Insolvência – Gaia – Instância Central – 2ª secção de Comércio
Sumário:
“A segunda prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz vence-se seis meses após a data da sua nomeação. Mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido aquele prazo, a segunda prestação vence-se na data do encerramento do processo.” (sumário do ac. do TRL de 02/07/2015, 258/14.8TBPDL.L1-6)
Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:
Nestes autos a Srª Administradora da Insolvência foi nomeada na sentença que decretou a insolvência, em 15/06/2015.
A AI Juntou o relatório do art. 155 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa em 31/07/2015, propondo o encerramento do processo por insuficiência de bens.
Dispensada a Assembleia de Credores, foi declarado encerrado o processo em 21/10/2015 por insuficiência da massa insolvente, e, admitida a exoneração do passivo restante, foi então a AI nomeada fiduciária.
Em 30/10/2015, a AI deu cumprimento ao art. 129 do CIRE.
Por despacho de 29/03/2016, depois de se fazer menção ao que antecede e ao disposto no art. 29, n.ºs 2 e 8, e 30, ambos da Lei 22/2013, de 26/02, do que decorreria que a AI só teria direito a receber a primeira prestação de honorários, visto que a sua intervenção desde o início do processo ao encerramento não ultrapassou o período de 6 meses, decidiu-se fixar em 2000€ a remuneração total da AI, sendo que desse montante 1000€ abrange o trabalho como fiduciária (para a hipótese de não haver cessão do rendimento), acrescidos de 500€ a título de despesas, quantias a suportar pelo IGFEJ, IP.
A AI recorre deste despacho – para que seja revogado e substituído por outro que ordene o pagamento da 2ª prestação da remuneração fixa, no valor de 1000€, a título de remuneração pelo desempenho das funções de AI -, defendendo, com ampla fundamentação (embora faça apenas referência à decisão do TRG referida abaixo), que, por um lado, tem direito à segunda prestação de honorários mesmo tendo o processo sido encerrado antes dos 6 meses e, por outro, que tem direito à remuneração, como fiduciária, mesmo que não haja rendimentos cedidos pelo insolvente; e diz que outro entendimento das normas aplicáveis seria inconstitucional.
O Ministério Público contra-alegou, defendendo, no essencial, que a segunda prestação da remuneração da AI estava sujeita a uma dupla condição; resolutiva: a prestação não se vencerá se o AI exercer as funções por menos de 6 meses; e suspensiva: apenas se vence seis após tal nomeação; pelo que, sendo o período de funções inferior a 6 meses a 2ª prestação não é devida; e a AI não ficará sem remuneração como fiduciária, visto que já foram fixados 1000€ por ter sido nomeada como tal.
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Questões a decidir: (i) se a AI tem direito à 2ª prestação de honorários como AI apesar de as funções terem sido uma duração inferior a 6 meses; e (ii) consequências a nível da remuneração como fiduciária, face à forma como tal remuneração foi fixada.
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Os factos que interessam à decisão destas questões são os que resultam do relatório que antecede.
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I
Dos honorários da AI
O art. 23/1 da Lei 22/2013, de 26/01, que aprovou o novo Estatuto do administrador judicial, dispõe que “[…] o administrador de insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria […].”
O art. 29/2 da mesma Lei, dispõe que “a remuneração prevista no n.º 1 do art. 23 é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data do encerramento do processo.”
O art. 1/1 da Portaria 51/2005 de 20/01 (que ainda faz referência ao anterior EAI) estabelece: “1. O valor da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do n.º 1 do art. 20 da Lei 32/2004, de 22/07, que aprovou o EAI, é de 2000€.
Destas normas resulta com segurança que a remuneração do AI tem o valor de 2000€ e é paga em duas prestações.
Delas não decorre que quando a intervenção não ultrapassa o período de 6 meses o AI já não tem direito à 2ª prestação (e, já agora, isso seria um incentivo a que, mesmo sem necessidade, se fizesse durar um processo mais tempo apenas para se ter direito à 2ª prestação, o que seria prejudicial para todos os intervenientes).
Quando a lei fala em vencimento de uma obrigação, está a pressupor que ela já existe, já está constituída; trata-se apenas de determinar o momento em que uma obrigação que já existe – e com ela o correspectivo direito – passa a dever ser cumprida (mais ou menos nestes termos, por exemplo, Galvão Telles, Direito das obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 250/251).
Pelo que, também a construção feita pelo MP não está certa: uma norma que dispõe sobre o momento do vencimento de uma obrigação já existente (e com ela o direito) não é uma norma que prevê uma condição simultaneamente resolutiva e suspensiva, cuja não verificação fizesse com que a obrigação não chegasse a existir.
As normas ainda citadas no despacho recorrido não têm a ver com esta questão, já que dizem respeito à provisão para despesas do AI (art. 29/8) e a quem faz esse pagamento em dadas situações (art. 30/1).
Assim, por aqui já se poderia dizer que a AI tem razão.
Outras decisões dos tribunais da relação se têm pronunciado neste sentido, não se conhecendo nenhuma em sentido contrário, sendo que aquelas chamam a atenção ainda para outras normas que apontam para a mesma posição (tal como também o faz a AI nas alegações do recurso):
Assim, por exemplo, refere-se o disposto no art. 29/4 da Lei 22/2013 que dispõe: “Nos casos previstos no art. 39 do CIRE, a remuneração do administrador da insolvência é reduzida a um quarto do valor fixado pela portaria referida no nº 1 do art. 23”. Ora, diz-se, o art. 39/1 do CIRE não tem a ver com o caso e para o caso não existe nenhuma norma com o mesmo sentido (de redução de remuneração).
E refere-se também a norma do art. 1/2 da Portaria 51/2005, que dispõe que: “No caso de o administrador da insolvência exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador, aquele terá direito somente à primeira das prestações referidas no nº 2 do art. 26 da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência” Ora, diz-se, “não estamos perante um caso de exercício das funções por menos de seis meses devido a substituição por outro administrador da insolvência, pelo que naturalmente também não é aplicável aquela norma” e nenhuma outra existe com o mesmo sentido.
As decisões referidas são os seguintes:
– decisão singular do TRG de 19/03/2015 proferida no processo n.º 2266/13.7TBGMR-F (publicitada em http://apaj.pt/apaj/wp-content/uploads/2015/08/TRGuimaraes_Reducao.pdf)
– ac. do TRL de 02/07/2015, 258/14.8TBPDL.L1-6: A segunda prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz vence-se seis meses após a data da sua nomeação. Mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido aquele prazo, a segunda prestação vence-se na data do encerramento do processo.
Este acórdão acrescenta: “sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr art. 9 do Código Civil), se fosse sua intenção que o administrador judicial não teria direito às duas prestações, tê-lo-ia dito expressamente como no caso do exercício das funções por menos de seis meses devido a substituição por outro administrador ou como nos casos em que estabeleceu reduções da remuneração.
– ac. do TRE de 11/06/2015, proc. 3926/14.0T8STB.E1 (divulgada em http://apaj.pt/apaj/wp-content/uploads/2015/08/Recurso-MP_redu%C3%A7%C3%A3o-remunera%C3%A7%C3%A3o-fixa.pdf
– ac. do TRC de 02/06/2015, 8/14.9T8GVA-B.P1: 1. A redução a ¼ o valor da remuneração fixa a pagar ao AI, prevista no n.º 4 do EAI só se aplica aos casos em que é proferida sentença simplificada de declaração de insolvência ao abrigo do disposto no art. 39 do CIRE. 2. A 2ª prestação vence-se seis meses após a nomeação do AI ou aquando da data de encerramento do processo, se esta ocorrer antes de decorridos os referidos seis meses.
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II
Da remuneração da fiduciária
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A decisão recorrida fixou em 1000€ a remuneração da fiduciária.
A recorrente entende que a decisão recorrida apenas fixou essa remuneração para o caso de haver de cessão de rendimentos – como se vê, por exemplo, na conclusão 28 do recurso – e depois traz à liça muita da argumentação que se vê em acórdãos sobre o assunto:
Assim, por exemplo, o ac. do TRP de 10/09/2013, 1714/09.5TBVNG-J.P1: Carecendo o devedor de meios para remunerar o fiduciário pelo exercício das suas funções este deve ser pago pelo IGFPJ; bem como o ac. do TRP de 28/10/2015, 347/13.6TJPRT.P1: I – A responsabilidade pelo pagamento da remuneração e das despesas do fiduciário é, em primeira linha, do devedor, uma vez que deve ser suportado pelas quantias objecto da cessão, atento o disposto no art. 241/1 do CIRE e art. 28 do EAJ. II – O fiduciário pode ver a sua remuneração e despesas suportadas pelo CGT, que corresponde actualmente ao IGFEJ e, no valor devido pelo trabalho realizado e despesas suportadas, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam tal pagamento.
Mas tendo em atenção ao que antecede, foi isto exactamente o que foi determinado pelo tribunal recorrido, havendo um erro de interpretação da recorrente. Ou seja, o que o tribunal recorrido disse foi: para a hipótese de não haver rendimento cedido e, por isso, o fiduciário não se poder pagar por ele, então fixa-se uma quantia, de 1000€, que dá, segundo realça o MP, 200€ por cada um dos 5 anos do período “de exoneração do passivo restante”, a suportar pelo IGFEJ.
A recorrente sugere, no entanto, que o despacho recorrido mandou pagar os 1000€ à fiduciária à custa dos 2000€ da remuneração da AI. Mas não é isso o que resulta do despacho recorrido (e assim também o entendeu, como se viu, o MP).
De resto, com a procedência do recurso, na 1ª parte, a recorrente passa a ter direito a 2000€ como AI e a 1000€ como fiduciária (para além dos 500€ como despesas).
O que se podia discutir é se tal quantia – 1000€ como fiduciária – podia e devia ter sido logo fixada.
Em sentido, contrário, veja-se o ponto III do sumário do último acórdão citado: “Do regime do art. 241 do CIRE, que manda afectar os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão, à remuneração ao fiduciário, retira-se que a fixação e o pagamento da remuneração deverá ocorrer no fim de cada ano, pois só nesse momento será possível saber se foram entregues valores pelo devedor que o permitam, bem como avaliar o trabalho desenvolvido.”
Até porque aquele período pode cessar antes sequer de ter corrido um ano (art. 243 do CIRE).
Mas como desta parte da decisão não foi interposto recurso, nem sequer pelo MP, nada há a decidir quanto a tal questão.
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que fixa a remuneração da AI em 1000€, ou seja, em que lhe nega o direito à 2ª prestação da remuneração, que se substitui por esta que ordena o pagamento da segunda prestação da remuneração fixa à apelante, no montante de mais 1000€.
Custas pela massa insolvente.
Porto, 11/08/2016
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto