Insolvência 3123/11.7TBVLG do 1º juízo do tribunal judicial de Valongo
Sumário:
I. Quando dos factos provados não é possível inferir que as despesas existentes correspondem às despesas necessárias a um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar [art. 239/3b)i) do CIRE] e é por isso impossível aplicar o critério casuístico previsto na lei, tem que se recorrer ao valor daquelas despesas que, em abstracto e pelo mínimo, sempre serão presumivelmente necessárias para aquele sustento.
II. Neste caso, pode-se recorrer ao regime da impenhorabilidade do caso paralelo do executado, que é agora o do art. 738/3 do CPC2013, que estabelece, para aquela, o limite mínimo de um salário mínimo nacional.
III. Mas esse valor não deve ser multiplicado, sem mais, por dois no caso de serem dois os insolventes, ou por três no caso de serem três os adultos do agregado familiar. Antes devem ter-se em conta as inerentes economias de escala e excluir-se um salário mínimo nacional por um insolvente, 0,7 de um smn para um outro insolvente ou outro membro adulto do agregado familiar e 0,5 do smn para cada membro menor do agregado familiar.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:
O casal A e B, que vivia então em casa própria sita na Rua X, veio, em 07/09/2011, apresentar-se à insolvência com pedido simultâneo de posterior exoneração do passivo restante.
Para este último efeito e para além do mais alegaram o seguinte: o requerente tem a idade de 62 anos e padece de diabetes em estado bastante avançado o que lhe agravou gravemente a visão; encontra–se reformado auferindo uma aposentação de 787,42€; a requerente tem a idade de 61 anos, está desempregada, encontra-se inscrita no centro de emprego e pressente que não conseguirá empregar-se, sendo que se se reformar, irá receber a título de aposentação uma quantia próxima dos 500€; o agregado familiar dos requerentes é constituído por ambos, e por um filho maior que se encontra a cargo, pois padece de diabetes ficando num estado comatoso com muita frequência. Suportam as seguintes despesas mensais: 500€ de alimentação; 70€ de vestuário; 150€ de saúde; 600€ de renda da casa; 200€ de luz, gás, água e tv. Não arrolaram qualquer prova destas despesas nem do essencial das alegações que se sintetizaram.
Os requerentes foram declarados insolventes.
Depois, no decurso do processo, o Sr. Administrador da Insolvência esclareceu, no respectivo relatório, que os requerentes tinham alterado a residência para a Rua Y (a casa própria tinha sido entretanto vendida, bem como o respectivo recheio, pelo administrador), que o requerente está reformado e tem um rendimento mensal de 787,42€ e que a requerente não tem quaisquer rendimentos ou subsídios. Entende que deve ser deferido o pedido de exoneração e que será razoável fixar para sustento, face à situação patrimonial dos requerentes, o valor de 1,5 salários mínimos.
Dois dos credores pronunciaram-se contra o deferimento do pedido.
Na sequência destas oposições os requerentes vieram dizer que os bens móveis da nova residência, com excepção das camas não eram deles (e por isso não podiam ser apreendidos) e vieram, em 14/01/2013, juntar aos autos comprovativo da doença do requerente e cópia de um contrato de arrendamento celebrado em 01/10/2011 (o respeitante ao imóvel da Rua Y), pelo valor mensal de 600€. E precisaram: as despesas com alimentação orçaram, em Outubro, 360,57€ (cfr. doc 7 a 18); as despesas de saúde dos requerentes durante o mês de Outubro foram no valor de 213,10€ (cfr. docs 19 a 25) e em Novembro e até 14/01/2013 foram de 294,07€ (cfr. doc. 29 a 36) – destas, os requerentes gastaram, por exemplo, 150€ + 180€, com uma consulta (ela) + uma consulta e tratamento (ele) no dentista; as despesas com comunicações durante Novembro e até 14/01/2013 foram de 25€ (doc. 26 a 28); as despesas do requerente com transporte para o hospital Z onde tem sido submetido a tratamentos foram em Novembro de 60€ (cfr. doc. 37).
A 02/05/2013 foi proferido despacho a admitir o pedido de exoneração e a fixar como sustento minimamente digno dos requerentes o equivalente a um salário mínimo nacional e meio (= 727,50€).
Os requerentes recorrem desta decisão – para que seja revogada e substituída por outra que, tendo presente o princípio da equidade e dos interesses em causa nos autos – de insolventes e credores – fixe em 1445€ o rendimento indisponível dos insolventes -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões minimamente úteis (mantendo-se mesmo assim as repetições):
A). Os recorrentes não podem aceitar que face às despesas dadas como provadas, face às despesas documentadas, e face às despesas de um normal passadio de vida apresentadas pelos insolventes num valor global de 1.445€, o tribunal a quo tivesse fixado o valor de 727,50€, como sendo o razoavelmente necessário para o sustento digno de 3 pessoas;
B) O valor estipulado pelo tribunal a quo encontra-se muito aquém do necessário para fazer face às despesas descritas, que são estritamente necessárias à sobrevivência humana;
C) O valor fixado pelo tribunal a quo viola o princípio da dignidade humana contida no princípio do Estado de direito, afirmado no art. 1 da Constituição da República Portuguesa e aludido também no art. 59/1a) da CRP, que exige que se salvaguarde aos devedores o mínimo julgado indispensável a um existência condigna;
D) O agregado familiar dos insolventes é composto por ambos e por um filho maior doente que vive a seu cargo, pelo que o rendimento fixado atribui a cada um a quantia mensal de 242,50€ que é metade de um salário mínimo nacional.
E) Este valor viola o princípio da dignidade humana, já que o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, no todo reduzido, qualquer que seja o motivo. O salário mínimo nacional é assim o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade.
F) Os insolventes com o valor fixado têm que prover o seu sustento e de seu filho, tendo que pagar a renda da casa (600€), água, electricidade, gás, tv (200); alimentação (€360), saúde (€200), comunicações (€25), deslocações (60€), o que vai obrigatoriamente implicar uma vida de bastantes sacrifícios e limitações, já que pelo despacho recorrido não foi assegurado o sustento minimamente digno dos insolventes, violando assim o disposto no art. 238/3b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os arts. 1 e 59/1 da CRP e o art. 824/1/2 do Código do Processo Civil.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões que importa decidir: se devem ser acrescentadas algumas despesas às dadas como provadas; se o montante para sustento devia ter sido fixado quase num salário mínimo nacional para cada alegado membro do agregado familiar dos requerentes.
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Recurso contra a decisão da matéria de facto
Do confronto dos factos provados com os invocados nas conclusões dos requerentes resulta que eles também impugnam a decisão da matéria de facto, pois que pretendem que têm ainda outras despesas para além das dadas como provadas, quais sejam: água, electricidade, gás, tv (200); comunicações (€25), deslocações (60€). Quanto às primeiras, tinham-nas alegado na petição inicial, quanto às outras, alegaram-nas no requerimento posterior de suposta prova dos factos alegados anteriormente.
Quanto às despesas com água, luz, água e tv não juntaram qualquer prova, o que quer dizer que não há razão para dar como provado o valor por eles avançado, embora se aceite, por corresponder à normalidade das coisas, que elas existem.
Quanto às comunicações, os documentos que juntam, conjugados com as alegações que faziam, comprovam apenas que entre 31/10/2012 e 14/01/2013 foram carregados dois telemóveis diferentes com 25€. O que dá uma despesa por mês de 10€ (e não 25) com telemóveis não se sabe de quem.
Quanto às deslocações, o alegado e o comprovado, dizem só respeito a uma despesa ocasional, que não permite qualquer inferência de que todos os meses seja feita uma despesa igual e do mesmo valor.
Assim, quanto às despesas há apenas que acrescentar que os requerentes têm gastos com água, luz, gás e tv (que são de montante indeterminado e por isso não se concretiza o respectivo valor), sendo no resto, nesta parte, o recurso improcedente.
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Quanto ao valor da reforma do requerente há um lapso, nos factos provados, que deve ser corrigido de modo a pô-lo de acordo com os documentos invocados, já que o valor documentado é de 787,42€ e não 782,42€.
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Devido às alterações que antecedem, os factos provados são agora os seguintes:
- O requerente encontra-se reformado, auferindo a quantia mensal de 787,42€, e a requerente encontra-se desempregada, não auferindo qualquer rendimento ou subsídio.
- O agregado familiar é constituído pelos insolventes e por um filho maior, que se encontra a cargo dos requerentes, sofrendo de diabetes.
- Vivem em casa arrendada, pagando de renda a quantia mensal de 600€, suportando, em alimentação, despesas na ordem dos 360€, em despesas de saúde a quantia de cerca de 200€ mensais.
- Têm despesas mensais com água, luz, gás e tv.
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O art. 239/3 do CIRE dispõe, na parte que interessa, que “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, […] b) do que seja razoavelmente necessário para: i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.”
A decisão recorrida, com suficiente invocação de jurisprudência sobre o assunto (refere os ac. do TRP de 15/07/2009, 268/09.7TBOAZ-D.P1, de 27/10/2009, 304/09.7TBPVZ-B.P1, de 02/02/2010, 1180/09.5TJPRT.P1, e de 25/05/2010, 1627/09.0TJPRT-D.P1 – as referências completas foram colocadas agora, neste acórdão –; no mesmo sentido, poderia ainda citar-se, apenas por exemplo, o acórdão do STJ de 18/10/2012, 80/11.3TBMAC-C.E1.S1) e de acordo com o entendimento corrente desta, disse que “na exclusão prevista na subalínea i) da alínea b) do nº 3 do art. 239 do CIRE o legislador estabeleceu, primeiro, um limite mínimo por referência a um critério geral e abstracto – o razoavelmente necessário ao sustento minimamente condigno do devedor e seu agregado familiar –, a preencher pelo aplicador, caso a caso, conforme as circunstâncias concretas e peculiares do devedor; depois, estabeleceu um limite máximo por referência a um critério quantificável objectivamente – o equivalente a três salários mínimos nacionais (sendo certo que este limite máximo pode ser excedido em casos justificados, mas excepcionais – exigindo para tal uma particular análise, ao determinar que em tais casos a decisão que o defira seja adicionalmente fundamentada).” E depois fixou, “recorrendo à “cláusula do razoável’, considerando as condições económicas provadas e as despesas documentadas,” em um salário mínimo nacional e meio o valor do sustento do agregado familiar dos requerentes, composto por três pessoas.
Os requerentes entendem que as despesas que eles alegaram, correspondentes quase precisamente ao valor de três salários mínimos nacionais, são estritamente necessárias à sobrevivência humana. O que lhes permite sustentar que o valor fixado na decisão recorrida está errado, quer por via directa, porque, se as despesas alegadas são estritamente necessárias à sobrevivência humana, qualquer valor abaixo daquele não lhes dá satisfação, quer por via indirecta, porque sugerem que o salário mínimo nacional é o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade de qualquer pessoa e como o seu agregado familiar é composto por três pessoas o valor do sustento deveria ser igual a três salários mínimos nacionais.
Posto isto,
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Com a disposição referida do CIRE, a lei exclui, de tudo aquilo que o devedor vier a receber, e que em circunstâncias normais devia ser entregue aos seus credores em pagamento do que lhes é devido, o valor necessário para um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. Por isso, traduz-se na fixação de um valor que, quanto maior for, em benefício do devedor, mais vai prejudicar outros, que são os credores deste. Trata-se, de outra perspectiva, com tal exclusão, de admitir uma situação de incumprimento parcial de uma obrigação, situação que por princípio seria ilícita, já que as obrigações devem ser pontualmente cumpridas (art. 406/1 do Código Civil).
Assim sendo – isto é, tendo em conta os interesses conflituantes decorrentes do que antecede, sendo que os credores são normalmente empresas que têm trabalhadores a quem têm de pagar salários com os créditos correspondentes às dívidas -, compreende-se a exigência da lei de que o valor a excluir seja apenas do necessário para um sustento minimamente digno e que, salvo circunstâncias fora do normal, não deva exceder o valor de três salários mínimos nacionais.
Não se pretende, pois, que o devedor mantenha o nível de despesas que vinha tendo e, por isso, estas só terão relevo na medida em que se possam identificar com aquelas correspondentes a um sustento minimamente digno (neste sentido, por exemplo, vejam-se os acs do TRL de 02/10/2012, 1594/11.0TBBRR.L1-1: “III. […] o devedor não tem o direito de manter o nível de vida anterior, nem este é um critério a atender na fixação do rendimento disponível. IV- O que releva é o necessário para um sustento minimamente digno, conceito este que não equivale aos padrões de conforto generalizados.”; e do TRP de 25/09/2012, 3057/11.5TBGDM-E.P1, que cita vários outros com interesse: “I – No instituto da exoneração do passivo restante está em causa determinar o estritamente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, e não necessariamente manter o nível de vida que tinham antes da declaração de insolvência. A situação de insolvência tem como primeira consequência a impossibilidade de manutenção do anterior nível de vida. […] IV – As despesas têm de ser adequadas às disponibilidades do agregado.”; e o ac. do TRC de 31/01/2012, 1255/11.0TBVNO-A.C1: “I. No âmbito da exclusão constante do ponto i) da al. b) do n.º 3 do art. 239 do CIRE, não existe qualquer correspondência directa entre o valor a retirar do rendimento disponível para garantir o sustento do devedor e o montante global das despesas por aquele indicadas – a não ser assim, o legislador diria que o valor a fixar deveria corresponder ao montante global das despesas apresentadas e não fixaria um valor máximo.[…]; e do TRG de 14/02/2013,. 3267/12.8TBGMR-C.G1: […] II. O insolvente tem de adequar o seu modus vivendi ao estado de insolvência a que está sujeito, não é o estado de insolvência que tem de se adequar ao modus vivendi que o insolvente entenda adotar.[…]”.
Assim sendo, as despesas que os requerentes insolventes alegam ter, mesmo que se provem, só têm relevo se dos factos respectivos se puder retirar, sem dúvidas, que essas despesas são as absolutamente indispensáveis a um sustento minimamente digno dos requerentes e dos seus agregados familiares. Caso assim não aconteça, isto é, caso não seja possível estabelecer esta correspondência, aquela enumeração das despesas não passa de uma lista das despesas que se tinham e que se desejam manter, não tendo relevo para determinar o valor daquelas a que têm direito, como declarados insolventes.
Ora, no caso dos autos, quanto às despesas com a renda da casa, tem que se notar que os requerentes, já depois de insolventes, mudaram de X, para uma casa no centro de Y, por livre iniciativa e escolha própria, não tendo feito qualquer tentativa de demonstração que tal opção era a única que tinham, a mais razoável e a mais económica, e que em X, não conseguiriam, por exemplo, arrendar uma casa por um valor muito inferior. Não importa, por isso, o valor da renda da casa que escolheram. Importaria antes o valor da renda de uma casa que tinha de ser escolhida tendo em conta que os requerentes são insolventes, que têm dívidas e que só devem por viver com o que for estritamente necessário à sua sobrevivência condigna.
O mesmo se diga em relação a outra das despesas invocadas e provadas, de 200€ em gastos com saúde: não há nada que diga que tais gastos correspondam ao necessário a um sustento minimamente condigno. Nem todas as despesas com a saúde são indispensáveis e quem tem mais dinheiro pode gastar mais e quem tem menos dinheiro e tem dívidas a pagar tem de gastar menos.
Assim, como no caso dos autos dos factos provados não decorre que as despesas comprovadas correspondam àquelas que seriam necessárias a um sustento minimamente condigno, não são as despesas concretas que, no caso, têm de ser consideradas, mas antes as despesas que em abstracto são necessárias para um sustento condigno de um qualquer agregado familiar (corre assim por conta dos insolventes a falta de alegação e prova de que as despesas que arrolaram fossem as indispensáveis de acordo com o critério legal referido, mas isto sem prejuízo da consideração por um mínimo presumido de despesas, correspondentes a um valor abstracto de subsistência, com apoio legal como se verá de seguida).
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Como a situação de um insolvente que tem dívidas para pagar é muito semelhante a um qualquer outro devedor que fosse executado (o processo de insolvência é, grosso modo, uma execução com mais de que um credor), é possível recorrer, usando-o como ponto de referência, ao regime da impenhorabilidade das execuções singulares, para concretizar o critério usado pelo art. 239/3 do CIRE (de algum modo neste sentido, entre muitos outros, com diferentes fundamentações e para vários efeitos, vejam-se, por exemplo, os acs. do TRL de 08/11/2012, 2135/11.5YXLSB-D.L1-6; do TRL de 15/11/2012 289/12.2TJLSB-B.L1-6; do TRL de 16/02/2012, 1613/11.0TBMTJ-D.L1-2; do TRP de 25/09/2012, 3057/11.5TBGDM-E.P1; do TRP de 12/06/2012, 51/12.2TBESP-E.P1; do TRP de 15/09/2011, 692/11.5TBVCD-C.P1; do TRC de 12/03/2013, 1254/12.5TBLRA-F.C1).
Ora, no art. 738/3 do CPC actual (no essencial mais ou menos igual ao art. 824 do CPC61; o CPC actual está em vigor desde 01/09/2013, por força do art. 8 da Lei 41/0213, de 26/06, e é já aplicável por força do seu art. 5/1), a impenhorabilidade de parte dos salários e prestações equivalentes prevista no nº. 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional [ou melhor: retribuição mínima mensal garantida, que é de 485€ por força do art. 1/1 do DL 143/2010, de 31/12], não se aplicando este limite, por força do nº 4 do art. 783 “quando [o que não é o caso dos autos…] o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo” [esta é, por força do art. 7/1 da Portaria n.º 432-A/2012, de 31 de dezembro, de 197,55€].
Isto tendo por base uma jurisprudência já antiga do Tribunal Constitucional, quer no seu acórdão 177/2002, com força obrigatória geral, quer em acórdãos mais antigos, como o 318/1999, que dizem: “o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo”; ou, já a propósito de outra prestação equivalente: “a sua atribuição corresponde ao montante mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do respectivo beneficiário.” (ambos os acórdãos estão publicados no sítio do TC na internet).
Logo, aceita-se que deve ser ressalvado um salário mínimo nacional para o sustento minimamente digno de um insolvente, quando não houver prova de despesas concretas com outro valor. Pois que um credor que executasse os insolventes sempre estaria sujeito a tal limite de impenhorabilidade.
A questão que se põe de seguida é se, havendo mais de um insolvente, sendo por exemplo dois, como no caso dos autos, esse valor deve ser duplicado. Bem como, se do agregado familiar fizerem parte três adultos, deve ser ressalvado um salário mínimo nacional por cada um deles, como defendem, na prática, os requerentes.
A norma do art. 239/3b)i) do CPC dá relevo ao agregado familiar: o sustento que deve ser garantido é o do “devedor e do seu agregado familiar.”
Ora, um agregado familiar de duas pessoas não gasta o mesmo que a soma dos gastos de dois indivíduos isolados. Tal como um agregado familiar de três pessoas não gasta o mesmo que a soma de três indivíduos isolados. Há “economias de escala”, no sentido de que “o gasto per capita vai diminuindo à medida que aumenta o número de membros da família” (a definição é retirada do sítio http://www.apfn.com.pt/Noticias/Set2002/economia.htm – o conceito das economias de escala é aplicado legalmente, por exemplo no art. 5 do Dec.-Lei 70/2010, de 16/06, no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, em que a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: 1 + 0,7 + 0,5, respectivamente pelo requerente, por cada indivíduo maior e por cada indivíduo menor; no artigo de Nuno Alves, Novos factos sobre a pobreza em Portugal, publicado no Boletim económico do Banco de Portugal, primavera de 2009, utiliza-se a escala de equivalência modificada da OCDE, que atribui um peso de 1.0 ao primeiro adulto do agregado familiar, 0.5 aos restantes adultos e 0.3 a cada criança (com menos de 15 anos) http://www.bportugal.pt/pt-PT/BdP%20Publicaes%20de%20Investigao/AB200902_p.pdf
Assim, um agregado familiar de três adultos não precisa, para o seu sustento minimamente digno, do valor equivalente a três salários mínimos nacionais, mas, aplicando o critério daquele DL 70/2010, de 1 + 0,7 + 0,7 salários mínimos nacionais, ou seja, 2,4 smn, isto é: 485€ x 2,4 = 1164€.
E, nesta medida, é procedente o recurso dos requerentes, já que a reserva de apenas 1,5 salário mínimo deve ser considerada, em abstracto, insuficiente para o sustento digno de três adultos. Aliás, quer a decisão recorrida, quer a posição do Sr. Administrador da Insolvência não fundamentam devidamente a opção pelo valor de 1,5 smn para três pessoas, parecendo este último não ter considerado sequer a existência de qualquer outro elemento do agregado familiar para além dos requerentes, por não lhe fazer referência, e a decisão recorrida não explica porque é que, dando como provadas despesas de 1160€ e remetendo para elas, apenas atribui 727,50€ para o sustento deste agregado familiar.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, alterando-se a decisão recorrida de modo a fixar em 2,4 salários mínimos nacionais (por ora igual a 1164€) o valor do sustento do agregado familiar (composto por três adultos) dos insolventes.
Custas pelos recorrentes e pela massa na proporção do decaimento.
Porto, 19/09/2013
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto