Proc. 4742/10.4TBSTS-A – Santo Tirso – 4ª Sec. Família e Menores – J1
Sumário:
I. Ao ordenar descontos nos termos do art. 189 da OTM o tribunal não tem que ter em conta as despesas do progenitor; e, quanto aos rendimentos, só tem que os ter em conta na medida da impenhorabilidade.
II. Estando em causa uma obrigação alimentar, o limite da impenhorabilidade é o do art. 738/4 do CPC, não se aplicando o disposto nos n.ºs 1 a 3 do art. 738 do CPC.
III. A intervenção do FGADM só tem lugar se, para além do mais, se verificar a impossibilidade de satisfação das quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189 da OTM.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:
A 18/04/2013, P deduziu um incidente de incumprimento da decisão relativa à regulação do exercício do poder paternal relativo ao seu filho menor F contra M, mãe do mesmo, alegando que esta tinha deixado de pagar a prestação de alimentos desde Novembro de 2011.
A 13/02/2015 foi finalmente decidido o incidente, julgando-se verificado o incumprimento e condenando-se a mãe a pagar ao pai 1280€, ao mesmo tempo que se determinou que se oficiasse à Segurança Social para que informasse se a mãe se encontrava a efectuar descontos e em caso afirmativo a identificação da entidade que procedia ao pagamento, ou se se encontrava a receber qualquer pensão ou subsidio e, em caso afirmativo, qual o seu montante.
A mãe foi notificada desta decisão por carta elaborada a 18/02/2015, presumindo-se notificada a 23/02/2015 (2ª feira).
Depois de obtida a informação do ISS (subsídio de desemprego de 387€, atribuído a 10/03/2015 e com termo provável a 14/06/2015) foi, sob promoção do Ministério Público, a 08/06/2015, proferido despacho a ordenar o desconto mensal de 100€ no subsidio de desemprego da mãe, sendo 50€ para pagamento das prestações de alimentos vincendas e de 50€ para pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas e que se oficiasse ao ISS nos termos ordenados.
A 26/10/2015 o ISS informou que ia iniciar os descontos ordenados em Novembro e a mãe foi notificada disto por carta elaborada a 02/11/2015.
A 20/11/2015, a mãe veio recorrer “da sentença”, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
- A decisão foi tomada com base em elementos desfasados com a realidade do valor dos rendimentos auferidos pela mãe à data em que foi ordenada a penhora, pelo que está viciada.
- A decisão não considerou todos os elementos juntos aos autos, nomeadamente o valor da despesas mensais apuradas da mãe.
- A decisão viola o mínimo de subsistência da mãe.
- A decisão proferida viola o disposto no n.ºs 1 e 2 do artigo 738 do CPC, pois o seu rendimento é impenhorável.
- A decisão viola o referencial do rendimento social de inserção criado pela Lei 13/2003, de 21/05, e regulamentado pelo DL 283/2003, de 08/11, e pela Portaria 105/2004, de 26/01, que corresponde à realização, na sua dimensão positiva, da garantia do mínimo de existência, pois o rendimento da recorrente após a penhora situa-se em valor inferior a este.
- Dos autos resulta suficientemente indiciado que se encontram reunidos os pressupostos, quando à mãe da atribuição e utilização do Fundo de Garantia de Alimentos, devendo ser alterada a decisão e provocada a sua intervenção.
O pai não contra-alegou (só tendo sido notificado pela mãe a 07/12/2015).
O MP (só notificado pelo tribunal, a 20/01/2016) contra-alegou (a 04/02/2016) dizendo, em síntese, que: a mãe impugna o despacho que, nos termos do art. 189/1c) da OTM ordenou o desconto mensal de 100€; tratando-se de um despacho que determina um procedimento com vista à cobrança coerciva da prestação alimentos já antes fixada, o tribunal não tem, em tal decisão, que atender a outros elementos, nomeadamente ao valor das despesas mensais da requerida. Estando em causa prestações de alimentos, não há lugar à aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 738 do CPC, por força do n.º 4 deste artigo. No caso dos autos, o limite da impenhorabilidade é o valor da pensão social do regime não contributivo – 201,53€ fixado pela Portaria nº286-A/2014, de 31/12. Deduzindo ao valor do subsídio de desemprego actualmente recebido pela mãe (335€) os 100€, o valor com que a mãe fica é de 235€; logo, aquele limite não foi tocado. Sendo possível com o recurso ao procedimento previsto no art. 189 da OTM obter a cobrança coerciva das prestações alimentares vencidas e vincendas no caso dos autos, não se mostra preenchido o requisito previsto no art. 1 da Lei 75/98, de 19/11, e 3/1-a do DL 164/99, de 13/05 (não satisfação das quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189 da OTM), para que o Estado, através do Fundo de garantia de alimentos devidos a menores, suporte as prestações de alimentos, em substituição da mãe, sendo por isso legalmente impossível provocar a sua intervenção.
O processo só foi remetido a este tribunal no dia 13/04/2016.
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Questões que importa decidir: se ao ordenar os descontos o tribunal tinha que ter em conta os rendimentos e as despesas da mãe; se o montante dos descontos viola o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 738 do CPC e se, em vez dos descontos no subsídio de desemprego da mãe, devia ter sido ordenada a intervenção do FGADM.
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Os factos que interessam à decisão destas questões são os que constam do relatório que antecede.
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A resposta do MP a estas três questões é a correcta.
Ao ordenar uma das medidas previstas no art. 189 da OTM (ainda em vigor à data do despacho recorrido), o juiz está a dar execução a uma decisão tomada anteriormente e não a decidir de novo sobre a existência de uma dívida.
Ou seja, está-se na fase executiva e não na fase declarativa. O título já existe. A decisão sobre o valor dos alimentos constava da regulação do poder paternal e a decisão sobre o valor em dívida resultava da prova, feita anteriormente, sobre o incumprimento dos alimentos fixados. Agora, está-se só a fazer cumprir o já decidido.
Por isso, as normas que se impunham ao juiz eram só as normas executivas, que respeitam aos limites da dedução, na forma de limites de impenhorabilidade, na aplicação dos quais não interessam as despesas que a mãe tem e os seus rendimentos só interessam na medida dos limites da impenhorabilidade.
E esses limites não são os que resultam das normas invocadas pela mãe, mas sim da norma indicada pelo MP, ou seja, do art. 738/4 do CPC, porque a dívida que se está a executar é de alimentos (no mesmo sentido, veja-se Lebre de Freitas, A acção executiva, 6ª edição, Coimbra Editora 2014, págs. 251/252).
Sendo, pois, impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, há que recorrer, de novo, às normas indicadas pelo MP, ou seja, no caso, o art. 7/1 da Portaria 286-A/2014, de 31/12, onde se fixa o valor da pensão social do regime não contributivo em 201,53€ em 2015 (em 2016 passou para 202,34€: art. 17/1 da Portaria 65/2016, de 01/04). Sendo o subsídio de desemprego que a mãe estava a auferir de 387€, o desconto de 100€ (= 50 + 50) não violava aquele limite.
É certo que, entretanto, o subsídio de desemprego podia diminuir ou terminar. Mas não tem qualquer sentido pretender que, antes de o juiz dar a ordem de dedução de montantes, esteja a fazer diligências para saber se a situação ainda se mantém, pois que no dia a seguir a situação se pode alterar. O problema resolve-se depois: se o subsídio tivesse diminuído de tal modo que a dedução dos 100€ violasse o limite de impenhorabilidade refe-rido, em princípio o ISS, que tem conhecimento de tais limites, observá-los–ia oficiosamente. E se tal não acontecesse, teria de ser a mãe a vir aos autos dar conhecimento da ultrapassagem do limite, até por simples requerimento, para que a situação fosse resolvida. O período de tempo que a situação levasse a ser resolvida seria sempre inevitável, como também foi inevitável (pelo menos em parte) o período de tempo que o pai do menor levou para conseguir que fossem efectuados descontos nos rendimentos da mãe.
De resto, segundo o recurso, de facto o subsídio de desemprego terá diminuído e passado para 335€ (líquidos já que a mãe não diz nada em contrário) e mesmo assim a dedução dos 100€ não ultrapassou o valor da pensão social do regime não contributivo.
Por fim, quanto à intervenção do FGADM: ele só poderia ser accionado, tal como diz o MP, se, para além do mais, se verificasse a impossibilidade de satisfação das quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189 da OTM, como resulta do disposto nos arts. 1 da Lei 75/98, de 19/11 (alterada pela Lei 66-B/2012, de 31/12), e 3/1-a do DL 164/99, de 13/05 (alterado pelo DL 70/2010, de 16/06, e pela Lei 64/2012, de 20/12 – todas estas referências resultam da consulta do site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa).
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Porto, 05/05/2016
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto