Injunção 265565/09.3YIPRT da 2ª secção das varas de competência mista do Funchal
Sumário (da responsabilidade do relator):
I. O art. 560 do CC, ao exigir uma notificação judicial, está a dizer que não basta uma interpelação particular por escrito e que não é necessário uma citação judicial.
II. A notificação de um requerimento de injunção não tem o mesmo valor, para efeitos do art. 560 do CC, que a notificação judicial avulsa (ordenada por um juiz).
III. Para os efeitos do art. 560 do CC, não basta a exigência, na notificação ou na citação (para a acção ou para a execução), do pagamento de juros, tem que ser exigida a capitalização dos juros vencidos ou o pagamento dos juros sob pena de capitalização, “de modo a solicitar energicamente a atenção do devedor para as consequências da capitalização.”
IV. Não é possível a capitalização de juros de mora (indemnizatórios). Isto é, o art. 560 do CC permite, sob determinadas condições, o anatocismo (a capitalização de juros), mas apenas de juros remuneratórios, não de juros moratórios. Ou ainda: pode haver, em dadas condições, juros moratórios sobre juros remuneratórios, mas não juros moratórios sobre juros moratórios.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Em 19/10/2009, a Massa Insolvente de A, Lda, requereu injunção contra o R, EPE, para haver deste o pagamento de 530.229,48€ de capital [sendo 3349,80€ de capital, com juros a partir das datas das facturas, e 526.879,68€ de juros, com juros a partir da data da citação].
Para tanto alegou, em suma, que: (i) forneceu à ré diversos bens e produtos, cujo preço deveria ser pago no prazo de 60 dias a contar da data de emissão das respectivas facturas; (ii) a ré acordou com uma instituição financeira a possibilidade dos seus fornecedores, entre os quais a aqui autora, descontarem directamente as facturas em causa, comprometendo-se aquela ao seu pagamento no prazo de 12 meses; (iii) ficou por apresentar na referida instituição facturas referentes aos anos de 2003 e 2004, que após descontos, perfazem a quantia de 3349,80€; (iv) há outras facturas que, embora tenham sido descontadas no âmbito do protocolo referido em (ii), foram pagas pela ré para além do prazo de 12 meses, pelo que venceram juros, até Março de 2009, que totalizam a quantia de 526.879,68€.
Nos pontos 14 e 15 dos 16 que compõem a exposição de facto diz: “14. Atendendo a que as notas de débito supra referidas nos pontos 5 e 8 a 13 se referem aos valores de juros devidos e não pagos relativos a fornecimentos do período acima identificado, serve a presente de notificação judicial nos termos e para os efeitos do disposto n.º 1, 2ª parte, do art. 560 do CC, pelo que o respectivo montante ora reclamado deverá, por via dessa capitalização, e caso não ocorra pagamento nos termos do art. 12/1 do DL 269/98 de 01/09, também ele vencer juros de mora à taxa em vigor para os créditos de que são titulares os comerciantes até integral pagamento. 15. É nesta sequência pela presente peticionado o montante de capital de 530.229,48€, ao qual acrescem os juros à indicada taxa, calculada a partir das datas de vencimento das facturas identificadas e, quanto às notas de débito, a partir da data da citação.”
Notificada, a ré deduziu oposição, a qual foi recebida, mas, por acórdão do TRL de 30/06/2011 (fls. 868/869), transitado em julgado depois de recurso para o STJ (fls. 919 a 924), o despacho que a recebeu foi revogado, tendo-se ainda deliberado, nesse acórdão transitado, não receber e mandar desentranhar a oposição, determinando o prosseguimento dos autos de injunção em conformidade com esse desentranhamento.
No seguimento deste acórdão, foi proferido despacho (de 12/06/2012) onde foram declarados provados, por confissão, os factos alegados pela autora (cfr. fls. 1020 dos autos).
Depois das alegações da autora, foi proferida sentença a 07/9/2012, julgando a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenando a ré pagar à autora: (i) 3349,80€, acrescida de juros de mora, à taxa estipulada para as relações comerciais, contados desde 60 dias após a data de emissão das facturas referidas em B) dos factos provados até integral pagamento; (ii) 526.879,68€ devida a título de juros de mora.
A autora interpôs recurso desta sentença – para que seja proferida decisão que condene a ré também no pagamento à autora dos juros referidos sob a conclusão n°. 8, sem prejuízo da aplicação automática da sobretaxa referida na conclusão nº. 9 -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
- Na sua decisão o tribunal a quo não referiu expressamente – julga-se que por lapso – a absolvição da ré do demais peticionado pela autora, ou seja, concretamente, não referiu a absolvição daquela justamente quanto aos juros de mora peticionados por esta sobre a quantia de 526.879,68€, à taxa em vigor para os créditos de que são titulares os comerciantes.
- Sendo que tal absolvição resulta, por um lado, da fundamentação da decisão recorrida, e, por outro lado, implicitamente da decisão proferida no sentido da procedência apenas parcial da acção e no sentido da condenação efectuada, sob a alínea ii) da mesma, apenas quanto ao valor de 526.879,68€, importava, salvo melhor opinião, que houvesse decisão expressa a esse respeito, sob pena de nulidade, nos termos do art. 668/1d) do CPC, a qual expressamente se argúi.
- Quanto à questão do ser ou não devido o pagamento de juros de mora sobre a própria quantia de 526.879,68€, também ela originariamente de juros de mora, julga-se que, salvo melhor entendimento, o mesmo é devido, não contemplando nem se referindo a jurisprudência citada pelo tribunal a quo ao procedimento de injunção, mas a uma situação, segundo se julga, algo distinta, e concretamente a de que não substitui a notificação judicial aludida no art. 560 do CC a própria citação na acção.
- Especificamente no que respeita ao procedimento de injunção verifica-se que o mesmo radica numa notificação – e não numa citação -, actualmente efectuada por intermédio do Balcão Nacional de Injunções, ao respectivo requerido, no sentido de efectuar determinado pagamento ao respectivo requerente, não se distinguindo nesse sentido a notificação efectuada em procedimento de injunção da efectuada por meio de notificação judicial avulsa.
- Assim, a notificação efectuada em processo de injunção tem de se entender enquadrada, tal como a notificação judicial avulsa prevista no art. 261 e ss do CPC, no conceito de “notificação judicial” aludido no art. 560 do CC, e, como tal, apta a permitir a capitalização de juros por período superior a um ano.
- Por outro lado, do próprio procedimento de injunção já resulta até, legalmente, a capitalização das quantias tituladas pelo respectivo requerimento, em conformidade com o estatuído na alínea d), do nº. 1, do art. 13º do supra mencionado regime.
- Com efeito, sendo certo que a aposição da fórmula executória se refere à totalidade das quantias peticionadas na injunção, e não distinguindo a lei, julga-se que a todas se aplica a cominação de juros de mora e sobretaxa de 5% ali previstos resultante do mencionado normativo.
- Em suma, e salvo melhor entendimento, a ré deveria ter sido condenada, para além das quantias em que já o foi nos termos das alíneas i) e ii) da decisão recorrida, ainda no pagamento à autora dos juros de mora sobre a quantia de 526.879,68€, à taxa em vigor para os créditos de que são titulares os comerciantes até integral pagamento, contados a partir da data da notificação à ré do requerimento de injunção, até integral pagamento.
- Isto sem prejuízo da aplicação da sobretaxa de 5%, não já por força da mencionada alínea d), do nº. 1, do art. 13°, mas sim, automaticamente, por força do art. 829-A, n.º 4, do CC.
O recurso foi admitido e mandado subir por despacho de 12/11/2012 e nele foi ainda dito o seguinte: “consigno que a decisão proferida não enferma de qualquer nulidade que possa ou deva ser corrigido neste momento, nomeadamente quanto à omissão na parte decisória relativamente ao indeferimento da capitalização de juros, pois, tendo a autora se limitado a pedir o pagamento de um valor, o tribunal decidiu restringir esse valor especificando a condenação. Mas mesmo que assim [não] fosse, a nulidade proveniente dessa omissão estava sanada, pois a autora percebeu a sentença e inclusivamente recorreu da parte em que o tribunal não lhe reconheceu o direito à capitalização dos juros de mora.”
Depois, em 27/11/2012, a ré (notificada, por fax de 29/10/2012, pela autora da interposição do recurso) contra-alegou defendendo a improcedência do recurso:
a) O tribunal a quo definiu expressamente quais os limites da condenação;
b) O procedimento de injunção não pode confundir-se com a notificação judicial avulsa;
c) A recorrente não pode pretender ver-se paga de juros sobre juros, já que o anatocismo está afastado pelo art. 560 do CC;
d) E, no caso sub judice não se verifica nenhuma causa de exclusão dessa proibição
e) A sentença recorrida não viola nenhum dispositivo legal, aplicando correctamente o disposto no art. 560 do CPC.
A autora veio então dizer que, por não haver lugar a apresentação de resposta ao recurso posteriormente à prolação do despacho que o admitiu e ordenou a sua subida, deve ser determinado o desentranhar da resposta apresentada pela ré.
A 18/12/2012 foi decidido o seguinte: Tendo em conta que as contra-alegações foram apresentadas dentro do prazo concedido por lei para o efeito, embora depois do despacho intempestivo que admitiu o recurso interposto, decido manter nos autos as referidas contra-alegações, pois a sua não admissão constituiria um acto nulo, nos termos do art. 201/1 do CPC.
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Questões que cumpre solucionar: a prévia da extemporaneidade das contra-alegações; a da nulidade imputada à sentença recorrida; e se são ou não devidos juros de mora sobre os juros de mora.
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Um esclarecimento prévio:
A ré, nas contra-alegações, sugere que o ac. do TRL a ordenar o desentranhamento da oposição se baseia numa interpretação inconstitucional da norma do art. 20 do RA ao Dec.-Lei 269/98, o que aliás já teria sido declarado pelo Tribunal Constitucional num caso (ac. do TC 587/2011, publicado no sítio do TC na internet): “Julgar inconstitucional, por violação do art. 20/4 da Constituição, a norma do art. 20 do RA ao Dec.-Lei 269/98, de 01/09, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei 34/2008, de 26/02, quando interpretada no sentido de que o não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como acção declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no art. 486-A do CPC.” No mesmo sentido, aliás seguido por este, ia já o ac. do TC 434/2011.
Trata-se de questão que não é objecto deste recurso. A ré deveria ter levantado a questão no âmbito do recurso onde foi decidido o desentranhamento.
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A questão prévia
A autora não reagiu ao despacho de 18/12/2012, tendo-se pois conformado com ele. E não podia ser de outro modo, pois que, como diz o despacho em causa, as contra-alegações da ré foram apresentadas dentro do prazo respectivo de 30 dias a contar da notificação que lhe foi feita pela autora (art. 685, nºs. 1 e 5, do CPC).
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A questão da nulidade da sentença – art. 668/1d) do CPC
A autora pedia juros de mora e pedia juros de mora sobre esses juros de mora. A sentença, na respectiva fundamentação de direito, disse que, no caso, não eram devidos juros de mora sobre os juros, mas depois, na decisão, nada diz expressamente quanto a esta questão.
A autora entende que tal configura uma nulidade – omissão de pronúncia sobre uma questão colocada.
O Sr. juiz tem razão ao sugerir que a sua decisão está implícita e que a autora a entendeu correctamente. E se a decisão estivesse transitada em julgado e tivesse que ser interpretada, era com o sentido de absolvição dos juros de juros que teria de valer.
Mas tal não evita que, de facto, exista uma omissão de pronúncia, de decisão expressa, sobre uma questão colocada.
Existe pois uma nulidade da sentença [art. 668/1d) do CPC], que terá de ser suprida por este tribunal, ou no sentido de absolver expressamente a ré dos juros dos juros ou, se a autora tiver razão na parte restante do seu recurso, no sentido de condenar a ré no pagamento dos mesmos (art. 715/1 do CPC).
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Os factos que foram dados como provados foram os seguintes:
A) A autora forneceu à ré diversos bens e produtos, designadamente os descritos nas facturas abaixo referidas, pelo valor das mesmas, a cujo pagamento se obrigou no prazo de 60 dias após a data da respectiva emissão.
B) Não obstante isso, mostra-se instituído pela ré protocolo com instituição financeira, tendo em vista o desconto junto desta das facturas resultantes dos fornecimentos àquela, se o fornecedor assim o pretender, sendo que, nesse caso, e nos termos previstos no n.º 1 da cláusula quinta daquele, a ré se obriga ao respectivo pagamento no prazo de 12 meses a contar da data de emissão das facturas.
C) Não foram descontadas ao abrigo do supra referido protocolo e não obstante já se mostrarem há muito vencidas, também não foram pagas as seguintes facturas no valor total de 7376,94€, ao qual abatem os valores descritos em D), remanescendo em dívida o valor de 3349,80€:
FT 12000536 | 30-06-2003 | 218,52€ |
FT 12000554 | 07-07-2003 | 76,95€ |
FT 12000565 | 11-07-2003 | 30,96€ |
FT 12000811 | 23-09-2003 | 1448,72€ |
FT 12000890 | 09-10-2003 | 93,06€ |
FT 12001089 | 18-12-2003 | 7,07€ |
FT 12001090 | 18-12-2003 | 7,07€ |
FT 12001095 | 19-12-2003 | 4 226,20€ |
FT 12000004 | 05-01-2004 | 1 003,60€ |
DV 12000015 | 19-11-2004 | 1,04€ |
FT 12001115 | 30-11-2004 | 32,70€ |
FT 12001116 | 30-11-2004 | 16,35€ |
FT 12001137 | 10-12-2004 | 214,70€ |
D) Ao valor das facturas acabadas de identificar abatem as seguintes quantias, a crédito da requerida, no valor total de 4027,14€:
CV 12000014 | 29-08-2003 | 98,31€ |
CV 12000018 | 25-09-2003 | 18,55€ |
CV 12000020 | 05-11-2003 | 198,02€ |
CV 11000212 | 24-11-2003 | 6,03€ |
CV 12000025 | 27-11-2003 | 7,19€ |
CT 12000021 | 17-12-2003 | 2274,28€ |
CT 12000023 | 31-12-2003 | 1406,85€ |
CV 12000026 | 27-10-2004 | 16,87€ |
CV 12000027 | 28-10-2004 | 1,04€ |
E) Para além dos bens e serviços constantes das facturas referidas em B), outras facturas há, resultantes de outros fornecimentos, que, tendo sido objecto de desconto ao abrigo do protocolo referido em B), em Março de 2009, foram pagas pela ré para além do mencionado prazo de 12 meses, ou ainda não foram pagas, cujos juros a autora calculou em Março de 2009 e fez constar das notas de débito VD 00000010 a VD 00000014, bem como a VD 00000017, no montante total de 526.879,68€, saber:
(i) a VD 00000010, refere-se aos juros de mora devidos a partir de 2004, em relação às facturas, pagas para além do prazo máximo de 12 meses supra aludido, contado a partir da data da respectiva emissão, do nº FT12000001/2003 ao nº VD12000030/2003, no valor de 94.398,82€;
(ii) a VD 00000011, refere-se aos juros de mora devidos a partir de 2005, em relação às facturas, pagas para além do prazo máximo de 12 meses supra aludido, contado a partir da data da respectiva emissão, do nº CT12000001/2004 ao nº FT12001156/2004, no valor de 45.236,73€;
(iii) a VD 00000012, refere-se aos juros de mora devidos a partir de 2006, em relação às facturas, pagas para além do prazo máximo de 12 meses supra aludido, contado a partir da data da respectiva emissão, do nº FT12000001/2005 ao nº FT12001072/2005, no valor de 56.000,34€;
(iv) a VD 00000013, refere-se aos juros de mora devidos a partir de 2007, em relação às facturas, pagas para além do prazo máximo de 12 meses supra aludido, contado a partir da data da respectiva emissão, do nº FT12000001/2006 ao nº FT12001317/2006, no valor de 216.575,98€;
(v) a VD 00000014, refere-se aos juros de mora devidos a partir de 2008, em relação às facturas pagas para além do prazo máximo de 12 meses supra aludido, contado a partir da data da respectiva emissão, do nº FT12000001/2007 ao nº FT12000271/2007, no valor de 56.085,21€;
(vi) a VD 00000017, refere-se aos juros de mora devidos a partir de 2008, apurados também em Março de 2009, em relação às facturas até então não pagas, ultrapassando o prazo máximo de 12 meses supra aludido, contado a partir da data da respectiva emissão, do nº FT12000342/2007 ao nº FT12001214/2007, no valor de 57 190,28€.
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Dos juros de juros
A fundamentação da sentença recorrida, na parte que foi posta em causa e que importa ao caso, foi a seguinte:
“Sobre esta quantia devida a título de juros, a autora pretende que se vençam também juros de mora. Conforme se refere no ac. do STJ [trata-se de lapso, já que não se trata de um acórdão do STJ mas de uma decisão individual do TRL] de 06/07/2011 (1584/07.8TTLSB.L1-4 – este tipo de referência é sempre à base de dados do ITIJ), “a capitalização dos juros de um capital, já vencidos e não entregues, com o fim de os fazer produzir juros é aquilo a que se designa por anatocismo: são juros de juros, quer dizer, o vencimento de juros pelos juros eles mesmos. A posição de princípio do nosso Direito é a da proibição do anatocismo. Mas a proibição só é absoluta relativamente aos juros devidos por prazo inferior a um ano; para os juros correspondentes a um ano ou mais, essa proibição, é, porém, meramente relativa – art. 560º/2, do CC.
Admite-se, assim, que por convenção posterior ao vencimento dos juros se estabeleça que estes passem, por sua vez, a vencer juros, podendo também haver juros a partir da notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização – art. 560/1 do CC. A proibição do anatocismo – juros de juros – pode ser derrogada pelas regras ou usos particulares do comércio, caso em que os juros passam a vencer juros, de harmonia com essas mesmas regras ou usos – art. 560/3 do CC. No pensamento da lei, até um ano de mora os riscos e perigos que o anatocismo envolve, sobrelevam o prejuízo do credor representado pelo não percebimento dos juros. Ultrapassado esse prazo, considera, porém, desproporcional e inexigível o sacrifício do credor e, por isso, abre-lhe a porta do anatocismo, através da notificação judicial do devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização.”
Contudo, no caso concreto tal capitalização não pode ocorrer porque a autora não procedeu à notificação judicial avulsa a que alude o art. 560/1 do Cód. Civil, nem esta pode ser substituída pela citação. Com feito, conforme como se ponderou no ac. do STJ de 03/05/2007 (07B1165), referido no acórdão acima citado, a notificação judicial dirigida ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização corresponde, dado o contexto, à notificação judicial avulsa a que se reportam os arts. 261 a 263 do CPC, pelo que não basta a mera citação para a acção em que o credor pede a condenação do devedor no pagamento de juros capitalizados, sendo por isso irrelevante a citação da ré para contestar a acção.
Assim, nesta parte deverá improceder o pedido da autora.”
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Notificação judicial
O ac. do STJ de 03/05/2007 (07B1165):
Na acção a que se reporta este acórdão, os autores, segundo resulta do relatório do acórdão, pediram a condenação dos réus em dadas quantias e juros desde a propositura da acção. Estava em causa o pagamento de juros remuneratórios de um crédito concernente a um capital cuja entrega tinha sido diferida para futuro.
O STJ considerou que a notificação exigida pelo art. 560 do CC “trata-se, dado o contexto, da notificação judicial avulsa a que se reportam os arts 261 a 263 do CPC, pelo que não basta a mera citação para a acção em que o credor pede a condenação do devedor no pagamento de juros capitalizados.”
Mas este acórdão do STJ acrescenta que “este artigo [art. 560 do CC], dada a sua letra e escopo finalístico, não se reporta à proibição da incidência de juros moratórios sobre juros remuneratórios, mas sim à proibição de capitalização de juros remuneratórios. Por isso, não pode, com base nele, ser negado aos autores o direito de crédito relativo aos juros moratórios por virtude do atraso de pagamento dos juros remuneratórios.”
Este acórdão foi seguido por aquela decisão individual do TRL e pelos acs. do STJ de 12/04/2012 (176/1998.L1.S1) e de 21/11/2012 (3365/04.1TTLSB.L1.S1) que não acrescentam outra fundamentação e negaram a concessão de juros sobre juros. Em todas estas decisões estava em causa a capitalização de juros que eram ditos de mora (embora a rejeição dos juros não se tenha baseado no facto de se querer a capitalização de juros de mora).
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Assim, a questão que, para já, está em causa é a seguinte: a referência à notificação judicial, prevista na 2ª parte do nº. 1 do art. 560 do CC, implica que a capitalização respectiva só possa ser feita através de uma notificação judicial avulsa, não bastando a citação judicial? Ou, noutra perspectiva: uma notificação feita na sequência de um requerimento de injunção pode valer como a notificação judicial prevista no art. 560 do CC?
Na doutrina não se conhece qualquer autor que exija expressamente uma notificação judicial avulsa, embora quer Pires de Lima e Antunes Varela, no CC anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 544, quer Almeida Costa, no Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, 1991, pág. 624, quando se referem à exigência legal da notificação judicial, remetam, o último em nota de pé de página, para as notificações judiciais avulsas previstas nos arts. 261 a 263 do CPC. Nenhum destes autores diz, no entanto, que não baste a citação judicial.
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O art. 560 do CC, sob a epígrafe (anatocismo) diz que:
- Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
- Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.
- Não são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio.
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As seguintes normas serviram de base à redacção desta (consultaram-se as actuais versões, confirmando-se que são as mesmas que aquelas que serviram de base ao estudo de Vaz Serra, referido abaixo; as traduções são retiradas, salvo poucas alterações ou acrescentos, desse estudo):
O art. 1649 do Código Civil Português de 1867:
“Não são exigíveis os interesses vencidos de mais de cinco anos, nem interesses de interesses, mas podem os pactuantes capitalizar por novo contrato os interesses vencidos.”
O art. 732:
É aplicável à obrigação de prestação de coisas o que fica disposto no art. 771, salvo no que toca aos pagamentos em dinheiro sem juro nem prazo certo, a que só se acumularão perdas e danos, na forma do art. 720, desde o dia em que o devedor for interpelado”.
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O art. 253 do Código Comercial brasileiro (Lei nº 556, de 25/06/1850):
É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano.
Depois que em juízo se intenta acção contra o devedor, não pode ter lugar a acumulação de capital e juros.
Este artigo foi depois revogado e substituído pelo seguinte, do Decreto nº 22.626, de 7/4/1933, art. 4: E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
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O article 1154 do Code Civil francês (créé par Loi 1804-02-07 promulguée le 17/02/1804 – http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006070721&dateTexte=20130204:
Les intérêts échus des capitaux peuvent produire des intérêts, ou par une demande judiciaire, ou par une convention spéciale, pourvu que, soit dans la demande, soit dans la convention, il s’agisse d’intérêts dus au moins pour une année entière.
Ou seja:
Os juros vencidos de capitais podem produzir juros, ou por um pedido [acção] judicial, ou mediante convenção especial, desde que, seja no pedido [acção], seja na convenção, se trate de juros devidos ao menos por um ano inteiro.
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O art. 1283 do Codice Civile, italiano, de 1942, agg. al 31.01.2013 http://www.altalex.com/index.php?idnot=36450, sob a epígrafe “anatocismo”:
In mancanza di usi contrari, gli interessi scaduti possono produrre interessi solo dal giorno della domanda giudiziale o per effetto di convenzione posteriore alla loro scadenza, e sempre che si tratti di interessi dovuti almeno per sei mesi.
Ou seja:
Na falta de usos contrários, os juros vencidos podem produzir juros só a partir do dia do pedido judicial ou por efeito de convenção posterior ao seu vencimento, e desde que se trate de juros devidos ao menos por 6 meses.
*
Do Bürgerliches Gesetzbuch, Ausfertigungsdatum: 18.08.1896 http://www.gesetze-im-internet.de/bundesrecht/bgb/gesamt.pdf, Vollzitat: “Bürgerliches Gesetzbuch in der Fassung der Bekanntmachung vom 2. Januar 2002 (BGBl. I S. 42, 2909; 2003 I S.738), das zuletzt durch Artikel 1 des Gesetzes vom 20. Dezember 2012 (BGBl. I S. 2749) geändert worden ist” sob a epígrafe “Zinseszinsen”, na “Translation provided by the Langenscheidt Translation Service. Translation regularly updated by Neil Mussett. Stand: Die Übersetzung berücksichtigt die Änderung(en) des Gesetzes durch Artikel 1 des Gesetzes vom 27.7.2011 (BGBl. I S. 1600) Version information: The translation includes the amendment(s) to the Act by Article 1 of the Act of 27.7.2011 (Federal Law Gazette I p. 1600) © 2012 juris GmbH, Saarbrücken, http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_bgb/index.html
Section 248 (Compound interest)
“(1) An agreement reached in advance that interest due should in turn bear interest is void.
(2) Savings banks, credit institutions and owners of banking businesses may agree in advance that interest not collected on deposits should be held to be fresh interest-bearing deposits. Credit institutions entitled to issue interest-bearing bonds for the amount of the loans granted by them may, for such loans, have commitments made to them in advance to pay interest on interest in arrears.
Section 289 (Prohibition of compound interest)
Default interest is not to be paid on interest. The right of the obligee to compensation for damage caused by the default remains unaffected.”
Ou (na tradução de Lamarca, 2008, citado por María Medina Alcoz, no seu estudo sobre Anatocismo, Derecho español y Draft Common Frame of Reference, Barcelona, Out2011, http://ssrn.com/abstract=1954535 Revista para el análisis del derecho, www.indret.com).
“§ 248
(1) El pacto por el cual se prevé anticipadamente que los intereses vencidos devengan a su vez intereses es nulo.
(2) Cajas de ahorros, institutos de crédito y titulares de sociedades bancarias pueden pactar anticipadamente que los intereses de depósitos no percibidos deben valer como nuevos depósitos que devengan intereses. Los institutos de crédito que están autorizados, por el importe de los créditos garantizados por ellos, a emitir obligaciones al portador a interés a cargo de su titular, pueden comprometerse anticipadamente, para este tipo de créditos, a que los intereses vencidos devenguen intereses.”
§ 289
“De los intereses no se deben intereses de demora. El derecho del acreedor al resarcimiento del daño producido por la mora no resulta afectado”
Isto é:
§ 248 (juros compostos)
(1) A convenção, feita antecipadamente, pela qual os juros vencidos vencem juros, é nula.
(2) As caixas económicas, os institutos de crédito e os estabelecimentos bancários podem convencionar antecipadamente que os juros não pagos das colocações valham como novas colocações com juros. Os institutos de crédito autorizados a emitir obrigações ao portador com juros sobre os seus empréstimos, podem fazer-se prometer, antecipadamente, quanto aos empréstimos por eles concedidos, juros dos créditos de juros atrasados.”
§ 289 (proibição de juros compostos)
Não são devidos juros dos juros de mora. O direito do credor ao ressarcimento do dano provocado pela mora não fica afectado.
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O Código das Obrigações suiço de 1911 http://www.admin.ch/ch/f/rs/2/220.fr.pdf:
Art. 314.3: “Les parties ne peuvent, sous peine de nullité, convenir d’avance que les intérêts s’ajouteront au capital et produiront eux-mêmes des intérêts; les règles du commerce pour le calcul des intérêts composés dans les comptes courants de même que les autres usages analogues, admis notamment dans les opérations des caisses d’épargne, demeurent réservés”.
E no art. 105
- Le débiteur en demeure pour le paiement d’intérêts, d’arrérages ou d’une somme dont il a fait donation, ne doit l’intérêt moratoire qu’à partir du jour de la poursuite ou de la demande en justice (ou, na versão oficial inglesa: A debtor in default on payment of interest, annuities or gifts is liable for default interest only as of the day on which enforcement proceedings are initiated or legal action is brought; ou, na versão oficial italiana, Il debitore in mora al pagamento d’interessi od alla corrisponsione di rendite od al pagamento di una somma donata non deve gli interessi moratori se non dal giorno in cui si procedette contro di lui in via esecutiva o mediante domanda giudiziale.)
- Toute stipulation contraire s’apprécie conformément aux dispositions qui régissent la clause pénale.
- Des intérêts ne peuvent être portés en compte pour cause de retard dans le paiement des intérêts moratoires (ou na versão italiana: Non si possono pretendere interessi per ritardo nel pagamento degli interessi moratori. Ou na versão inglesa: Default interest is never payable on default interest.)
Ou seja:
314/3. As partes não podem, sob pena de nulidade, convencionar antecipadamente que os juros se somarão ao capital e produzirão eles mesmos juros; as regras do comércio para o calculo de interesses compostos nas contas correntes, ou outros costumes análogos, admitidos principalmente nas operações das caixas de poupança, continuam ressalvadas”.
105/1. O devedor em mora no pagamento de juros, de rendas ou de uma quantia que ele tenha doado, não deve juros moratórios senão a partir do dia da execução ou do pedido judicial [o Prof. Vaz Serra não traduz poursuite; para a tradução utilizaram-se, por isso, ainda as versões inglesa e italiana].
2. Toda a estipulação contrária é apreciada conformemente às disposições que regem a cláusula penal.
3. Não podem ser contados juros por causa do atraso no pagamento de juros moratórios.
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O art. 296 do Código Civil grego de 1940 (na tradução francesa feita por MAMOPOULOS, del Institut Hellénique de Droit Internacional et Étranger, citada no artigo de María Medina Alcoz):
(1) “Des intérêts sur toute espèce d’intérêts sont dus s’il en a été convenu ou s’il son réclamés par demande en justice et, dans les deux cas, seulement pour des intérêts arriérés d’au moins une année entière ou d’un exercice financier en ce qui concerne le fisc. La convention relative au paiement des pareils intérêts doit être conclue, ou l’assignation notifiée, après l’échéance de l’année ou de l’exercice.
(2) Les caisses d’épargne, les établissements de crédit et les banques peuvent fixer para leurs statuts, ou stipuler d’avance, que les intérêts de dépôts non encaissés seront considérés comme nouveau dépôt productif d’intérêts.”
Ou seja,
(1) São devidos juros sobre toda a espécie de juros se tal tiver sido convencionado ou se eles forem reclamados num pedido [acção] judicial e, em ambos os casos, somente para os juros devidos por, pelo menos, um ano inteiro ou por um exercício financeiro no que concerne ao Fisco. A convenção relativa ao pagamento de tais juros deve estar concluída, ou a reclamação notificada, depois de findo o ano ou do exercício.
(2) As caixas de poupança, os estabelecimentos de crédito e os bancos podem fixar nos seus estatutos ou convencionar previamente que os juros sobre depósitos não pagos serão considerados como um novo depósito com juros.
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Para além destes, existe ainda, com interesse, o art. 1109 do Código Civil espanhol (Real decreto de 24 de julio de 1889 por el que se publica el Código Civil. http://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1889-4763):
Los intereses vencidos devengan el interés legal desde que son judicialmente reclamados, aunque la obligación haya guardado silencio sobre este punto.
Ou seja:
Os juros vencidos produzem juros legais a partir do momento em que sejam pedidos judicialmente, ainda que a obrigação seja omissa sobre esta questão.
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A justificação da notificação exigida pelo artigo 560 do CC
Vaz Serra, no seu estudo sobre a mora, publicado no BMJ 48, Maio de 1955, págs. 5 e segs, diz nas págs. 205 a 208:
“Os Códigos francês e italiano, bem como o Projecto franco-italiano, admitem, além da convenção posterior ao vencimento dos juros, um pedido judicial [em nota acrescenta: Segundo alguns, bastaria, no direito francês, depois da lei de 7 de Abril de 1900, uma intimação. Ver Planiol, Ripert e Radouant, n.º 890]: o credor, formulando, depois do vencimento dos juros, um pedido judicial (ou talvez, no direito, francês, fazendo intimar o devedor), pode conseguir a capitalização dos juros.
É discutível se, para esta capitalização, basta um pedido judicial (ou uma intimação) de pagamento dos juros ou se é preciso um pedido judicial (ou intimação) de capitalização dos juros vencidos [em nota acrescenta: Ver, quanto ao direito francês, Planiol, Ripert e Radouant, lug. cit. Parece concluir-se do que dizem que, no segundo sentido, decide a jurisprudência e se pronunciam os autores (Aubry e Rau, IV, § 308.°, texto e notas 56 e 57; Laurent, XVI, n.º 341; Demolombe, XXIV, n.” 665; Baudry-Lacantinerie e Barde, I, n.s 529)].
Segundo o Código alemão, o facto de se intentar uma acção dá lugar a alguns efeitos (além do de, em regra, se constituir em mora o devedor, visto que naquele facto vai implícita uma reclamação de cumprimento): entre esses efeitos, figura o de que as obrigações pecuniárias vencem juros de 4 % a partir da reclamação, ou, sendo caso disso, do vencimento posterior do termo, a não ser que se vença um juro mais elevado (§ 291); mas os juros nem neste caso produzem juros.
O Código grego declara que se devem juros sobre juros, se assim se convenciona ou reclama por acção judicial [art. 296].
O Código suíço dispõe que o devedor em mora do pagamento de juros não deve juro moratório senão a partir do dia da poursuite ou do pedido judicial; que as estipulações em contrário se apreciam de acordo com as disposições que regem a cláusula penal; e que não podem contar-se juros por causa do atraso no pagamento dos juros moratórios [art.105].”
E conclui:
“Parece que, além da convenção posterior ao vencimento dos juros, é de admitir que um pedido judicial posterior ao vencimento dos juros possa fazer com que estes produzam juros.
O credor pode não conseguir um acordo com o devedor para que se capitalizem os juros vencidos; por outro lado, não é razoável que, intentando acção ou execução a exigir a capitalização (ou talvez o pagamento) dos juros, estes não produzam juros a contar do dia em que a acção ou execução é proposta (ou daquele em que o devedor é citado).
Se o credor intentar acção ou execução contra o devedor, a atenção deste é solicitada energicamente para as consequências da capitalização; e, por outro lado, não parece razoável que o credor seja prejudicado com a demora no andamento do processo [em nota acrescenta: Já hoje, como vimos, Manuel de Andrade parece inclinar-se para a solução de que o credor tem direito a novos juros depois de intentada por ele a competente acção ou execução, o que se justifica pela ideia de que o litigante que tem razão não deve ser prejudicado pela inevitável demora do processo], devendo, por isso, reconhecer-se-lhe direito aos juros sobre as quantias em dívida, ainda que sejam juros. Agora o direito aos juros de juros não tem graves inconvenientes, pois o devedor, se pagar a dívida vencida, como lhe é exigido, pode afastá-lo e só existe tal direito como compensação do dano, que o credor é de presumir sofra com a demora no andamento do processo (dano que não teria, se o devedor pagasse logo que a acção ou execução é proposta).
Não pareceria de exigir que na acção se reclamasse a capitalização dos juros [em nota acrescenta: Ver, em contrário, quanto ao direito francês, Planiol, Ripert e Radouant, n.º 890, e os aí citados. O Código italiano (art. 1.283), como aliás o francês (art. 1.154) e o Projecto franco-italiano (art. 103), fala em pedido judicial, sem especificar que deva tratar-se de um pedido judicial de capitalização. O Código grego (art. 296) é duvidoso, parecendo concluir-se da tradução, de que nos socorremos, que a acção se destina a pedir os juros de juros. O Código suíço (art. 105) fala da poursuite ou do pedido judicial, sem exigir, pelo menos expressamente, tal coisa], dado o fundamento, que acabamos de expor, bastando que se pedisse o pagamento deles. Mas, por outro lado, o devedor, a quem o credor exige apenas os juros, pode contar com que se não dê a capitalização, que o próprio credor pode não querer: exigir-se-ia, pois, um pedido a reclamar a capitalização.
O direito aos novos juros deve correr desde que a acção ou execução é proposta ou desde que o devedor é citado para ela?
Parece dever correr desde a citação, pois com esta é que se dá conhecimento ao devedor da pretensão do credor e a partir dela pode aquele considerar-se responsável pelo dano especial causado ao credor com a demora no andamento do processo.
[…]
Mas talvez devesse bastar uma interpelação do credor ao devedor, posterior ao vencimento dos juros.
Parece não haver necessidade de forçar o credor a intentar acção ou execução contra o devedor, o que, além de ser incómodo para o credor, aumentará as despesas a cargo do devedor. A interpelação, se nela for o devedor convidado a capitalizar os juros, ou a pagar, sob pena de capitalização, chama já suficientemente a atenção do devedor. Poderia, para maior segurança, exigir-se uma interpelação por escrito.”
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Perante isto, o Prof. Vaz Serra faz uma primeira proposta, em 1955, com o seguinte teor (art. 13, pág. 303 do BMJ 48):
Juros de juros
1 – Os juros vencidos podem produzir juros apenas em virtude de convenção posterior ao seu vencimento ou da data da interpelação ou da data da citação para a acção ou execução, também posteriores ao mesmo vencimento, desde que aqueles juros sejam devidos, pelo menos, por seis meses.
2 – A interpelação, a que alude o parágrafo antecedente, deve ser feita por escrito e conter a reclamação de capitalização dos juros ou a de pagamento destes sob pena de capitalização.
3 -Na acção ou execução, referidas no § 1, deve exigir-se a capitalização dos juros ou o pagamento destes sob pena de capitalização.
4 – O atraso no pagamento dos juros moratórias não pode dar lugar a novos juros.
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E faz ainda a seguinte proposta posterior (no BMJ 98 – 1960, sem fundamentação adicional):
Págs. 70/71 e 84/85:
Art. 86: Juros de juros
- Os juros vencidos podem produzir juros apenas em virtude de convenção posterior ao seu vencimento, ou a contar da data da interpelação ou da citação para a acção ou execução, também posteriores ao mesmo vencimento; mas, em qualquer dos casos, desde que aqueles juros sejam devidos, pelo menos, por seis meses.
- A interpelação, a que alude o parágrafo antecedente, deve ser feita por escrito e tanto nela, como na acção ou execução, referidas no mesmo parágrafo, deve exigir-se a capitalização dos juros ou o pagamento destes sob pena de capitalização.
- O atraso no pagamento dos juros moratórios não pode dar lugar a novos juros.
Artigo 87 Excepções
- As caixas económicas, estabelecimentos bancários e outros institutos de crédito podem declarar nos seus estatutos ou convencionar especialmente que os juros não cobrados dos depósitos ou outras colocações neles feitas sejam havidos como novos depósitos ou colocações com juro.
- Ressalvam-se também do disposto no artigo anterior os usos ou as disposições legais em matéria de conta corrente, bem como outros preceitos de lei em contrário.
Reclamação judicial
Artigo 107 – Efeitos da citação judicial
[…] 2. Tratando-se de obrigação pecuniária, o credor tem direito, a contar da citação, ao juro legal, a não ser que o devedor prove que, dadas as circunstâncias, uma regular administração do capital devido não teria produzido senão um juro menor ou que não pôde, sem culpa sua, fazer essa regular administração. Quando o capital vencer um juro mais elevado, será este o que continua a ser devido. Se, citado o devedor, a dívida só mais tarde se vence, apenas a partir do vencimento corre a obrigação, a que neste parágrafo se alude. Não são devidos juros destes juros, nos termos aplicáveis do art. 86.
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Conclusões:
Quanto à notificação judicial
De tudo isto decorre claramente que tendo sido posta a hipótese de bastar uma interpelação particular por escrito, ou ser necessária uma notificação judicial ou, mais do que isso, uma citação numa acção ou execução, o legislador (art. 560) exigiu, pelo menos, uma notificação judicial, não se bastando com a interpelação particular, mas também não exigindo uma citação.
Nesta parte não se concorda, pois, com aquilo que parece resultar do ac. do STJ de 03/05/2007, mas, segundo se crê, trata-se de uma questão de redacção. O que o ac. do STJ quis dizer é que não basta uma citação feita com base num pedido em que não se exija a capitalização, não que não baste a citação.
Quanto ao que deve ser exigido
O legislador (art. 560) optou claramente por considerar que, para a capitalização, não basta a exigência (na notificação ou na citação) do pagamento dos juros. Tem de ser exigida a capitalização dos juros vencidos ou o pagamento dos juros sob pena de capitalização.
E neste sentido pode ser agora aproveitado o ac. do STJ de 03/05/2007: “não basta a mera citação para a acção em que o credor pede a condenação do devedor no pagamento de juros capitalizados”, tendo em conta o pedido que era formulado naquela acção, como decorre do relatório do ac. do ST. Dando relevo a esta exigência, veja-se ainda o ac. do TRL de 17/06/2010 (2788/03.8TBBBRR-A.L1-6): “Ora, no caso vertente a agravante nada referiu no seu requerimento inicial sobre a capitalização dos juros, não sendo possível a um declaratário normal apreender que estavam em causa juros capitalizados…”
Ora, nesta parte, os pontos 14 e 15 do requerimento de injunção feito pela requerente seriam o bastante para o efeito, pois que nele consta expressamente a referência à capitalização dos juros de mora.
Falta agora a questão de saber se a notificação de tal requerimento pode ser tida como notificação judicial.
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Da notificação judicial
A notificação judicial está prevista nos arts. 261 a 263 do CPC.
A notificação realizada por um secretário judicial, no Balcão Nacional de Injunções, pode servir para o efeito?
A notificação exigida por lei é uma notificação judicial.
O art. 261 do CPC exige um despacho prévio do juiz a ordená-la, que também a pode indeferir, desse despacho cabendo recurso para a Relação (art. 262/2 do CPC).
Ora, mesmo que se aceitasse a posição maioritária obtida no Parecer 33/2011 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, publicado no DRII de 12/10/2012, de que “O Balcão Nacional de Injunções é uma secretaria judicial integrada na orgânica dos tribunais judiciais […] [artigo 16.º, n.os 2 e 4, alínea b), do Dec.-Lei 186 -A/99, de 31/05, e artigos 1.º e 3.º da Portaria 220 -A/2008, de 04/03], tal não poderia fazer equivaler uma notificação realizada por um secretário judicial de um Balcão Nacional de Injunções (dita secretaria judicial) a uma notificação ordenada por um despacho de um juiz.
Se a injunção é, como se sugere na posição maioritária daquele parecer, um processo civil especial desjurisdicionalizado, por nela não intervir o juiz, a notificação judicial avulsa resulta de um acto jurisdicional determinado pelo juiz. Não se equivalem.
Como argumento adjuvante, mas apenas como tal, veja-se que o art. 13/2 do regime da injunção diz que “As notificações efectuadas nos termos do número e dos artigos anteriores interrompem a prescrição nos termos do disposto no art. 323 do CC.” Ora, isto, por um lado, quer dizer que o próprio regime da injunção admite que as “suas” notificações não são notificações judiciais, porque senão a norma era desnecessária. Por outro lado, ao referir-se apenas à notificação judicial prevista no art. 323 do CC, sem nada dizer quanto à prevista no art. 560 do CC, o legislador, que não podia deixar de saber que existem outras normas no CC que se referem a notificação judicial (9/3 do CC. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados), não quis, intencionalmente, equiparar a prevista neste artigo às notificações das injunções.
Em suma, uma notificação efectuada por um secretário judicial do Balcão Nacional de Injunções não tem “a virtualidade de solicitar energicamente a atenção do devedor para as consequências da capitalização”, ou, utilizando a citação de uma sentença italiana, citada por Alberto Luís (O anatocismo bancário, ROA 61, 2001, pág. 1359), não basta para cumprir “o ónus da demanda judicial.”
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Mas, para além deste fundamento, outro há que impediria que se desse razão à autora.
Veja-se:
Juros moratórios de juros moratórios
Diz Vaz Serra, na pág. 212 do estudo já citado:
“O Código suíço (art. 105, alínea 3) declara que não podem contar-se juros por causa de atraso no pagamento dos juros moratórios.
Visto que os juros moratórios são indemnização pela mora, parece que o credor não deve poder exigir do devedor juros desses juros. Se, por exemplo, se convenciona que, não pagando o devedor em tempo, ficará a dever o juro de 7 % sobre o capital, e não paga este juro em tempo, deverá poder capitalizar-se tal juro, por convenção, ou mediante interpelação, acção ou execução?
Poderia dizer-se que o juro moratório deve sujeitar-se às mesmas soluções, que se aplicam ao juro contratual, por também ele ser uma prestação, a que o credor tem direito, e cujo não pagamento em tempo lhe pode causar prejuízo. As restrições propostas evitariam que se produzissem juros de juros moratórios fora dos casos, em que os juros parecessem aceitáveis.
No entanto, esta doutrina poderia conduzir a uma excessiva multiplicação de juros (v. g., o devedor não paga o juro moratório, é interpelado e o juro moratório passa a vencer juro, que o devedor não paga; este é de novo interpelado, começando também a vencer juro o juro do juro moratório; e assim por diante). Além disso, o credor tem, em princípio, direito apenas ao capital e ao juro estipulado, não ao juro moratório, que se destina somente a reparar o dano causado pela mora; donde resulta que, se o devedor se constitui em mora, a indemnização do credor é representada pelo juro moratório.”
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Contra, no entanto, diz F. Correia das Neves, Manual dos Juros, Estudo jurídico de utilidade prática, 3ª edição, Almedina, 1989, pág. 216:
“E os juros moratórios poderão dar lugar a novos juros?
Tome-se este exemplo simples: A empresta, gratuitamente, a B cinquenta contos, para serem restituídos decorrido um ano; vencido o prazo, B não restitui o capital; a partir daí começam a cair juros de mora à taxa legal a favor do credor A: poderão estes juros produzir outros juros?
É curioso notar que no anteprojecto do actual Código Civil – art. 791, Livro II, Direito das Obrigações, 1ª revisão ministerial – se dispunha que «o atraso no pagamento dos juros moratórios não dá lugar a novos juros».
Tal disposição não foi consagrada no art. 560 e, portanto, afastada foi do texto definitivo da nova lei. Quererá isso dizer que o legislador não aceitou a sua doutrina ou, antes, que considerou desnecessário fazer tal ressalva?
Vamos mais pela primeira tese, mas vejamos em que medida: o atraso não dá lugar, por si só, a novos juros; mas nada impede uma convenção posterior ou a notificação judicial para a capitalização, se relativos a período não inferior a um ano, nos termos gerais já analisados.
É que se decorrido um ano de juros de mora o devedor se apresenta a entregá-los, e, nesse mesmo acto e momento, solicita ao credor que lhos empreste a certo juro, ninguém ousará defender que tal é proibido pelo dito art. 560. Ora, que diferença atendível existe entre esta hipótese e a de, por convenção posterior a esse ano, devedor e credor acordarem na capitalização dos juros, que possa justificar ou exigir um tratamento diverso?”
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Contra, também, María Medina Alcoz, estudo citado, págs. 21/22:
“Los intereses susceptibles de generar intereses anatocísticos
Los intereses susceptibles de generar intereses (anatocísticos) pueden ser tanto los moratorios (legales o convencionales) como los remuneratorios (retributivos, correspectivos o compensatorios).
Si bien los moratorios responden a la necesidad de reparar el daño causado por el retraso en el cumplimiento imputable al deudor (mora debitoris); los remuneratorios, retributivos, restauratorios, correspectivos o compensatorios cumplen la función de remunerar, retribuir o restaurar al acreedor la falta de disponibilidad de su numerario, precisamente, como correspectivo (correspondencia) o compensación de la misma. Pueden ser también lucrativos o lucratorios cuando –se dice– ocasionan para el acreedor un beneficio adicional (lucro) al del interés compensatorio. Pero, como ha dicho JIMÉNEZ MUÑOZ, “en realidad todos los intereses responden a una misma y única función y fundamento: el resarcimiento por la privación que el acreedor sufre de su capital y que le determina una pérdida de su productividad, privación que concurre en todo tipo de intereses, tanto moratorios como compensatorios”. Es decir, concluye MEDINA CRESPO, los intereses retributivos expresan el pretium de una disponibilidad dineraria desprendida y los moratorios el pretium de esa mima disponibilidad pero no obtenida.
La doctrina acepta generalmente que los intereses anatocísticos se generan no sólo por los intereses retributivos (generalmente, usuræ ex pacto o ex stipulatione derivados de un contrato de préstamo) impagados, sino también por los intereses moratorios (usuræ ex mora) insatisfechos [em nota referencia: José Manuel RUIZ-RICO RUIZ, “Cien años (y algo más) de jurisprudencia sobre interese moratorios”, en Centenario del Código Civil (1889-1989), T. II, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, Madrid, 1990, pp. 1917; e (1989), “Comentario al artículo 1109 CC”, en Manuel ALBALADEJO GARCÍA (Dir.), Comentarios al Código Civil y Compilaciones Forales, T. XV, Vol. 1 (arts. 1088-1124), 1989, pp. 863-868; Luis MUÑOZ DE DIOS SÁEZ, Sobre el anatocismo, Revista Jurídica del Notariado, núm. 16, 1995, p. 352; Marta ORDÁS ALONSO, El interés de demora, Thomson-Aranzadi, Cizur Menor, 2004, p. 168; Pilar ÁLVAREZ OLALLA, Comentario al artículo 1109 CC, en Rodrigo BERCOVITZ RODRÍGUEZ-CANO (Coord.), Comentarios al Código Civil, 2ª ed., Thomson-Aranzadi, Cizur Menor, 2006, p. 1336; Francisco Javier JIMÉNEZ MUÑOZ, La deuda de intereses, Universidad Nacional de Educación a Distancia, Madrid, 2008, p. 405, y Ángel CARRASCO PERERA, Derecho de Contratos, Aranzadi, Cizur Menor, 2010, p. 1223)].
Depois referencia os autores que defendem a posição contrária
“Sin embargo, algunos autores [Virginia MÚRTULA LAFUENTE, La prestación de intereses, McGraw Hill, Madrid, 1999, pp. 460-464; Carlos VILLAGRASA ALCAIDE, La deuda de intereses, EUB, Barcelona, 2002, pp. 269, 273 y 277; Luis MUÑOZ DE DIOS SÁEZ, obra citada, p. 355, y Vicente L. MONTÉS PENADÉS, Observaciones sobre la capitalización de intereses en los préstamos mercantiles, en Antonio POLO DIEZ (Coord.), Estudios de Derecho Bancario y Bursátil, Homenaje a Evelio Verdera y Tulles, T. II, La Ley, Madrid, 1994, p. 1889, aunque sólo por lo que respecta al anatocismo mercantil del artículo 317 CdC] sostienen que los intereses anatocísticos sólo pueden proyectarse sobre los intereses retributivos o compensatorios y no, por tanto, sobre los moratorios. Esta postura se funda en que los intereses moratorios están ya regulados en el artículo 1108 CC como cuantía a indemnizar en caso de mora y cubren de forma completa el daño efectivamente sufrido por el retraso en el pago del capital. Entienden que aplicar el artículo 1109 CC a los intereses moratorios implica incrementar sin fundamento el quantum de un daño (el moratorio) que ya determina el artículo 1108 CC (y desconocer su naturaleza y significado como precepto aplicable a la falta de pago puntual en el cumplimiento de todas las obligaciones dinerarias); y que este aumento de la cuantía del crédito de intereses provoca un enriquecimiento injustificado en el acreedor. Consideran que el artículo 1108 CC es aplicable a la obligación principal de restitución de un capital cuya falta de pago puntual genera intereses moratorios; y que el artículo 1109 CC es aplicable a la obligación específica de pagar intereses compensatorios no pagados, originando una deuda de intereses moratorios sobre ellos. Dice VILLAGRASA que “si no hay intereses compensatorios en la obligación pecuniaria no habrá en ningún caso anatocismo.”
E faz a seguinte crítica à posição destes autores:
“Pero tal planteamiento es refutable por varias razones. En primer lugar, el artículo 1108 CC está regulando la indemnización debida por el daño causado por el impago de un capital, mientras que el artículo 1109 CC se refiere al resarcimiento del daño producido por el impago de intereses, sin distinguir de qué tipo (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus), y tanto daño moratorio genera el impago de los intereses retributivos pactados como el impago de los intereses moratorios debidos por impago del principal. La generación de intereses anatocísticos derivados de intereses moratorios no produce, en absoluto, un enriquecimiento injustificado en el acreedor, sino todo lo contrario: corresponden al justo resarcimiento de un daño injusto y por ello no generan un estricto lucro. Sólo mediante su abono se indemniza al acreedor insatisfecho el perjuicio ocasionado por la indisponibilidad de los intereses moratorios debidos y no pagados (lucro cesante) y, por tanto, sólo mediante su abono se cumple el principio institucional que obliga a la reparación íntegra del daño. Afirmar que los intereses moratorios no devengan intereses anatocísticos implica desconocer su función como resarcimiento moratorio.”
Prefere-se a posição defendida por Vaz Serra, que só não terá sido consagrada no CC de 1966 por desnecessária.
A posição de Correia das Neves parte da recusa (não fundamentada) da distinção entre os juros moratórios (que são uma indemnização) e os juros remuneratórios.
Quanto à posição defendida por María Medina Alcoz parte do único regime legal – dos referidos acima – que permite as convenções antecipadas de anatocismo (pág. 28: “Es decir, en el anatocismo convencional las partes pueden pactar que los intereses anatocísticos se devenguen desde que el deudor esté incurso en mora por no haber pagado los intereses simples”) e que não impõe nenhum período mínimo de produção de juros. Trata-se, por isso, de uma posição baseada num regime jurídico com uma posição de princípio (favorável ao anatocismo) manifestamente contrária à do nosso. Não deixa de ser significativo que esta autora não faça uma única referência à única norma legal – o art. 105/3 do Código das Obrigações suíço – que não permite, expressamente a capitalização de juros moratórios. Não deixa, também de ser significativo que seja precisamente em Espanha que tenha que existir, depois, uma lei contra a usura (LRU – Ley de 23 de julio de 1908 para la represión de la Usura) e que haja uma grande discussão em torno dos juros anatocísticos excessivos com recurso à Ley 26/1984, de 19/07, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios (= LGDCU) e da Lei 7/1998, de 13/04, sobre Condiciones Generales de la Contratación (= LCGC), como se vê, por exemplo, no estudo de Magdalena Ureña Martínez, Doctora en Derecho, Profesora Titular de Escuela Universitaria de Derecho Civil en la Universidad de Castilla-La Mancha, sobre Los intereses excesivos en los contratos de financiación con consumidores: un problema de concurrencia normativa, 2006, http://www.uclm.es/centro/cesco/pdf/trabajos/6/2003/6-2003-1.pdf.
O art. 560 do CC trata dos juros que são remuneração de um capital e permite, em dadas condições, a capitalização destes. Os juros de mora, previstos no art. 806 do CC, são já uma indemnização pelo atraso no cumprimento de uma obrigação pecuniária, não fazendo sentido que sobre eles recaia uma outra indemnização, sobre a qual poderia, a seguir, recair outra indemnização, e assim por diante, sem fim.
Ou seja, se A deposita 1000€ num Banco e tem direito a uma remuneração sobre esse depósito de 3% ao ano, ao fim de um ano o B deve-lhe pagar 1000€ mais 30€ de juros remuneratórios. Se o B se atrasar, durante um ano, no pagamento dos 30€ de juros remuneratórios, estes juros poderão ser capitalizados em dadas condições. B poderá ter que pagar juros moratórios, por exemplo de 4% ao ano, sobre aqueles 30€ de juros remuneratórios, ou seja, 1,2€ de juros moratórios (como indemnização pelo atraso). Mas se se atrasar no pagamento destes juros moratórios já não se admite que A peça ainda juros moratórios sobre os juros moratórios, isto é, que peça uma indemnização sobre uma indemnização.
E ainda se pode acrescentar que, a contrario, o nº. 3 do art. 806 do CC não permite – no caso de responsabilidade contratual – que o credor prove um dano superior aos juros legais moratórios e peça uma indemnização suplementar correspondente. Ora, seria nisso que se traduziria a concessão de juros de mora sobre juros de mora.
Compreende-se assim que o ac. do STJ de 03/05/2007 diga que o artigo 560 do CC não se reporta à […] incidência de juros moratórios sobre juros remuneratórios, mas sim à proibição [relativa] de capitalização de juros remuneratórios.
E que no ac. do TRL de 17/02/2011 (83130-A/1995.L1-2) se faça, embora lateralmente, uso da distinção entre juros de mora sobre juros de mora e “juros sobre os juros remuneratórios, ou dito de outro modo, o anatocismo ou a capitalização dos juros remuneratórios.”
A posição de princípio da nossa ordem jurídica é de proibição (relativa) do anatocismo só ultrapassável em dadas condições (os estudos de Leite de Campos, Anatocismo – Regras e usos particulares do comércio, ROA, 48, 1988, págs. 37 a 62, e de Alberto Luís, estudo citado, págs. 1349 a 1362, são significativos neste sentido; este último autor cita, nas págs. 1357/1358, um estudo de Francesco Galgano, Ensaio de astroeconomia, ou seja, a expansão sideral dos juros compostos, que parte dum “cálculo astroeconómico” “atribuído a uma economista inglês do séc. XVII, Richard Price, segundo o qual ‘um penny emprestado a 5% de juro composto no ano do nascimento do nosso Redentor teria crescido hoje [1774] a uma soma maior que aquela que poderia representar 150 milhões de globos terrestres, todos de ouro puro. Mas, emprestado a juro simples, ele teria crescido no mesmo período somente a 7 sh 4 ½ d’”).). Ou como diz Menezes Cordeiro: “A posição básica do Direito privado é, perante o anatocismo, de desfavor, sendo certo que ainda há poucos anos tal uso [bancário] não estava radicado” (Tratado de direito civil português, II, Direito das Obrigações, tomo I, Outubro de 2009, págs. 695/696).
E nela (na nossa ordem jurídica) não estão previstos juros de mora de juros de mora, ou seja, a capitalização de juros de mora vencidos, sendo que a norma do art. 560 do CC, na sequência da posição de Vaz Serra, deve ser lida como dizendo respeito à capitalização dos juros remuneratórios.
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Do art. 13 do regime da injunção e do art. 829-A/4 do CC
Nas quatro últimas conclusões do seu recurso, a autora invoca, em defesa da sua posição, para além do art. 829-A/4 do CC, o disposto na al. d) do art. 13 do regime da injunção, no qual se diz que “a notificação do requerido deve conter a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória”.
Quanto aos juros de mora [1ª parte da alínea d) do art. 13] a norma tem equivalência com os arts. 46/2 e 805/2, ambos do CPC, dizendo o primeiro: “Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”
Tratam-se de normas adjectivas. Não dão nem tiram direitos substantivos às partes. Se nos termos da lei substantiva não houver lugar a juros, não pode ser devido àquela norma que a autora os passa a ter.
Ora, como se viu acima, no caso não há lugar a juros de mora.
Quanto aos juros à taxa de 5% ao ano, a norma tem correspondência com o art. 829-A/4 do CC (e 805/3 do CPC): “Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”
Se há ou não lugar a estes juros – do art. 829-A/4 do CC –, é uma questão distinta das anteriores e que a autora podia ter levantado neste processo, no tribunal recorrido, caso em que seria decidida. Mas a autora não o fez, pelo que a questão não tem de ser (nem pode ser) apreciada neste tribunal de recurso. Note-se que não se está a dizer que a autora devia ter levantado a questão. Está-se apenas a dizer que a podia ter levantado. Tudo o que este tribunal pudesse dizer sobre a questão, seria um excesso de pronúncia e uma ingerência na esfera de competência de outros tribunais, pois que a questão pode continuar a colocar-se.
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Pelo exposto, julga-se procedente a arguição de nulidade, mas improcedente o recurso, confirmando-se, embora com outro fundamento, a sentença recorrida, com a seguinte explicitação: absolve-se a ré do demais pedido.
Custas pela autora.
Lisboa, 28/02/2013.
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto
Notas:
Victor Hugo Ventura, anotação III ao art. 560, pág. 546 do Comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCE, Dez2018
no sentido de que “o anatocismo de juros moratórios não é permitido no direito português”, veja-se Diogo Costa Gonçalves | Diogo Tapada dos Santos Juros moratórios, indemnização e anatocismo potestativo, publicado na REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA, Vol. LXI (2020) 2, páginas 205-230, que referem ainda:
– o Acórdão do STJ de 12/04/2005, Revista 299/05, in colectânea de Jurisprudência, 2005, II, páginas 39-42, e com o sumário acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2005.pdf: VI – O atraso no pagamento dos juros moratórios não dá lugar a novos juros. Constituindo os juros moratórios a indemnização devida, não parece razoável que esses juros “indemnizatórios” vençam novos juros, ao menos por acto unilateral do credor, como seria a notificação para capitalização nos termos do art.º 560 do CC.
Ac. do TRL de 22/03/2018 – proc. 207/14.3TVLSB: […] XI.– Não é, em geral, possível a capitalização de juros de mora (sendo-o apenas nos casos restritos e nas condições previstas no art. 7/5 do DL 58/2013, de 08/05).
Miguel Pestana de Vasconcelos, Juros bancários “ocultos”, IV Congresso de direito bancário, Almedina, Abril 2021, pág. 129: “A lei é especialmente restritiva quando à capitalização de juros moratórios. Com efeito, só a admite mediante o acordo das partes reduzido a escrito e no âmbito de restruturação ou consolidação de contratos de crédito (art. 7/5 do DL 58/2013, de 08/05).”
Contra, Paulo Mota Pinto / Maria Inês de Oliveira Martins, Capitalização de juros moratórios, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 148, n.º 4016, Maio-Jun. 2019, páginas 272 a 315.
O Dec.-Lei 58/2013, de 08/05, refere expressamente, para efeitos de capitalização (arts. 3 e 7), a diferença entre juros remuneratórios (que remuneram um empréstimo de dinheiro) – que em dados condições, que têm de ser alegadas, podem ser capitalizáveis, por uma só vez – e moratórios (que indemnizam danos derivados da mora) – que não podem ser capitalizáveis, excepto no âmbito de processos de reestruturação ou consolidação de contratos de créditos e apenas para entidades que estão habilitadas a conceder crédito e tendo de haver acordo das partes reduzido a escrito; pelo que, entender-se que todos os outros credores podem capitalizar juros de mora, seria um contra-senso. Ou seja, o DL em causa é um reconhecimento de que todos os outros credores não podem capitalizar juros de mora.
Sobre este tipo de excepções abertas para as entidades que estão habilitadas a conceder crédito, existem as páginas escritas por Almeno de Sá, Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almedina, 2001, 2ª edição, 21 a 23; as de Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo, Almedina, 2012, págs. 532/533 e, especialmente, as págs seguintes até 542 e a nota 1382; as de Rui Pinto Duarte, A alteração unilateral de contratos de financiamento, II CDB, Almedina, 2017. E a obra de Pestana Vasconcelos referida abaixo.
O DL 58/2013 foi aplicado pelo ac. do TRP de 31/05/2016, 8077/15.8T8PRT-A.P1.
Sobre o DL, juros, limites e usura, veja-se:
Taxas de juro do crédito ao consumo: limites legais, de Pedro Pais de Vasconcelos, em II Congresso de Direito Bancário, Almedina, Abril de 2017, págs. 329 a 353, que lembra o artigo de Carlos Gabriel da Silva Loureiro, Juros usurários no crédito ao consumo, Tékhne, Revista de Estudos Politécnicos, 2007, Vol. V, n.º 8, págs. 265 a 280.
L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Setembro de 2017, Almedina, págs. 344 a 380, especialmente 356 a 373 e 374 a 380, que também lembra o artigo de Carlos Gabriel da Silva Loureiro.
Carlos Ferreira de Almeida, Contratos V, Almedina, Setembro de 2017, págs. 154 a 166.
Fátima Cristina Fontes da Costa, na dissertação de mestrado A questão da adjudicação ao banco exequente do imóvel hipotecado por um valor inferior ao da dívida exequenda em virtude do incumprimento do contrato de mútuo para aquisição de habitação – Um problema a carecer de intervenção legislativa urgente, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2014, faz várias referências ao DL 58/2013.
Outras são feitas por Maria Cristina Portugal, Taxas máximas de juros e limites da usura: o puzzle nacional, Estudos de direito de consumo homenagem a MCAT, DECO, 2016, págs. 387/388 e 394/395.
Outros casos posteriores com interesse sobre o anatocismo: ac. do TCAS de 28/04/2016, 08784/15; ac. do STA de 08/05/2013, 033/13; e ac. do STA de 06/02/2013, 01114/12