PER 547/14.1TYVNG.P1 do J3 da 2ª Secção de Comércio de Vila Nova de Gaia

            Sumário:

              Tendo o plano de recuperação sido rejeitado por maioria dos credores e tendo já decorrido o prazo para negociações previsto no art. 17-D/5 do CIRE, o processo negocial considera-se encerrado, o que vai implicar o encerramento do processo especial de revitalização, com consequências diversas consoante o devedor se encontre ou não em situação de insolvência (art. 17-G, nºs. 1 a 3, do CIRE) e contra isto não importa que o tribunal pudesse entender que o plano devia ter sido aprovado, pelo que é irrelevante que o devedor, em recurso interposto, venha defender que o plano era a melhor solução para a sua situação; e este entendimento das coisas em nada ofende as normas constitucionais que se referem à iniciativa privada ou à actividade empresarial.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            Em 28/05/2014 a X, SA, comunicou ao tribunal que pretendia dar início a negociações conducentes à sua recuperação; alegou que se encontrava numa situação económica difícil, com um capital social de 50.000€ e um passivo de mais de 1.600.000€, estando com sérias dificuldades em cumprir algumas das suas obrigações vencidas, tendo já várias execuções judiciais pendentes contra si, mas que ainda era susceptível de recuperação.

            A lista provisória de créditos foi apresentada a 07/07/2014 (fls. 183 a 190) e no dia 08/07/2014 foi publicada no portal citius (estes dados constam, por exemplo, do requerimento do credor de fls. 261 e segs e do parecer do MP de fls. 883).

            Em 11/09/2014 a X e o administrador judicial provisório nomeado pelo tribunal vieram informar que tinham acordado na prorrogação por mais 1 mês do prazo de 2 meses para as negociações (fls. 817v; isto confirma implicitamente o que já resulta do que consta do parágrafo anterior; assim, o prazo de 2 meses do art. 17-D/5 do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas iniciou-se a meados de Julho de 2014; prorrogado por um mês, ao abrigo do mesmo artigo, terminaria a meados de Outubro de 2014; discussão sobre a contagem dos prazos pode ver-se, por exemplo, no ac. do TRP de 19/11/2013, 579/13.7TBSTS.P1, que remete para outros, deixando claro, entre o mais, que “a contagem destes prazos não dependente nem da decisão de impugnações formuladas nem da conversão em definitiva da lista provisória de créditos”; no mesmo sentido, por exemplo, vai o ac. do TRL de 05/02/2015, 85/14.2TJLSB.L1-8, esclarecendo, entre o mais, que “as negociações entre devedor e os credores devem concluir-se no prazo máximo de 3 meses, contados desde o termo do prazo para a apresentação das impugnações à lista provisória de créditos, não estando sujeito a despacho judicial concedendo, caso solicitado, a prorrogação de prazo [dito de outro modo: não podendo ser concedida a prorrogação do prazo – parenteses deste ac. do TRP]; ainda no mesmo sentido, veja-se o ac. do TRL de 13/03/2013, 1904/12.3TYLSB.L1-2; o ac. do TRC de 21/04/2015, 2460/14.3TBLRA.C1, com um voto de vencido; e o ac. do TRC de 12/03/2013, 6070/12.1TBLRA-A.C1).

            Em 29/10/2014 o AJP comunicou ao tribunal o resultado da votação a que se refere o art. 17-F/4 do CIRE, dizendo que tendo votado 92,68% dos créditos com direito a voto, 62,94% votaram contra o plano de recuperação. Depois, em 10/11/2014, comunicou ao tribunal que, tendo sido o resultado da votação a não aprovação do plano, não podia deixar de concluir-se pelo insucesso do processo especial de revitalização. E em 20/11/2014 emitiu parecer no sentido de que a X se encontrava em situação de insolvência e, por isso, requereu a insolvência da mesma, tudo nos termos do art. 17-G/4 do CIRE.

            Em 10/02/2015 foi proferido despacho, epigrafado ‘de encerramento’ dizendo-se que o AJP tinha comunicado o resultado da votação do plano e que do sentido dos votos conjugado com a lista definitiva de credores se concluía que o plano não foi aprovado, o que se reconhecia e declarava, determinando que, dado o decurso integral do prazo de negociações, se procedesse à publicação do facto no portal citius – encerramento das negociações sem aprovação – para os efeitos previstos no art. 17-G/1 do CIRE. Depois condenou-se em custas a X e, mais à frente, ordenou-se a extracção de uma certidão e posterior remessa da mesma à distribuição, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17-G/3 do CIRE.

            A X vem recorrer deste despacho – para que seja revogado e se permita à X a apresentação de um novo plano de recuperação, ou a manutenção do mesmo com alterações a negociar com os credores, evitando desta forma a insolvência – porque a recuperação seria o melhor cenário para a X e para a salvaguarda dos interesses dos credores e uma eventual insolvência com liquidação (a solução para a qual o despacho recorrido encaminhou a X) revelar-se-ia mais prejudicial aos interesses destes do que a aprovação de um plano de recuperação; e depois de escrever sobre a iniciativa económica privada, objecto do art. 61/1 da Constituição da República Portuguesa, diz que caso não se permita a viabilização da X se estará a violar (a X não explica como, quer no corpo das alegações quer nas conclusões) para além daquele artigo, o art. 86/1 da CRP (que diz que o Estado incentiva a actividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas) e o art. 5 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a cujo conteúdo a X não faz qualquer referência quer no texto das alegações ou nas conclusões); e o art. 17-G do CIRE estará a ser interpretado pelo tribunal em sentido contrário a essas normas, gerando a inconstitucionalidade da decisão proferida.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            O recurso – que só foi autuado neste TRP em 30/07/2015 – foi admitido com efeito devolutivo, como não podia deixar de ser (art. 14/5 do CIRE), apesar de a X pretender que lhe fosse atribuído efeitos suspensivo, sem invocar para tanto qualquer base legal.

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            Questão a decidir: se o processo especial de revitalização não devia ter sido encerrado.

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            Nos termos do art. 17-G/1 do CIRE, caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo [especial de revitalização], se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.

            Resulta disto que o processo negocial não é encerrado por despacho do juiz mas sim pela verificação alternativa ou conjugada de circunstâncias que nada têm a ver com o tribunal: por um lado a conclusão, dos credores, de que não é possível chegar a acordo, o que resulta, no caso, da não aprovação, por votação dos credores e já depois de ultrapassado o prazo das negociações, do plano apresentado (já que, no caso, a não aprovação do plano não se ficou a dever ao facto de não se cumprirem os mínimos legalmente previstos, antes traduz a expressão da oposição por parte dos credores que constitui, só por si, maioria necessária para antecipar o fim do processo; a razão da frustração [do processo negocial] pode igualmente residir no facto de, apesar de existir um acordo, ele não concitar a maioria dos votos necessários – neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, pág. 176, nota 11 e pág. 172, nota 2) e, por outro lado, da ultrapassagem deste prazo das negociações (mesmos autores e obra, pág. 173, nota 3, e acórdãos citados acima a propósito da contagem do prazo).

            O despacho judicial recorrido não é o facto que determina o encerramento do processo negocial; ele limita-se, expressamente, a reconhecer e declarar verificado o conjunto de factos que determinaram o encerramento do processo negocial; encerramento que, desta vez implicitamente, já resultava da comunicação do AJP ao tribunal.

            Por sua vez, encerrado o processo negocial, já depois de há muito ultrapasado o prazo legal para as negociações, não restava ao tribunal outra alternativa que não a de encerrar o processo especial de revitalização, o que fez com o despacho recorrido, e contra isto não importa que o tribunal pudesse entender que o plano devia ter sido aprovado, pelo que é irrelevante o que, a propósito, a X diz ao longo das alegações do seu recurso (a explicação da distinção entre processo negocial e processo especial de revitalização é feita por Alexandre de Soveral Martins, Um curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, págs. 491 a 497, e pressuposta por Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pág. 172, nota 2, e págs. 176/177, nota 12; a distinção, expressa, também é feita pelo ac. do TRC de 21/04/2015, 84/14.4TBACB-B.C1, mas, relativamente a este acórdão anote-se que, ao contrário do que aí é pressuposto, no art. 17-G/1 não se exige uma decisão do AJP de encerramento do processo negocial, isto é, por exemplo, o processo negocial é encerrado pela ultrapassagem do prazo e não por decisão do AJP).

            Não se conhece qualquer posição doutrinária ou jurisprudencial contrária a este entendimento, nem a X tem uma linha de texto que seja, no seu recurso, a defender a possibilidade de, depois de encerrado o processo negocial, já depois de esgotado, há muito, o prazo prorrogado do mesmo, o juiz mesmo assim deixar – com que base legal? – seguir o processo especial de revitalização, ou reabrir o processo negocial, com o fim de permitir a apresentação de um novo plano de recuperação, ou a manutenção do mesmo com alterações a negociar com os credores, como pretende, no recurso, a X, sem, aliás, ter antes colocado tal questão no tribunal recorrido (questão diferente seria a de o processo negocial ter continuado sem interrupção e ter sido conseguido um acordo aprovado pela maioria relevante dos credores, pois que, aqui, contrariamente ao defendido pelos acórdãos citados acima a propósito da contagem do prazo, os acs do TRL de 09/12/2014, 62/14.3TYLSB-A.L1, e de 10/04/2014, 8972.13.9T2SNT.L1-7, e o do TRG de 09/04/2015, 958/14.2TBGMR.G1, com um voto de vencido, entendem, sem razão, que o plano podia, mesmo assim, ser homologado; mas esta, de qualquer modo, não é a situação dos autos).

            Quanto às afirmações de inconstitucionalidade: tratam-se de simples afirmações da X, feitas em conclusões com conteúdo exactamente igual ao corpo das alegações, sem o mais pequeno esforço argumentativo que seja e sem sequer indicar qual a norma em concreto, daquelas que decorrem do art. 17-G do CIRE, que estaria a ser aplicada e com que sentido e qual o sentido, constitucional, com que ela devia ter sido interpretada.

            De qualquer modo, diga-se que o facto de a lei prever que um processo negocial seja encerrado por uma das partes chegar à conclusão que não vai chegar a acordo, faz parte da própria natureza e lógica das coisas, e por isso não pode estar em conflito com nenhuma norma da CRP.

            E também nada tem de inconstitucional, sem mais, prever-se que um processo negocial seja encerrado se tiver sido ultrapassado o prazo legal previsto para o mesmo, prazo cuja inconstitucionalidade nunca foi posta em causa pela X.

            Por fim, o encaminhamento para um processo de insolvência, a requerimento do AJP, é uma consequência da putativa situação de insolvência da X, segundo entendimento daquele AJP, situação que ainda terá de ser apreciada pelo tribunal (o despacho recorrido não contém qualquer declaração de insolvência; terá seguido a prática comum nestas situações, de que dá conta, por exemplo, o ac. do TRP de 26/03/2015, 89/15.8T8AMT-C.P1), nada tendo de ofensivo da possibilidade da iniciativa privada ou da actividade empresarial.

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            Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

            Custas pela X.

            Porto, 10/09/2015.

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto