Recurso em separado 7091/15.8T8PRT-B da 1ª secção de execução do Porto – J8

            Na acção de despejo 409/12.7TBVCD, em que era autor A e ré A, Lda, foi homologada, por sentença, a transacção a que as partes chegaram, pondo termo ao processo, na qual, entre o mais, (i) a ré reconhecia a existência do contrato de arrendamento que o autor invocava; e (ii) autor e ré acordavam na cessação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 04/11/2013 (é a data da transacção), comprometendo-se a ré a entregar o imóvel objecto do arrendamento a qualquer dos comproprietários, ao autor ou ao chamado, B, no prazo de 30 dias, bem como a pagar 76.736€ a título de rendas vencidas até àquela data.

            Por escritura notarial de 05/08/2014, B, com o consentimento da mulher, doou aos seus pais, PB e mulher, a metade indivisa do prédio a que respeitava o arrendamento referido acima, tendo estes aceitado a doação.

            A 02/03/2015, PB requereu execução contra a A, Lda, para entrega do imóvel.

            A executada veio, a 24/04/2015, opor-se à execução, por embargos, entre o mais invocando a transacção referida acima e dizendo que o arrendamento já tinha cessado há muito e as chaves e o imóvel já tinham sido entregues ao comproprietário A ainda no ano de 2013, pelo que a instância devia ser declarada extinta por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide; por outro lado, diz, aquele comproprietário A intentou uma acção a pedir a declaração de nulidade da doação que o outro comproprietário, B, tinha feito aos pais, pelo que, se essa acção viesse a ser julgada procedente, o exequente deixaria de ser comproprietário, o que se traduziria numa causa prejudicial, pelo que a instância devia ser suspensa (art. 272 do CPC); termina pedindo, entre o mais, que os embargos sejam julgados procedentes e extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ou, caso assim não se entenda, deve ser declarada a suspensão da instância executiva em virtude da pendência da causa prejudicial.

            O exequente opôs-se.

            O tribunal indeferiu o pedido de suspensão, por considerar que não se verificava a relação de prejudicialidade invocada, já que o que importava é que o exequente fosse comproprietário à data do requerimento executivo, o que não tinha sido posto em causa.

            O executado recorre deste despacho.

            A exequente não contra-alegou.

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            O relator já manifestou o entendimento de que o despacho de indeferimento da suspensão era irrecorrível, com base no seguinte, agora mais desenvolvido:

            O art. 644/2c do CPC diz que “cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: […] c) Da decisão que decrete a suspensão da instância. […]” E o n.º 3 acrescenta: as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

            Ora, não havendo qualquer norma que preveja que a decisão que não decrete a suspensão – ao contrário do que se prevê quanto à decisão que decrete a suspensão – é susceptível de apelação autónoma, aplica-se a norma residual do art. 644/3 do CPC e, por isso, não é admissível recurso autónomo de tal decisão (neste sentido, por exemplo, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Set2014, pág. 536).

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            O embargante notificado – nos termos do art. 655/1 do CPC – para se pronunciar sobre esta hipótese de não conhecimento do recurso, veio dizer que tinha interposto recurso com base na alínea h) do art. 644/2 do CPC e para isso invoca os mesmos argumentos que o levam a dizer que a causa que invocava era prejudicial acrescentando que o despacho recorrido pode ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido a posterior.

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            Antes de continuar, diga-se, oficiosamente, que o art. 853/4 do CPC não tem implicações na decisão; ele limita-se a determinar o momento, o modo e o efeito dos recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art. 853, determinando que, em relação aos despachos que ponham termo à execução ou a suspendam, os recursos sobem imediatamente e nos próprios autos enquanto todos os outros sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (assim, por exemplo, Rui Pinto, pág. 1033, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013).

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            Posto isto, e quanto à norma invocada pela embargante, o art. 644/2h) do CPC – Cabe ainda recurso [autónomo] de apelação […d]as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil –, diga-se que ela tem tido desde há muito a leitura corrente e unânime que pode ser sintetizada com a seguinte passagem da obra de Abrantes Geraldes:

         “O advérbio empregue (absolutamente) marca bem o nível de exigência imposto pelo legislador (….). Não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior não passará de uma ‘vitória de Pirro’, sem qualquer reflexo no resultado da acção (Recursos em Processo Civil, Almedina, 2007, págs. 182/183).

            Neste sentido, por exemplo e por últimos, vejam-se os acs. do TRC de 10/12/2013, 123/13.6TBGRD-B.C1, do TRC de 29/10/2013, 737/08.6TM AVR-E.C1 (que lembra jurisprudência antiga no mesmo sentido: acs. do STJ de 04/03/1979, BMJ 285, pág. 243, de 21/07/1987, BMJ 369, pág. 489, e de 21/05/1987, BMJ 467, pág. 536, do TRC de 14/01/1993, CJ, I, pág. 10, e de 04/12/1984, CJ, V, pág. 79, e do TRP de 24/05/1984, CJ, III, pág. 246), do TRP de 28/05/2013, 3255/08.9TJVNF-B.P1 (que lembra o ac. do STJ de 21/05/1997, BMJ 467, págs. 536/540), do TRP de 18/02/2012, 295/11.4TBCHV-A.P1 (que lembra os acs. do TRL de 21/01/2009, 569/2009-4 e do TRC de 28/04/2009 210/04.ITALH-A.C1) e do TRL de 03/11/2011, 7708/10.0TBCSC-A.L1-2

            Leitura que é de igual modo feita no âmbito de outras matérias – por exemplo, de trabalho (do TRC de 17/01/2013, 889/11.8TTLRA.C1, com referência ao art. 79-A/2h do CPT, que lembra os acórdãos antigos do STJ de 09/11/1984, BMJ 341, pág. 369, do STJ de 21/07/1987, BMJ 369, pág. 489, do STJ de 10/03/1993, BMJ 430, pág. 424, do TRP de 05/06/1990, BMJ 398, pág. 585, e do TRC de 11/03/1998, BMJ 475, pág. 786, e do TC de 16/03/1993, 208/93) e de penal (ac. do TRL de 05/04/2011, 1473/08.9TASNT-A.L1-5, com referência ao art. 407/1 do CPP) – a revelar a referida unanimidade, sendo certo ainda que essa leitura tem sido declarada não sofrer de qualquer vício de inconstitucionalidade (neste sentido, os acs. do Tribunal Constitucional citados por Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, na nota 3 do art. 691/2m) do CPC antes da reforma de 2013 [igual ao actual art. 644/2h)], págs. 79 a 81 do CPC anotado, vol. 3º, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora).

            Assim, não será a possibilidade de vir a ser revogada a decisão que não deferiu a suspensão, a determinar a admissibilidade do recurso imediato (autónomo) de tal decisão; é que, se mais tarde, em recurso oportunamente interposto (e em que se demonstre o interesse no recurso – Lebre de Freitas, Acção executiva…, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 423), for revogada a decisão que não admitiu a suspensão, é por se entender que ela devia ter sido deferida, e tal terá a consequência de se ter de ordenar a anulação de todo o processado posterior. E, assim, a embargante terá obtido aquilo que pretendia com o recurso que, por isso, não se poderá dizer ter ficado inutilizado por só ser admitido com o recurso da decisão final.

            Por outro lado, o processo já esteve à espera que o recorrente prestasse caução para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, mas o recorrente, contraditoriamente com o receio que invoca, não prestou caução – o que indicia que a invocação da acção prejudicial, o pedido de suspensão e o recurso interposto apenas têm por fim prejudicar o andamento normal do processo. O que também é indiciado pelo facto de um dos fundamentos dos embargos ser o facto de a executada já ter entregue o imóvel… e no entanto vir pedir a suspensão com o fundamento de que a entrega do imóvel… pode prejudicar… terceiro… (o comproprietário), o que é inconcebível por, pelo menos, duas razões: se já o entregou voluntariamente, não pode dizer que a entrega lhe poderá causar prejuízos e o prejuízo para terceiro não pode ser causa de suspensão num processo em que esse terceiro não é parte.

            O que tudo é mais que suficiente para, para além do mais, se dizer que não há indícios de a decisão de não suspensão puder ter “um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido a posterior.”

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            De resto nada tem de estranho a não admissão de recurso de despachos que não suspendam a instância e que sejam proferidos ao abrigo do art. 272/1 do CPC, mesmo que, em termos práticos, tal se traduza na não admissão, em definitivo, de recurso sobre tal decisão (o que é provável que aconteça no caso de execuções, tendo em conta o disposto no art. 853 do CPC).

            Desde logo, porque esses despachos são manifestações de um poder discricionário – na parte em que consubstanciam um juízo de conveniência na suspensão – e os despachos proferidos no uso de um poder discricionário não são susceptíveis de recurso (arts. 152/4 e 630/1 do CPC e Lebre de Freitas…., obra citada, 2014, pág. 536).

            Depois porque as execuções só devem ser suspensas nos apertados termos das normas legais que prevejam causas de suspensão (art. 704/5, 733/1b e c, 785/3, 793 e 863, todos do CPC). 

            Ora, suspender a execução fora destes casos é defraudar a intenção da lei em que a execução prossiga em todas as situações em que ela não preveja o contrário (de algum modo neste sentido, Lebre de Freitas…, obra citada, 2014, pág. 537).

            Por fim, sempre se tem dito que (i) a primeira parte do art. 272/1 do CPC não é aplicável às execuções (Lebre de Freitas… obra citada, 2014, págs. 536/537, com referências doutrinárias e jurisprudenciais; no mesmo sentido, a 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 545/546): ou seja, que “a acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão duma causa e pressupondo o título a existência da obrigação exequenda, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito” (e é isto que está na base do despacho recorrido); e que (ii) a 2ª parte do art. 272/1 do CPC não pode fundar “a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma” (autores e obra citada, 2014, pág. 538).

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            Depois de tudo isto, entretanto, já decorre, por força do que foi necessário considerar, que, se tivesse que ser conhecido o recurso, era evidente o resultado do mesmo: a execução não devia ser suspensa, pelo que o despacho recorrido não merece nenhuma censura: a embargante não pode dizer que a eventual entrega do imóvel lhe pode causar prejuízos quando diz que já o entregou; nem pode invocar prejuízos para terceiros decorrentes dessa entrega, porque este processo não tem por objecto os direitos desse terceiro (que a embargante não representa…).

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            Pelo exposto não se pode conhecer do objecto do recurso, pelo que o julgo findo [arts. 655 e 652/1h), ambos do CPC].

            Custas pela recorrente.

            Porto, 23/02/2016.

            Pedro Martins