Voto vencido (proc. 7581/12.4TBMTS.P1)
Quanto aos factos:
Dizer-se que as partes acordaram isto e aquilo é conclusivo e não deve constar dos factos. O que deve ser feito constar é que a ré assinou o contrato. A posição contrária, que fez vencimento, dá a ideia de que autor e ré andaram em negociações e acordaram nas cláusulas do contrato, quando se sabe claramente que a ré se limitou a assinar o contrato que lhe foi apresentado pelo interveniente.
Quanto ao demais:
Considero que o Banco não provou minimamente ter feito a devida comunicação das cláusulas contratuais gerais pelo que as consideraria excluídas do contrato. O facto de a ré ter assinado o contrato, nas condições em que o fez, nem sequer indicia que tenha tido o contrato em seu poder seja por que período for. Nem está provado que o Banco lho tenha enviado. Ou que a ré tenha tido oportunidade de ler, de facto, o contrato, quanto mais de o estudar e compreender sozinha.
Diz-se ou sugere-se o contrário, na fundamentação de direito da posição que fez vencimento, mas sem base factual para o efeito. Note-se que à ré não pode aproveitar o acordo que celebrou com o seu familiar de modo a eximir-se ao contrato. Mas, assim sendo e por isso mesmo (por ser a ré a mutuária), era em relação à ré que o Banco tinha que provar ter cumprido o dever de lhe dar conhecimento efectivo das cláusulas contratuais gerais que constavam do contrato. Não basta que o contrato tenha estado em poder do vendedor ou do familiar da ré, para se poder dizer que o contrato esteve em poder da ré. Tal como não basta que a ré tenha assinado o contrato para se poder entender que teve conhecimento das cláusulas contratuais gerais do mesmo, porque senão nunca se colocaria a questão do dever de comunicação de tais cláusulas.
Lembre-se, aliás, que “a não comunicação adequada e efectiva das cláusulas contratuais gerais é, assim [por força do art. 5/3 da LCCG, acrescentado pelo DL 220/95], presumida [… consagra[ndo] o regime geral do art. 342 do CC] […]” (Jorge Morais Carvalho, Manual do Direito de consumo, 2016, 3ª edição, Almedina, pág. 77).
E ao contrário do que se defende na sentença recorrida e na tese que fez vencimento, com recurso a um ac. do TRC, não é necessário que a ré demonstre que solicitou a prestação de esclarecimentos ao Banco para poder invocar a falta de comunicação devida.
Como diz Pedro Caetano Nunes: “o art. 5 da LCCG não pode ser interpretado no sentido de apenas exigir do predisponente que não perturbe uma eventual investigação das CCG pelo aderente. […].” (Comunicação de CCG, publicado nos estudos em homenagem a Carlos Ferreira de Almeida, Almedina, vol.II, 2011, pág. 529).
No preciso contexto do caso dos autos, não pode deixar de ser como diz o Prof. Júlio Gomes (no voto de vencido ao ac. do STJ de 09/07/2015, processo 1728/12.8TBBRR-A.L1.S1; para além do mais, no caso dos autos, não existe, ao contrário do que acontece no caso do ac. do STJ, prova de a ré ter prescindido da leitura ou de ter recusado esclarecimento): “Os deveres de comunicação e de informação não se reduzem, estamos em crer, a um dever de prestar esclarecimentos se os mesmos forem solicitados (que corresponde apenas a uma faceta do dever de informação prevista no n.º 2 do artigo 6.º). Aliás sem essa comunicação prévia o leigo muitas vezes nem sequer sentirá necessidade de pedir mais esclarecimentos. […] Em suma, o leigo muitas vezes não sabe sequer o suficiente para se aperceber das cláusulas ou de todas as cláusulas que lhe são prejudiciais.”
Ou como diz Almeno de Sá (aqui citado através do ac. do STJ de 02/12/2013, proc. 306/10.0TCGMR.G1.S1), “não basta a mera invocação de um ‘dever saber’ que recairia sobre o cliente, quer no que concerne à normal utilização de condições gerais pelo proponente nos contratos que habitualmente celebra, quer no que respeita ao conteúdo dessas condições. […] não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal. […] e antes que a contraparte se vincule de forma definitiva” (CCG e Directiva sobre cláusulas abusivas, 2ª edição, Almedina, 2001, págs. 241/242).
Por outro lado, as informações dadas pelo interveniente à ré não são suficientes para suprir a falta de cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais.
Por último, a assinatura da ficha de informação pré-contratual normalizada, não supre a falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais. Nem pode ser utilizada, como o faz o banco e a sentença recorrida, como uma espécie de declaração/cláusula confirmatória, que se entende, em geral, que é proibida, por força do art. 21/1e) da LCCG: “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que (e) Atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais.”
Neste sentido, com diferentes fundamentações, por exemplo, o ac. do TRL de 22/05/2012, 2527/10.7TBPBL.L1 (com várias referências doutrinárias e jurisprudenciais no mesmo sentido); Jorge Morais Carvalho, Os contratos de Consumo, Almedina, 2012, págs. 183 a 188 e Manual citado, págs. 76/77; Margarida Lima Rego, Temas de Direito dos Seguros, pág. 24; ac. do STJ de 15/05/2008 (08B357); Brandão Proença, Cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia, texto junto à nota 40, pág. 312, nos estudos em homenagem a Heinrich Hörster, Almedina, 2012, referindo no mesmo sentido o ac. do STJ de 07/01/2010 (08B3798).
A invocação da falta de comunicação das cláusulas, com a consequência da sua exclusão (art. 8 do RCCG), não configura, nestes casos, abuso de direito, mesmo que a ré entretanto tenha estado a cumprir o contrato.
Como se diz no já citado ac. do STJ de 02/12/2013: VII – Não constitui abuso do direito a situação do segurado que, decorridos seis anos após a celebração do contrato de seguro, invoca a exclusão de uma cláusula por falta do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação, sendo completamente natural e nada contraditório, que o cidadão assine o contrato, confiando que não vai encontrar percalços na sua execução, e reaja apenas quando esses percalços, normalmente imprevisíveis na data da celebração do contrato, surgem.”
No mesmo sentido, vai também o já referido voto de vencido: “A passagem de muitos anos de execução do contrato antes de a questão ser suscitada pela [ré] não nos impressiona sobremaneira e não parece que corresponda a qualquer atitude abusiva porque, precisamente, só quando interpelada pelo banco para cumprir é que a [ré] se pode ter apercebido da dimensão e reais contornos do encargo que assumiu.”
E ainda Jorge Morais Carvalho e Micael Teixeira, na sua anotação publicada nos Cadernos de Direito Privado n.º 42, págs. 50/51 (onde remetem para vária outra doutrina e jurisprudência), contrária à posição tomada no ac. do TRP de 14/11/2011, proc. 13721/05.
Bem como o ac. do STJ de 30/10/2007 (proc. 07A3048): “nas relações de consumo a regra é a protecção do consumidor, só devendo ser desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo da contraparte” e o ac. do TRL de 24/03/2011, 14148/09.2T2SNT-A.L1-6 (com ampla fundamentação).
Com outro tipo de fundamentação, mas no mesmo sentido, o ac. do STJ de 07/01/2010 (08B3798): “haveria de ter sido alegada e provada matéria de facto que permitisse concluir que o não exercício anterior do direito de invocar a nulidade por falta de entrega oportuna de um exemplar da proposta de contrato tinha sido acompanhado de uma actuação dos consumidores apta a, objectiva e justificadamente, criar na recorrente a confiança de que a nulidade não seria suscitada, tornado claramente inaceitável que, ao arrepio dessa sua atitude, a viessem invocar, em violação da confiança que eles próprios (objectivamente, repete-se) criaram (cfr., por exemplo, os acs deste STJ de 14/11/2006, 03/07/2008, 18/12/2008 ou de 31/03/2009, procs. nºs 06A3441, 08B2002, 08B3154 e 09A0537)” e os acórdãos do TRP de 30/06/2011 (5664/06.9YYPRT-A.P1) e do TRL de 01/02/2012 (7708/05.2YYLSB-A.L2).
Da exclusão das cláusulas não comunicadas, não resultaria a nulidade do contrato no seu todo mas apenas, no que importa ao caso dos autos, da cláusula penal e da cláusula relativa ao vencimento antecipado, que por isso não poderiam ser aplicadas nos autos, como o foram.
De qualquer modo, por aplicação do AUJ 7/2009 do STJ, nunca seriam devidos os juros remuneratórios vincendos (neste sentido, apenas por exemplo, todos mesmo já depois do DL 133/2009 e tendo em conta o seu art. 20, os acs. do TRL de 07/02/2013, proc. 10/11.2TBAGH.L1, do TRE de 13/02/2014, proc. 1665/11.3TBCTX.E1, do TRE de 12/02/2015, proc. 341/13.7TBVV.E1, e do TRP de 10/11/2015, proc. 1060/15.5T8PVZ.P1, entre muitos outros, e também Jorge Morais Carvalho, Manual citado, págs. 332 a 337).
Pedro Martins