[Este acórdão recaiu sobre o ac. do TRL de 24/11/2009, publicado aqui. Foi anulado por despacho do próprio relator no STJ por, devido a lapso, não se ter atentado que o arguido tinha requerido a realização de audiência de julgamento no STJ. Mantém todo o interesse doutrinário.]

        Na sequência de julgamento realizado na 4.ª Vara Criminal de Lisboa, em processo comum e com intervenção do tribunal do Júri foi proferido acórdão em 07/07/2009 que condenou o recorrente, W, solteiro, nascido a 11/12/1984 em X, B, residente antes de preso nesta cidade de Lisboa, pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de:

  • um crime de roubo qualificado na forma consumada p. e p. pelos arts. 210.° n°.s l, e 2, al. b). e 204.° n.º 2, als. a) e f), do CP, na pena de 8 anos de prisão,
  • dois crimes de sequestro p. e p. pelo art. 158.° n.° 1, do CP, na pessoa de A e V, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada crime,
  • quatro crimes de sequestro p. e p. pelo art. 158.°, n.° 1, do CP, na pessoa de D, P, C e M, na pena de 6 meses de prisão, por cada crime.
  • um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo arts. 86.° n.° 1, al. c), e 2.°. n.° 1, al. t), da Lei 5/06 de 23-02, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

            Em cúmulo jurídico de penas, foi o arguido condenado, na pena única de 11 anos de prisão, e ainda na pena acessória de expulsão do território nacional por um período de 8 anos.

            Foram também julgados procedentes e provados os pedidos de indemnização cível, deduzidos contra o arguido por Banco, A e V, e o recorrente e arguido foi então condenado a pagar ao Banco a quantia de 15.169,23€, a pagar a A a quantia de 10.000 euros, a pagar a V a quantia de 10.000 euros e ainda a cada um dos demandantes juros de mora à taxa supletiva legal, com vencimento a partir de 15/4/2009 até integral pagamento da indemnização.

            Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 24/11/2009, lhe concedeu parcial provimento, alterando o acórdão recorrido apenas na parte das condenações pelos crimes e penas principais, sendo que:

  • pela tentativa de um crime de roubo qualificado (arts. 22.°, 73.° e 210.°, n.° 2, al. b), e 204.° n.° 2, al. a), e f), todos do CP) o condenou ao cumprimento de uma pena de 6 anos de prisão,
  • por um crime de sequestro (art. 1 58.°, n.° 1, do CP), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão,
  • por quatro outros crimes de sequestro, na pena de 6 meses de prisão por cada crime,
  • e por um crime de detenção de arma proibida (arts. 86.°, n.°1, al. c), e 2.° n.° 1, al.t), da Lei 5/2006 de 23-02), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

            Em cúmulo de penas foi o recorrente condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

            Irresignado o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal.

            A – DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

            1- MATÉRIA DE FACTO

            Factos provados e não provados (transcrição):

  1. Em 7/8/08, pelas 14h55m, na sequência de plano acordado entre ambos, o arguido e N dirigiram-se à agência do Banco, sita em x, em Lisboa, fazendo-se transportar na viatura x, conduzida por N.
  2. Ali chegados, N estacionou a viatura nas proximidades da referida agência bancária, na Av. X, e para ali se dirigiu, acompanhado pelo arguido.
  3. Na altura, o arguido e N, transportavam consigo duas pistolas de calibre 8 mm, adaptadas ao calibre 6,35 mm, devidamente municiadas, e um faca de cozinha com uma lâmina de 20 cm de comprimento.
  4. O arguido e N entraram na mencionada agência bancária, onde se encontravam os funcionários A e V, respectivamente gerente e subgerente daquele balcão, e os clientes D e P.
  5. Uma vez no interior da agência bancária, o arguido e N empunharam as pistolas que traziam consigo, as quais se encontravam em condições de disparar e apontaram-nas na direcção dos presentes dizendo: «Isto é um assalto! Mãos ao ar! Ninguém mexe em nada!».
  6. Seguidamente, o arguido e o seu acompanhante ordenaram aos funcionários e clientes presentes no local que se dirigissem para sala que serve de gabinete à gerente A, ao que eles obedeceram.
  7. Na sala para onde entraram, o arguido e N, fazendo uso de umas abraçadeiras plásticas que traziam consigo procederam à imobilização das mãos de V, D e P atrás das costas e ordenaram-lhes que permanecessem voltados para a parede o que eles fizeram.
  8. O arguido e o seu acompanhante disseram ainda aos presentes: «Pensam que estamos aqui a brincar? Eu meto uma bala na cabeça de cada um de vocês».
  9. De igual modo, o arguido e N, utilizando uma das referidas abraçadeiras, imobilizaram as mãos de A à frente do corpo e exigiram-lhe que lhes indicasse e abrisse o cofre da agência.
  10. A respondeu então ao arguido e ao acompanhante deste que só conseguiria abrir o cofre com o código do subgerente V, tendo de imediato pedido a este que facultasse ao arguido e a N a respectiva senha.
  11. Entretanto, entrou naquela agência C, que foi de imediato abordada pelo arguido W, que a conduziu para o gabinete onde se encontraram e igualmente lhe imobilizou as mãos atrás das costas, ordenando-lhe, como aos demais, que permanecesse voltada contra a parede.
  12. Seguidamente, entrou na agência bancária a cliente M, a qual foi imediatamente abordada por N, que igualmente a conduziu para o gabinete da gerente, onde o arguido lhe imobilizou as mãos atrás das costas.
  13. Enquanto o arguido permanecia junto de V e dos clientes aprisionados, vigiando-os, N arrastou A até ao cofre da agência, a fim de proceder à sua abertura.
  14. Enquanto isso, entraram na agência bancária dois agentes da PSP, ali enviados na sequência do alerta dado por uma outra cliente do Banco, T.
  15. Ao avistar esses agentes, o arguido […] apontou a pistola que tinha na mão contra V e, com a mão livre, agarrou-o pelo pescoço, de costas para si, como de um escudo se tratasse.
  16. Nesta posição, e mantendo a sua pistola apontada ao pescoço de V, o arguido deslocou-se com este para a área de atendimento ao público, de forma a serem vistos pelos agentes policiais e gritou, dirigindo-se a estes: «se vocês se aproximarem eu mato-o».
  17. Idêntico procedimento foi adoptado por N, que viu chegada dos agentes através do monitor do sistema de videovigilância, e, de pronto, arrastou A, mantendo-a junto de si e com a pistola encostada à cabeça, para a zona pública da agência.
  18. Em face da posição assumida pelo arguido e pelo seu companheiro, os agentes VG e SG saíram da agência, de forma a não colocarem em perigo a vida de A e V.
  19. Entretanto, o arguido, nervoso com a evolução da situação, conduziu V, mantendo-o imobilizado pelo pescoço e com a pistola encostada à cabeça, para a zona de acesso ao cofre, onde já se encontravam N e A.
  20. Aproveitando a falta de vigilância e obedecendo ao sinal efectuado pelos agentes policiais, D, P, C e M fugiram para o exterior da dependência bancária.
  21. Enquanto permaneceram na sala do cofre, o arguido e N obrigaram A e V a facultarem-lhes os respectivos códigos de abertura do cofre, que abriram, e do qual retiraram o dinheiro ali guardado, o qual, somado àquele que vieram a retirar da máquina ATM e da caixa dos depósitos em numerário, perfez a quantia monetária de 95.790 euros, que eles colocaram dentro de um saco.
  22. Cerca das 16h20m, o arguido e o seu acompanhante, após terem reunido a referida quantia e de terem constatado a inviabilidade de fuga pelas traseiras da agência, estabeleceram contacto telefónico, por intermédio de A com a equipa policial que vigiava o edifício, tendo exigido, então uma viatura de alta cilindrada, com o respectivo depósito de combustível atestado.
  23. Esta exigência foi reiterada cerca meia hora depois pelo arguido, utilizando o telefone de A, tendo acrescentado que se a viatura não fosse disponibilizada dentro de 15 minutos V seria morto.
  24. Decorrido aquele prazo, o arguido voltou a contactar por telefone a equipa policial, fixando novo período temporal de 15 minutos para satisfação da sua exigência e reiterando a ameaça feita.
  25. Pelas 18 horas, A foi contactada por telefone pela equipa policial, tendo sido informada de que a viatura solicitada iria demorar mais tempo do que o previsto.
  26. O arguido, que, entretanto, se apoderou do telefone a tempo de ouvir aquela informação, empunhou a pistola que mantinha na mão direita e efectuou um disparo no vazio, na direcção do corredor de acesso às casas de banho, enquanto gritava que teria de eliminar um dos funcionários aprisionados e exibir a respectiva cabeça para serem levados a sério e para que a fuga lhes fosse permitida.
  27. Pese embora o clima de grande perturbação e nervosismo vivido no interior da agência bancária, as negociações entre a PSP e o arguido e o seu acompanhante foram reatadas.
  28. Contudo, pelas 23h20m, perante a inviabilidade de qualquer acordo, o arguido e N decidiram fugir da dependência bancária na viatura pertencente a V, levando consigo A e o proprietário do veículo, a primeira no interior do habitáculo e o segundo no compartimento das bagagens.
  29. Em execução de tal decisão, o arguido e o seu acompanhante saíram das instalações da agência arrastando consigo os referidos funcionários.
  30. Foi então que os agentes do Grupo de Operações Especiais da PSP intervieram, libertando A e V.
  31. Como consequência directa e necessária dos factos anteriormente descritos, V sofreu hemorragia subconjuntival no olho direito, devida a corpo metálico (chumbo), feridas e escoriações da face, braço e hemitórax direitos, e diversos graus de angústia, ansiedade, medo, exaustão psicológica e desespero, sintomas psicopatológicos consistentes com o diagnóstico de reacção vivencial de adaptação.
  32. Por via das consequências descritas no ponto anterior, V sofreu 13 dias de doença, todos com afectação da capacidade para trabalho.
  33. Igualmente como consequência directa e necessária dos factos anteriormente descritos, A sofreu diversos graus de angústia, ansiedade, medo, exaustão psicológica e desespero, sintomas psicopatológicos consistentes com o diagnóstico de reacção vivencial de adaptação.
  34. Ainda como consequência directa e necessária dos factos anteriormente descritos, C sofreu equimoses nos ombros e coxa direitos, mialgias, cervicodorsalgias e stress traumático, que lhe determinaram 7 dias de doença, sendo 4 com afectação da capacidade de trabalho geral e 7 com incapacidade para o trabalho profissional.
  35. A pistola utilizada pelo arguido era semi-automática, originalmente com o calibre nominal 8 mm e destinada a deflagrar munições de alarme e/ou gás lacrimogéneo e posteriormente adaptada a disparar munição com projéctil de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 Auto na notação anglo-americana), sendo constituída por corpo e cano de uma pistola da marca Reck, modelo P6E ou P6S, com origem na Alemanha, e por uma corrediça proveniente de uma pistola da marca SM (Rhoner Sportwaffen), de modelo 110, com o nº 483991 gravado no seu lado esquerdo, igualmente com origem na Alemanha.
  36. A referida pistola apresenta as inscrições originais de calibre e encontra-se munida com um carregador compatível com os encontrados em pistolas da marca Reck, modelo P6E ou P6S, de calibre nominal 8 mm, originalmente para munição sem projéctil, à excepção, eventualmente, da mesa do carregador.
  37. Quando foi apreendida, a pistola utilizada pelo arguido continha no carregador uma munição de projéctil de calibre 6,35 mm Browning da marca Sellier & Bellot de origem checa e outra munição idêntica no interior da câmara.
  38. A mesma pistola apresentava-se em condições de efectuar disparos, apresentando deficiências pontuais de extracção/ejecção da cápsula deflagrada da câmara da arma, após o disparo.
  39. O arguido actuou em conjugação de esforços com N, mediante combinação entre ambos.
  40. Ao agirem conjuntamente da forma descrita, o arguido e o seu acompanhante pretendiam fazer coisa sua as quantias monetárias a que deitaram a mão e que somavam o valor total de 95.790 euros.
  41. Para o efeito, o arguido e N exibiram aos funcionários bancários A e V as pistolas e faca que trouxeram consigo, de forma a fazê-los recear pelas suas vidas e assim levá-los a aceder às suas exigências, nomeadamente, no sentido de lhes ser conferido acesso ao cofre da agência e a outros lugares da dependência bancária, onde se encontrava.
  42. O arguido e o seu acompanhante quiseram também privar da sua liberdade de movimentos os funcionários bancários A e V, bem como os clientes D, P, C e M, privação essa que, no caso dos dois primeiros se manteve até à intervenção dos agentes do GOE da PSP, que os libertou.
  43. O arguido era conhecedor das características da pistola que utilizou e sabia que não estava autorizado, de qualquer forma, a ter consigo e fazer uso desse instrumento.
  44. O arguido actuou voluntária e conscientemente, sabendo que a sua descrita conduta lhe era proibida por lei.
  45. O arguido é cidadão b, encontra-se em Portugal desde 12/5/07 e é detentor de uma licença de residência temporária neste país.
  46. A assistente Banco suportou as despesas a seguir descriminadas com vista à reparação dos estragos causados nas instalações da agência da Rua X, pela descrita conduta do arguido e de N: estragos na parede, tecto e porta de entrada, mediante fractura do vidro amplo da entrada na agência, 3.405,79; estragos na porta de entrada, 2.069,98 euros; estragos em tapetes, 422,10 euros; estragos no sistema de videovigilância, 4.833,48 euros; estragos no equipamento de segurança; limpeza do local, 424,48 euros; vigilância do local, na sequência dos estragos na porta e no vidro de entrada e no sistema de videovigilância, 3.600 euros.
  47. Enquanto permaneceu no interior da agência bancária, o arguido repetidamente intimidou A e V passando a faca que tinha consigo junto dos olhos deles.
  48. Na primeira vez que estabeleceu contacto telefónico com a PSP, através de A, o arguido declarou, dirigindo-se a ela e a V, que «daqui ou saímos com o dinheiro ou saímos com todos em quatro caixões».
  49. Depois das 18 horas e como tardasse a ser disponibilizada a viatura exigida pelo arguido, N acercou-se de V, que se mantinha manietado, e empunhou a faca, que ele e o arguido traziam consigo, e com ela fez um gesto como se fosse cravá-la no pescoço de V.
  50. Quando saíram da agência bancária, N manteve A à sua frente, como se fosse um escudo, a fim de que, caso houvesse disparos, ela fosse a primeira a ser atingida, o mesmo tendo feito o arguido em relação a V.
  51. Toda a descrita conduta do arguido e de N provocou a A grande angústia, horror, medo, preocupação e receio de ser morta e de ser obrigada a assistir à morte do seu colega V.
  52. O arguido e N não permitiram que A e V tivessem acesso à comida disponibilizada pela PSP e colocada no exterior da agência bancária.
  53. Em consequência do tratamento que lhe foi infligido pelo arguido e por N, A tem tido dificuldade em dormir e em manter o sossego normal na sua vida.
  54. Experimenta também dificuldade em concentrar-se no seu trabalho e esquece-se frequentemente de coisas que antes não esquecia, como sejam reuniões marcadas e outros compromissos.
  55. A não consegue fazer uma vida normal, pois sente receio de fazer coisas, que anteriormente não receava fazer, como seja andar na rua, entrar no banco, ver entrar no banco clientes sem pensar que sejam assaltantes.
  56. Toda a descrita conduta do arguido e de N provocou a V grande angústia, horror, medo, preocupação e receio de ser morto.
  57. Em consequência do tratamento que lhe foi infligido pelo arguido e por N, V tem tido dificuldade em dormir e em manter o sossego normal na sua vida.
  58. Experimenta também dificuldade em concentrar-se no seu trabalho e esquece-se frequentemente de coisas que antes não esquecia, como sejam reuniões marcadas e outros compromissos.
  59. A não consegue fazer uma vida normal, pois sente receio de fazer coisas, que anteriormente não receava fazer, como seja andar na rua, entrar no banco, ver entrar no banco clientes sem pensar que sejam assaltantes.
  60. O arguido não tem antecedentes criminais.
  61. Encontra-se em Portugal desde 12/5/07.
  62. É titular de uma autorização temporária de residência com validade de 18/6/08 a 18/6/09.
  63. Em B, o arguido sempre trabalhou na indústria hoteleira.
  64. Em Portugal, tem trabalhado na construção civil, em mudanças, como recepcionista (até 4/6/08) e como empregado de mesa, no Algarve.
  65. Tem como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade.
  66. O arguido não apresenta défice mnésico e possui um nível cognitivo superior com boa compreensão dos costumes e das normas sociais.
  67. Tem capacidade para compreender a ilicitude das suas condutas, assim como as competências necessárias a uma adequada valoração, positiva ou negativa, das suas condutas.
  68. O arguido tem capacidade de discernimento e não revela dificuldades que interfiram com o exercício da mesma.
  69. Apresenta-se como um sujeito dependente da aprovação dos outros.
  70. Mostra dificuldade na assunção das suas responsabilidades e tendência para a atribuição das culpas a outrem.
  71. É uma pessoa egocêntrica, com pouca sensibilidade e revela indiferença perante as situações que podem afectar outrem.
  72. Tem tendência para disfarçar a agressividade e para acumular ressentimentos
  73. O seu estado de ânimo pode converter-se em hostilidade, quando se sente frustrado ou em situação adversa, podendo ser impulsivo, nesse contexto.
  74. Estes traços de personalidade e o facto de não se perturbar com limites externos são susceptíveis de explicar a intolerância e a adopção de comportamentos violentos ou coercivos, nos quais, além do móbil externo, também se opera a satisfação dos impulsos agressivos e a necessidade de impor uma imagem de poder e domínio sobre outrem.
  75. O arguido não denota sinais de patologia, depressiva ou outra.

            B – RECURSO PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO

            1) MOTIVAÇÃO DO ARGUIDO

            Na sequência das respectivas motivações, o arguido recorrente formulou as seguintes conclusões (transcrição):

            1 – O facto dado como provado no n.° 47 do Douto Acórdão proferido entendeu que o recorrente passou com a faca mencionada nos autos próximo dos olhos dos assistentes.

            2 – Todavia, concatenando as declarações do arguido com as declarações dos assistentes, verifica-se que as mesmas são disformes, o mesmo acontecendo entre as próprias declarações dos assistentes, que dimensionam e relatam os factos de forma diferente acerca do manuseamento e utilização da dita faca.

            3 – O recorrente não fez passar a faca próximo dos assistentes, quem o fez foi o N, pelo que nessa conformidade, deve o facto referido ser alterado, reconhecendo-se a factualidade nestes termos.

         4. Isto porque conforme as declarações prestadas por todos e constantes das actas respectivas: – W 12-05-2009 / 14:23.04 a 15:39:39; – A – 12-05-2009 / 15:39.42 a 17:34:42; – V – 26-05-2009 / 14:41:45 a 16:01:13 – indicadas precisamente nas respectivas passagens do registo áudio na motivação acima vertida, assim deve ser concluído, decidindo-se alterar o teor do facto n.º 47 nos termos ali perfilhados, excluindo-se ter o recorrente feito passar a faca próximo dos assistentes.

              5. O crime praticado pelo recorrente não foi consumado, pelo que deverá ser punido na forma tentada, nos termos conjugados dos arts. 21, 22, 23 e 73 do CP, pois não existiu um poder de facto ou domínio sobre a quantia monetária.

            6 – Os factos que geram os elementos do tipo de ilícito do crime (s) de sequestro e de detenção de arma proibida encontram-se na previsão legal do art. 210 do CP, pelo que os mencionados crimes de sequestro e de detenção de arma devem ser consumidos pela prática do crime de roubo na forma tentada.

            7 – Assim, deve o arguido ser unicamente condenado pelo crime de roubo na forma tentada e face ao preceituado no art. 71 do CP, na pena entre os 5 e os 10 anos de prisão.

            8 – Face a esse inciso legal considera-se que quanto mais próxima for a pena dos 5 anos aqui perfilhados mais adequada e justa será; fixando-se a mesma mais próxima dos 10 anos correspondentes ao máximo da punição mais inadequada e injusta será.

            9 – Ainda que – sem conceder – o Tribunal renove o entendimento da existência de crime consumado e concurso efectivo de crimes, deverá o cúmulo jurídico situar-se entre os 5 e os 10 anos de prisão, por via do art. 77 do CP.

            2) – RESPOSTA DO MºPº

            O MºPº junto do Tribunal de 1ª instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido, dizendo entre o mais que: (transcrição parcial)

            “(…) Da qualificação jurídica:

            Do crime de roubo na forma consumada:

            Entendeu e bem o tribunal de júri que o crime de roubo praticado pelo arguido e por N se consumou a partir do momento em que o arguido, mediante ameaças à vida dos ofendidos, tendo sempre uma pistola apontada à cabeça dos mesmos, conseguiu destes o código de acesso ao cofre onde se encontrava o dinheiro da instituição bancária e daí retirou todas as quantias que guardou num saco de plástico que trazia consigo.

            O recorrente discorda desta posição entendendo que, para além do dinheiro ter efectivamente sido retirado da disponibilidade de quem tinha a sua guarda, impunha-se para a consumação do crime, que o arguido tivesse “um poder de facto ou domínio sobre a quantia monetária”.

            A consideração do momento em que se considera consumado o crime de roubo tem sido objecto de discussão e tem sofrido uma alteração ao longo dos tempos.

            De tal evolução nos dá conta um acórdão do STJ de 2007, mencionando: “São várias e antigas as formulações e propostas a propósito da questão da consumação do crime de furto. Fundamentalmente o que se discute é se é suficiente que a coisa seja retirada ou removida para fora da esfera do domínio do sujeito passivo, ou se é ainda necessário que decorra um mínimo de tempo que permita concluir ou dizer que um efectivo domínio de facto sobre aquela coisa é exercido ou levado a cabo pelo agente.

            O que importa dilucidar é a partir de que momento se pode dizer que a coisa saiu da posse do seu dono ou legitimo detentor e entrou na posse ou esfera patrimonial do agente da infracção; em que momento do iter criminis ocorre a consumação.

            A caracterização dessa transferência forçada da posse ou do domínio tem suscitado divergências, havendo quem defenda ter de haver um ingresso da coisa na posse do agente de forma já pacifica, em sossego e tranquilidade, exigindo-se um mínimo de estabilidade da coisa no domínio de facto do agente, para que se atinja a consumação.

            Para outra corrente, o acento deve ser colocado na instantaneidade da amotio (remoção do lugar no qual o objecto se encontra) ou da ablatio (transferência para fora da esfera do domínio do sujeito passivo).

            De acordo com Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 49), verifica-se a consumação «quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção». Para que haja consumação formal «não basta que o sujeito passivo se veja privado do domínio sobre a coisa, é ainda imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa».

           Conforme adianta, autores como Cavaleiro Ferreira distinguem entre perfeição e consumação formal, por um lado, e, por outro, consumação e consumação material ou exaurimento. A primeira dá-se quando se encontrarem preenchidos todos os requisitos mínimos, o necessário e suficiente para a existência do crime. A segunda verifica-se quando o delito já perfeito atinge a sua máxima gravidade concreta.

          Colocando-se a questão de saber que tipo de domínio de facto se exige, se bastará o instantâneo domínio de facto, ou se será de exigir um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa, defende Faria Costa que o critério justo se deve buscar na segunda proposição, afigurando-se-lhe irrecusável aceitar um mínimo de tempo que permita dizer que um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente. Mas, esclarece o autor, longe de defender que o domínio de facto se tenha de operar em pleno sossego ou em estado de tranquilidade.

            Já no sentido de ser necessário o estabelecimento de um estado tranquilo, embora transitório, de detenção da coisa por parte do agente, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, VII, pág. 25.

            A jurisprudência do STJ foi alterando a sua posição relativamente a tal questão:

            Começou (Ac. do STJ de 23-11-1982, BMJ 321/316) por se orientar no sentido de que a consumação exigiria a posse pacífica e sossegada pelo ladrão em relação ao objecto por ele furtado. Nesta corrente mais exigente, para se verificar a consumação, é preciso que o agente concretize a sua posse, ou seja, que, para além do desapossamento da vítima, ocorra um consequente apossamento em benefício da pessoa do sujeito activo, o que se verificará com a entrada e integração da coisa furtada na sua esfera jurídico-patrimonial, ainda que tal ocorra por um breve período de tempo;

            – a partir do Ac. de 21-07-1987 (BMJ 369/376) passou a inclinar-se para a segunda alternativa, entendendo que o furto se consuma quando o agente se consegue afastar da esfera de actividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que perseguido venha a ser despojado. Passa a entender-se que o que releva é a consumação formal ou jurídica. A título exemplificativo, abordando especificamente casos de roubo, podem ver-se os Acs. de 22-01-1997, Proc. n.º 920/96, de 24-03-1999. CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 244, e de 29-03-2001, Proc. n.º 110/01 – 5ª.

            No entanto, em sentido diverso, inserindo-se na posição mais exigente, podem ainda ver-se os Acs. de 21-11-1990, BMJ 401/234 e CJ 1990, tomo 5, pág. 8, de 01-07-1993, Proc. n.º 45258, de 01-03-2000, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 212, e de 06-06-2001, Proc. n.º 1073/01-3” (ac. STJ de 07P2702 de 12-09-2007 un http://www.dgsi.pt)

            O carácter “minimamente estável” da coisa subtraída na posse do seu agente, é de resto não só a actual posição majoritária da doutrina nacional mas também a que já de há bastante tempo tem vindo a ser seguida noutros poises, designadamente em Espanha.

            A este propósito refere González Rus que “a consumação do roubo ocorre, tal como no furto, quando se obtém a disponibilidade da coisa, mesmo que de maneira instantânea, fugaz ou de breve duração” citando jurisprudência nesse mesmo sentido de 1983, 1984 e 1987” (Curso de Derecho Penal Espanhol – parte especial, I, dirigido por Manuel Cobo del Rosal, editora Marsial Pons, 1996, pág. 608)

            No que se reporta ao crime de furto, reitera o mesmo autor que “de maneira praticamente unânime, doutrina e jurisprudência sustém que para a consumação do furto (e demais figuras de apoderamento) não é precisa a efectiva disposição da coisa, o que suporia a obtenção do lucro pretendido (…). Pelo contrário, basta com a disponibilidade da coisa subtraída, ainda que mínima, entendendo por isso a possibilidade, ainda que potencial, que o sujeito activo tem de dispor do objecto material do delito (destruí-lo, consumi-lo, deteriorá-lo, dá-lo). (…) Este critério tanto serve para o furto como para os roubos” (obra citada, pág. 578 e 579)

            No mesmo sentido Esteban Mestre Delgado mencionando que “o delito de roubo com violência ou intimidação, consuma-se quando o sujeito activo obtém a disponibilidade sobre a coisa que o seu autor conseguiu subtrair mediante o exercício dessa violência ou intimidação.” (Manual de Derecho Penal – parte especial, coordenado por Cármen Lamarca Pérez, editora Colex, pág. 247.

            Está provado que o arguido e N, assim que chegaram à agência bancária, pelas 14h55, obrigaram os funcionários bancários a fornecerem-lhes o código e local de acesso aos cofres, para o efeito os ameaçando continuamente com a morte, apontando-lhes armas de fogo à cabeça.

            Que, na posse desses elementos e arrastando os mencionados funcionários para junto dos cofres, após abrirem aquele onde se encontrava o dinheiro da instituição bancária, retiraram toda a quantia que aí se encontrava e a guardaram num saco de plástico que tinham consigo.

            Pelas 16h20 já os arguidos tinham retirado do cofre todo o dinheiro que aí havia e mantinham-no em seu poder (facto 22), o que aconteceu até cerca das 23h20, momento em que o arguido e N decidiram fugir da agência bancária, levando consigo os ofendidos como escudos humanos.

            Parece não restarem dúvidas que os arguidos, para além de se apropriarem da quantia monetária existente na instituição bancária, ainda a detiveram na sua posse, com um carácter mínimo de estabilidade, até ao momento da intervenção da polícia, ou seja, durante sete horas.

            Durante esse tempo tiveram inteira e livre disponibilidade desse dinheiro o que lhes teria permitido, se o tivessem entendido e tal como González Rus refere, destruí-lo, queimá-lo, dividi-lo entre si, etc.

           Tal livre disponibilidade aponta inequivocamente para a consumação do crime de roubo.

            Do crime de sequestro:

            É entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que o crime de sequestro pode estar em concurso aparente com o crime de roubo desde que a privação da liberdade integre a violência exercida para a apropriação de um bem e se limite ao tempo necessário para essa apropriação.

            Bem ao contrário, sempre que a privação da liberdade se prolongue após a apropriação, já a lesão desse bem jurídico – liberdade de locomoção – não pode considerar-se abrangido pela incriminação do crime de roubo, existindo então um concurso efectivo de crimes.

            No caso dos autos, foi o arguido condenado pela prática de 6 crimes de sequestro, 2 desses crimes praticados contra dois funcionários da instituição bancária e 4 contra meros clientes – 2 que ali se encontravam e 2 que entraram após eles.

            No que se refere aos clientes bancários é evidente que a sua privação da liberdade nada teve a ver com o objectivo que o arguido pretendia alcançar – ou seja a subtracção do dinheiro existente na agência bancária.

            O sequestro destes 4 clientes não foi pois instrumental de nenhum outro crime nem nenhuma relação teve com o crime de roubo, pois tais pessoas eram estranhas à agência e nada sabiam acerca desta. Assim e relativamente a estes 4 crimes, claramente resulta que os mesmos foram cometidos em concurso real com o crime de roubo.

         No que se refere aos dois funcionários bancários, caso o seu sequestro tivesse ocorrido pelo tempo indispensável ao fornecimento dos códigos e formas de acesso aos cofres, poder-se-ia colocar a questão de um concurso aparente com o crime de roubo.

       Não foi porém isso o que aconteceu, mantendo-se os mesmos, amarrados, ameaçados e impedidos de saírem do local, até às 23h20, pelo menos 7 horas depois do arguido já ter na sua posse o dinheiro da agência.

          Houve pois um concurso real entre o crime de roubo e os 6 crimes de sequestro.

            O mesmo se diga quanto ao crime de posse de arma.

            O critério decisivo da unidade ou pluralidade de infracções é dado pelo diverso número de valores jurídico-criminais atingidos (art. 30º, n.° 1, do CP).

      A punição da posse de armas obedece, como o próprio acórdão menciona “a um princípio de garantia de segurança geral das pessoas e dos bens, que não pode ser titulado por qualquer particular. Nesta conformidade, o crime de detenção de arma proibida mantém sempre a autonomia relativamente aos outros ilícitos preenchidos pela conduta em apreço.”

            Da medida da pena:

            As penas parcelares aplicadas ao arguido reflectem designadamente a elevada intensidade do dolo, quer por se tratar de dolo directo quer ainda pela forma de actuação, pelos meios empregues, pelo tempo de preparação do cometimento do crime, pela profunda reflexão sobre os meios.

       Na aplicação de tais penas teve-se ainda em conta a gravidade das consequências que a actuação do arguido determinou para os ofendidos e muito especialmente para os dois funcionários bancários. Foi ainda considerada a profunda insensibilidade face ao sofrimento alheio demonstrada pelo arguido. As penas aplicadas foram-no em medida justa e adequada, não devendo sofrer qualquer alteração. A pena única emergente do cúmulo jurídico, tinha por limite 8 anos de prisão e 17 anos e 6 meses de prisão.

        Também a fixação da pena única em 11 anos de prisão se afigura ponderada e correcta.

               Assim, em conclusão, dir-se-á:

     O douto acórdão recorrido não merece censura, pois fixou correctamente a matéria fáctica pertinente, que qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa, não tendo incorrido em qualquer erro que invalide o decidido.

            As penas fixadas pelo tribunal recorrido também não merecem censura, porquanto, satisfazendo as necessidades preventivas, não excedem o limite da culpa e não se mostram desproporcionadas.

            Deve assim ser negado provimento ao recurso interposto.”

C – ACÓRDÃO RECORRIDO

            O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, aqui o recorrido, convolou o crime de roubo consumado para o de roubo tentado, entendeu que um dos crimes de sequestro estava integrado no crime de roubo, pelo que só condenou o arguido por mais cinco crimes de sequestro e não seis, e aceitou a ocorrência de concurso efectivo entre o crime de roubo tentado e o de detenção de arma proibida.

            Sem embargo, foi proferida uma declaração de voto de vencido, no sentido de não merecer provimento o recurso, e nessa medida, a decisão de 1ª instância não dever sofrer qualquer alteração no atinente à qualificação jurídico-penal da conduta do recorrente, e às penas parcelares e única que lhe foram aplicadas.

            Disse o acórdão recorrido, no que mais interessa ao recurso que agora cumpre conhecer (transcrição parcial):

     “(…) Do que antecede pode-se extrair que a doutrina portuguesa que se pronunciou substancialmente sobre a questão da consumação do furto (Faria Costa e Paulo Matta), parte da distinção entre subtracção e domínio de facto para concluir que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa. E, por isso, o ladrão que já colocou as coisas num saco e está a tentar sair pela porta traseira da casa, ainda não consumou o furto e o dono da casa pode exercer a legitima defesa contra ele quando entra na casa e o surpreende nesses preparos. O simples tocar na coisa e removê-la do lugar onde estava não é disponibilidade dela, não permite falar num mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa, pelo que não há consumação. Mais, a subtracção não acontece antes da remoção da coisa para fora da identificada esfera de domínio do fruidor do espaço em que a coisa se encontra.

     É também esta a posição da doutrina espanhola – com a teoria da disponibilidade (que distingue da subtracção) – e, com base nos desenvolvimentos e concretizações que esta faz, pode-se acrescentar ao que antecede que também não se verifica a consumação do furto/roubo quando o agente é surpreendido no momento em que subtrai coisa, sem existir possibilidade real de disposição ou quando é efectuada uma perseguição sem solução de continuidade [ininterrompida] e coroada de êxito pelo perseguidor; já haverá consumação se a perseguição tiver lugar depois de descoberto o furto, isto é, quando o agente pôde hipoteticamente dispor do subtraído (e, postas as coisas assim, quando se dá o exemplo do ladrão que depois da subtracção lança o relógio para o lixo — exemplo utilizado com adaptação na resposta ao recurso por parte do MP – está-se a pressupor que os actos de execução já foram todos praticados e que o agente já não se encontra na esfera de domínio do fruidor do espaço em que a coisa se encontrava, ou seja, uma situação distinta dos autos em que o arguido e o seu co-autor nunca deixaram de ameaçar os detentores anteriores e estiveram, mesmo desde antes da subtracção do dinheiro, sempre sob vigilância da polícia, tendo esta intervindo quando eles estavam a sair das instalações do banco, levando consigo, arrastados, os empregados do banco como escudos humanos).

        (…) isto posto, pode-se desde já concluir que o caso do roubo dos autos não ultrapassa o estádio da tentativa. E isso mesmo que com base apenas nos dois autores portugueses citados: o arguido e o seu co-autor nunca chegaram a estar no domínio de facto do dinheiro, nem sequer chegaram a sair da esfera de domínio do fruidor do espaço onde a coisa se encontrava [a polícia interveio quando eles saíram arrastando os empregados do banco como escudos… – factos 29 e 30 – e na fundamentação de direito do acórdão diz-se: “o arguido e N, depois de terem deitado a mão às referidas importâncias. não saíram imediatamente da agência em virtude da presença no exterior de forças policiais, e, quando tentaram a fuga, foram de imediato interceptados”]. Eles tentaram subtrair o dinheiro que estivesse no banco, mas não o conseguiram. Os factos enquadram-se, em termos normativos, na qualificação que o MP lhes tinha dado logo na acusação: tentativa de roubo.

     (…) Posto isto, conclui-se que o crime de roubo praticado pelo arguido W não ultrapassou a fase da tentativa, porque o arguido e o seu co-autor nunca chegaram a ter a disponibilidade do dinheiro que queriam subtrair, ou seja, o dinheiro nunca esteve, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção (nunca este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, domínio que pressupõe um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa que nunca se chegou a verificar) como decorre de ele ainda se encontrar no esfera de domínio do fruidor do espaço onde a coisa se encontrava e a exercer, ainda, violência sobre os detentores anteriores da coisa. E, poderia acrescentar-se, a polícia estava a controlá-lo desde antes da subtracção da coisa e qualquer fuga do local seria de imediato objecto de perseguição.

     Contra, diz o acórdão recorrido [da 1ª instância]:

         “A descrita actuação do arguido e do seu acompanhante é indubitavelmente de molde a subsumir-se na tipicidade do crime de roubo, sendo, contudo, passível de discussão se integra ou não a consumação do ilícito.

         A subtracção, que é o elemento constitutivo central dos tipos criminais do furto e do roubo, é definido por José de Faria Costa nos termos seguintes: (…)

         Assim, para os tipos de crime em que a subtracção constitui o elemento central, o ilícito deverá considerar-se ou não consumado, consoante se tenha ou não completado a subtracção. (…)

         Reconhecendo embora a dificuldade a delicadeza do tema, afigura-se-nos que, para o efeito que nos ocupa, uma coisa é a saída da coisa do domínio de facto do seu primitivo detentor e a sua entrada na disponibilidade fáctica do agente da infracção, outra coisa é a intervenção que uma entidade terceira a esta relação possa vir a ter no sentido de pôr termo a este novo domínio factual e a repor a situação anterior.

         Para dar um exemplo muito simples e facilmente compreensível, diremos que, se alguém praticar um «roubo por esticão», que tenha por objecto, por exemplo, uma mala a tiracolo, o crime consuma-se a partir do momento em que o agente activo consegue arrebatar do agente passivo o objecto em causa, não obstando à consumação a circunstância de o infractor ser de imediato perseguido e interceptado por agentes policiais.

         No caso presente, deverá entender-se que as importâncias monetárias visadas pela conduta do arguido e de N saem da disponibilidade do Banco a partir do momento em que os dois assaltantes lhes deitam a mão e as guardam no interior de um saco que trazem consigo, passando eles, a partir daí, a exercer o domínio factual sobre tais quantias.

         A acção das forças policiais é exterior a esta alteração de domínio factual e não chega a obstar a que se constitua sobre a coisa a disponibilidade do novo detentor de facto, apenas podendo, como efectivamente veio, impedir que essa nova situação se prolongue.

      Nesta ordem de ideias, a conduta do arguido e do seu acompanhante é de molde a ter completado, ainda que em termos precários e não pacíficos, a subtracção das quantias monetárias a que eles deitaram a mão, no interior da agência bancária, devendo, como tal, ser reconduzida ao cometimento de um crime de roubo na forma consumada.”

     Ou seja: o acórdão recorrido [o da 1ª instância] faz coincidir a subtracção com o domínio do facto, contra a advertência expressa da doutrina que cita; diz que o crime se consuma com a subtracção (e por isso considera consumado o roubo com a colocação do dinheiro no saco) quando a doutrina que cita diz que ele se consuma com o domínio do facto (e rejeita a colocação no saco como momento da consumação); sugere que a perseguição imediata [e, nos termos em que põe as coisas, também ininterrupta] da polícia não impede a consumação (ou melhor, o domínio do facto/a disponibilidade) do roubo, o que é contrariado por toda a doutrina citada acima, bem como da jurisprudência espanhola, argentina e peruana (contra existe apenas a maioria do jurisprudência brasileira e a menos recente jurisprudência portuguesa); e desconsidera o facto de o arguido e o seu co-autor nunca terem saído da esfera de domínio do detentor anterior contra a posição de toda a doutrina citada (e aqui, em especial, da portuguesa).

        Não procede assim a argumentação do acórdão recorrido, devendo o arguido ser condenado apenas pela tentativa de roubo.”

            A propósito do concurso entre o crime de roubo tentado e o de sequestro, e depois de estudo aprofundado, o acórdão recorrido [agora da Relação] concluiu:

            “(…) isto posto, a questão não deve ser vista a partir da existência de um concurso de crimes de roubo e sequestro e unificá-los ou não. O que se passa é o contrário: normalmente não há concurso de crimes de roubo e sequestro, o que há é apenas um roubo que integra um sequestro (=> unidade de lei), podendo, no entanto, haver situações excepcionais de concurso de roubo e sequestro, para além de que sempre que houver duas ou mais pessoas sequestradas para a prática de um roubo, há um roubo (que integra um sequestro) e um (ou mais) sequestros.”

            E mais adiante:

            “(…) No acórdão recorrido [da 1ª instância], depois de se demonstrar que se verificou o sequestro de 2 empregados bancários e de 4 clientes (o que não é posto em causa no recurso), diz-se, tendo evidentemente em conta o essencial das considerações doutrinárias que antecedem, que:

            Considerada toda a sequência factual, verifica-se que a privação da liberdade a que foram sujeitos os clientes do banco, não assume qualquer função instrumental do ponto de vista da execução do crime de roubo, já que para se apoderarem das quantias monetárias existentes na agência bancária, o arguido e o seu acompanhante não necessitavam de qualquer colaboração da parte dos clientes, pelo que os crimes de sequestro praticados nas pessoas dos clientes não se encontram consumidos pelo crime de roubo.

            Já quanto aos funcionários bancários era preciso o seu concurso forçado, o que implicava necessariamente que os mesmos fossem impedidos de se afastarem do local até que os assaltantes conseguissem deitar a mão às referidas importâncias. Contudo, a privação de liberdade imposta a estes funcionários manteve-se muito para além do que foi necessário para levar a efeito a subtracção daquelas quantias e, nessa medida, os crimes de sequestro de que foram vítimas deixam de estar consumidos pelo crime de roubo.

          Ora, a verdade é que, na lógica do plano criminoso traçado, era necessária a detenção quer dos empregados bancários, quer dos clientes que lá estavam, quer dos que lá entraram entretanto, de modo a evitar que o alarme do assalto fosse dado, alarme que os poderia impedir de terminar com êxito o assalto ou de aproveitar do resultado do mesmo. Para além de que, nos termos da Cristina Monteiro, “se, no furto, a impunidade se procura através d[o] carácter escondido do desfalque, no roubo, para o mesmo fim, continua a usar-se a violência.”

            Por outro lado, a afirmação, do acórdão recorrido, de que a privação da liberdade imposta aos empregados bancários se manteve para além do que foi necessário para levar a efeito a subtracção, tem a ver com a posição, já criticada na 2ª parte deste acórdão, de se fazer coincidir o momento da subtracção com o domínio do facto. Ou seja, parte-se do principio que o roubo já eslava consumado e a partir dai houve uma detenção/sequestro desnecessário à execução do roubo. Mas já se viu acima que não é assim, que o roubo ainda não estava terminado.

            Por fim, nada há de extraordinário (repete-se: o que permitiu ao acórdão recorrido falar no concurso foi o facto de considerar que o roubo já tinha terminado) em qualquer dos sequestros em causa que aponte para a necessidade de adicionar ao roubo (que já contêm necessariamente um sequestro) um sequestro (está-se a valorar duplamente a mesma situação de sequestro).

            Dir-se-ia, por isso, que os sequestros estavam integrados no crime de roubo, se não fosse o caso de haver uma pluralidade de vítimas de sequestros e, nestes casos, a pluralidade de vítimas apontar para a pluralidade de crimes. Um crime de roubo, complexo, unidade de furto sequestro (nos termos referidos acima) só integra um sequestro, não dois ou mais sequestros. Todos os outros ficam de fora e devem ser punidos autonomamente.

            Conclui-se, disto tudo, que o arguido em vez de um crime de roubo e 6 sequestros, devia ter sido punido apenas por uma tentativa de roubo e 5 sequestros (de um funcionário bancário e de 4 clientes).”

            Depois, a respeito do concurso do crime de roubo tentado com o de detenção de arma proibida, a posição do acórdão recorrido [de novo: da Relação] foi no sentido de aceitar a ocorrência de concurso efectivo, sem iludir que o fazia com algumas dúvidas. Seja como for, a solução acolhida assentou na passagem que se transcreve:

            “(…) O arguido foi condenado como co-autor de um crime de roubo qualificado pelo valor elevado da quantia subtraída e por trazer no momento do crime, uma arma, e para além disso, foi condenado por um crime de detenção de arma proibida [arts. 86/lc) e 2/1t) da Lei n°5/2006 de 23/2.

            O acórdão recorrido explica que:

            O crime de detenção de arma proibida mostra-se preenchido com a detenção, por parte dele, da pistola empregue na execução do assalto e que lhe foi apreendida (trata-se, de acordo com a definição legal acima exposta. de uma «arma de fogo transformada» já que, na origem, não era apta a disparar munição real, mas tão somente de gás lacrimogéneo ou de alarme) e que ele não se mostra consumido por qualquer dos outros crimes praticados pelo arguido, pois que quer o crime de roubo, quer o crime de sequestro têm na origem da sua tipificação a necessidade de tutela de bens jurídicos encabeçados por titulares individuais, e o mesmo não sucede no caso do crime de detenção de arma proibida cuja punição obedece a um princípio de garantia de segurança geral das pessoas e dos bens, que não pode ser titulado por qualquer particular.

            É esta também a posição do ac. do STJ de 16/11/2006 (Rodrigues da Costa), publicado sob o n° 06P2546:

            […] o crime de roubo agravado pelo uso de arma não consome o crime de uso e detenção de arma proibida. Isto, porque o uso e detenção de arma não se confina estritamente à prática do crime de roubo, pois que a detenção existe independentemente do uso das armas nos assaltos, como se salienta no acórdão recorrido, ao referir que os arguidos já detinham as armas antes de praticarem aqueles crimes. Há, portanto, uma autonomia de um crime em relação ao outro. Depois, porque os bens jurídicos protegidos são diferentes num caso e noutro. No caso do roubo, que é um crime complexo, os bens jurídicos protegidos são a propriedade e a detenção de objectos móveis, e ainda a liberdade das pessoas, a integridade física e até a própria vida: no caso da detenção e uso de armas proibidas, que é um crime de perigo, a segurança, a tranquilidade e a ordem pública.

    Assim, havendo concurso real, os dois crimes têm que ser punidos autonomamente, como foram.

         Bem como dos acórdãos do STJ de 1.5/12/1994, publicado na CJSTJ94.III, págs. 263/264 (citado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CP, UCP. Dez2008, pág. 581, nota 33).

          E do autor espanhol já muito citado, Joan J. Queralt Jiménez, Derecho penal español, Parte especial. 5ª edición, Atelier. 2008, pág. 440:
             […] Concurrirá en concurso real con tenencia ilícita de armas (por todas, S 7-11-2000).

            Em suma, pelas razões que antecedem, e também porque a detenção da arma que serve para a qualificação do crime de roubo não tem de ser ilícita (e por isso não se pode dizer que o crime de roubo qualificado seja um roubo simples uma detenção ilícita de armas], e ainda porque existe outra qualificativa para o roubo, aceita-se (com dúvidas…) esta solução de concurso de crimes.

            Dúvidas que se poderiam expôr assim:

            Se realmente a conduta do arguido preenche dois tipos legais de crime e se, por isso, há um concurso de crimes, não será precisamente este um caso de concurso aparente de crimes?, aplicando-se o critério exposto por Figueiredo Dias, obra citada, pág. 1016:

        Perante a pluralidade de tipos legais violados [ou seja, perante um concurso de crimes], o critério para a conclusão pela tendencial unidade substancial do facto é o da unidade, segundo o sentido social assumido por aquele comportamento, do sucesso ou acontecimento (hoc sensu, do ‘evento” ou “resultado “) ilícito global-final. […] O que se passa é que, nestes casos, o agente se propôs uma realização típica de certa espécie […] e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, com dolo necessário ou eventual, de métodos, de processos ou de meios já em si mesmos também puníveis. Nestes comportamentos globais se lobriga, cremos que com suficiente clareza, a existência de um sentido de ilícito absolutamente dominante e ‘autónomo”, a par de outro ou outros sentidos dominados e ‘dependentes “. É o que sucederá frequentemente com os grupos dos factos tipicamente acompanhantes e, sobretudo, dos factos posteriores co-punidos [nota 26: co-punidos e não ‘não punidos” porque estes factos devem relevar, em principio, para efeito de determinação da medida concreta da pena].

E mais à frente – §20 (pág. 1017):

        O pensamento exposto, se encontra o seu campo de eleição nos delitos de apropriação e nos correspectivos crimes de encobrimento ou de asseguramento, continua no entanto válido relativamente a crimes de índole completamente diferente. Circunstâncias como, p. ex., a de se utilizar arma proibido (art. 275) […] constituem condutas que concorrem com a de homicídio, em princípio, sob a forma do concurso aparente.

    21. O critério acabado de apresentar parece possuir virtualidades bastantes para abranger todos aqueles casos de relacionamento entre um ilícito puramente instrumental (crime-meio) e o crime-fim correspondente. Por outras palavras, aqueles casos em que um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e os seus efeitos. Parece aqui particularmente claro […] que uma valoração autónoma e integral do crime-meio representaria uma violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração enquanto, do outro lado, a sua consideração como conformadora de um concurso impuro não viola o mandamento (também ele jurídico-constitucional de esgotante apreciação porquanto ele deverá influenciar a medida da pena do concurso.

            Ou seja, no caso dos autos o arguido não deveria antes ser punido por uma tentativa de roubo qualificado por detenção de arma em concurso aparente com um crime de detenção ilícita de arma (servindo pois este crime de agravante geral dentro da moldura do crime de roubo qualificado — Figueiredo Dias, obra citada, págs. 1035 a 1038)?”

            Finalmente, em matéria de medida das penas, foram tecidas as considerações que se seguem:

            “(…) É tempo então de concluir que:

            Em vez de:

            – um roubo qualificado:

            – seis sequestros e

            – uma detenção ilícita de arma.

            Temos.

            – uma tentativa de roubo qualificado (que integra um dos sequestros mais graves):

            – cinco sequestros e

            – uma detenção ilícita de arma.

            Por isso, o roubo, em vez de poder ser punido com a pena de 3 anos a 15 anos de prisão (art. 210/2 do CP), passa a ser punível com pena de 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos de prisão [art. 73/la) e b) do CP].

            Mas trata-se de uma tentativa de roubo em que agora está integrado um sequestro (que antes tinha sido autonomizado), o que torna a gravidade desta tentativa de roubo muito maior, com reflexos quer a nível de exigências de prevenção geral quer de culpa.

            De qualquer modo: para além daqueles limites legais temos ainda um valor que não pode ser ultrapassado, decorrente do princípio da proibição do reformatio in pejus, pois que apenas o arguido recorreu e por isso a pena (aplicada à tentativa de roubo que integra o sequestro) não pode ultrapassar a que lhe foi aplicada pelos dois crimes, de roubo e sequestro, na pena única, sendo que o acórdão recorrido explicou que na pena única tinha aplicado sensivelmente um terço das penas restantes para além da pena mais grave), ou seja, 8 anos e 10 meses (neste sentido, veja-se Fernanda Palma, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 1, Abril-Junho de 1991, n. 2. págs. 285/286. e, embora com menos restrição [já que considera que a proibição da reformatio in pejus só obriga a considerar o valor da pena única aplicada] veja-se o acórdão do STJ de 12/02/2009, com complemento a 19/03/2009, ambos publicados sob o nº. 09P0110 na base de dados do ITIJ, e também o acórdão por ele citado, do STJ de 29/05/2008. processo 1127/08). Ou seja, se a pena da tentativa do roubo (integrando um sequestro) ultrapassasse, tendo em conta a moldura já referida, aquele valor, teria que ser reduzida a este…

            Posto isto:

          A determinação da medida da pena dentro destes limites faz-se, segundo o art. 71/1 do CP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (em caso algum podendo a pena ultrapassar a medida da culpa: art. 40/2 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (art. 71/2 do CP).

            Isto é, faz-se seguindo um caminho que pode ser descrito assim (como o tem feito a generalidade da jurisprudência e foi feito na sentença recorrida, seguindo o ensinamento de Figueiredo Dias): dentro de uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, mas que não pode ir para além do consentido pela culpa do caso, e cujo limite mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, àquela tutela e expectativa (defesa do ordenamento jurídico), devem então funcionar as finalidades de prevenção especial: a principal, de socialização, e as subordinadas, de advertência individual ou de segurança (As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993. págs. 214 a 245).

     Entretanto, como adverte ainda Figueiredo Dias, há que “aceitar a ambivalência de’ muitos “dos diversos factores relevantes para a medida da pena”, “numa dupla acepção. Na de que, entre os diversos elementos que constituem um factor […] podem certos deles relevar não só para a culpa, como também para a prevenção. E na de que o mesmo elemento, quando duplamente relevante, pode ter significado antinómico consoante seja valorado para efeitos de culpa ou de prevenção” (obra citada, pág. 220).

            Por fim (pág. 238), os concretos factores da medida da pena ‘têm de ser primeiramente identificados como relevantes para efeito da culpa ou da prevenção: em seguida, tem cada um desses factores de ser pesado em função do seu concreto significado à luz daqueles princípios regulativos; para finalmente serem eles reciprocamente avaliados em função da quantificação da espécie de pena que se decidiu aplicar”.

            Ora, o acórdão recorrido seguiu no essencial tudo isto, referiu-se aos factores concretos aplicáveis e salientou as fortes necessidades de prevenção geral, as significativas necessidades de prevenção especial e o muito elevado grau de culpa, tudo tendo em conta o elevado grau de ilicitude do facto, o valor muito elevado em causa, o modo grave de execução do facto, juízo extensivo aos crimes de sequestro relativos aos funcionários bancários, as consequências provocadas a estes (não ao banco, visto que a quantia foi ‘recuperada”, no entender do acórdão recorrido), a forte intensidade do dolo, a profunda insensibilidade em face do sofrimento alheio. Considerou as condições pessoais e familiares do arguido, e, a favor dele a ausência de antecedentes criminais.

            Ora, perante isto tudo, e voltando a salientar que a pena é agora aplicada a uma tentativa de roubo que integra um sequestro, considera-se que a moldura de prevenção seria de 2 anos (limite mais baixo não satisfaria, no caso, as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, face à gravidade dos factos e ao modo de execução dos mesmos, e o limite máximo não deveria ir para além de 8 anos (limite que ainda satisfaria as exigências de prevenção e não ultrapassaria a culpa do arguido). E depois, fazendo funcionar as exigências de prevenção especial, que são graves, dentro desta sub-moldura, fixa-se a pena em 6 anos.

            Quanto ao cumulo de todas as penas parcelares:

            O art. 77/1 do Código Penal determina que na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, referindo Figueiredo Dias, em lição que tem vindo a ser seguida de perto pela maioria da jurisprudência, que:

            “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade — unitária — do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade dos crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” (As Consequências Jurídicas do Crime, citado, § 421, págs. 290).

            Como se diz no acórdão recorrido:

            Nos termos do n.º 2 do art. 77 do CP, a pena única emergente do cúmulo jurídico terá como limite mínimo a mais grave das penas parcelares e como limite máximo a soma aritmética das penas integrantes do concurso.

            O que, no caso concreto, se cifra agora em 6 anos de prisão e 13 anos de prisão, respectivamente.

            Parafraseando o acórdão recorrido a pena global de prisão em que o arguido irá ser condenado, será quantificada de forma a corresponder sensivelmente, à soma da pena parcelar mais grave com um terço do somatório das penas restantes, seguindo a posição do STJ para os casos em que não se demonstra a tal tendência criminosa, pelo que as exigências de prevenção especial são menores. Ou seja, é fixada em 8 anos e 6 meses.”

            D- RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL

            1) MOTIVAÇÃO DO RECORRENTE (transcrição)

            O recorrente rematou a sua motivação do seguinte modo (transcrição):

            “1° – O arguido foi condenado em cúmulo jurídico na pena de oito anos e seis meses de prisão, pela prática do crime de roubo qualificado na forma tentada (art.s 22°, 73° e 210-2-b) e 204°-2- a), por um crime de sequestro (art°158°-l), por outros quatro crimes de sequestro (art°158°-l) e por um crime de detenção de arma proibida (art°86°-l-c) e 2°-l-t) da Lei 5/2006 de 23-2).

            2° – Porém, existe uma relação de consunção entre o crime de roubo qualificado na forma tentada e os demais crimes de sequestro e de detenção de arma proibida.

            3° Assim, deve o arguido ser condenado pelo crime de roubo qualificado na forma tentada (art° 210°-2- b), 204°-2-a) e 1-]) do CP) e considerar-se que os demais factos enformadores dos restantes crimes se encontram consumidos por aquelas disposições referentes àquele ilícito.

            4° – A condenação do arguido deve situar-se entre os cinco e os seis anos de prisão, nos termos do art. 71º do CP.

            5° – O Douto aresto recorrido violou o art. 30°-l e os preceitos referentes aos demais crimes consumidos pelo crime de roubo qualificado na forma tentada.”

            2) RESPOSTA

            A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4l1.º, n.º 6, do CPP, do recurso interposto pelo arguido, respondeu nos seguintes termos: (transcrição)

  1. – O recurso é inadmissível porque a sentença da 1. instância foi proferida na vigência das alterações introduzidas pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, e as penas parcelares aplicadas pela veneranda Relação de Lisboa são (muito) inferiores a 8 anos de prisão, tudo nos termos da nova redacção do art. 400. n° 1, ali), do CPP, sendo que o recorrente não põe em causa o cúmulo das penas, designadamente se o art. 71 do C. Penal foi ou não correctamente aplicado:
  2. – A não entender-se assim, sempre se dirá que o recorrente não põe igualmente em causa o douto acórdão da veneranda Relação, sendo que as motivações ora apresentadas foram, quanto à matéria da consumpção. também as que o recorrente apresentou aquando do recurso da sentença da 1ª instância, não assacando qualquer vício, nulidade ou violação de norma ao acórdão recorrido:
  3. – Nessa medida o recurso, para além de inadmissível, é manifestamente improcedente.
  4. – A não entender-se assim, remete-se para as doutas explicações exaradas quer na sentença da 1.ª instância, quer no acórdão recorrido, de que no caso em apreço não há consumpção dos crimes de sequestro e de detenção de arma proibida, nada havendo, pois, a censurar ao acórdão recorrido.’

                                                      *

            Neste Supremo Tribunal, os autos foram presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, que neles após o seu visto.

            Por não ter sido requerida a realização de Audiência de Julgamento e cumpridas as formalidades legais, foi realizada Conferência.

            E – APRECIAÇÃO

            1) QUESTÃO PRÉVIA

            O M° P° junto do Tribunal da Relação considerou que o presente recurso era inadmissível por força do disposto no do art. 400.°, n.º 1, al. f). do CPP, sendo certo que a decisão de primeira instância proferida, o foi, já na vigência da Lei 48/2007 de 29 de Agosto (tal como aliás a prática dos factos em julgamento). Segundo aquele normativo, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª instancia e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Como já se viu, o caso dos autos não é de verificação de “dupla conforme” impeditiva de recurso. A Relação operou, entre o mais, uma requalificação dos factos. Só por isso, o recurso deve ser admitido.

            Vejamos então quais as questões que cumprirá conhecer.

            2) QUESTÕES A CONHECER

            O recorrente não questiona a qualificação do crime de roubo, que passou a ser imputado na forma tentada, mas entende que este crime se encontra numa relação de concurso aparente, por consunção, quer com os crimes de sequestro, todos eles, quer com o crime de detenção de arma proibida. Depois, no pressuposto de que subsiste apenas esse crime de roubo, pretende que por ele o arguido deva ser condenado numa pena entre os cinco e os seis anos de prisão.

A) A questão do concurso aparente.

            1 – Como resulta de tudo quanto se viu já, o acórdão recorrido considerou que o crime de roubo tinha sido cometido na forma tentada, ao contrário do que afirmara a primeira instância, para a qual teria ocorrido consumação. No entanto, já em face daquela qualificação o recorrente defendera, perante a Relação, a consunção que agora invoca no recurso para o Supremo Tribunal. O que é certo é que, pelo menos em relação à recusa de consunção de todos os crimes de sequestro, a posição da 1ª instância e da Relação não só tiveram resultados diferentes, com tiveram fundamentos diferentes.

            Como resulta da transcrição acima feita, a Relação optou pela tese segundo a qual, a subtracção, no crime de furto, ou roubo, tem lugar apenas, depois de o agente ter tido, ainda que fugazmente, a fruição potencial da coisa subtraída. Ora, segundo o acórdão recorrido, no caso, “o dinheiro nunca esteve, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção (nunca este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, domínio que pressupõe um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa que nunca se chegou a verificar) como decorre de ele ainda se encontrar no esfera de domínio do fruidor do espaço onde a coisa se encontrava e a exercer, ainda, violência sobre os detentores anteriores da coisa. E, poderia acrescentar-se, a polícia estava a controlá-lo desde antes da subtracção da coisa e qualquer fuga do local seria de imediato objecto de perseguição”

            Esta questão tem interesse para decidir do recurso ora interposto, porque dela depende aqueloutra da consunção do sequestro. Na verdade, a partir do momento em que se afasta a ocorrência do roubo na forma consumada, deixa de poder defender-se que os sequestros perduraram para além daquilo que seria necessário à consumação do dito roubo, e com isso a justificação para aí assentar a sua imputação autónoma, em termos de concurso efectivo, como tinha feito a primeira instância.

            Tomando então posição, sobre esta questão da tentativa ou consumação, do roubo dos autos, diga-se desde já, que a tese defendida no acórdão recorrido não nos merece qualquer reparo.

            E, tudo arranca da opção que se faça acerca do conceito de “subtracção”, elemento típico do crime de furto, e, por essa via, também do de roubo. Depois da cuidadosa análise que o acórdão recorrido fez sobre o assunto, em que nos revemos, será suficiente dizer o seguinte:

            A subtracção corresponde a uma substituição de poderes entre o possuidor da coisa e o agente do crime. O novo apossamento do agente é feito à custa da privação da coisa por parte do anterior possuidor. Muito embora a palavra subtracção sublinhe mais o aspecto da privação (do lesado) do que o aspecto da aquisição de facto (do agente), tal fica a dever-se à consideração da protecção que a norma quer dar (o titular do bem jurídico protegido é o ofendido) mais do que à ideia de que a consumação do crime ocorre, desde logo, com a perda dos poderes sobre a coisa por parte do anterior possuidor.

            Já se sabe que doutrina e jurisprudência se têm dividido acerca do momento em que se deve considerar que a coisa foi subtraída, e portanto o crime ficou consumado, oscilando, no fundo, entre a necessidade de ocorrer uma substituição completa de poderes sobre a coisa, ou uma simples substituição parcial. A posição mais equilibrada e prudente, acerca do tema, reclama, a nosso ver, o afastamento dos efeitos perversos, a que poderia levar uma tese que excluísse a legítima defesa logo que o ofendido perdesse os poderes sobre a coisa, e mesmo que o agente ainda estivesse (por intervenção de terceiros, ou reacção ulterior do ofendido), a assegurar o exercício de poderes sobre ela.

            A lei pretende, com o elemento “subtracção”, identificar “a acção de transferir certa coisa móvel da esfera de fruição (de aproveitamento de utilidades) de um sujeito para a idêntica esfera de outro, com isso findando o legítimo domínio de facto, actual ou potencial, por parte do pretérito fruidor.

            Dai que se considere que a subtracção só tem efectivamente lugar quando a coisa entra no domínio de facto do agente da infracção, com tendencial estabilidade, i. e., não pelo facto de ela ter sido removida do respectivo lugar de origem, mas pelo facto de ter sido transferida para fora da esfera de domínio do seu fruidor pretérito” (cf. Saragoça da Mata – “Subtracção de coisa móvel alheia”. Os efeitos de um admirável mundo novo num crime “clássico”, in Teresa Quintela de Brito et alteri, “DIREITO PENAL, Parte Especial, Lições Estudos e Casos” pag. 648 e 654 respectivamente).

            Ou ainda quando, nas palavras de Faria Costa, para além de o sujeito passivo se ver privado do domínio de facto sobre a coisa, “o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa” (in “Comentário Conimbricense do Código Penal” Parte Especial, tomo II, pag. 49).

            No caso em apreço, todo o circunstancialismo descrito aponta para a inexistência de um único momento, em que se pudesse considerar que o arguido ou o agente que consigo actuou, tivessem ultrapassado as barreiras opostas, com destaque para o cerco policial feito, e podido, portanto. usufruir da sua acção, ainda que só potencialmente.

            II – A partir da consideração do crime de roubo como tentado, os sequestros praticados assumem a condição de meio (violento) para consumação não atingida do dito roubo. E assim sendo, como vem sendo perfilhado pela doutrina e jurisprudência generalizadas, o crime de sequestro estará consumido pelo de roubo desde que aquele não exceda a medida do necessário para a consumação deste.

            A questão tem de colocar-se, no entanto, em moldes diversos, sempre que há um único crime de roubo e uma única vítima de subtracção, mas, concomitantemente, na execução desse roubo, se atingem bens pessoais de outras pessoas não lesadas patrimonialmente. Os crimes sofridos por essas pessoas (ameaças, ofensas corporais ou sequestro, por exemplo), não devem considerar-se consumidos por um crime de roubo já que dele que não foram vítimas, porque a elas nada foi subtraído. Enquanto que em relação à pessoa patrimonialmente lesada se impõe uma unificação da acção do agente em termos do desvalor, sob pena de o comportamento que integra o sequestro vir a ser novamente valorizado enquanto violência necessária ao roubo, no que respeita a todos quantos não são vítimas desse crime patrimonial, justifica-se a punição em concurso efectivo, pelo crime que os atingiu, sob pena de o bem jurídico pessoal ofendido de que são titulares ficar sem qualquer protecção.

            No caso em apreço, a potencial entidade lesada patrimonialmente, que foi o banco, está representada pela sua gerente, a vítima A, pelo que só o sequestro desta se justifica que fique consumido pelo crime de roubo. Nada temos pois a objectar, a que se punam autonomamente, os sequestros de que foram vítimas o sub-gerente e os clientes do banco.

            Improcede pois nesta parte o recurso interposto.

            III — Em relação ao concurso efectivo entre o crime de roubo e o de detenção de arma proibida, as decisões da primeira e da segunda instância coincidem, inclusivamente no que respeita à pena aplicada a este último crime. A irrecorribilidade da decisão, nessa parte, decorreria pois do disposto no art 400°, n.º 1, al. f), do CPP.

            Diremos apesar de tudo o seguinte:

            Inexiste qualquer consunção entre esses dois crimes, em primeiro lugar porque o bem jurídico protegido pelo crime dos arts. 86.°, n.°1, al.c), e 2.° n.° 1. al.t), da Lei 5/2006 de 23-02, é eminentemente público, e consiste, no interesse do Estado em controlar a existência e circulação de instrumentos perigosos com o são as armas de fogo, e indirectamente, em se conseguir a maior segurança possível na comunidade. Pelo contrário, a violência correspondente ao uso da arma, no cometimento do roubo, atinge só a vítima desse roubo.

            Depois, não está em causa a utilização pura e simples de uma arma no cometimento de um roubo, arma que poderia até estar perfeitamente legalizada. Revela-se ainda que, tal arma, fora de todas as condições legais. e que inclusivamente nunca poderia vir a ser legalizada, tinha sido detida, antes do seu uso, pelo arguido.

                   b) A questão da pena aplicada pelo crime de roubo tentado

            O recorrente só se insurge contra a pena aplicada ao crime de roubo na forma tentada. Como essa pena decorre da convolação para um tipo tentado, de um crime consumado de roubo, e portanto foi escolhida dentro de moldura diferente daquela que serviu a condenação da primeira instância, a ela nos referiremos.

            A respeito da medida da pena aplicada, retomam-se as considerações que a tal propósito temos tecido, e que partem da ideia de que a escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa aplicação do direito autêntica, e não num exercício do que possa ser apelidado, simplesmente, de “arte de julgar”. Mas tal não impede que, em sede de recurso de revista para este S.T.J., a controlabilidade da determinação da pena deva sofrer limites.

            Assim, podem ser apreciadas a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais. (…) E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. Já tem considerado, por outro lado, este Supremo Tribunal de Justiça e a Doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada” (do Ac. deste S.T.J. e 5ª Secção, de 13/12/07, P° 3292/07, relatado pelo Cons. Simas Santos. Cfr. também Figueiredo Dias in “Direito penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime”. pag. 197).

            Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta.

            Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art° 40 do C.P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o n° 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

           Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa, assim se divergindo da posição revelada pela recorrente.

            Quando pois o artº 71° do C. P. nos vem dizer, no seu n° 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art° 40. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

                A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229).

            Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

            A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir.

                     O n° 2 do art° 71 do C.P. manda atender, na determinação concreta da pena. “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

            Regressando ao caso concreto, vemos que a ilicitude da conduta da recorrente é muito grave, sobretudo ao nível do desvalor da acção, pelo que se tem que partir logo dum “quantum” que se que se situe bem acima do limite inferior da moldura. O crime foi cometido com recurso ao sequestro e ameaças de uma funcionária com enorme grau violência (sabido que comportamentos paralelos sobre outrem foram objecto de punições autónomas). O dolo foi também intenso, tendo a execução do crime perdurado por longas horas, entre as 14 e 55h e as 23e20h.

            As necessidades de prevenção geral fazem-se sentir com enorme relevo, dado o sentimento de insegurança que se vem difundindo à conta dos crimes de roubo, que proliferam cada vez mais, e o impacto enorme que teve este caso em todo o país, transmitido em directo pela televisão.

               As necessidades de prevenção especial mostram-se importantes também. Atente-se na brutalidade e persistência que caracterizam o cometimento deste crime, reveladoras de uma pasmosa insensibilidade, e nas características de personalidade que nos são reveladas pela matéria dada por provada nos pontos 67 a 76 transcritos acima, e que nos dispensamos de repetir aqui.

            Imigrado de B em 2007 o arguido nunca teve trabalho que se não revelasse precário. Era um jovem de 23 anos quando cometeu o crime.

            Do registo criminal do recorrente nada consta.

            A pena do crime de roubo tentado por que foi condenado vai de 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos de prisão. Foi-lhe aplicada por este crime a pena de 6 anos, a qual, tudo ponderado, nunca pecaria por excesso, e se deve portanto manter.

             – DECISÃO

            Tudo visto, se decide em conferência da 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça considerar completamente improcedente o recurso interposto pelo arguido, em tudo se confirmando o acórdão recorrido.

            Taxa de Justiça: sete (7) U. C.

            Lisboa, 15/04/2010

            Souto Moura 

            Soares Ramos