer este, apenas põem a causa a qualificação dos caixilhos como partes comuns do edifício, não tudo o mais que tenha sido objecto de intervenção a título de reabilitação da fachada).
Ora, dos 159.833.32€ (que incluem IVA) que foram aprovados para financiar a reabilitação da fachada sul do edifício, foram exigidos 15.320,12€ a Y.
Mas, daquele valor, sabe-se que 2621,05€ + 3920€ + 2623,35€ + 55.631,05€, tudo com IVA, têm a ver com trabalhos de remoção e colocação dos caixilhos em causa nestes autos. O que dá o total de 64795,45€ + 21% de IV = 78.402,49€.
Assim, dos 159.833,32€ não podem ser exigidos 78.402,49€, pelo que restam 81.430,83€.
Se dos 159.833,32€ a permilagem das fracções de Y correspondia a 15.320,12€, dos 81.430,83€ a permilagem corresponde a 7805,19€. Pelo que é só este o valor que pode ser exigido a Y para a reabilitação da fachada sul do edifício.
A este valor acresce o de 450€ das despesas ditas administrativas e de contencioso, a que o recurso não se refere e que apenas poderiam cair se a execução não pudesse prosseguir quanto a nenhuma dívida de Y ao Condomínio.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, julgando-se extinta a execução no que se refere ao valor de 7064,93€, prosseguindo pelo valor de 8705,19€.
Custas por Y em 55,20% e pelo Condomínio em 44,80%.
Porto, 24/09/2015
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto