Impugnação de resolução 2996/12.0TBPRD-G do J2 da Secção de Comércio de Amarante

           Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            A 23/11/2012 foi nomeada a Administradora da Insolvência no processo de insolvência de A e mulher, B.

            A 11/06/2013 chegou ao poder de C uma carta enviada pela AI a resolver uma hipoteca que tinha sido constituída a favor daquele pelos insolventes, invocando-se nessa carta, em termos sintéticos os três pressupostos da resolução condicional do art. 120 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: prejudicialidade, prática do acto num período de dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e má fé do terceiro

            Este terceiro intentou a 05/09/2013 a presente acção contra a massa insolvente pedindo que se declare nula e desprovida de qualquer efeito a resolução da hipoteca constituída a seu favor, ou, subsidiariamente, se reconheça e gradue o crédito do autor como crédito comum; entre o mais, alegou que a resolução foi feita depois de decorrido o prazo de 6 meses que a AI tinha para o efeito (art. 123/1 do CIRE), isto porque aquele prazo se contava do conhecimento do acto, ou seja, no caso, da constituição da hipoteca e esta constava do processo no momento da nomeação da AI.

            A massa contestou, entre o mais impugnando a extemporaneidade da resolução.

            Depois de junta oficiosamente uma certidão que comprovaria os factos que mais à frente serão transcritos e de o tribunal ter anunciado que era seu propósito valorar tal documento – e de ter mandado cumprir o “princípio da audiência contraditória” quanto a tal propósito, na sequência do que apenas os autores se pronunciaram, dizendo que tal documento lhes dava razão na arguição da prescrição do direito de resolver a hipoteca -, foi proferida sentença, a 02/07/2014, julgando procedente o pedido e condenando “a massa insolvente a ver julgado ineficaz [por caducidade] o acto de resolução que pretendeu operar relativamente aos autores destes autos.”

            A massa recorre desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue improcedente a caducidade, seguindo o processo os seus ulteriores termos – terminando as suas alegações com conclusões que a seguir serão transcritas na parte útil.

            Os autores não contra-alegaram.

                                                      *

            O recurso foi admitido a 09/12/2014 e só foi remetido a este TRP a 09/06/2015, tendo entrado a 11/06/2015.

                                                      *

            Questão a decidir: se a resolução foi extemporânea.

                                                      *

            Para a solução desta questão foram considerados como provados os seguintes factos:

A) A 21/11/2012 foi pela nomeada AI aceite a função que lhe foi incumbida, tendo a mesmo sido notificada a 23/11/2012 para os termos dos autos.

B) A 23/11/2012 foi publicitada a declaração de insolvência através do anúncio no portal citius.

C) A 19/12/2012 foi pela nomeada AI junto o relatório ao abrigo do artigo 155 do CIRE.

D) A lista dos credores reconhecidos pela nomeada AI deu entrada em juízo no dia 24/04/2014.

E) A carta de resolução do negócio foi recepcionada pelos autores a 11/06/2013.

                                                      *

                                        Razões da sentença

            Estas podem sintetizar-se assim:

         Os actos prejudiciais à massa insolventes podem ser resolvidos em determinadas condições.

         O art. 123/1 do CIRE diz que a resolução pode ser efectuada pelo AI por carta registada com aviso de recepção nos 6 meses se-guintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos 2 anos sobre a data da declaração de insolvência [embora a epígrafe do art. seja “forma de resolução e prescrição do direito”, considera-se que a expressão “prescrição do direito” foi impropriamente utilizada do ponto de vista da técnica jurídica, pois estamos em presença de um caso de caducidade do direito potestativo à resolução. A articulação dos dois pra-zos (de caducidade) a que se refere o art. 123 do CIRE faz-se assim: o direito de resolução caduca com o decurso daquele que primeiro correr].

         Nos termos do previsto no n.º 1 do art. 306 do CC, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

         O art. 54 do CIRE prevê que mal o administrador é notificado da nomeação inicia funções.

         Em concreto, não pode deixar de haver um momento exacto passível de ser enunciado e absolutamente subtraído à disponibili-dade do AI que, exercendo com zelo as suas funções, fica a partir do momento em que é investido nas mesmas (art. 54 do CIRE) investido, também, do conhecimento de todos os elementos que lhe permitem exercer cabalmente a função, nomeadamente, os que respeitem a negócios lesivos para a massa passíveis de resolução.

         Se não teve esse conhecimento foi porque não quis (e teve seis meses para se inteirar de todos os elementos de que precisava). De outro modo, ficavam os intervenientes nos negócios sujeitos à incerteza do momento que, para AI seria oportuno julgar conhecer o direito para desse modo o poder exercer (com a limitação dos dois anos previstos no normativo).

         Posto isto, e em concreto nos autos, na data de 21/11/2012 o AI nomeado nos autos aceitou a função que lhe foi incumbida, sendo que na data de 23/11/2012 o nomeado AI foi notificado para os termos dos autos. E, não pode deixar de se considerar que é a partir desta data que o AI pode exercer o direito (n.º 1 do art. 306 do CC), portanto é a partir desta data que se inicia o prazo consagrado no art. 123 do CIRE.

         Assim, o prazo de seis meses a que o legislador iniciou-se na data de 24/11/2012 e terminou a 24/05/2013. Portanto, quando a 11/06/2013 o AI pretendeu resolver o negócio já o prazo de seis meses havia decorrido há mais de um mês.

Razões da massa

  1. [A sentença de que se recorre] entende que o prazo começa a contar desde a data em que o administrador é notificado para os termos dos autos.
  2. No entanto, não se pode concordar com tal interpretação pois, conforme resulta da letra e do espírito daquele normativo [art. 123/1 do CIRE], tal prazo apenas se inicia a partir da data do conhecimento do acto e não apenas da declaração de insolvência, conhecimento esse que terá de incluir as circunstâncias que o habilitavam a resolvê-lo, ou seja, do conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa, em benefício da massa insolvente. Neste mesmo sentido já se pronunciaram o ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 26/11/2012 (1056/09.6TBLSD-D.P1), e o ac. do TR de Coimbra de 21/05/2013 (928/11.2TBFIG-J.C2), ambos in http://www.dgsi.pt.
  3. Se assim não fosse, tendo em atenção que o AI é nomeado na sentença de declaração de insolvência, teria vingado a versão do prazo “de seis meses contados a partir da declaração de insolvência” constante do anteprojecto do CIRE, tornando o início da contagem do prazo dependente de um prazo certo, fixado por sentença, facilmente verificável (como a Srª juíza a quo parece fazer agora).
  4. A valer tal interpretação, não faria sequer sentido a existência de um segundo prazo de dois anos, contido naquela norma, que baliza o limite máximo do acto resolutivo! Bastaria contar seis meses a partir da data de nomeação do administrador (que é a da sentença de declaração de insolvência) e teríamos a prescrição (caducidade) verificada.
  5. Acresce que, como agora é entendido maioritariamente na jurisprudência, a carta de resolução tem de conter os fundamentos da resolução, não podendo essa falta ser suprida na contestação. Assim torna-se evidente que o AI terá de, primeiro, conhecer o acto propriamente dito, investigar, reunir elementos de prova, ponderar se os mesmos preenchem tais requisitos e, só depois, enviar a carta de resolução. O conhecimento de tais factos não podem ocorrer pelo simples acto de nomeação como AI pelo Tribunal, como sustenta a argumentação da Srª juíza a quo, sendo certo, como foi o caso dos autos, que muitas vezes só tem conhecimento do acto resolúvel bem mais tarde, nomeadamente na assembleia de credores.
  6. Assim, no caso dos autos, no presente momento, não está demonstrada nem provada qualquer caducidade (prescrição), pelo que decidiu mal o tribunal a quo.

                                                      *

            Posto isto,

            Como diz a massa, se a construção da sentença estivesse certa, então não seria necessário o outro prazo de 2 anos previsto no art. 123/1 do CIRE. Em todos os casos, bastaria o prazo de 6 meses.

            Isto é,

            A sentença faz equivaler a notificação da nomeação ao AI “ao conhecimento de todos os elementos que lhe permitem exercer a função, nomeadamente, os que respeitem a negócios lesivos para a massa passíveis de resolução” e por isso conta o prazo de 6 meses a partir daquela notificação.

            Ora, como diz a massa, se assim fosse “teria vingado a versão do prazo ‘de 6 meses contados a partir da declaração de insolvência’ constante do anteprojecto do CIRE [art. 107, onde apenas se previa o prazo de 6 meses – como informam Carvalho Fernandes e João Labareda CIRE anotado, 2015, Quid Juris, pág. 510, anotação 2], tornando o início da contagem do prazo dependente de um prazo certo, fixado por sentença, facilmente verificável. […] Bastaria contar 6 meses a partir da data de nomeação do administrador (que é a da sentença de declaração de insolvência) e teríamos a prescrição (caducidade) verificada.”

            Mas, assim, não se justificaria a alteração da versão do artigo, do anteprojecto para a lei. Esta alteração traduz a opção, do legislador, pela posição contrária. E é também isso que justifica, como diz a massa, “a existência de um segundo prazo de 2 anos, contido naquela norma, que baliza o limite máximo do acto resolutivo.” Ou seja, este prazo de 2 anos tornou-se necessário devido à falta de um prazo certo contado da declaração da insolvência.

            Por outro lado, se fosse como a sentença diz, então não se tomaria em consideração que a resolução condicional do art. 120 do CIRE, que é a que foi exercida, depende do preenchimento de três requisitos (Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE citado, pág. 501, anotação 10, e Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, CIRE anotado, Almedina, 2013, págs. 356, anotação 3), entre eles o da má fé do terceiro, que, ao menos no caso, não se demonstra que pudesse ser extraída, pela AI, do que já constasse do processo de insolvência (isto já dando de barato que em relação aos outros dois requisitos – a prejudicialidade para a massa e prática do acto prejudicial no período de 2 anos anteriores – eles seriam extraíveis da leitura do eventual registo predial que constasse já do processo, questão sobre a qual, de qualquer modo, a sentença nada diz).

            Ora, nada se sabendo sobre a data em que a AI teve conhecimento de um dos três requisitos exigidos para a resolução do acto, não se pode dizer que, antes do envio da carta de resolução ela já estivesse, há 6 meses, de posse de todos os elementos necessários à conclusão de que estava perante um acto resolúvel, porque a constituição da hipoteca, ocorrida no período de 2 anos anteriores ao início do processo de insolvência era prejudicial à massa e tinha sido constituído estando o seu beneficiário de má fé.

            Dito de outro modo: o conhecimento do acto não é o conhecimento da constituição da hipoteca, mas é o conhecimento do acto prejudicial e praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, e cuja resolubilidade pressupõe a má fé, ou seja, é o conhecimento de um acto resolúvel, resolubilidade que dependente da verificação destes três requisitos.

            Neste sentido, veja-se o ac. do TRG de 26/03/2009, 1274/07.1TBBRG-Q.G1: “[…A] caducidade invocada não respeita ao acto em si mesmo, mas antes ao acto resolúvel, ou seja, àquele acto juridicamente valorado à luz dos legais requisitos fixados no art. 120 do CIRE. Se o administrador tem conhecimento dos contratos há mais de seis meses mas só agora soube da prejudicialidade de tais actos e/ou da má fé dos adquirentes, não pode haver-se por caducado o direito de resolução, pois ele apenas nasce com o conhecimento da resolubilidade do próprio acto.” No mesmo sentido, veja-se o ac. do TRP citado pela recorrente, em cuja nota 7 se diz: “O conhecimento do acto não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do acto cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do acto sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente.” Este acórdão vem na sequência de um outro com o mesmo relator, do TRC de 24/05/2011, 1791/08.6TBLRA-K.C1; aderindo à mesma, veja-se o ac. do TRC de 21/05/2013, 928/11.2TBFIG-J.C2; seguindo esta formulação, veja-se também o ac. do TRP de 08/09/2014, 1012/11.4TBESP-E.P1; tal como o ac. do TRL de 23/10/2014, 5572/10.9TBCSC-G.L1-8.

            Contra, no entanto, veja-se o ac. do TRP de 12/05/2014, 3324/10.5TBSTS-F.P1: “V I- Esse prazo conta-se desde o conhecimento do acto, ou seja, das partes nele intervenientes, da sua data, do seu objecto e das obrigações dele resultantes para cada uma das partes, e não desde o conhecimento pelo administrador da insolvência dos pressupostos que podem fundamentar a resolução.” No mesmo sentido, veja-se o ac. do TRG de 10/04/2014, 738/12.0TBFAF-J.G1.

            Note-se que esta posição seguida por estes dois acórdãos poderia servir de fundamento bastante à sentença recorrida, embora então esta devesse ter feito menção ao facto alegado pelo autor, ou seja, que constava do processo de insolvência uma certidão predial comprovativa da constituição da hipoteca e deveria concluir que tal bastava para “o conhecimento do acto”.

            Mas, pelo que já se disse, não se aceita que seja esta a solução correcta.

            Pelo que, para já, não se podia declarar a caducidade do direito. Ou seja, o estado dos autos não permitia decidir, já, a questão da caducidade, o que quer dizer que, para já também não pode ser declarada improcedente a excepção deduzida.

                                                      *

            Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos.

            Custas pela parte vencida a final.

            Porto, 02/07/2015

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto (voto a decisão)