Proc. 85565/15.6YIPRT – St. Mª Feira – Secção Cível – J2
Voto vencido
Já subscrevi, como adjunto, nos acs. do TRP de 18/12/2013, 125096/12.2YIPRT.P1, e de 11/09/2014, 179472/13.2YIPRT.P1, ambos não publicados, a posição que faz vencimento [: I. Não tem cariz publicista a convenção pela qual uma entidade, pública ou privada, acorda em prestar a um utente, mediante determinada contrapartida, serviço – público – de fornecimento de água e prestação de serviços relativos à ligação dos imóveis à rede pública de saneamento. Tal negócio jurídico assume natureza de contrato de consumo e de serviços, regido essencialmente por regras substantivas de direito privado. II. Dada essa sua natureza, para resolução do litígio resultante da falta de pagamento do custo devido pelo fornecimento de água consumida pelo utente e encargos decorrentes da ligação de imóvel à rede pública de saneamento são competentes os tribunais comuns e não os tribunais administrativos ou tributários.]
No entanto, depois do pleno da secção do contencioso tributário do STA ter aceite, no acórdão de 10/04/2013 (015/2012 – este como todos os referidos, publicados na base de dados do IGFEJ), que a competência cabia aos tribunais tributários (não aos tribunais administrativos nem aos tribunais comuns), quase (salvo erro, à excepção de um) todos os juízes conselheiros do tribunal de conflitos (formação específica de juízes conselheiros do STA e do STJ destinada à resolução de conflitos de jurisdição: arts. 59 a 108 do Decreto 19243, de 16/01/1931, com os arts. 86 e 87 alterados pelo Decreto 19438, de 11/03/1931, e art. 17 do Decreto-Lei 23185, de 30/10/1933, tudo como se pode ver em http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-justica/livro-ii-leis-sobre/jurisdicao/referencias-legislativas e arts. 109 e 110 do CPC) têm aderido à solução que também foi seguida pela sentença recorrida (incompetência dos tribunais comuns), passando a jurisprudência do Tribunal de Conflitos e do STA a ser unânime nesse sentido desde o 4º trimestre de 2014.
E isso com o fundamento, muito em síntese, do acórdão do Tribunal de conflitos de 29/01/2015, 026/14, de que, “está aqui em causa mais do que um contrato de fornecimento de água regulado pelas normas de direito privado[;] antes aquele se apresenta funcionalmente moldado por normas de direito público e sujeit[o] a preços que fogem ao controlo do mercado, já que em princípio não visam a obtenção de um lucro mas a satisfação de necessidades básicas, sendo à partida autoritariamente fixados por entidades públicas.”
Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal de Conflitos de:
25/06/2013, 033/13;
26/09/2013, 030/13;
05/11/2013, 039/13;
18/12/2013, 038/13;
18/12/2013, 053/13;
29/01/2014, 45/13
13/02/2014, 41/13;
27/03/2014, 54/13;
27/03/2014, 1/14;
15/05/2014, 031/13;
05/06/2014, 023/14
19/06/2014, 022/14;
26/06/2014, 021/14;
30/10/2014, 047/14 (cuja relatora era também relatora do único ac. do Tribunal de Conflitos que se tinha pronunciado em sentido contrário: de 21/01/2014, 044/13, invocado pela autora);
13/11/2014, 041/14;
13/11/2014, 043/14;
13/11/2014, 044/14;
25/11/2014, 039/14;
25/11/2014, 040/14;
25/11/2014, 042/14
29/01/2015, 026/14; e de
09/07/2015, 07/15.
E o facto de quase todos estes acórdãos do Tribunal de Conflitos se referirem à questão do pagamento do fornecimento de águas (à excepção dos n.ºs 33/2013, 30/2013 e 38/2013, que dizem respeito a questões conexas mais próximas da dos nossos autos) não importa, pois que a questão do pagamento dos encargos decorrentes da obrigatoriedade de ligação dos imóveis à rede pública de saneamento, de acordo com o art. 69 do DL 194/2009 de 20/08, é abrangida, por maioria de razão, por aquela argumentação, pois que, até mais do que o pagamento de fornecimentos de bens contratados, se trata da imposição do pagamento de obras obrigatórias.
Assim, tendo em conta os valores da “segurança jurídica”, “da igualdade e da imagem externa do sistema judiciário”, “devendo evitar-se, tanto quanto possível, clivagens e fricções sempre perturbadoras da previsibilidade das partes e funcionamento dos tribunais”, que levaram vários dos Srs. juízes conselheiros do STJ a mudarem de orientação, também mudo de posição (passando a acompanhar a tese da competência dos tribunais tributários).
No mesmo sentido, vejam-se, apenas por exemplo, os acs. do STA de 28/10/2015, 0125/14, e de 04/11/2015, 0177/14, e especificamente para a questão do pagamento do custo dos ramais de ligação do edifício particular à rede pública, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/06/2013, 02708/11.6BEPRT, e de 24/10/2014, 00749/11.2BEPRT.
[contra, já depois de 2015, veja-se Cátia Sofia Ramos Mendes, O contrato de prestação de serviços de fornecimento de água, Dissertação…. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Julho de 2015; e Joana Catarina Neto dos Anjos, Litígios entre as concessionárias do serviço público de abastecimento de água e os consumidores, Questão da jurisdição competente – Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Setembro | 2014, Cedipre Online | 24, que continua a defender a posição acolhida no proc. n.º 044/13, “tendo em atenção o direito constituído”. Parecendo-lhe, “contudo, que em termos de iure condendo o legislador devia clarificar a questão, tomando em consideração o enquadramento jurídico dos contratos de concessão para fornecimento de serviço público de água e optar por conceder, de um modo expresso, competência aos tribunais tributários para a resolução deste tipo de litígios” págs. 40 a 42; posição que mantém n’O Contrato de Concessão de Serviço Municipal de Água; O Preço do Serviço Numa Perspectiva de Direito Regulatório e de Resolução Judicial de Litígios – Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra… Coimbra, 2015]
Pelo exposto, julgaria o recurso improcedente.
Pedro Martins