Acção de Penafiel – Secção Cível – J4
Sumário:
I – “Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade” (ac. do STJ de 05/11/2009, proc. 381-2002.S1)” o cálculo de indemnização pela perda de capacidade aquisitiva deve iniciar-se pela aplicação de fórmulas matemáticas e depois ser corrigido com equidade, normalmente para elevar o respectivo resultado, quando as circunstâncias do caso o justificarem.
II – Quando o lesado for um estudante, a indemnização daquela perda deve ser calculada partindo-se do princípio de que ele entraria no mercado de trabalho a partir dos 21 anos, depois da frequência pelo menos de um curso profissional de nível médio, e que, por isso, auferiria, a partir daí e para sempre, pelo menos o valor equivalente ao salário médio nacional.
III – Tendo o autor sofrido uma fractura diafisária do úmero direito, vários tratamentos médicos, pelo menos uma intervenção cirúrgica, um período de internamento de 7 dias, várias sessões de fisioterapia, um período de doença de quase 6 meses e necessidade de auxílio da mãe durante um período indeterminado para actividades básicas (comer, vestir-se, lavar-se…); ficado com uma incapacidade permanente geral de 7 pontos (em 100), implicando as respectivas sequelas esforços acrescidos na sua actividade profissional; perdido expectativas profissionais; sofrido prejuízo estético de grau 3, numa escala de 1 a 7; ficado impossibilitado para a prática de futebol, basquete e andebol; sofrido repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável em 2 em 7 e um quantum doloris quantificável em grau 4, na escala de 1 a 7; não há razões para baixar a compensação de 20.000€ atribuída por esses danos (num caso semelhante, o ac. do STJ de 07/04/2016, 237/13.2TCGMR.G1.S1, fixou uma compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de 50.000€).
Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:
J, nascido a 27/11/1995, solteiro, intentou contra a Companhia de Seguros B, SA, uma acção pedindo a condenação da ré a pagar-lhe 193.878,32€, acrescidos do que se viesse a liquidar depois, tudo com juros desde a citação, alegando ter sido vítima de um acidente de viação, por culpa exclusiva do segurado da ré.
A ré contestou impugnando a matéria de facto aduzida pelo autor apenas quanto aos danos alegados.
Realizado o julgamento foi proferida sentença condenando a ré a pagar ao autor 20.000€, acrescidos de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4% ao ano, contados desde 30/08/2013; e outros 20.000€, acrescidos dos mesmos juros mas contados desde a sentença e até efectivo e integral pagamento.
A ré recorre desta sentença terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
- […N]ão pode a ré deixar de pugnar pela injusta aplicação do direito e dos princípios da equidade e adequação relativamente à atribuição ao autor dos 20.000€ a título de danos não patrimoniais.
- […A] fixação de tal indemnização deve assentar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma sensibilidade humana, pelo que deve a indemnização arbitrada ser revogada e substituída por uma de valor substancialmente inferior que se julgue digna tendo em conta os princípios da adequação e equidade, nunca superior a 12.500€.
- Com efeito a jurisprudência do STJ tem fixado para casos de gravidade superior a nível de IPP e das restantes situações de facto a ponderar, atribuir aos respectivos lesados indemnizações a título de danos não patrimoniais bem inferiores à ora objecto de recurso.
- A quantia arbitrada pelo tribunal a quo, ora objecto de recurso, viola além do mais o princípio da igualdade, na medida em que, a manter-se, a recorrida [sic] ficaria beneficiada [sic] em detrimento de outros lesados.
- Insurge-se, ainda, a ré contra o valor a que foi condenada a pagar a título de dano patrimonial futuro, considerando que é extremamente exagerado. O valor atribuído de 20.000€ é extremamente injusto e despropositado, Significando um enriquecimento sem causa para o autor.
- Ainda que se considere como elementos ponderativos, da atribuição da indemnização ao autor a este título, que o mesmo à data do acidente tinha cerca de 50 anos de vida activa e que se encontra com uma IPP de apenas 7 pontos, não deverá o quantum indemnizatório arbitrado ultrapassar o montante de 12.500€.
O autor contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir: se quer a indemnização pelos danos patrimoniais quer a dos não patrimoniais devem baixar de 20.000€ para não mais de 12.500€.
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Os factos provados com interesse para a decisão daquelas questões são os seguintes:
1) No dia 01/10/2011, cerca das 17h, na Rua de S, freguesia da P, concelho de F, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, matricula HQ-xx-xx, pertença de S e conduzido pelo próprio, e o veículo ligeiro de passageiros matricula xx-xx-RT, pertença de T e conduzido por V, sendo que neste último veículo era transportado o autor.
[…]
10) O veículo automóvel de matrícula RT, à data do acidente, tinha a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, transferida para a ré através do contrato de seguro titulado pela apólice nº xx-oooo.
11) Na sequência do embate o autor sofreu fractura diafisária do úmero direito.
12) Foi transportado para o Hospital y, em F, por ambulância, onde foi assistido.
13) Após avaliação clinica e imagiológica foi transferido para o Centro Hospitalar do W, G, onde após reavaliação clinica e imagiológica fez gesso em todo o membro superior direito.
14) Teve alta (clinica) para o domicílio nesse mesmo dia.
15) O autor foi à consulta hospitalar para controlo passados 15 dias, onde foi reexaminado novamente e dado não apresentar consolidação óssea foi operado a 27/10/2011, mais precisamente submetido a RAOS – fixação interna com parafusos de compressão e placa LCP.
16) Teve alta hospitalar a 02/11/2011.
17) Posteriormente foi re-observado naqueles serviços clínicos em finais de Novembro.
18) Seguidamente fez tratamentos no Centro de Saúde de F, extensão L – e passou a ser tratado nos serviços clínicos da ré no Centro Médico P, em B.
19) Tendo iniciado sessões de fisioterapia, mantendo-as regularmente.
20) Tendo tido alta com incapacidade em 27/04/2012.
21) Não pôde frequentar a escola até Dezembro de 2011, devido aos tratamentos, consultas e dores que sentia.
22) No domicílio, o menor recorreu ao auxílio da mãe para se mover e para as tarefas básicas, como vestir, despir e tomar banho, bem como para se alimentar, nomeadamente, para cortar os alimentos.
23) Após o sinistro, na fase de recuperação, realizou várias sessões de tratamento fisiátrico bem como fez tratamentos e consultas no hospital de G e B e nos serviços clínicos da ré.
24) O autor hoje apresenta:
- Dores na face posterior do cotovelo direito associadas a alterações meteorológicas;
- Prurido na região cicatricial (face posterior do braço) e esporadicamente sensação de repuxamento quando efectua o movimento de abdução e flexão anterior do ombro direito e ainda a flexão do cotovelo direito.
- Tem dificuldade em utilizar o membro superior direito nomeadamente nos trabalhos que impliquem gestos repetitivos e que exijam força e destreza prolongada com os membros superiores, agravando-se se o trabalho for exercido por períodos de tempo prolongados (após cerca de 4 horas de trabalho).
- Tem uma cicatriz com 24 cm por 2 cm.
25) O A sofre de incapacidade permanente geral de 7 pontos.
26) Após o embate o autor ficou mais agitado, nervoso e inseguro do que era antes do acidente.
27) Nos dias que se seguiram ao acidente teve dores
28) À data do embate o autor era saudável, activo, tinha 15 anos de idade, sem qualquer defeito físico e apresentava alegria de viver.
29) O autor na sequência do embate, sofreu dores e receou pela vida.
30) Encontrava-se a frequentar o 10.º ano de escolaridade, sendo que hoje é operário fabril e aufere quantia equivalente ao salário mínimo.
31) À data do embate o autor aspirava a ingressar na carreira militar e seguir a carreira da GNR ou Policia de Segurança Pública, auferindo rendimento compatível com o exercício de tais funções, sendo que foi considerado não apto para o serviço militar na sequência de inspecção a que se submeteu.
32) As lesões do autor são compatíveis com o exercício futuro de actividade profissional que implique esforços físicos com os membros superiores, implicando esforços acrescidos na sua realização.
33) O autor sofreu prejuízo estético de grau 3, numa escala de 1 a 7.
34) O menor até ao sinistro dedicava-se à prática de futebol, basquete e andebol, para as quais ficou impossibilitado, sofrendo repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável em 2 em 7.
35) Apresenta quantum doloris quantificável em grau 4, na escala de 1 a 7.
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Da parte da indemnização pelos danos patrimoniais
Antes de mais acrescente-se que a ré nada mais disse, no corpo das alegações, quanto a esta questão, do que aquilo que consta das conclusões transcritas. O que quer dizer que o seu recurso pouco mais é do que uma manifestação de discordância, sem quase fundamentação, contra o decidido.
A sentença recorrida, com as referências legais, doutrinais e jurisprudenciais que se impunham, esclarece que a lei não prevê uma fórmula rigorosa para calcular o montante desta parte da indemnização e que tem havido uma esforço para a encontrar com a utilização da tabelas financeiras e fórmulas matemáticas, mas sempre com a prevenção do carácter meramente auxiliar de tal método de cálculo, pois que os resultados obtidos devem ser corrigidos, com recurso à equidade, se o tribunal os julgar desajustados ao caso concreto.
E depois de invocar o grau de incapacidade permanente geral com que ficou, com reflexos na capacidade de trabalho, a idade do autor, a frequência do 10.º ano de escolaridade à data do acidente, a vontade de ingressar na carreira militar e seguir a carreira da GNR ou Policia de Segurança Pública, o que já não poderá fazer por ter sido declarado não apto para o serviço militar, bem como a esperança média de vida em Portugal para os homens que, no ano de 2015, se fixou em 77,16 anos, esclareceu que se tem atendido ao salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média, e que no caso haveria de considerar, como base, a profissão para a qual se demonstrou que o autor teria capacidade de alcançar e à qual aspirava.
Por fim, invocou uma série de acórdãos do STJ e dos TRP com fixação de valores para casos de menor, igual ou maior gravidade que justificariam, por comparação, o valor de 20.000€ para o caso do autor.
Concorda-se com tudo isto, no essencial, mas não com o resultado obtido.
De facto, se se começar, “para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade” (ac. do STJ de 05/11/2009, proc. 381-2002.S1), pela aplicação das fórmulas matemáticas que têm sido usadas, o resultado é muito diferente.
Uma das fórmulas que é a mais usada, inclusive pela lei (por exemplo na Portaria 377/2008, de 26/06, embora com outra aparência e com factores concretizados de forma diferente) é a seguinte:
C = [(1 + i)N – 1 / (1 + i)N x i] x P
em que
C = capital;
P = prestação a pagar no 1º ano;
n = o nº. de anos de esperança de vida; e
i = taxa de juro, sendo esta, por sua vez, calculada, assim:
i = (1 + r / 1 + k) – 1
em que:
r = taxa de juro nominal líquida.
k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).
Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da aplicação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.
Ora, se se aplicar esta fórmula, o resultado é:
C = [(1 + 0,247%)58 – 1 / (1+0,247%)58 x 0,247%] x 829,08€
C = 44.749,57€
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E os factores concretamente aplicados justificam-se assim:
Quanto ao cálculo do i:
r = taxa de juro nominal líquida, é actualmente, quando muito, de 1,5%.
k = taxa anual de crescimento de P (inflação de 0,5% + ganhos da produtividade de 0,375% + promoções profissionais de 0,375%) = 1,25%
Assim:
i = (1 + r / 1 + k) – 1
= 0,247%
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Quanto à perda de rendimentos
Como se vê a sentença admite entrar em linha de cálculo com um salário médio, já que o autor à data era estudante e não se sabia quanto é que ia auferir no futuro quando entrasse no mercado de trabalho.
E de facto, grande parte da jurisprudência tem admitido a aplicação do salário médio, embora com diferentes formulações.
Neste sentido, por exemplo, os acs. do STJ de 02/10/2007 (CJSTJ2007.III.68) e do TRC de 16/11/2010 (15/07.8TBFAG.C1) dizem que “sempre que o lesado, devido à idade, não tenha entrado, ainda, no mercado de trabalho, deve ser considerado o seu ingresso na vida activa aos 18 anos e o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média.”
No ac. do STJ de 16/03/2011, 1879/03.0TBACB.C1.S1, ficciona-se o ingresso do menor, na vida activa, após a conclusão de um curso profissional, de nível médio, que não se alcança, por via de regra, aos 18 anos, com a conclusão do ensino obrigatório, requerendo um acréscimo de escolaridade, de cerca de três anos, para que uma formação profissional, não necessariamente, de nível superior, seja atingida. E conclui-se: Assim sendo, o autor poderia ingressar no mercado de trabalho, por volta dos 21 anos, e receberia um ordenado, pelo menos, num patamar equivalente ao salário médio nacional x 14 meses.
Num outro exemplo, o acórdão do STJ de 17/01/2012, 291/07.6TBLRA.C1.S1, ficciona que o autor ingressaria na vida activa após a conclusão do ensino obrigatório e de um curso profissional de nível médio, por volta dos 21 anos, e que receberia um ordenado, pelo menos, num patamar equivalente ao salário médio nacional de 832,50€ x 14 meses.
Aceitando-se a precisão destes dois últimos acórdãos do STJ, entende-se que se deve aplicar a ideia de que quanto a um estudante, a indemnização deve ser calculada partindo-se do princípio de que ele entraria no mercado de trabalho a partir dos 21 anos, depois da frequência pelo menos de um curso profissional de nível médio, e que, por isso, auferiria, a partir daí e para sempre, pelo menos o valor equivalente ao salário médio nacional.
Ora, o salário médio mensal (no sentido de remuneração base, sem horas extra, subsídios ou prémios) dos trabalhadores por conta de outrem, é, à data em que o autor atingirá os 21 anos (2016), de mais ou menos 846€ líquidos (http://www.empregosonline.pt/Actualidades/DetalheActualidade.aspx?acid=8d236d3c-eff1-45de-9eea-f5bfd505ff68 e http://www.dn.pt/dinheiro/interior/os-salarios-vao-subir-2-em-2016-gestores-e-operarios-levam-menos-4928367.html – dados os valores alcançados, como se viu, não interessa, no caso, discutir se o salário é o líquido ou o ilíquido).
E esse salário é recebido 14 vezes ao ano.
Pelo que 7% de incapacidade representaria pelo menos uma perda anual de
846€ x 14 x 7% = 829,08€
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Quanto ao número de anos em que tal perda ocorrerá:
O número de anos que importa ter em conta não é o número de anos que falta atingir para a idade da reforma, mas sim para a idade correspondente à esperança média de vida da vítima (isto é, o que importa, como regra, é o tempo provável de vida da vítima e não o de vida activa).
A referência ao tempo provável de vida da vítima é opção seguida pelo acórdão do STJ de 28/9/1995, publicado na CJ.STJ.95.III, pág. 36 (: “finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”) e nos acórdãos do STJ de 16/3/1999, CJ.STJ.99.I.167, de 25/7/2002, na CJ.STJ.2002.II.128.
E passou a ser seguida por parte da jurisprudência, a partir do momento em que tal referência foi adoptada no parecer do Provedor de Justiça a propósito do caso da ponte de Entre-os-Rios (parecer de 19/03/2001, publicado no Diário da República, II série, nº. 96, de 24/4/2001, págs. 7139 e segs., especificamente ponto 38, nota 17): “julga-se a utilização do período de vida expectável da vítima como critério mais adequado do que o comummente utilizado da idade da reforma/ /aposentação, já que é de supor que o auferimento de rendimentos durante a vida activa permitiria, pela inscrição obrigatória em regime de segurança social, o recebimento de pensão de velhice ou de aposentação até ao fim da vida”. [neste sentido, apenas por exemplo, vejam-se os acórdãos do STJ de 19/04/2012 (3046/09.0TBFIG.S1); de 20/10/2011 (428/07.5TBFAF. G1.S1); de 07/06/2011 (524/07.9TCGMR.G1.S1); de 20/05/2010 (103/2002. L1.S1); de 25/06/2009, do 08B3234, e de 17/06/2008 (08A1266)].
Ora, a esperança média de vida para um indivíduo do sexo masculino com 16,5 anos em 2012-2014, segundo os dados do INE (https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0004204&contexto=bd&selTab=tab2) era de 62,55 anos.
Pelo que em 2016 (quando, com 21 anos de idade, entrar no mercado de trabalho), o autor ainda terá uma esperança de vida de 58 anos de idade.
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Ora perante isto e aquilo que se disse acima, nem sequer é imaginável como é que a ré pode conceber que a indemnização devia baixar para 12.500€, pelo que é manifesta a improcedência do recurso, nesta parte.
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Quanto à parte da indemnização pelos danos não patrimoniais
A sentença fixou esta parte da indemnização com as habituais e correctas considerações genéricas sobre a compensação devida por este dano e com remissão para os acórdãos do TRP que tinha citado: de 13/10/2009 [198/1998.P1 – indemnização de 32.500€, IPP de 15%]; de 17/03/2011 [2993/08.0TBPVZ.P1 – indemnização de 24.000€, IPP de 15%]; de 11/5/2011 [513/08.6PBMTS.P1 – indemnização de 7000€ – é um acórdão crime; os factos são de 2008, IPP de 5%]; de 3/12/2012, proc. 6311/06.4TBVFR.P1 [indemnização de 17.500€ – IPP de 6%; factos de 2004]; de 9/12/2014, proc. 1494/12.7TBSTS.P1 [indemnização de 35.000€, IPP de 6%, factos de 2011 – é um caso que se pode, no essencial, considerar menos grave que o dos autos; a indemnização por danos morais inclui o chamado dano biológico, valorado em 25.000€, mas em contrapartida não foi fixada uma indemnização pela perda da capacidade de ganho]; e de 24/2/2015, proc. 435/10.0TVPRT.P1 [indemnização de 10.000€ – IPP de 6%] [o que consta entre parenteses rectos foi agora concretizado por este TRP; a referência à IPP serve, aqui, apenas como sintoma do grau de gravidade dos casos].
A ré, que no corpo das alegações poucas mais linhas dedica ao assunto do que aquelas que já constam das conclusões transcritas, não invoca um acórdão que seja que vá no sentido que defende.
Por isso, diga-se apenas o seguinte sobre o assunto: o autor sofreu uma fractura diafisária do úmero direito, vários tratamentos médicos, pelo menos uma intervenção cirúrgica, um período de internamento de 7 dias, várias sessões de fisioterapia, um período de doença de quase 6 meses e necessidade de auxílio da mãe durante um período indeterminado para actividades básicas (comer, vestir-se, lavar-se…); ficou com uma incapacidade permanente geral de 7 pontos (em 100), implicando as respectivas sequelas esforços acrescidos na sua actividade profissional; perdeu expectativas profissionais; sofreu prejuízo estético de grau 3, numa escala de 1 a 7; ficou impossibilitado para a prática de futebol, basquete e andebol; sofreu repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável em 2 em 7 e um quantum doloris quantificável em grau 4, na escala de 1 a 7. Isto em resumo.
Ora, perante este quadro de coisas não tem qualquer razão de ser defender a diminuição desta parte da indemnização fixada para os danos não patrimoniais. E ainda mais dizer-se que a jurisprudência do STJ tem fixado para casos de gravidade superior a nível de IPP e das restantes situações de facto a ponderar, indemnizações a título de danos não patrimoniais bem inferiores, sem que se invoque um acórdão que seja nesse sentido, para contrapor aos vários invocados pela sentença recorrida.
Perante o quadro de coisas descrito e os acórdãos invocados pela decisão recorrida, logo se vê que a parte da indemnização pelos danos não patrimoniais tem sustentação nos mesmos e principalmente no de 2012 e que não há razões para a baixar.
Veja-se, aliás, que o ac. do STJ de 07/04/2016, 237/13.2TCGMR.G1.S1, fixou, para um caso parecido com o dos autos, uma compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de 50.000€:
“IV – Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante.”
Mas, para além disto, tem-se ainda em conta o seguinte:
A incapacidade parcial permanente geral para além de ser um factor que deve entrar em linha de conta no cálculo da indemnização dos danos patrimoniais, na parte que se refere à perda de capacidade de ganho, é também um factor a ter em conta na compensação dos danos não patrimoniais: alguém que tinha a sua capacidade de trabalho intacta e que fica com sequelas que lhe acarretam uma incapacidade permanente geral de 7% que implicam esforços acrescidos suplementares no exercício da sua actividade profissional, tem um evidente desgosto com o facto, sentindo-se diminuído em relação aos outros.
Por outro lado, períodos de imobilização forçada, total ou parcial, são relevantes: quem é habitualmente activo e fica obrigado a ficar fechado em casa ou num hospital, ou sem se poder mover livremente, durante períodos mais ou menos longos, tem necessariamente um desgosto com o facto (daí que, por exemplo, pela privação ilegal da liberdade por um período de cerca de 4 meses se dêem indemnizações de 15 ou 30.000€ – vejam-se os acs. do STJ de 27/11/2007, com sumário publicado sob o nº. 07A3359, e de 11/10/2011, 1268/03.6TBPMS.L1.S1). Daqui decorre que, embora com menos relevo, são também de considerar as dificuldades e limitações de movimento.
Diga-se ainda que desde 1994/1995, a jurisprudência tem chamado a atenção para a necessidade de as indemnizações começarem a ser aumentadas pouco a pouco, reconhecendo-se o carácter miserabilista das que eram então fixadas, e a partir daí começou-se, gradualmente, a fixar compensações em montantes mais elevados. Pelo que os valores dados pelos tribunais em anos anteriores devem ser vistos como valores sujeitos a actualizações (não baseadas apenas na inflação).
Por fim, note-se que muitas das decisões dos tribunais superiores não fixam os valores dos danos, limitam-se, sim, a dizer que os valores atribuídos (em muitos casos apreciados muito tempo depois dos factos) não devem ou não podem ser censurados. É que os tribunais de recurso, para além das limitações dos tribunais de 1ª instância pelos valores pedidos, ainda estão limitados pelos valores atribuídos e pelos recursos deduzidos (como, aliás, já se viu ser o caso dos autos).
Em suma, não há a mais pequena razão para considerar a indemnização de 20.000€ pelos danos não patrimoniais como exagerada, nem muito perto de o ser, antes pelo contrário.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas pela ré.
Porto, 30/06/2016
Pedro Martins
1º Adjunto
2.º Adjunto