Acção 10368/14.6T8PRT – Porto – Secção Cível – J3

            Sumário:

I. “O dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (art. 1043/1 do CC) […não] está associado [a] obras […] efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato. Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.”

II. “[N]o momento da restituição, haverá […] que distinguir, muito cuidadosamente, segundos os critérios ditados pelo simples bom senso, entre as deteriorações do imóvel correspondentes a uma utilização normal, corrente – ou prudente, como a lei lhe chama -, que não obrigam a reparação (nos termos do art. 1043/1) e as deteriorações que, embora lícitas (por obedecerem ao duplo requisito do art. [1073 do CC]), obrigam à sua reparação, nos termos deste art[igo], por virtude do carácter marcadamente pessoal da utilização do prédio, que elas pressuponham.”

III. A indemnização devida pelo custo da reparação de deteriorações, paga à autora, que pode deduzir o IVA, não deve incluir este IVA.

IV. Se o locador, depois de cessar o contrato, recusa receber uma carta registada enviada pelo locatário com as chaves do locado, entra em mora. Pelo que o locatário não tem de pagar indemnização pelo período posterior.

V. A mora do credor não depende de culpa.

VI. Se as partes estão de acordo que um contrato cessou por denúncia numa determinada data e não é essa a questão em discussão nos autos, nem ela é contraditada pelos factos provados, a mesma pode-se ter como admitida enquanto mero fundamento de facto da sentença.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            A, Lda, intentou contra R, Lda, a presente acção pedindo a condenação desta a pagar-lhe 6660,83€ acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.

            Alega para o efeito, em síntese, que o contrato de arrendamento existente entre as duas cessou em 28/07/20014, por denúncia da ré, mas esta só entregou o locado no dia 10/09/2014, sem pagar a renda por este período, no valor de 1556,33€; por outro lado, a ré, com a anuência da autora, fez obras de adaptação do locado ao seu negócio de clínica e não entregou o imóvel no estado em que o recebeu, implicando a reposição do locado naquele estado (sem as transformações) diversos trabalhos cujo custo é de 5104,50€ incluindo IVA de 23% (que desenvolve mais tarde no art. 5 com a redacção alterada devido a despacho de aperfeiçoamento – fls. 58 a 61 do processo em papel).

            A ré, na parte que ainda importa ao presente recurso, contestou excepcionando que pagou a renda de Julho de 2014 e remeteu à autora as chaves do locado por carta que a autora recusou receber em 31/07/2014; e impugnando a obrigação de repor o locado no estado anterior ao arrendamento (ou seja, de remover as obras no final do contrato).

            Como ainda havia reconvenção, a autora replicou e aproveitou para responder a toda a matéria da contestação, nada dizendo contra aquilo que a ré tinha referido quanto à remessa das chaves.

            Depois de realizado o julgamento foi proferida sentença condenando a ré a pagar à autora 6271,75€, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos contados a parir da citação, absolvendo do demais.

            A ré recorre desta sentença impugnando a decisão da matéria de factos – pontos 5, 7, 9 e 12 – e pondo em causa a decisão de direito no que se refere à obrigação da pagar a renda depois da denúncia e à de pagar as obras para reposição do locado, nos termos que abaixo se verão.

            A autora não contra-alegou.

                                                      *

            Questões que importa decidir: se há factos que devam ser alterados e se se deve manter a condenação da ré no pagamento da renda e das obras para reposição do locado.

                                          *

            Para a decisão destas questões, importa ter em conta os factos dados como provados, que são os seguintes:

  1. A autora é a uma sociedade comercial, cujo objecto, de entre outros, é: investimento em imóveis, a sua promoção, compra, venda, revenda e arrendamento, bem como a sua administração.
  2. A ré é também uma sociedade comercial.
  3. A autora, enquanto locadora, e a ré, enquanto locatária, detinham arrendamento comercial, há vários anos, que cessou em 28/07/2014, por denúncia da ré.
  4. O sobre dito contrato tinha por locado a fracção correspondente ao primeiro andar esquerdo da entrada com o número x, da rua x, no Porto.
  5. A ré entregou o locado à autora, na sequência da cessação supra, em Setembro de 2014.
  6. A renda mensal referente ao ano de 2014 é de 1167,25€, mensais.
  7. A ré não pagou a renda relativa ao período entre o dia 01/08/2014 e o dia da efectiva entrega do locado (num total de 1167,25€).
  8. Durante o contrato, a ré, com a anuência da autora, procedeu a diversas obras de adaptação do espaço ao seu negócio de clínica laboratorial, a saber – doc. 3: Substituição de parede em alvenaria e porta de madeira por parede e porta de vidro – fig. 1; Substituição das divisórias em alvenaria por uma compartimentação específica com paredes e tectos em gesso cartonado e pavimento em vinil. Dos tectos foram retirados os aparelhos de ar condicionado e os buracos tapados sem contudo lixar e pintar – fig. 2 a 8; Colocação de tubos de ar condicionado, alarme de intrusão e incêndio – fig. 9 e 10; Colocação de letreiros e placard publicitário no exterior – fig. 11 a 14

         [em relação aos buracos para aparelhos de ar condicionados, tendo em conta que a questão tem interesse, como se verá abaixo, importa deixar consignado o que resulta das fotografias 4 e 5, ou seja, que se trata de inúmeros buracos que foram tapados com massa que dá uma impressão de terem, cada um, uma área de um livro com cerca de 15cm por 22,5cm, distribuídos por uma mancha de tecto com uma área de cerca de 3,80m que não está pintada de branco ao contrário da área restante do tecto – o que se faz ao abrigo do disposto nos arts. 607/4 e 663/2, ambos do CPC; este parenteses rectos e o seu conteúdo foram colocados por este acórdão].

  1. A reposição do locado no estado em que foi entregue à ré aquando do início do arrendamento supra, designadamente sem as transformações identificadas em 8, implica os trabalhos de construção civil, infra detalhados, cujo custo importa em 5104,50€, incluindo IVA, à taxa legal de 23%, tudo conforme orçamento junto sob o doc. 5, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido [este ponto vai ser alterado nos termos decididos abaixo]:

     Retirar parede e porta de vidro da entrada e repor parede em tijolo com porta e bandeira em madeira igual ao original – 1200€;

     Demolir paredes de pladur para reposição do espaço inicial das salas – 120€;

     Eliminação das novas portas colocadas em cada uma das três salas por forma a repor as salas na dimensão utilizável anterior – 210€;

     Regularizar a altura dos tectos -100€;

     Substituir vinil do chão das salas devido à retirada das paredes em pladur – 700€;

     Reparar e pintar tectos e paredes – 1620€;

     Retirar fixações e tapar buracos no exterior e na varanda – 200€.

  1. A ré pagou a renda relativa ao mês de Julho de 2014.
  2. Durante o dito contrato de arrendamento a ré devidamente autorizada pela autora, efectuou as obras referidas acima em 8.
  3. A ré remeteu em 31/07/2014 à autora através de carta registada as chaves da fracção referida a qual foi devolvida por recusa em a receber, doc. 1 e 2 junto com a contestação, aqui dado por reproduzido [este ponto vai ser alterado nos termos decididos abaixo].
  4. O predito contrato foi reduzido a escrito particular de 16/01/2002, conforme o teor do doc. junto a fls. 44 a 45 cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido.
  5. A denominação social da autora foi até 27/01/2004: X, Lda, tendo comunicado à ré essa alteração da denominação – cfr. doc.de fls 45 verso e fls. 8 a 12 cujo teor aqui se dá por reproduzido
  6. Do predito contrato, constam, para além das demais, as seguintes cláusulas:

         Cláusula 4ª (Obras)

          1 – A 1ª contraente autoriza a 2ª contraente a efectuar todas as obras de adaptação no 1.º andar que se mostrem imprescindíveis aos fins para que é destinado o presente e contrato de arrendamento.

          2 – De igual forma a 1ª contraente autoriza a 2ª contraente a afixar na área exterior do 1.º andar, bem assim como na entrada do prédio dísticos e anúncios a publicitar a denominação do estabelecimento e os serviços prestados, desde que observadas as formalidades e autorizações legais, responsabilizando-se a 2ª contraente por todas a implicações daí resultantes nomeadamente os danos que possa causar na parte exterior do edifício e desta para o seu interior, obrigando-se ainda a repor e reparar as superfícies de afixação, aquando da eventual retirada.

          3 – Qualquer outro elemento suspenso passível de ser coloca-do no exterior do edifício, nomeadamente toldos de protecção e/ou publicitários, carecem de autorização expressa e por escrito da 1ª contraente, após apresentação de desenho ou projecto, e no prazo máximo de 30 dias após solicitação, findo o qual será considerado como aceite.

          4 – Findo o contrato, a 2ª contraente fica igualmente obriga-da a entregar o referido andar, em bom estado de conservação, livre de quaisquer ónus ou encargos, não lhe assistindo o direito de reclamar dos senhorios qualquer importância a título de compensação por benfeitorias realizadas no locado.

          (cf. contrato de fls 44 a 45 cujo teor aqui se dá por reproduzido).

                                   *

Da impugnação da decisão da  matéria de facto

Ponto 9

            A fundamentação deste ponto, na sentença, consta do seguinte:

         “A matéria dos pontos 4, 8, 9, 11, resultou do depoimento da testemunha C a qual foi isenta, objectiva e detalhada, tendo confirmado o teor do orçamento e as reparações e o estado do locado aquando da sua entrega, sendo que esse depoimento foi confirmado pelos documentos juntos aos autos: orçamento de fls. 21 e fotografias juntas onde se verifica o estado do locado.”

            A posição da ré sobre esta questão, resulta destas conclusões:

         2ª- Não foi feita prova da matéria constante do art. 5 da p.i. e recolhida do ponto 9 dos factos provados da sentença, dada como provada com base no depoimento de C, no orçamento de fls. 21 – elaborado pelo mesmo – e nas referidas fotografias.

         3ª- Contudo, a valorização atribuída no dito orçamento – confirmado por C no seu depoimento – aos trabalhos de construção civil aí referidos, não tem sustentação suficiente e credível.

         4ª- A autora não requereu a realização de prova pericial no âmbito do presente processo, prova essa que seria verdadeiramente credível, e cuja formação sujeita ao princípio do contraditório seria revestida de garantias de imparcialidade e igualdade.

         5ª- Ora, C, como o refere no seu depoimento (gravado no ficheiro 2015/09/29 – 10h13m10s) prestou serviços à autora, como referiu à Mª Juiz e consta aos 00:53 da gravação.

         6ª- Flui óbvio que C prestou serviços à autora, cujo preço surpreendentemente não revelou apesar de segundo disse ter emitido factura! – conforme se extrai aos 13:42 da gravação do seu depoimento.

         7ª- Para além do que elaborou o orçamento a pedido expresso da autora.

         8ª- Estava assim interessado perante esta, já lhe tendo prestado serviços retribuídos.

         9ª- Lembrando-se de alguns factos, já alegadamente não se lembra de quanto cobrou por factos alegadamente posteriores! quais sejam os da alegada pintura e tapagem de buracos! – pintura e tapagem que refere aos 05:40 da gravação do seu depoimento.

         10ª- Ou, então, não o quis dizer, porque não parece razoável que sabendo que ia depôr neste processo não estivesse munido de tais elementos e da dita factura que emitiu à autora! – e que esta também não juntou aos autos!

         11ª – O seu depoimento não merece credibilidade, e mormente quanto aos valores que atribuiu aos trabalhos descritos no seu orçamento, razão pela qual não se deviam ter dado como provados os factos constantes do ponto 9 dos factos provados da sentença.

         12ª- Acresce que a autora não provou, e aliás nem sequer alegou, qual era, antes das referidas obras de adaptação autorizadas e efectuadas pela ré, a configuração interior do arrendado e seus materiais, nomeadamente quais os revestimentos do pavimento e demais superfícies.

         13ª- Sem tal alegação e subsequente prova era e é impossível determinar quais as obras necessárias à reposição do locado no estado anterior às obras de adaptação referidas no ponto 8 dos factos provados.

         14ª- Se o pavimento do arrendado aquando do início do arrendamento sub judice e antes das obras de adaptação levadas a cabo pela ré era em tacos (cfr. o depoimento do legal representante da autora, gravado sob o ficheiro 2015/09/29 – 14h12m52s, aos 25:38 da respectiva gravação), a respectiva reposição nunca poderia passar por “colocar pavimento flutuante ou vinil” como consta do orçamento de C junto com a pi. (aliás este, instado pelo advogado da autora aos 10:00 da gravação do seu depoimento “O que é que está por baixo do vinil?” responde “Não sei”).

         15ª- Aliás se estava em causa a reposição do arrendado no estado em que foi entregue à ré aquando do início do arrendamento, o orçamento nem sequer deveria contemplar a dita opção (“colocar pavimento flutuante ou vinil”) porque não haveria qualquer opção a fazer: o que haveria a fazer era repôr o mesmo revestimento do pavimento que existia quando o locado foi entregue à ré aquando do início do arrendamento, sem prejuízo de como adiante se irá tentar demonstrar a ré não estar obrigada, quanto às obras de adaptação efectuadas com a devida autorização da autora, à reposição do arrendado no estado em que estava antes das mesmas.

         16ª- Referindo o dito orçamento de fl. 21 “Retirar vinil do chão das salas e colocar pavimento flutuante ou vinil 700€” não é credível o mesmo preço para qualquer das opções aí dadas para revestimentos assaz diferentes, o que, também por isso, retira credibilidade ao dito orçamento e ao testemunho de Joaquim Gomes.

         17ª- Para agravar, nem Joaquim Gomes sabia como era o locado antes de ser arrendado à ré, tendo sido “o proprietário” que lhe disse que tinha de fazer uma nova compartimentação (“…demolir as paredes para pôr em dois espaços maiores”) – cfr. o que declarou e constante de 28:50 e de 37:38 da gravação do seu depoimento.

         18ª- Com base nos transcritos excertos do depoimento de C e do legal representante da autora, e pelos demais fundamentos acima indicados nas conclusões anteriores, não devia ter sido dado como provada a matéria constante do ponto 9 dos factos provados da sentença recorrida, e ao fazê-lo foram violados os arts 342 do Código Civil, 3, 4, 5 e 607 do Código de Processo Civil, devendo a sentença ser revogada nessa parte, dando-se tal matéria como não provada e com a consequente absolvição da ré.

                                               *

              Decidindo:

            Repare-se que o ponto 9 dos factos provados, recolhe, como diz a ré, o alegado no art. 5 da petição inicial; mas, note-se que acolhe-o com a alteração subsequente ao despacho de aperfeiçoamento. E se no art. 5 inicial se dava por reproduzido o orçamento em causa, já no art. 5, depois de modificado, a nova redacção é diferente daquilo que constava do orçamento.

            A adaptação do orçamento de fls. 21 à visão da autora, acolhida no ponto 9 dos factos provados, fica bem clara com a comparação que se segue:

            No orçamento escreve-se “Assunto: reparação 1º esq…” . No ponto 9 escreve-se: “A reposição do locado no estado em que foi entregue à ré aquando do início do arrendamento supra, designadamente sem as transformações identificadas em 8, implica os trabalhos de construção civil, infra detalhados”.

            Depois, no orçamento consta: “Demolir paredes de pladur para ampliação das salas” e a ré em vez de ‘para ampliação de’ escreve ‘para reposição do espaço inicial das salas’ – 120€;

            No orçamento diz-se: “Tapar portas para ficarem salas independentes”. Em vez disto a ré escreve “eliminação das novas portas colocadas em cada uma das três salas por forma a repor as salas na dimensão utilizável anterior” – 210€;

            Por fim, no orçamento está: “Retirar vinil do chão das salas e colocar pavimento flutuante ou vinil”. Em vez disto a ré escreve: “substituir vinil do chão das salas devido à retirada das paredes em pladur” – 700€.

                                                           *

            Isto é, há uma série de descrição de obras que inicialmente, no orçamento, não correspondiam, de forma necessária, à reposição do locado no estado anterior às obras feitas pela ré e só com a versão da ré é que inequivocamente passam a corresponder.

            Ora, esta alteração não tem suporte probatório, já que a testemunha C apenas confirmou, no essencial, o estado de coisas que viu depois da restituição do locado pela ré à autora e o orçamento que fez para as obras que ela lhe pediu, para pôr, segundo ela, o apartamento no estado em que estava, já que a testemunha não sabia como é que o apartamento estava antes do arrendamento à ré. As fotografias juntas também só esclarecem aquele estado de coisas.       

            Assim, por exemplo, como a ré diz, o legal representante da autora admite como provável que aquando do arrendamento houvesse (ou não houvesse) tacos levantados (nota 1 da pág. 132, mas a ré não transcreveu o “ou não houvesse”), acrescentando pouco depois, numa parte também não transcrita pela ré, que devia estar em “estado de uso.” Ou seja, o apartamento pode ter sido dado de arrendamento à ré sendo o chão em tacos e estando estes levantados. A testemunha C não sabe disto (veja-se a passagem citada pela ré). Por isso, o orçamento para ‘colocar pavimento flutuante ou vinil’ não é orçamento para repor as coisas como estavam antes das obras feitas pela ré.

                                                      *

            Mas há, no entanto, se se recorrer ao ponto 8 dos factos provados, três obras que, ao contrário do que a ré diz, se podem dizer que correspondem necessariamente a obras de reposição no estado anterior:

            – assim, a substituição de parede em alvenaria e porta de madeira por parede e porta de vidro, feita pela ré (ponto 8), corresponde à obra orçamentada: retirar parede e porta de vidro da entrada e repor parede em tijolo com porta e bandeira em madeira igual ao original – 1200€;

            – a substituição das divisórias em alvenaria por uma compartimentação específica com paredes e tectos em gesso cartonado feita pela ré, corresponde à obra orçamentada demolir paredes de pladur para ampliação das salas – 120€;

            – a colocação de tubos de ar condicionado, alarme de intrusão e incêndio e de letreiros e placard publicitário no exterior, feita pela ré, corresponde parcialmente à obra orçamentada: retirar fixações e tapar buracos no exterior e na varanda – 200€.

                                                      *

            Mas, noutros casos, a situação já não é uma nem outra daquelas.

            Assim, há outras, no ponto 8, que se podem dizer que correspondem apenas em parte a obras de reposição no estado anterior:

            – o pavimento em vinil feito pela ré corresponde parcialmente à obra orçamentada ‘ retirar vinil do chão das salas e colocar pavimento flutuante ou vinil – 700€’, como já foi explicado acima (o que havia antes era tacos).

            Enquanto há outras que correspondem a reparação de deteriorações feitas pela ré referidas no ponto 8, pelo menos em parte:

            – assim, reparar e pintar tectos e paredes, orçamento em 1620€ corresponde pelo menos em parte ao facto, referido em 8, da ré ter retirado os aparelhos de ar condicionado, tapando os buracos, sem contudo lixar e pintar. Mas não corresponde totalmente, porque não se pode dizer que houvesse aparelhos de ar condicionado nas paredes nem em todos os tectos.

            Por fim, há outras duas que não se sabe se têm correspondência com as obras feitas pela ré: tapar portas para ficarem salas independentes – 210€ – e regularizar a altura dos tectos (altura diferentes entre salas) -100€.

            Pois que, quanto às portas, não há nenhum facto provado a dizer que a ré tenha aberto portas e se as portas em causa resultam das paredes de pladur feitas pela ré, com a demolição destas as portas deixariam de existir; e quanto aos tectos a testemunha não revelou saber se à data do arrendamento à ré os tectos das várias divisões não seriam já desnivelados.

                                                      *

            Quanto ao custo, o facto de uma testemunha ter apresentado um orçamento do custo de tais obras não é suficiente para se poder concluir que esse valor é o valor real do custo, porque um orçamento é apenas, por definição, uma estimação de custo. O que aliás resulta do próprio depoimento da testemunha que não sabe qual foi o custo efectivo da parte daqueles trabalhos que entretanto já tinha feito à autora.

                                                      *

            Perante isto tudo, do ponto 9 deve apenas ficar provado o seguinte:

         “9. A reposição do locado sem o que consta do ponto 8, implica:    (i) Retirar parede e porta de vidro da entrada e repor parede em tijolo com porta e bandeira em madeira igual ao original; (ii) Demolir paredes de pladur para ampliação das salas; (iii) Retirar vinil do chão das salas;    (iv) Reparar e pintar os tectos de onde foram retirados aparelhos de ar condicionado (fotografias 4 e 5 de fls. 15) (v) Retirar fixações e tapar buracos no exterior e na varanda. Para estes trabalhos, C apresentou os seguintes valores: 1200€ para (i), 120€ para (ii), 700€ para (iii) mas incluindo a colocação de pavimento flutuante ou vinil, 1620€ para (iv) mas incluindo a reparação e pintura de outros tectos e de paredes, e 200€ para (v), dizendo que a estes valores acrescia IVA a 23%.”

            Estes factos, nestes exactos termos, não são postos em causa pelas objecções contidas nas conclusões do recurso da ré.

                                                      *

                                  Ponto 12

            A posição da ré sobre esta questão, resulta destas conclusões:

         27ª- Alegou a autora no artigo 1.3. da p.i.: “A autora, enquanto locadora, e a ré, enquanto locatária, detinham arrendamento comercial, há vários anos, que cessou em 28/07/2014, por denúncia da ré”, facto aceite pela ré, tendo transitado para a matéria de facto julgada provada sob o respectivo ponto 3.

         28ª – A ré alegou na contestação: “19 – E remeteu à autora, através de carta registada, as chaves da fracção dita no art. 1.4. da p.i., 20 – a qual tendo chegado ao poder da autora em 31/07/2014 – ou seja atempadamente – esta recusou receber! – cf. o doc. 1 no qual vem atestada a recusa da recepção “

         29ª- Tal matéria de excepção não foi impugnada pela autora, devendo considerar-se admitida por acordo – arts 574/2 e 607, nºs 4 e 5 do CPC.

         30ª – E tal factualidade está recolhida no ponto 12 da matéria de facto considerada provada, mas com a incorrecção de aí se dizer que a carta em causa foi remetida em 31/07/2014, quando essa é a data em que a autora recusou a sua recepção, conforme alegado no art. 20 da contestação, e admitido – por não impugnado – pela autora e ainda comprovado pelo documento nº 1 da contestação (não impugnado) em que se verifica que no verso do envelope o carteiro assinalou a recusa aí apondo a data de 31/07/14 e a sua assinatura.

         31ª- Em face do exposto, porque aceite pelas partes e provado documentalmente, deve considerar-se provado que a autora em 31/07/2014 recusou receber a carta dita no ponto 12 dos factos provados da sentença – a qual ao assim não ter considerado violou os arts 574/2 e 607, nºs 4 e 5 do CPC – e em consequência deve tal ponto 12 passar a ter a seguinte redacção: “12 – A autora em 31/07/2014 recusou receber a carta registada remetida pela ré contendo as chaves da fracção referida, doc. 1 e 2 junto com a contestação, aqui dado por reproduzido”

                                                      *

            Decidindo:

            A ré tem razão em considerar que a data que consta do facto 12 não é a data da remessa da carta à autora, mas sim a data em que esta recusou receber a carta, tal como resulta dos documentos 1 e 2 juntos com a contestação, não impugnados pela autora, tal como não foi impugnado o que a ré afirmava quanto à remessa da carta com as chaves (arts. 19 e 20 da contestação).

            Os factos estão assim provados, parte por terem sido admitidos por acordo, parte por não terem sido impugnados os documentos que os provam (arts. 587/1 do CPC e 376 do CC).

            Assim, o facto 12 deve passar a ter a seguinte redacção:

         “12. A ré remeteu à autora através de carta registada as chaves da fracção referida a qual foi devolvida por recusa da ré em a receber em 31/07/2014.”

                                                      *

                                   Os pontos 5 e 7 – remissão

            A ré ainda discute no seu recurso os pontos 5 e 7 dos factos provados, mas a questão, pelo que se verá, pode ser discutida, com proveito, apenas a nível de direito, pelo que ela se fará a seguir:

                                                      *

Do recurso contra a decisão da matéria de direito

Da condenação no pagamento do custo das obras de reposição

            Contra esta condenação a ré diz o seguinte:

         19ª- A autora alega no art. 3 da p.i. que as obras que aí refere, efectuadas pela ré com a sua anuência, foram de “adaptação do espaço ao seu negócio de clínica laboratorial”, matéria que foi aceite pela ré, e ficou recolhida nos pontos 8 e 11 dos factos provados da sentença.

         20ª- E com efeito tais obras foram autorizadas pelo nº 1 da cláusula 4ª do contrato de arrendamento junto com a réplica como doc. 1 – autorização que, conforme expressamente se prevê no início do nº 1 do art. 1043 do CC, afasta o regime supletivo aí fixado, pelo que a sentença ao condenar a ré no pagamento do valor de 5104,50€ do orçamento junto aos autos incluindo IVA, fez errada interpretação e violou o art. 1043/1 do CC, devendo ser revogada, decidindo-se que a ré não tem de pagar tal valor.

         21ª- As denominadas “obras de reposição” referidas no art. 5 da p.i. e a que também se alude no requerimento da autora com a refª 19409047, nunca poderiam ser exigidas à ré porque no dito contrato de arrendamento tal exigência só ficou estipulada quanto aos dísticos e anúncios, e os letreiros e placard foram retirados pela ré (cfr. depoimento da Drª D gravado no ficheiro 2015/09/29 – 10h52m24s aos 03:27 dessa gravação) – cfr. art. 25 da contestação e acórdão da Relação de Coimbra de 27/04/2004, proc. 4230/03: 1. O dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (art. 1043/1 do CC) está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato. 2. Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.”)

         22ª- Com excepção da reposição e reparação das superfícies de afixação de letreiros e placard publicitário – se tivesse sido provado o seu custo o que não se concede porque não sucedeu e nem tal custo está discriminado no orçamento de fl. 21 – nunca a ré podia ser condenada no pagamento das demais obras de reposição do locado no estado em que estava antes de realizar as obras de adaptação referidas no ponto 8 dos factos provados, atento o constante da cláusula 4ª – e nomeadamente do seu nº 1 – do contrato de arrendamento junto como doc. 1 da réplica.

         23ª- Se as partes tiveram o cuidado de expressamente prever no nº 2 da dita cláusula 4ª do contrato de arrendamento a respeito dos dísticos e anúncios que a ré se obrigava a “repor e reparar as superfícies de afixação, aquando da eventual retirada”, extrai-se a contrario que ao não terem estabelecido idênticas obrigações para as demais obras de adaptação foi porque não quiseram que assim fosse.

         24ª – Pelo que a sentença deve ser revogada e a ré absolvida do peticionado pagamento das obras de reposição (5104,50€).

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            Antes de prosseguir diga-se que as partes não discutem nos autos que, tal como entendido na sentença recorrida, o que existiu entre elas foi um contrato de locação, mais precisamente de arrendamento comercial (arts. 1022 e 1023 do CC e 110 do RAU, tendo em conta a data dos factos) –, estando por isso a questão da obrigação de restituição da fracção sujeita às regras do art. 1043 do CC, ainda hoje não alterado desde a sua versão original.

              Mas, como explicou o ac. do TRC de 27/04/2004, 4230/03, citado pela ré, “o dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (art. 1043/1 do CC) está associado às deteriora-ções pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato. Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.”

            Como diz o art. 1031/a do CC, são obrigações do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina. Destinando-se a coisa locada a uma determinada actividade comercial/industrial e sendo para isso necessário fazer obras para adaptação da coisa locada, estas ficariam, por isso, a cargo do locador. O facto de elas terem sido feitas pelo locatário, com a anuência do locador, quer dizer apenas que aquele se substituiu a este na realização daquelas obras que não deixam de ser obras que estavam a cargo do locador para cumprimento da obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que coisa se destina.

            É pois com essas obras que a coisa fica em condições de ser entregue ao locatário para o gozo dela para os fins a que se destina, pelo que ele a recebe para o gozo já com as obras de adaptação feitas. Assim sendo, a obrigação de restituir a coisa no estado em que a recebeu (art. 1043/1 do CC) é a obrigação de a restituir com aquelas obras de adaptação. Se ele as retirasse e restituísse ao locador a coisa sem as obras, aí sim, estaria a violar a obrigação de restituição.

          Neste sentido, para além do ac. do TRC já citado, vai ainda o ac. do STJ de 07/12/1994, 085897, citado por aquele, que continua: “Logo, o locatário não tem obrigação de reparar as obras feitas em resultado do contrato com a locadora. Esta só poderia ter por fundamento o negociado entre as partes, que não foram além da necessidade de realização das obras de adaptação, olvidando-se as de sentido inverso.

          Naturalmente que, sendo estas do interesse da locadora, competir-lhe-ia prevê-las e negociá-las com o locatário. Não o fez, sibi imputet; não pode agora assacar ao locatário quaisquer responsabilidades. O que daqui se colhe é que a pretensa obrigação do locatário carece de fundamento legal e negocial.”

          Ora, no caso dos autos a autora e a ré não clausularam nada quanto à reposição do locado no estado anterior às obras de adaptação. Como bem  revela, por argumento a contrario, tal como diz a ré, o por elas acordado quanto à obrigação de repor e reparar as superfícies de afixação aquando da eventual retirada dos dísticos e anúncios a publicitar a denominação do estabelecimento e os serviços prestados.

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                                                   Deteriorações

            O que antecede tem de ser alvo, no entanto, de três restrições, com resultados diferentes.

            A primeira tem a ver com o facto de a ré ter retirado dos tectos os aparelhos de ar condicionado e, embora tenha deixado os buracos tapados, não lixou nem pintou os mesmos (facto 8).

            Aqui o regime a aplicar já é o do art. 1043/1 do CC (1 – Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato), mas que tem de ser conjugado com o disposto no art. 1073 do CC (deteriorações lícitas: 1 – É lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade. 2 – As deteriorações referidas no número anterior devem, no entanto, ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, salvo estipulação em contrário).

            Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4ª edição, 1997, Coimbra Editora, pág. 485, em comentário ao art. 4 do RAU, com redacção idêntica à do art. 1092 do CC na redacção original e 1073 do CC na redacção actual, diz que “no momento da restituição, haverá ainda que distinguir, muito cuidadosamente, segundos os critérios ditados pelo simples bom senso, entre as deteriorações do imóvel correspondentes a uma utilização normal, corrente – ou prudente, como a lei lhe chama -, que não obrigam a reparação (nos termos do art. 1043/1) e as deteriorações que, embora lícitas (por obedecerem ao duplo requisito do art. 4 do RAU), obrigam à sua reparação, nos termos deste art. 4, por virtude do carácter marcadamente pessoal da utilização do prédio, que elas pressuponham. Cfr. Pais de Sousa, obra citada, pág. 65.”

            As pequenas deteriorações englobáveis no art. 1073 do CC, no comentário de Antunes Varela, são, “a mero título de exemplo, a introdução, nas paredes, de canos para o aquecimento; a colocação de postes ou de antenas para serviço dos aparelhos de rádio ou televisão; a introdução de pequenos suportes para a colocação de espelhos, retratos, gravuras, armários, etc.; a abertura de uma janela ou postigo para ventilação da casa, a própria abertura e colocação da porta destinada a facilitar a comunicação entre duas salas da casa (cfr. Mário Frota, Arrendamento urbano, 1987, pág. 225).”

            Tendo em conta estes exemplos, considera-se que furos para colocação de ar condicionado não são, por regra, pequenas deteriorações que devessem ser reparadas, pois que correspondem a uma utilização normal e corrente do locado (neste sentido, veja-se, por exemplo, o ac. do STJ de 06/12/2006, 06B4309, citado pela sentença recorrida para outro efeito: A prudente utilização do locado é a que é envolvida de zelo e cuidado normais na espécie de coisas em causa, por exemplo, […], a abertura de algum orifício nas paredes para instalação de ar condicionado).

            A sentença, que se referia as obras do ponto 9, na redacção inicial, invocava, para chegar a uma conclusão contrária generalizada a todas elas, o ac. do TRC de 04/12/2007, 668/03.6TBMGR.C1 (deteriorações que se consideraram derivadas de um uso imprudente, entre elas buracos, mas não se diz que esses buracos tivessem sido feitos fosse o que fosse, designadamente para suporte de algum coisa) e um outro do TRP de 03/03/2011, 3837/06.3TBSTS.P1 (respeito a estragos em móveis de um casa arrendada mobilada, que não se podiam dizer resultantes de uma prudente utilização).

            No caso dos autos e quanto aos buracos que são referidos no ponto 8 nos tectos, entende-se que, realmente, eles – com as características que resultam das fotografias referidos no ponto 8 – não podem ser considerados como resultando de uma utilização normal e corrente do locado; por isso, a ré deve ser condenada a lixar e pintar os buracos tapadas nos dois tectos de onde foram retirados os aparelhos de ar condicionado, de modo a que todo o tecto de cada uma das divisões fique da mesma cor.

            Quanto a eventuais buracos e diferenças de cor que resultam da eventual retirada dos ‘tubos de ar condicionado, alarme de intrusão e incêndio’, referidos no ponto 8 e que podem estar englobados nos trabalhos referidos em 9 como ‘retirar fixações e tapar buracos no exterior e na varanda”, não há factos que permitam dizer que eles não correspondam a pequenas deteriorações correspondentes a uma utilização normal e prudente do locado tendo em conta o fim a que ele foi destinado, pelo que a ré, quanto a elas, não é obrigada a repará-las (art. 1043/1 do CC, por argumento a contrario).

            Por fim, quanto a buracos e diferenças de cor resultantes da retirada de letreiros e placard publicitário no exterior (referidos no ponto 8), com reflexo nos trabalhos referidos em 9 (‘retirar fixações e tapar buracos no exterior e na varanda”), a solução tem de ser encontrada no que foi expressamente clausulado entre as partes sobre o assunto, isto é, no ponto 2 da cláusula 4ª: “De igual forma a 1ª contraente autoriza a 2ª contraente a afixar na área exterior do 1.º andar, bem assim como na entrada do prédio dísticos e anúncios a publicitar a denominação do estabelecimento e os serviços prestados […], responsabilizando-se a 2ª contraente por todas a implicações daí resultantes nomeadamente os danos que possa causar na parte exterior do edifício e desta para o seu interior, obrigando-se ainda a repor e reparar as superfícies de afixação, aquando da eventual retirada.” Ou seja, quanto a estas deteriorações a ré tem de ser condenada a tapar os buracos no exterior e na varanda (foi só isto que a autora ‘pediu’, tendo em conta o orçamento de fls. 21), resultantes da retirada de letreiros e placard publicitário.

            Como a autora ‘converteu’ estas obrigações no pagamento do custo das obras e a ré não põe em causa essa conversão, antes discutindo o custo ou a falta de prova do custo e a sua indeterminação, a condenação da ré deve ser em dinheiro. Mas, devido à indeterminação do montante necessário, a condenação deve ser deixada para liquidação posterior (art. 609/2 do CPC) com o limite máximo de 1820€ (corresponde ao valor dos dois trabalhos que englobavam estas deteriorações – embora, para efeitos de custas, se considere que esse valor nunca será superior a metade desse limite máximo).

                                                      *

                          A questão do IVA

         25ª – Para as empresas, como é o caso da autora, o IVA não pode ser visto como um custo, porquanto o podem recuperar por via do mecanismo da dedução prevista na lei, dedução de que podem beneficiar assim que entregam a declaração periódica de IVA, desde que tenham as facturas correspondentes – artigos 1º, 2º e 19º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado

         26ª – Pelo que a ré nunca deveria ter sido condenada no pagamento à autora do valor do orçamento junto aos autos incluído IVA (5104,50€), mas – sempre sem conceder quanto às conclusões anteriores – excluído IVA, pelo que a sentença deve ser revogada quanto à condenação da ré no pagamento desse IVA e correspondentes juros.

            A ré tem razão. Se a condenação incluísse IVA, quando a autora o recuperasse do Estado, ficaria enriquecida sem razão para tal.

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         Da condenação no pagamento da renda

            Contra esta condenação diz a ré:

         32ª – A autora ao recusar a dita carta registada, com as chaves da fracção […] incorreu em mora.

         33ª – Provado, face à aceitação das partes que o contrato de arrendamento foi validamente extinto em 28/07/2014 por denúncia da ré, a entrega do locado é uma obrigação da ré arrendatária decorrente da extinção do arrendamento art. 1081 do CC.

         34ª- A entrega das chaves visa precisamente a entrega do locado, mas no caso vertente a autora recusou tal entrega ao recusar, como recusou, em 31/07/2014, a recepção da carta que continha as ditas chaves do locado.

         35ª – Ora, não há, quer à vista do contrato de arrendamento – doc. 1 junto com a réplica –, quer à face da lei, obrigação de a entrega do locado decorrer de uma forma “especial” imposta unilateralmente pelo senhorio como decorre dos arts. 220, 1079, 1100 e 1110 do CC, violados pela sentença recorrida.

         36ª- Assim, quando na sentença se refere que “da simples entrega das chaves do locatário ao senhorio só poderia concluir-se pelo acordo revogatório através de uma presunção judicial”, afigura-se-nos que se perspectivou erradamente a factualidade sub judice, porquanto está aceite pelas partes e aliás foi dado como provado que o contrato de arrendamento já havia cessado por denúncia – vide ponto 3 da matéria de facto provada.

         37ª – Quando a ré em 30/07/2014 remeteu a dita carta com as chaves, e quando em 31/07/2014 a autora recusa a sua recepção, já antes de tais factos o contrato de arrendamento havia cessado em 28/07/2014 por denúncia, como aceite pelas partes e dado como provado no ponto 3 dos factos provados da sentença!

         38ª – A autora ao recusar em 31/07/2014 a recepção da carta registada remetida pela ré contendo as chaves do arrendado, recusou a entrega, nessa data, do locado.

         39ª – Em consequência deve alterar-se a redacção do ponto 5 dos factos provados, passando aí a constar: “A autora recusou a entrega do locado em 31/07/2014, ao ter recusado nessa data a recepção da carta registada remetida pela ré contendo as chaves do arrendado.”

         40ª – Pelo que estando paga a renda do locado até 31/07/2014 – vide recibo de renda junto como documento da p.i. – tendo a autora recusado a entrega do locado em 31/07/2014, por ter recusado nessa data a recepção da carta registada remetida pela ré contendo as chaves do arrendado, contrariamente ao decidido não é devido à autora o pagamento pela ré da renda do mês de Agosto de 2014, devendo eliminar-se o ponto 7 dos factos provados e revogar-se a sentença na parte em que condenou a ré ao pagamento da renda do mês de Agosto de 2014 e correspondentes juros de mora, com a correspondente absolvição da ré.

                                                      *

            Decidindo:

            A ré tem razão na substância da sua pretensão, mas não em querer que se altere a redacção do ponto 5. Este ponto, tal como está redigido, refere-se à entrega efectiva do locado e corresponde à realidade, tanto que a ré nem o tentou impugnar, argumentando contra a prova invocada pela sentença para considerar o facto como provado.

            O que se passa é que com base nos factos provados se pode extrair a ilação de que a autora recusou, em 31/07/2014, receber a carta que continha as chaves do locado. Carta através de cujo envio a ré tinha tentado dar cumprimento ao dever de entrega das chaves. Dever decorrente, como diz a ré, da cessação do contrato por força da sua denúncia (cessação por denúncia que a sentença também aceitou, tal como a autora e ambas a reportando a 28/07/2014).

            O envio das chaves, por carta registada, não deve, assim, ser visto (como o fez a sentença, invocando para o efeito, o ac. do STJ de 06/12/2006, 06B4309, para um caso em que não tinha havido cessação anterior do contrato), como uma proposta, feita pela autora, de revogação por acordo das partes do contrato (art. 406/1 do CC, 62 do RAU e 1082 do CC), que a autora não seria obrigada a aceitar. Mas sim, como diz a ré, como uma sua tentativa de cumprimento da obrigação de entrega das chaves que a autora frustrou.

          A autora ao recusar a carta, sem alegar nenhum fundamento para o efeito, e mesmo que não soubesse – o que é possível que tenha acontecido – que a carta continha as chaves –, não praticou os factos necessários ao cumprimento da obrigação, entrando com isso em mora, que não depende de culpa (arts. 224 – 1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida -, por via do art. 295 – Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente -, e 813 – O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação –, todos do CC).

            Quanto à não exigência de culpa na mora do credor, veja-se, por exemplo, Rita Lynce de Faria, A mora do credor, Lex, 2000, págs. 32 a 38 e o exemplo que desenvolve nessas págs. Repare-se também no exemplo de Antunes Varela, obra citada, pág. 85: “pode o credor, devendo a obrigação ser cumprida no seu domicílio, desaparecer de casa e não o encontrar aí o devedor às horas em que, segundo a boa fé, são usualmente cumpridas as obrigações”; ou seja, também neste caso não se poderia dizer que o credor soubesse que o devedor tinha querido cumprir a obrigação, ou seja, dir-se-ia que ele tinha entrado em mora mesmo sem saber disso.

            Por isso, deve ser ela a arcar com as respectivas consequências, quais sejam, no caso, a de não ter ficado em poder do locado mais cedo, a partir de 31/07/2014 (tendo a ré pago a renda até 31/07/2014).

            Não sendo, também por isso, da responsabilidade da ré o pagamento da “renda” pelo período posterior até à entrega efectiva do locado.

            É também o que resulta do regime do art. 814 do CC. E do art. 1045 do CC que põe a cargo do locatário a obrigação do pagamento de uma indemnização pelo período posterior, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida, explicando Antunes Varela, obra citada, pág. 382, na 2ª nota a este artigo: “Se, porém, houver fundamento para a consignação em depósito, deixa de se justificar a indemnização. O locatário que não restituiu a coisa, ou porque houve mora do locador, ou porque não pôde fazê-lo, ou não pode fazê-lo com segurança, por motivo relativo à pessoa do credor (cfr. art. 841/1), e pode não ter qualquer interesse em retê-la. Cessa, portanto, a obrigação do pagamento da renda ou aluguer, e, como o depósito é facultativo, nenhuma outra responsabilidade lhe pode advir da falta de cumprimento da obrigação.”

            O que não quer dizer, a nível dos factos provados, que deva ser retirado, como a ré quer, o facto 7, pois que ele corresponde à verdade. É a nível do direito que tem de ser acrescentado, como se fez agora, que a ré não pagou, nem tinha de pagar.

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                        Reconhecimento da extinção do contrato

            Entretanto importa dizer que os factos provados não permitem concluir que a denúncia produziu os seus efeitos em 28/07/2014, porque não foram alegados nenhuns factos para o efeito; foi sim alegado que o contrato tinha cessado em 28/07/2014, por denúncia da ré, e a ré aceitou esta alegação, não a impugnando nem de facto nem de direito.

            Não sendo a denúncia do contrato que está em causa nestes autos, aceitando as partes que o contrato cessou por denúncia a 28/07/2014, nenhuma delas tendo impugnado a sentença nessa parte e não sendo tal conclusão contraditada pelos factos provados, considera-se que se deve aceitar o acordo das partes quanto a esta conclusão da cessação do contrato e respectiva data, apenas como pressuposto desta sentença, tal como se admite, em circunstâncias idênticas, o reconhecimento ou admissão de direitos.

              Neste sentido, por exemplo, tem-se admitido que as partes podem reconhecer determinadas situações ou qualidades jurídicas – assim, por exemplo, têm-se admitido que se dê como provado que A é casado com B, ou que A é proprietário de X. Isto desde que essas qualidades jurídicas não sejam precisamente o objecto do processo. Como diz, por exemplo, Oliveira Ascensão, “se o litígio não recai sobre a propriedade e o réu não a contesta, nada mais será necessário. O autor actua como proprietário, ainda que implicitamente. Se o réu o aceita, há a admissão desse qualidade.” E depois de desenvolver estas afirmações, com apoio legal e doutrinal, Oliveira Ascensão conclui: “A admissão de um direito invocado como questão prévia é assim uma figura normal na ordem jurídica portuguesa” (Acção de reivindicação, em Estudos em memória de Castro Mendes, Lex, 1995, págs. 34/36).

              Oliveira Ascensão invoca no mesmo sentido a posição assumida por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 537/538, em nota 3: “A meio termo entre a confissão do facto e a confissão do pedido se situam aqueles casos em que a parte reconhece o direito ou a relação jurídica invocada pela contraparte contra ela. Importa, nestes casos, saber se a parte quis reconhecer o facto constitutivo do direito – e, nesse caso haverá verdadeira confissão do facto – ou reconheceu apenas a existência do direito, sem se referir ao facto constitutivo – e, quando assim seja, haverá apenas que aplicar o disposto no art. 458 do CC”, com base na qual acrescenta que “daqui resulta que os direitos podem ser objecto de admissão e que esta dispensa a prova dos factos constitutivos e que nenhuma razão há para excluir esta regra quando está em causa uma questão prévia.”

              Esta posição, como diz Oliveira Ascensão, é perfilhada por Lebre de Freitas embora a acabe por reconduzir à confissão de factos, numa passagem que agora se pode ver no CPC anotado junto com Isabel Alexandre, admitindo a eficácia do acto de reconhecimento dum direito prejudicial da parte contrária no mero plano dos factos – como confissão (art. 352 CC) ou como presunção (art. 458 CC), consoante nele seja ou não feita menção aos factos constitutivos desse direito (vol. I, Coimbra Editora, Set2014, págs. 19/20).

              Neste contexto, nada tem de extraordinário que se dê como provado, por acordo das partes, que o contrato está extinto desde 28/07/2014, embora como mero facto, fundamento da sentença, sem possibilidade de formar qualquer caso julgado fora do processo.

                                                       *

            Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida.

            Em substituição desta, condena-se agora a ré a pagar à autora o que se liquidar como custo necessário a (i) lixar e pintar os buracos tapados nos dois tectos de onde foram retirados os aparelhos de ar condicionado, de modo a que todo o tecto de cada uma das divisões fique da mesma cor; e (ii) a tapar os buracos no exterior e na varanda, resultantes da retirada de letreiros e placard publicitário. Isto sem IVA, com o limite máximo de 1820€ e juros a partir da liquidação (art. 805/3 do CC).

            A ré vai absolvida do resto.

            Custas da acção e do recurso pela autora em 86,34% e pela ré em 13,66% (valor que será rectificado se houver liquidação posterior consoante o resultado desta).

            Porto, 07/04/2016

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto