Oposição à execução – Oeiras – Inst. Central – 2ª Secção de Execução
Sumário:
I – É o exequente, colocado no lugar do financiador, a quem for validamente oposta, pelo mutuário, a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428 do CC), num contrato trilateral, que terá de alegar e provar que o fornecedor do bem entregou o bem ao mutuário.
II – Mas o executado que for demandado como avalista, se não for parte na relação fundamental – no caso dos autos: se não for parte naquele contrato trilateral –, não pode opor ao portador da livrança excepções derivadas daquela relação fundamental (arts. 406/2 do CC e 30/II da LULL aplicável por maioria de razão).
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Banco, SA, requereu a execução de uma livrança contra M, Lda, e E.
O executado deduziu oposição, entre o mais impugnando a veracidade da assinatura que lhe é imputada na livrança apresentada como título executivo, dizendo que desconhece a livrança, tendo tomado conhecimento que o proprietário do stand onde foram adquiridas as viaturas financiadas pela exequente, e que jamais lhe foram entregues, se encontra indiciado pela falsificação de assinaturas em diversos contratos de compra a e venda, o que terá sucedido no caso em apreço.
A exequente, contestou, alegando, em suma, que a assinatura aposta na livrança foi nela aposta pelo punho do executado, que era à data representante legal da sociedade executada, que concedeu o financiamento de acordo e nos termos ajustados com a sociedade executada. Conclui, pugnando pela improcedência da oposição.
Depois de realizado o julgamento e lido o despacho com a decisão da matéria de facto, para cuja leitura a mandatária do executado foi devidamente notificada, foi proferida sentença julgando improcedente a oposição à execução.
O executado recorre desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I – A sentença violou o disposto nos arts. 342 e 428 do Código Civil, não tendo valorado devidamente a prova realizada em audiência de julgamento nem aplicado ao caso concreto o regime jurídico que define as regras do crédito ao consumo;
II – Não foi feita qualquer prova que o executado tenha assinado qualquer livrança na qualidade de avalista, não tendo nenhuma testemunha presenciado tal alegada assinatura, e, ainda, da prova pericial realizada, o resultado foi inconclusivo;
III – A sentença proferida não se encontra fundamentada nos termos exigidos no n.º 3 do art. 607 do Código de Processo Civil;
IV – A este respeito atente-se no teor do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/05/2013, processo 1259/08.0TBGRD.C1: “… a fundamentação da sentença em termos de matéria de facto não se basta com a discriminação dos factos julgados provados, sendo necessário por força do referido preceito legal fazer o exame crítico das provas de que cumpre conhecer na sentença.”
V – A sentença não apreciou a excepção peremptória de não cumprimento, nos termos do disposto no art. 428 do CC, violando assim o n.º 2 do art. 608 do CPC.
VI – A este respeito atente-se no teor do ac. do TRL de 25/11/2014, proc. 541/13.0TYLSB-E.L1: “Para efeitos do vício de omissão de pronúncia, constituem questões de mérito a resolver, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das excepções peremptórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente.”
VII – Acresce que, mais uma vez, nenhuma prova foi produzida nos presentes autos que ateste a entrega ou utilização do veículo pelo executado.
VIII – Aplica-se na presente situação o DL 359/91 de 21 de Setembro, que define as regras do crédito ao consumo.
IX – Desta forma, o executado podia, e pode, nos termos legais, invocar a excepção de não cumprimento, recusando-se a pagar a prestação ao financiador, enquanto o vendedor não cumprisse a sua obrigação de entrega do veículo; contudo, o tribunal a quo não apreciou sequer esta excepção.
O exequente não contra-alegou.
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Questões que importa decidir: da falta de prova: (i) da assinatura da livrança pelo executado e (ii) da entrega da viatura; da falta de fundamentação da matéria de facto; da nulidade da sentença por falta de conhecimento da excepção de não cumprimento; se o executado podia deduzir esta excepção.
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Os factos dados como provados que importam ao conhecimento das questões a decidir são os seguintes (altera-se a ordem dos factos para que fiquem colocados cronologicamente):
- Com data de 06/06/2007 foi subscrita pela sociedade executada, como mutuária, um documento denominado contrato, ao qual foi atribuído o n.º xx, onde consta, além do mais, identificado como bem a financiar pela exequente: Mercedes-Benz ml 320 cdi, matrícula xx-xx-xx, como fornecedor F, Lda, como valor do montante total do crédito 75.000€, número de mensalidades 84, data de vencimento da 1ª mensalidade 20/07/2007 e custo total do crédito (inclui comissão bancária de dossier, imposto e seguro) 101.235,60€.
- Consta ainda do documento referido em 1, na parte aí destinada à indicação das garantias, o seguinte:
RES.PROPRI/FIADOR(ES) LIVRANÇA AVALIZADA
E
- O contrato referido em 1 mostra-se assinado pelo executado como representante legal da sociedade executada, ao aí apor a sua assinatura no local destinado à assinatura do mutuário, e pelo executado como fiador, ao aí apor a sua assinatura no local destinado a esse efeito.
- Mediante a subscrição do contrato referido em 1, ajustaram ainda as partes, através da cláusula 10, e além do mais, o seguinte:
“(…)
3. O Mutuário e o(s) Avalista(s), sem necessidade de novo consentimento, autorizam expressamente o C a preencher e completar os títulos de crédito que estes lhe entregarem, devidamente subscritas pelo Mutuário mas não integralmente preenchidos, nomeadamente quanto à data, local de pagamento e valor, o qual corresponde ao saldo em dívida de capital, juros e demais encargos e despesas emergentes do contrato, podendo o C fazer de tais títulos o uso que entender na defesa do seu crédito.
(…).”
- Com data de 11/02/2008, a C emitiu a seguinte declaração “[…] vem para os devidos efeitos declarar que o contrato abaixo mencionado se encontra regularizado. Nome: [sociedade executada…]. Contrato CCL n.º: yy […].”
- O exequente instaurou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, munido de um documento consubstanciado em livrança, onde se encontra inscrita, além do mais, a menção: No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança a C […] 65.585,77€; como data de emissão 31/05/2010 e como data de vencimento 20/06/2010.
- No rosto documento referido em 6 consta como aceitante a sociedade executada e no verso encontra-se inscrita a menção: Nos termos e condições do contrato de mútuo/locação financeira e da convenção de preenchimento, e que são do meu(nosso) conhecimento ‘Bom por aval ao subscritor’, seguida de uma assinatura, aí aposta pelo opoente/executado;
- A livrança referida em 6 foi entregue como garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade executada num contrato de financiamento para aquisição de bens a consumo duradouro, celebrado com a exequente;
- Mediante ap. xx/200811xx, mostra-se registada a cessação de funções de gerência do executado por renúncia na sociedade executada.
- Por ap. xx/200811xx, mostra-se registada a alteração ao contrato de sociedade executada passando a forma de obrigar – com a assinatura de um gerente.
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I
A conclusão I do recurso é uma síntese das conclusões posteriores. Não tem autonomia.
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Da prova da assinatura da livrança
A conclusão II contém uma única afirmação concreta: a de que o resultado da prova pericial realizada à assinatura da livrança pelo executado foi inconclusivo.
O que é verdade.
Mas um resultado pericial inclusivo não é suficiente para afastar a prova de um facto.
Como aliás se explica na fundamentação da convicção do tribunal (que o executado, como se verá à frente, afirma desconhecer, sem ter razão para o efeito):
“[…] Para considerar que a assinatura ali [na livrança] exarada no verso do documento foi nela aposta pelo executado, foi pelo tribunal valorado o documento junto pelo próprio executado e correspondente ao contrato de crédito celebrado com a exequente, junto a fls. 15-16, de onde expressamente resulta a vinculação do executado como garante do pagamento do crédito ali em causa, e a alusão a livrança avalizada como garantia do mesmo. Tal contrato mostra-se assinado pelo executado como representante da sociedade executada, ao constar a sua assinatura juntamente com o carimbo dessa sociedade, bem como pelo próprio a título individual, de forma similar às assinaturas que se mostram apostas na livrança dada à execução, sendo ademais patentes as semelhanças das assinaturas.
Assim, tendo resultado inconclusivo o relatório pericial quanto a tal questão, sopesados aqueles elementos não teve o tribunal dúvidas em considerar que efectivamente a assinatura constante do título executivo foi efectivamente ali aposta pelo punho do executado, enquanto avalista do título em questão, qualidade essa que o mesmo assumiu desde logo no contrato de crédito junto pelo mesmo a estes autos.”
A utilização da assinatura do contrato, que refere a livrança, também foi feita, por exemplo, no ac. do TRP de 21/04/2016, 2222/10.7TBGDM-C.P1 (publicado em https://outrosacordaostrp.com): II. Para prova desse facto, não havendo contraprova, seria também suficiente o facto de o embargante ter assinado o contrato onde se fazia referência à letra e que ela estava avalizada por ele.
Note-se que o executado não põe em causa, neste recurso, os factos dados como provados sob 3, ou seja, a sua assinatura de tal contrato.
No resto da conclusão II, o que se fazem são afirmações genéricas, isto é, não concretizadas. Ou seja, diz-se, na formulação utilizada no corpo das alegações, que é a que conta, que “da prova realizada resulta que a alegada aposição da assinatura do executado na livrança não foi presenciada por qualquer testemunha” [os sublinhados foram colocados por este acórdão].
Isto é, contra o disposto no art. 640/1-b do CPC, o executado não especifica “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.”
Isto é, não se sabe a que prova é que o executado se está a referir, o que implicaria logo a rejeição do recurso nesta parte (parte final do n.º 1 do art. 640 do CPC); o que não é sequer necessário fazer porque, de qualquer modo, a afirmação genérica do executado é irrelevante, já que, do facto de uma assinatura não ter sido presenciada, não decorre que não se possa apurar de quem ela é.
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Da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação
As conclusões III e IV só têm sentido tendo-se em consideração o que o executado diz nos pontos 14 a 19 do corpo das alegações e que é o seguinte: da sentença não consta a fundamentação da decisão da matéria de facto.
O executado esquece-se que a tramitação do julgamento da oposição à execução continua a fazer-se nos termos anteriores à reforma de 2013 do CPC (por força do art. 6/4 da Lei 41/2013) nos processos que então estivessem pendentes, pelo que a decisão da matéria de facto e sua fundamentação constam de um despacho autónomo – o que aliás foi assinalado na sentença -, cuja leitura foi feita nos termos legais, tendo sido para ela legalmente notificada a mandatária do executado no fim da audiência do julgamento.
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Da nulidade da sentença (por não conhecimento de uma excepção)
Nas conclusões V e VI e e parte final de IX, o executado aponta à sentença o vício de falta de conhecimento de uma questão que lhe tinha sido colocada (arts. 608 e 615/1-d do CPC).
A matéria tem a ver com a da falta de cumprimento, pelo vendedor, da obrigação da entrega do veículo. Ou seja, tem a ver com o cumprimento de um contrato conexo com o contrato de ‘mútuo/locação financeira’ subjacente à emissão da livrança.
E tem-se entendido que o mutuário pode invocar a excepção de não cumprimento do contrato, pelo fornecedor, contra o financiador.
Neste sentido, o executado cita os acs. do TRE de 03/02/2010, proc. 45/09.5TBETZ.E1, e do TRC de 17/03/2015, proc. 277/13.1TBPMS.A.C1. No mesmo sentido, por exemplo, com as necessárias referências doutrinárias e jurisprudenciais, vai também o ac. do TRC de 12/07/2011, 934/07.1TBFND-A.C1: 3. – O comprador pode opôr ao financiador o não cumprimento pelo vendedor da obrigação de entrega de documentos, sempre que esta obrigação esteja ligada por um nexo sinalagmático com a obrigação de reembolso do financiamento.” (isto é assim, como se defende neste último acórdão, mesmo sem necessidade de invocação, feita na conclusão VIII do recurso, da aplicação ao caso do DL 359/91 de 21/09, que define as regras do crédito ao consumo, embora alguns não considerem suficientes as regras gerais do art. 428 do CC e recorram a tal regime).
Ora, a decisão recorrida disse o seguinte depois de citar o ac. do TRP de 04/05/2010, proc. 968/06.3TBPNF [O título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação, pelo que, constando a obrigação exequenda do título que assinala à execução a sua finalidade e os seus limites, a sua efectiva existência (da obrigação) decorre, presuntivamente, daquele documento […] Gozando o portador do título de uma presunção legal, está ele dispensado de provar o facto presumido, devendo a contra-parte ser admitida a provar o contrário (ou seja, a não verificação daquele facto presumido) – art. 350, nºs 1 e 2 do CC]:
“Ou seja, impõe-se ao executado, face à presunção de que goza o portador do título, a alegação e prova de que o título é insubsistente, ou seja, de que o portador do mesmo não tem direito que o sustente.
[…] impunha-se ao executado a alegação e a prova de factos destinados a abalar (extintivos, modificativos ou impeditivos) o direito presumido de que beneficia o exequente, o que o mesmo, conforme referido, não logrou fazer de todo.
[…] não se provou qualquer facto quanto à conduta do proprietário do Stand, no que ao caso dos autos diz respeito, que eximisse o executado da vinculação à obrigação daquele pagamento.
Tendo-se ainda presente que na decisão da matéria de facto se deixou como não provada a matéria que se reportava à não entrega do veículo – factos sob a) a d) da decisão da matéria de facto – compreende-se que a sentença recorrida entendeu que era ao executado que cabia a prova da não entrega do veículo e que, não ficando provada essa não entrega, a oposição não tinha razão de ser e por isso improcedia.
Pelo que se conclui que não se verifica a nulidade invocada pelo executado no seu recurso, pois que a questão levantada foi decidida. Com acerto ou não é outra questão, que passa a ser agora apreciada.
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Da excepção de não cumprimento do contrato (entrega do veículo)
Na conclusão VII o executado entende que não foi produzida prova da entrega ou utilização do veículo pelo executado.
O que é certo.
A sentença recorrida entendeu que essa prova incumbia ao executado.
Não é assim.
O executado, ao deduzir a excepção de não cumprimento do contrato, tem o ónus de alegar o não cumprimento da obrigação por parte do seu devedor. Depois, é a este devedor (o exequente) que cabe o ónus de alegar e provar o cumprimento dessa obrigação.
Valem aqui, na oposição à execução como em qualquer outra acção declarativa, seja quem for que tome a posição de autor ou de réu, quanto à questão da distribuição do ónus da prova, as normas de direito substantivo (Lebre de Freitas, A acção executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, nota 31 das págs. 206 e 207).
E quanto a estas sempre se entendeu que é ao devedor da obrigação que cabe o ónus da prova do cumprimento da mesma.
É ao devedor que cabe, como matéria de excepção peremptória, o ónus de alegação e prova do cumprimento – já que o cumprimento é uma causa de extinção de uma obrigação, logo facto extintivo do direito do credor [vejam-se as epígrafes do capítulo VII, cumprimento e não cumprimento das obrigações, secção I, cumprimento, e capítulo VIII, causas de extinção das obrigações além do cumprimento, do Livro II, do Título I, do CC, arts. 571/2, parte final, e 576/2 do CPC; e, por exemplo, Lebre de Freitas, A acção declarativa comum à luz do código revisto, Coimbra editora, 2000, pág. 100, dando como exemplo de excepção peremptória o pagamento da obrigação).
Dito de outro modo: Quando o credor exige o cumprimento de uma obrigação, tem o ónus de alegação do não cumprimento (nem que seja implicitamente, apenas para evitar a inconcludência do pedido), mas daí não decorre que tenha também o ónus da prova do não cumprimento. É antes ao devedor que cabe o ónus de alegar e provar o cumprimento da obrigação (veja-se, neste sentido, Joaquim de Sousa Ribeiro, no seu estudo sobre as Prescrições Presuntivas, na RDE 5, 1979, págs. 402/403, nota 31: “Muito embora o incumprimento, em acções deste tipo, não tenha que ser provado pelo autor – nesse sentido, com largo desenvolvimento, Alberto dos Reis, CPC anotado, III, 3ª ed., Coimbra, 1948, pág. 285 s. – deverá ser por ele alegado, para evitar a inconcludência do pedido – Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, Coimbra, 1969, pág. 123, nº.1”).
Isto não se altera se se invocar a excepção de não cumprimento. Aquele que invocar a excepção não tem de provar o alegado incumprimento. É a outra parte que tem de alegar e provar que já cumpriu.
Veja-se, por exemplo, o ac. do STJ de 09/07/2002, 02B2257, que cita “o ac. do STJ de 24/06/1999, CJ(S), VII-II-163: ‘O cumprimento contratual – como excepção peremptória – tem de ser provado pelo contraente devedor. Daí que o contraente, a quem a excepção de não cumprimento é oposta, tenha que provar que cumpriu a sua prestação para obviar aos efeitos substantivos da sua excepção’. E acrescenta a jurisprudência e doutrina em apoio a este tese. Também o acórdão deste Tribunal de 17/12/1996, rev. 436/95 se defende que cabe à ré provar que cumpriu o contrato.”
E não se altera também se, num contrato trilateral, como no caso, o direito do exequente ao cumprimento pelo executado/mutuário depender do cumprimento da obrigação do fornecedor.
Portanto, a fundamentação da decisão recorrida não está certa.
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Da impossibilidade do avalista invocar meios de defesa oriundos da relação subjacente se não for parte nela
Não está certa a fundamentação, mas já está certa a decisão da improcedência da questão.
Desde logo porque o executado, ao contrário do que defende na parte restante da conclusão IX, nem sequer tem legitimidade, material, para levantar a questão: o executado é um simples avalista. Ele não é o mutuário. A mutuária é a sociedade executada. O contrato de mútuo/locação financeira foi celebrado entre a C (com a posição agora ocupada pelo exequente) e a sociedade executada. O fornecedor do bem é uma terceira sociedade. Ou seja, o executado não é parte neste “contrato trilateral”.
Não sendo o executado parte na relação fundamental, não lhe é permitido invocar as excepções que respeitam à relação fundamental (arts. 406/2 do CC e arts. 17 e 32/II da LULL, este último aplicável por maioria de razão).
Neste sentido, por exemplo, com as necessárias referências doutrinárias e jurisprudenciais, o ac. do TRP de 03/03/2016, proc. 175/14.1T8LOU-A.P1 (publicado em https://outrosacordaostrp.com):
[…] parafraseando Carolina Cunha, […] “o avalista, quando é demandado pelo portador do título que foi contraparte imediata do avalizado no plano extra-cambiário (isto é, seu credor fundamental), [não] se pode escudar em meios de defesa próprios do avalizado, sejam eles oriundos da relação subjacente que o liga ao credor (v.g., invalidades, incumprimento), sejam relativos à […] própria subscrição cambiária do avalizado (v.g., incapacidade, vício da vontade, falsidade da assinatura)” (pág. 112)
XI. Se os avalistas não são parte na relação fundamental (entre o credor/sacador e o devedor/avalizado) não podem opor ao sacador/portador que os executa, as excepções que respeitam à relação fundamental (que é para eles uma relação a que são estranhos) – art. 406/2 do CC e parte final do art. 32/II da LULL (por maioria de razão).”
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Da não alegação do preenchimento abusivo
Note-se que a situação seria diferente se o executado tivesse alegado o preenchimento abusivo da livrança.
Como parte no pacto de preenchimento da livrança em branco, o executado podia opor à portadora da livrança a excepção de não cumprimento daquele contrato, na medida em que tal pudesse implicar que a livrança tinha sido preenchida contra o acordado (art. 10 da LULL).
Neste sentido, por exemplo, com as necessárias referências doutrinárias e jurisprudenciais, o já referido ac. do TRP de 03/03/2016, proc. 175/14.1T8LOU-A.P1:
I – Os avalistas que assinaram uma letra em branco (emitida incompleta) podem opor ao sacador-portador da letra que os accione o facto de ela ter sido completada contrariamente aos acordos realizados (≈ o preenchimento abusivo) – art. 10 da LULL -, mesmo que não sejam partes no pacto de preenchimento entre o avalizado e o portador nem estejam em relações imediatas com o portador.
II – Terão, no entanto, de alegar que a letra foi completada pelo sacador-portador em desconformidade com os acordos realizados (e por isso, nessa medida, poderão invocar e discutir a relação fundamental) e se o conseguirem provar daí decorrerá quase sempre que o sacador-portador estará de má fé ou, quando assim não seja, que terá incorrido em falta grave, verificando-se então, os dois pressupostos de que o art. 10 da LULL faz depender a invocação da excepção de preenchimento desconforme pelo subscritor em branco.
III – Se os avalistas embargantes nem sequer invocaram acordos para o preenchimento da letra em branco, não se pode dizer invocada a matéria da excepção do preenchimento contrário aos acordos […]”
Só que não é esse o caso dos autos. O executado alegou desconhecer a livrança (o que não se provou, como se viu). Não disse que ela tinha sido preenchida abusivamente.
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Em suma: no caso dos autos, o executado não podia opor ao exequente o não cumprimento da obrigação da entrega do veículo, pelo que a oposição não se podia basear nessa excepção.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, embora por fundamento diferente da sentença recorrida.
Custas pelo executado (sem prejuízo do que vier a ser decidido quanto ao pedido de apoio judiciário).
Lisboa, 10/11/2016
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto