Processo de Penafiel, secção cível

Sumário:

I. Se os réus, ao contestarem, derem notícia de terem pedido de apoio judiciário, decorridos que sejam 30 dias sobre a data desse pedido, o tribunal deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do deferimento tácito de tal pedido.

II. Se o ISS não alegar e demonstrar, em dois dias úteis, a existência de qualquer acto que tenha provocado a suspensão daquele prazo, deve-se considerar confirmado o deferimento tácito e dar seguimento à contestação.

III. Tal deferimento tácito pode depois vir a ser revogado implicitamente pelo ISS por decisão expressa de indeferimento.

IV. Se os réus não impugnarem o indeferimento no prazo legal, a revogação implícita do deferimento tácito transita em julgado, devendo seguir-se o que se dispõe no art. 570, n.ºs 2, 3 e 4 do CPC.

 

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

        Ao iniciarem a acção em 30/06/2016, os autores disseram e demonstraram ter pedido apoio judiciário em 15/04/20015.

       Tanto bastou para que a secção de processos, oficiosamente, em 01/07/2015, tivesse solicitado ao ISS “confirmação da formação do acto tácito de deferimento de protecção jurídica requerido” pela autora e, sem mais, nesse mesmo dia, tivesse enviado cartas para citação dos réus,

           Citados a 09/07/2015, os réus contestaram a 25/09/2015.

        Em requerimento autónomo, com essa mesma data, a ré demonstra ter requerido apoio judiciário a 23/09/2015.

            Por carta de 28/09/2015, a secção notifica a contestação à autora.

      Com quatro requerimentos de 30/09/2015, o réu demonstra ter requerido apoio judiciário a 29/09/2015.

          A 6/11/2015 é solicitado pelo tribunal ao ISSS que remeta a decisão do apoio judiciário relativamente aos réus (fls. 169 do PE).

           A 13/01/2016 o tribunal insiste pela satisfação urgente ao pedido anterior (fls. 170 do PE).

           Por fax de 27/01/2016, o ISS informa que os processos de apoio judiciário solicitados pelos réus só nesta data foram distribuídos para análise (o ISS refere-se ao nºs daqueles processos e vê-se que são os mesmos [com um erro de escrito num deles], pelo que não há dúvida quanto à data em que foram pedidos pelos réus; o mesmo resulta, aliás, das fls. 201 e 206 do PE). Nada mais é dito.

             O mandatário dos réus foi informado desta resposta, pelo tribunal, a 29/01/2016.

       A 10/02/2016, os réus vêm requerer que o tribunal reconheça a formação do deferimento tácito dos requerimentos de apoio judiciário dos réus, desde 26/10/2015 e 02/11/2015, por força da conjugação das normas dos n.ºs 1 a 4 do art. 25 da Lei 34/2004, de 29/07 – Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais -, na redacção introduzida pela Lei 47/2007, de 28/08), já que entretanto tinham decorrido mais do que os 30 dias previstos no art. 25/1.

            Tal pretensão foi indeferida por despacho de 07/03/2016, com o seguinte teor na parte que interessa:

             Indefere-se a requerida assunção/decisão nestes autos da formação de acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário deduzido pelos réus. Na verdade, infirmada pelo teor do ofício junto pelo organismo competente para a decisão a formação de um tal acto tácito, a impugnação das decisões do organismo competente tem de sê-lo mediante os mecanismos legalmente previstos, não podendo o tribunal substituir-se ao órgão com competência decisória, nos termos da lei e muito menos em sede “pseudo-incidental” e fora do âmbito dos modos de impugnação legalmente previstos. Notifique, oficiando-se oportunamente, no sentido de saber o destino do apoio requerido.

          A 08/03/2016, o tribunal volta a solicitar ao ISS o envio da decisão proferida quanto ao apoio judiciário ou informação sobre o destino do mesmo.

        A 21/03/2016 os réus vêm recorrer daquele despacho – para que seja revogado e substituído por outro que reconheça a formação do deferimento tácito dos requerimentos de apoio judiciário dos réus -, com as seguintes conclusões:

         “Nos termos do art. 25, nºs 1 a 4, da Lei 34/2004, de 29/07 (regime de acesso ao direito e aos tribunais), na redacção introduzida pela Lei 47/2007, de 28/8, “1- o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1º dia útil seguinte. 2. Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica. 3. No caso previsto no número anterior é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito.

          No caso vertente, os pedidos de apoio judiciário foram formulados nos dias 23/09/2015 e 29/09/2015, pelo que, nos termos do transcrito n.º 2, se formou acto tácito de deferimento de tais pedidos em 26/10/2015 e 2/11/2015, ou seja o primeiro dia útil que se segue ao trigésimo dia posterior a 23/09/2015 e 29/09/2015.

          Nem sequer o disposto no art. 1/3 da portaria 1085-A/2004, de 31/08, revogada pelo art. 3 da portaria 11/2008 de 03/01, obstaria à consumação do deferimento tácito naqueles dias.

   Como se escreveu no ac. do TRP de 15/04/2010 ([…] proc. 2001/06.6TBPRD-A.P1), “correspondendo a omissão, o deferimento tácito é acto administrativo que se consolidou na ordem jurídica”.

             A autora não contra-alegou.

         A 28/03/2016, o ISS, em resposta ao pedido de informação de 08/03/2016, vem dizer que o pedido de apoio feito pela ré foi objecto de uma proposta de decisão de indeferimento notificada à ré por carta registada enviada a 29/01/2016 (por não terem sido junta a documentação necessária comprovativa da situação de insuficiência económica) e como a ré nada disse à notificação da mesma, no prazo legal para o efeito (10 dias úteis), o pedido foi indeferido (no 1º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta), não tendo sido interposto recurso de tal decisão (fls. 125 a 129). A fls. 130 a 134, da mesma data, consta igual informação quanto ao pedido de apoio judiciário do réu.

             A 16/05/2016 foi proferido o seguinte despacho:

      O recurso interposto a 21/03 pelos réus tornou-se supervenientemente inútil, posto que junta aos autos decisão de indeferimento do benefício do apoio judiciário, sendo esta que cabe atacar e em sede própria, que não é, repete-se, a título incidental e nestes autos mesmos. Por isso que ao invés de se admitir se julga o mesmo extinto, pelas anotadas razões. Notifique, sendo-o os réus para procederem ao pagamento da taxa de justiça em falta, porquanto indeferido foi o apoio pedido, nos termos e com a cominação legal.

     Os réus reclamaram contra este despacho.

    A autora nada respondeu.

     Por despacho de 23/06/2016, este tribunal da relação deferiu a reclamação, considerando que o recurso devia ter sido admitido em vez de ter sido declarado extinto, e determinando a subida imediata do mesmo, nos próprios autos principais, tendo requisitado o processo ao tribunal recorrido.

*

           Questão que importa decidir: se o deferimento tácito do apoio judiciário existia e se tal impedia que viesse a ser indeferido expressamente.

*

          Como já se deixou dito no despacho que determinou a remessa do recurso a este tribunal, os réus defendem, em síntese e grosso modo, que, tendo requerido apoio judiciário em fins de Set2015, em fins de Out2015 se formou um acto tácito de deferimento de tal pedido, e que, segundo a lei, é suficiente a menção disto ter acontecido para que o tribunal agisse em conformidade. Bem como, por outro lado, que havendo deferimento tácito de tal pedido, já não pode ocorrer o indeferimento do mesmo: só no âmbito da revisão da situação e com base no facto de os réus terem adquirido meios suficientes para poder dispensar o apoio ou de se provar que não subsistiam as razões pelas quais tinha sido concedido é que a segurança social poderia retirar o apoio que já lhes tinha sido (tacitamente) concedido.

       Em abono da sua posição invocam um ac. do TRP de 15/04/2010, proc. 2001/06.6TBPRD-A.P1, cujos argumentos seguiram de perto. Mas, ao contrário da posição por eles seguida, o ac. do TRP admite a possibilidade da revogação mas, no caso que julgou, considerou que o prazo para essa revogação já estava ultrapassado. Foi por isso que julgou consolidado o acto de deferimento tácito. Aceitando parte desta argumentação, mas com um voto de vencido, veja-se o ac. do TRP de 25/06/2013, proc. 2807/11.4TBPVZ-B.P1: Revogando-se o acto tácito de concessão do apoio judiciário por a sua subsistência não convir à Administração, ou por não se reputar justo ou oportuno, há que respeitar os efeitos produzidos no intervalo entre os dois momentos – o da prática do acto e o da revogação. No mesmo sentido do ac. do TRP de 2010, vai o ac. do TRG de 18/06/2013, proc. 351/11.9TBGMR-B.G1: 1. O facto de existir um prazo a partir do qual se presume o deferimento tácito da pretensão formulada, não obsta a que, posteriormente, a competente entidade aprecie e indefira a referida pretensão expressamente, porquanto pode ser revogado o acto de deferimento tácito com fundamento na sua ilegalidade. 2. Mas a revogação dos actos administrativos, ainda que tácitos, só pode ocorrer dentro do prazo do respectivo recurso contencioso, sendo que tal prazo geral de recurso é de três meses.

               No sentido da posição dos réus, vai, sim, um acórdão de uma secção penal do TRL, de 21/06/2011, proc. 6650/07.7TDLSB.L1-5, considerando que o deferimento tácito só pode ser retirado/revisto/revogado se aquele a quem for concedido deixar de estar nas condições pressupostas para tal benefício ou se se provar que nunca esteve nessas condições, mas não pode ser reapreciado com base nos dados inicialmente apresentados. Mas não invoca normas, doutrina ou jurisprudência que apoie a construção feita.

           O tribunal recorrido tem o entendimento contrário ao essencial dos quatro acórdãos referidos e, embora não o refira, segue no sentido de uma jurisprudência quase unânime também contrária aos mesmos.

                   Posto isto, antes de mais diga-se que os réus tinham, no essencial, razão, à data do despacho recorrido, pois que, a partir do momento em que o tribunal soubesse que tinham passado 30 dias sobre o pedido de apoio judiciário, tinha que pedir à segurança social confirmação da formação do acto tácito e, se a segurança social não alegasse e demonstrasse, em dois dias úteis (art. 25/4 da LAP), que tinha ocorrido algum acto de suspensão do decurso daquele prazo, o tribunal devia ter deixado correr o processo normalmente, sem ter que fazer quaisquer outros pedidos de informação à segurança social. É que, nessas circunstâncias, o pedido de apoio judiciário se teria de ter como tacitamente deferido (art. 25/2 da LAJ).

              Não tinha, pois, razão, o tribunal recorrido, ao entender que não tinha de assumir a formação de acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário deduzido pelos réus. Nem aliás o tinha que o fazer numa decisão incidental, ao contrário do pressuposto pelo tribunal, bastando-lhe deixar seguir o processo normalmente. E muito menos tinha razão em entender que a informação dada pelo ISS, em 27/01/2016, infirmava a formação de um tal acto tácito, porque nada nessa informação punha em causa o facto de os pedidos terem sido formulados em fins de Set2015 e até 27/01/2016 nada ter interrompido o prazo de 30 dias previsto para a formação do acto de deferimento.

              Aliás, foi isso (deixar seguir o processo) que o tribunal fez em relação ao apoio judiciário pedido pela autora, como se vê do relatório deste acórdão.

             Mas os réus já não têm razão no resto e já não a tinham quando a 21/03/2016 interpuseram recurso do despacho recorrido. As cartas da segurança social de 29/01/2016 foram enviadas para a morada que a ré deu no pedido de apoio judiciário. Os réus não põem em causa o recebimento das cartas. Presumindo-se os réus notificados daquelas cartas a 01/02/2016 (arts. 112/1-a e 113, n.ºs 1 e 2, ambos do CPA de 2015), os 10 dias úteis terminavam a 15/02/2016, pelo que o pedido foi indeferido a 16/02/2016, tendo então os réus 15 dias para dela recorrer (art. 27/1 da LAJ), o que eles não fizeram.

            O deferimento tácito do pedido de apoio judiciário formulado pelos réus não impede que a segurança social indefira, depois, desta vez expressamente, tal pedido, com o que revogará implicitamente o deferimento tácito anterior. Essa revogação poderá, no caso, ser ilegal, por não se verificarem as condições necessárias para a mesma. Caberia então aos réus recorrer de tal indeferimento – num recurso normal de decisão de apoio judiciário (art. 26/2 da LAP) -, expondo as razões pelas quais o indeferimento, com a revogação implícita, não podia ter ocorrido. Se o não fizerem, o acto de indeferimento transita e com ele a revogação implícita do deferimento tácito.

               Ou seja, ao contrário do que os réus defendem, o acto deferimento tácito pode ser revogado depois pela segurança social. Aliás, o pedido tem de ser indeferido desde logo nas circunstâncias do art. 8-B, nºs. 3 e 4, da LAJ, que são aos dos autos. Pelo que ele não se consolida para sempre, não se torna irrevogável. A alteração do deferimento não tinha de passar pela verificação da alteração da situação económica dos réus para só nesse caso poder ser decidida. E as razões da eventual ilegalidade do acto expresso de indeferimento do pedido não podem ser apreciadas neste recurso, ao contrário do decidido pelo invocado ac. do TRP de 2010 e acórdãos que o seguem, por não serem dele objecto.

             Neste sentido, veja-se:

O ac. do TRL de 19/04/2016, 47718/15.0YIPRT-A.L1-7: Não compete ao tribunal apreciar se houve ou não deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, caso exista uma decisão superveniente (expressa) da entidade administrativa a indeferir esse mesmo pedido e o interessado não a houver impugnado judicialmente. […] É o que resulta expressamente dos arts 140 e 141 do CPA, sendo certo que a circunstância de eventualmente se tratar da revogação de um acto constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 140/1-b do CPA) deveria ser suscitada e decidida no âmbito da respectiva impugnação judicial. Competiria, neste contexto, ao interessado pugnar pela invalidade da revogação do acto tácito, sem o que – como sucede – se produz a consolidação do acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário.

O ac. do TRL de 28/11/2013, 2645/13.0TBBRR.L1-6: 1. Nas situações em que se encontre pendente o pedido de apoio judiciário sem que exista ainda decisão (final) por parte do ISS, não será de aplicar o disposto no art. 558-f do CPC. 2. Em caso de apreciação da pretensão de concessão de protecção jurídica não resulta o afastamento das demais regras que disciplinam o procedimento administrativo, mormente, as regras que prevêem a possibilidade de prolação de acto expresso de indeferimento por parte da entidade administrativa sobre a pretensão formulada pelo interessado, revogando o deferimento tácito (cfr. arts. 135, 136 e 138 a 145, todos do CPA). 3 – A formação de acto tácito de deferimento concede ao requerente o direito que reclama, mas a prolação do acto expresso que indefere tal pretensão faz desaparecer da ordem jurídica o mencionado acto tácito, na medida em que o acto tácito constitui mera manifestação de vontade presumida. […]

Ac. do TRL de 07/07/2009, 4878/07.9TVLSV.L1-7: 2. No actual regime de apoio judiciário, o deferimento do pedido de apoio judiciário pode ser sempre revogado, total ou parcialmente, em conformidade com o que for apurado em relação à situação de maior ou menor insuficiência económica do beneficiário, seja por se ter alterado a situação de insuficiência económica do beneficiário, seja por nunca se ter verificado tal insuficiência. E no corpo do acórdão: “Conclui-se, assim que, para efeitos do presente recurso, não releva particularmente saber se se chegou a formar o acto tácito de deferimento, pois que o eventual deferimento tácito sempre poderia ser posteriormente revogado, devendo entender-se que o posterior indeferimento expresso do pedido correspondia a essa revogação. Sendo inquestionável que a agravada não impugnou judicialmente esta decisão que expressamente indeferiu o apoio judiciário na modalidade pretendida, sempre teríamos de concluir pela sua validade […].”

Ac. do TRG de 02/07/2013, 4149/10.3TBGMR-D.G1: 1. A forma própria de reacção processual contra a decisão do ISS que indeferiu ou deferiu apenas parcialmente um pedido de protecção jurídica é a impugnação judicial, nos termos dos arts 27 e 28 da Lei 34/2004. 2. Se acaso se formar ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário e a administração, por decisão posterior, o revogar, negando o apoio requerido, esta decisão revogatória torna-se eficaz e consolida-se na ordem jurídica, ainda que ferida de vícios geradores de anulabilidade, se o requerente a não impugnar nos termos legais em favor do ato tácito. 3. Devolvida a notificação postal enviada para a residência do requerente, sob registo, para audiência prévia, com a proposta de decisão de indeferimento, nos termos dos arts 23 da LAP, e do art. 70/1-a do CPA, só a ilisão da presunção de notificação obsta à sua eficácia.

Ac. do TRP de 09/04/2013, 934/11.7TBMTS-C.P1: I. A falta de proferimento de decisão final, pelos serviços da Segurança Social sobre o pedido de protecção jurídica, no prazo de trinta dias, conduz à formação de acto tácito de deferimento. II. O deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe, contudo, ao indeferimento expresso subsequente que, emitido pela entidade competente sem impugnação dos interessados, traduz um acto revogatório daquele, definitivamente consolidado na ordem jurídica.

Ac. do TRP de 18/10/2012, 6672/10.0YYPRT-A.P1: I. O deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe ao indeferimento expresso subsequente, constante de decisão proferida pela entidade competente e que não foi objecto de impugnação.

Ac. do TRP de 21/06/2012, 8182/09.0TBVNG-A.P1: I. A falta de decisão pelos serviços da Segurança Social sobre o pedido de protecção jurídica, no prazo de 30 dias, conduz à formação de acto tácito de deferimento. II. A decisão posterior que revogue aquele acto é susceptível de impugnação judicial e, não sendo impugnada, consolida-se definitivamente.

Ac. do TRP de 25/10/2011, proc. 717/10.1TBSTS-A.P1: I. O acto de deferimento tácito que se formou sobre o requerimento de concessão de apoio judiciário formulado pela apelante contrariava lei expressa, já que o art. 7/3, da LAP, veda expressamente a concessão de apoio judiciário a pessoas colectivas com fins lucrativos. II. Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida (art. 141/1 do CPA). III. A comunicação do indeferimento expresso do pedido de apoio judiciário prevalece sobre o acto tácito que se possa ter formado por inércia da administração. IV. O indeferimento expresso afastou o acto de deferimento tácito, e, n[ã]o tendo sido impugnado judicialmente nos termos do art. 27 da LAP, o acto expresso de indeferimento consolidou-se na ordem jurídica.

Ac. do TRE de 30/06/2015, 169/13.4PAOLH-A.E1: I. O deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe ao indeferimento expresso subsequente, constante de decisão proferida pela entidade competente e que não foi objeto de impugnação. II. Não cabe ao tribunal apreciar se houve deferimento tácito, quando há decisão expressa de indeferimento pelo organismo competente e ela não foi objecto de impugnação.

Ac. do STA de 08/02/2012, 0937/11: […] nenhum outro regime especial resulta da LAP que, nesta matéria, afaste as demais regras previstas no CPA. Nomeadamente as que prevêem a possibilidade de prolação de acto expresso de indeferimento por parte da entidade administrativa sobre a pretensão formulada pelo interessado, revogando o deferimento tácito […] tendo sido proferido acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário, o acto tácito de deferimento deixou de ser invocável, por ter desaparecido da ordem jurídica, subsistindo apenas o acto expresso de indeferimento [daí que seja também irrelevante, para o caso, a questão de saber se chegou, ou não, a formar-se o acto tácito de deferimento]. […] O que, no entanto, não significa que este acto expresso não possa ser ilegal e que, portanto, o acto tácito esteja afastado definitivamente da ordem jurídica. Todavia, se, por assim o entender, o interessado (no caso o oponente) pretendesse anular este acto de indeferimento expresso, deveria, então, tê-lo impugnado, em sede própria (e não na presente oposição, como bem se diz na decisão recorrida), invocando a respectiva invalidade […]”

No mesmo sentido, vai o Ac. do STA de 15/02/2012.

E o ac. do STA de 09/10/2002, 047598: I. O acto tácito de deferimento constitui uma manifestação de vontade presumida e, porque assim é, a prolação de acto expresso em sentido contrário ao da vontade presumida faz com deixe de fazer sentido falar-se em vontade presumida e, portanto, em acto tácito. II. A prolação de acto expresso não significa, por si só, que este seja legal e, por isso, que o acto tácito de deferimento esteja definitivamente arredado da ordem jurídica. III. A revogação do acto tácito de deferimento terá de obedecer à disciplina consagrada nos arts 138 e segs. do CPA e, sendo assim, a consolidação na ordem jurídica do acto revogatório expresso só se fará se o mesmo não for judicialmente impugnado ou se, sendo-o, essa impugnação for julgada improcedente. IV. Esta impugnação do acto expresso dever-se-á fazer através da interposição de recurso contencioso e não através da propositura de uma acção de reconhecimento de direitos. V. Tendo esta sido proposta para apreciar a formação do acto tácito e das consequências dessa formação não caberá nela avaliar da legalidade do acto revogatório expresso.

Bem como Joana Nogueira Gomes Carvalho Campos, Apoio Judiciário: garantia de igualdade no acesso ao direito e aos tribunais Universidade do Minho Escola de Direito Dissertação de Mestrado, Outubro de 2012, págs. 89/90: “Parece-nos ser defensável a corrente jurisprudencial maioritária, ou seja, a de que o indeferimento expresso posterior afasta o acto de deferimento tácito, por toda a argumentação já expendida nomeadamente porque a manifestação expressa da vontade contrária à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida, assim existindo vontade real expressa através de um acto administrativo deixa de se poder invocar a vontade presumida com base na passividade ou silêncio da administração. Acresce que, parece ser de adoptar esta posição para evitar decisões injustas e atentatórias do espírito do sistema de acesso ao direito e aos tribunais.”

           Quer tudo isto dizer que o processo devia ter prosseguido 30 dias depois de haver prova de que, tal como os réus diziam, tinha sido pedido apoio judiciário, sem notícia de algum acto que fosse causa de suspensão daquele prazo. Mas, a partir do momento em que o tribunal tivesse notícia do indeferimento expresso do pedido de apoio judiciário, com a revogação implícita do deferimento tácito, sem recurso dos réus, isto é, com trânsito em julgado, já tinha que notificar os réus para procederem ao pagamento da taxa de justiça devida pela contestação e o acréscimo de multa (art. 570, nº.s 3 e 4 do CPC – porque os próprios réus já deviam ter feito esse pagamento no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário: art. 570/2 do CPC).

        Como foi isto que aconteceu e tendo este tribunal da relação conhecimento disto depois do recurso, não pode dar uma decisão que reconheça que o processo devia ter seguido a partir da confirmação do deferimento tácito e por isso deve continuar a seguir, mas antes pelo contrário, tem de dizer que o processo devia ter seguido, mas agora já não pode seguir sem que os réus paguem o que lhes foi determinado pelo tribunal recorrido, pois que não gozam de apoio judiciário.

          O facto de os réus terem razão quanto ao despacho recorrido não tem consequências neste recurso (designadamente a nível de custas), porque ele foi interposto pelos réus já depois de saberem que o apoio judiciário lhes tinha sido indeferido expressamente, por decisão que não impugnaram.

*

          Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

          Custas pelos réus.

          Porto, 13/07/2016

          Pedro Martins

          1.º Adjunto

         2.º Adjunto