Tribunal da Propriedade Intelectual – 1º Juízo
Sumário:
Não tinha que ser recusado o registo da marca ADEGA DOURADA apesar de conter o radical da denominação de origem DOURO, por tal não ser suficiente para concluir que seja susceptível de induzir o consumidor médio em erro ou confusão sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do vinho daquela adega ou compreenda o risco de associação com aquela denominação, nem se traduzir na infracção dos direitos sobre esta, ou que o titular da marca pretenda fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
O Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P., recorreu do despacho da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que deferiu o pedido de registo da marca nominativa nacional n.º 546185, ADEGA DOURADA, destinada a assinalar produtos da classe 33 (vinhos), à V, Lda, com sede em X, Paredes, para que o despacho fosse anulado, com o consequentemente cancelamento do registo da marca.
Alegava para tanto que ele, IVDP, é titular do registo da denominação de origem DOURO efectuado junto do INPI, da OMPI e da Comissão Europeia e legalmente reconhecida como de prestígio; que a marca da V se assemelha significativamente àquela denominação de origem, pela sua grande proximidade fonética e gráfica, pelo que a concessão do registo lesaria os interesses dos viticultores durienses e aquela denominação, por gerar um elevado risco de confusão ou de associação com ela e de dispersão de identidade da denominação, representando uma tentativa de aproveitamento do prestígio da mesma (invoca o disposto nos arts. 239/1-c e 312 do Código da Propriedade Industrial, 5, n.ºs 1 a 4, do DL 212/2004, de 23/08, e 2 do DL 173/2009, de 03/08).
A V, Lda, respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi julgado improcedente.
O IVDP veio interpor recurso desta decisão – para que seja revogada e substituída por outra que anule o despacho que concedeu o registo da marca nº 546185, com as legais consequências -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) A marca ADEGA DOURADA apresenta relevantes semelhanças com a palavra DOURO, que constitui uma denominação de origem registada no INPI, na OMPI e na Comissão Europeia (E-Bacchus) e legalmente reconhecida como denominação de origem de prestígio.
B) Os dois sinais apresentam uma similitude gráfica e fonética susceptível de gerar um elevado risco de associação, que é acentuado pelo facto de a denominação de origem DOURO ser uma das mais prestigiadas e conhecidas denominações de origem do país.
C) Isto é especialmente grave por estar em causa uma marca de vinhos, pertencente a uma empresa de Paredes.
D) Além disso, o (fraco) argumento da diversidade semântica (ou conceptual) cede perante o facto de o próprio nome DOURO ter origem no nome do rio Douro, e de este nome resultar da cor dourada das suas águas durante o inverno, quando vai cheio, arrastando as lamas das margens — o que é reforçado pela palavra Adega.
E) A proliferação de tentativas de registar marcas d’ouro, d’oiro, de ouro e dourado, nos últimos anos, não é fruto do acaso, nem da valorização dos metais preciosos… mas sim da afirmação mundial da designação DOURO, como denominação de origem de vinhos de prestígio, qualificados como produtos de classe mundial, como recentemente sucedeu com a inclusão de três vinhos da região do Douro entre os 10 melhores do mundo, na classificação da Wine Spectator de 2014.
F) Assim, “à boleia” desta reputação, surgem inúmeras tentativas de aproveitamento, que a ingenuidade da decisão recorrida não soube travar, e que deverá ser impedida, sob pena de se gerar uma “dispersão de identidade” da denominação de origem Douro, “matando a galinha dos ovos de ouro”…
G) Além do mais, sempre haveria de reconhecer que, numa marca de vinhos, a palavra DOURADO constitui pelo menos uma evocação ou alusão à denominação de origem DOURO, o que é proibido pelo disposto na alínea b) do nº 2 do art. 103 (ex vi 102) do Regulamento (UE) nº 1308/2013, que protege as denominações de origem vitivinícolas contra qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação.
H) Impunha-se, por isso, a recusa do pedido de registo, independentemente de não haver uma total identidade gráfica entre os sinais em confronto.
O despacho recorrido violou pois o disposto nos arts 238/1-b-c e 4-d, 239/1-a-d-e), 312 e 317, todos do CPI de 2003, nos arts. 118-L e 118-M do Regulamento CE nº 491/2009, do Conselho de 25/05/2009 (hoje, arts. 102 e 103 do Regulamento n.º 1308/2013) e no art. 2/1 do DL 173/2009, de 03/08 [a referência ao art. 239/1-d é evidente lapso, pois o que se quis escrever foi 239/1-c]
A V não contra-alegou.
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Questão a decidir: se o despacho que deferiu o registo da marca da V devia ter sido anulado.
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O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos com interesse para a decisão da questão:
1. A palavra DOURO constitui uma denominação de origem reconhecida desde 1907, estando o seu uso reservado aos vinhos e produtos vínicos produzidos na Região Demarcada do Douro (RDD).
2. A denominação de origem DOURO está registada no INPI sob o n.º 125, em nome do IVDP, desde 14/03/2003, e destina-se a assinalar vinhos tintos, vinhos brancos, vinhos rosados, vinhos licorosos, espumantes e aguardentes (DOC) Douro, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
2-A. Está ainda registada na Comissão Europeia sob o n.º PDO-PT-A1539, desde 24/12/1991, e na WIPO (= Organização Mundial da Propriedade Intelectual) com o n.º 870 desde 08/01/2007 [ponto de facto acrescentado ao abrigo dos arts. 607/4 e 663/2, ambos do CPC, tendo em conta os documentos 2 e 3 de fls. 14 e 15]
4. Em 16/04/2015, a V apresentou o pedido de registo da marca nacional n.º 546185 ADEGA DOURADA, destinada a assinalar vinhos, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
5. Por despacho de 09/11/2015, a Srª Directora da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, deferiu o pedido de registo da referida marca nacional n.º 546185.
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As normas que foram invocadas nestes autos são as seguintes:
Do CPI (aprovado pelo DL n.º 36/2003, de 05/03, com sucessivas alterações, a mais recente a da Lei n.º 46/2011, de 24/06:
Artigo 305.º Definição e propriedade
1 – Entende-se por denominação de origem o nome de uma região, de um local determinado ou, em casos excepcionais, de um país que serve para designar ou identificar um produto:
a) Originário dessa região, desse local determinado ou desse país;
b) Cuja qualidade ou características se devem, essencial ou exclusivamente, ao meio geográfico, incluindo os factores naturais e humanos, e cuja produção, transformação e elaboração ocorrem na área geográfica delimitada.
2 – São igualmente consideradas denominações de origem certas denominações tradicionais, geográficas ou não, que designem um produto originário de uma região, ou local determinado, e que satisfaçam as condições previstas na alínea b) do número anterior.
[…]
4 – As denominações de origem e as indicações geográficas, quando registadas, constituem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos na localidade, região ou território, de modo efectivo e sério e podem ser usadas indistintamente por aqueles que, na respectiva área, exploram qualquer ramo de produção característica, quando autorizados pelo titular do registo.
[…]
Artigo 238.º Fundamentos de recusa do registo
1 – Para além do que se dispõe no artigo 24.º, o registo de uma marca é recusado quando esta:
[…]
4 – É ainda recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos seus elementos:
[…]
d) Sinais que sejam susceptíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina.
Artigo 239.º Outros fundamentos de recusa
1 – Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
a) A reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
[…]
c) A infracção de outros direitos de propriedade industrial;
[…]
e) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.
Artigo 312.º Direitos conferidos pelo registo
1 – O registo das denominações de origem ou das indicações geográficas confere o direito de impedir:
a) A utilização, por terceiros, na designação ou na apresentação de um produto, de qualquer meio que indique, ou sugira, que o produto em questão é originário de uma região geográfica diferente do verdadeiro lugar de origem;
b) A utilização que constitua um acto de concorrência desleal, no sentido do artigo 10-bis da Convenção de Paris tal como resulta da Revisão de Estocolmo, de 14 de Julho de 1967 [artigo 10.º-bis: […] 2) Constitui acto de concorrência desleal qualquer acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial. 3) Deverão proibir-se especialmente: 1.º Todos os actos susceptíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a actividade industrial ou comercial de um concorrente; 2.º As falsas afirmações no exercício do comércio, susceptíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a actividade industrial ou comercial de um concorrente; 3.º As indicações ou afirmações cuja utilização no exercício do comércio seja susceptível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabrico, características, possibilidades de utilização ou quantidade das mercadorias]
c) O uso por quem, para tal, não esteja autorizado pelo titular do registo.
2 – As palavras constitutivas de uma denominação de origem ou de uma indicação geográfica legalmente definida, protegida e fiscalizada não podem figurar, de forma alguma, em designações, etiquetas, rótulos, publicidade ou quaisquer documentos relativos a produtos não provenientes das respectivas regiões delimitadas.
3 – Esta proibição subsiste ainda quando a verdadeira origem dos produtos seja mencionada, ou as palavras pertencentes àquelas denominações ou indicações venham acompanhadas de correctivos, tais como «género», «tipo», «qualidade» ou outros similares, e é extensiva ao emprego de qualquer expressão, apresentação ou combinação gráfica susceptíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão.
4 – É igualmente proibido o uso de denominação de origem ou de indicação geográfica com prestígio em Portugal, ou na Comunidade Europeia, para produtos sem identidade ou afinidade sempre que o uso das mesmas procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica anteriormente registada, ou possa prejudicá-las.
[…]
Artigo 317.º Concorrência desleal
1 – Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente:
a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;
f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.
2 – São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 338.º-I.
Não se transcrevem os arts. 118-L e 118-M do regulamento CE 491/2009, do Conselho de 25/05/2009, visto que este regulamento o que fez foi alterar o Regulamento (CE) n.º 1234/2007 do Conselho que foi, por sua vez, revogado pelo Regulamento 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/12/2013, pelo que são os arts. 102 e 103 deste que interessam e se passam a transcrever:
Art.102
1. O registo de uma marca que contenha ou consista numa denominação de origem protegida ou numa indicação geográfica protegida que não respeite o caderno de especificações do produto em causa, ou cuja utilização seja abrangida pelo artigo 103, n.º 2, e diga respeito a um produto de uma das categorias enumeradas no Anexo VII, Parte II:
a) É recusado se o pedido de registo da marca for apresentado após a data de apresentação à Comissão do pedido de protecção da denominação de origem ou da indicação geográfica e se a denominação de origem ou a indicação geográfica for subsequentemente protegida; ou
b) Invalidada [a tradução está obviamente errada, devia ser: ‘invalidado’].
[…]
Artigo 103 Protecção
[…]
2. As denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas, bem como os vinhos que utilizem esses nomes protegidos em conformidade com o caderno de especificações, são protegidos contra:
[…]
b) Qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, mesmo que a verdadeira origem do produto ou serviço seja indicada ou que o nome protegido seja traduzido, transcrito ou transliterado ou acompanhado de termos tais como “género”, “tipo”, “método”, “estilo”, “imitação”, “sabor”, “modo” ou similares;
Art. 2 do DL 173/2009, de 03/08 (Aprova o estatuto das denominações de origem e indicação geográfica da Região Demarcada do Douro)
- As DO e a IG da RDD só podem ser utilizadas em produtos do sector vitivinícola que, cumulativamente, respeitem a regulamentação vitivinícola aplicável, cumpram as regras de produção e comércio aplicáveis e tenham sido certificados pelo IVDP, I. P
[…]
- É proibida a utilização, por qualquer meio, de nomes, marcas, termos, expressões ou símbolos, ou qualquer indicação ou sugestão falsa ou falaciosa, que sejam susceptíveis de confundir o consumidor quanto à proveniência, natureza ou qualidades essenciais dos produtos, bem como de qualquer sinal que constitua reprodução, imitação ou evocação das DO ou IG da RDD.
- A proibição estabelecida nos n.ºs 3 e 4 aplica-se igualmente a produtos não vitivinícolas quando a utilização procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio das DO «Porto» e «Douro», ou possa prejudicá-las, nomeadamente, pela respectiva diluição ou pelo enfraquecimento da sua força distintiva.
Art. 5 do DL 212/2004, de 23/08 (Estabelece a organização institucional do sector vitivinícola)
1 – A DO ou a IG só pode ser utilizada em produtos do sector vitivinícola que, cumulativamente, respeitem a regulamentação vitivinícola aplicável, cumpram as regras de produção e comércio específicas dessa designação e tenham sido certificados pela respectiva entidade certificadora.
2 – É proibida a utilização, directa ou indirecta, das DO ou IG em produtos vitivinícolas que não cumpram os requisitos constantes no número anterior, nomeadamente em rótulos, etiquetas, documentos ou publicidade, mesmo quando a verdadeira origem do produto seja indicada ou que as palavras constitutivas daquelas designações sejam traduzidas ou acompanhadas por termos como «género», «tipo», «qualidade», «método», «imitação», «estilo» ou outros análogos.
3 – É igualmente proibida a utilização, por qualquer meio, de nomes, marcas, termos, expressões ou símbolos, ou qualquer indicação ou sugestão falsa ou falaciosa, que sejam susceptíveis de confundir o consumidor quanto à proveniência, natureza ou qualidades essenciais dos produtos.
4 – A proibição estabelecida nos n.ºs 2 e 3 aplica-se igualmente a produtos não vitivinícolas quando a utilização procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio de que goze uma DO ou IG vitivinícola ou possa prejudicá-las.
[…]
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Tendo em conta estas normas e aquilo que o IVDP alega, as questões a que, na prática, importa responder são:
A marca ADEGA DOURADA apresenta relevantes semelhanças com a palavra DOURO, que constitui uma denominação de origem registada?
Os dois sinais apresentam uma similitude gráfica e fonética susceptível de gerar um elevado risco de associação, tendo ainda em consideração que está em causa uma marca de vinhos, pertencente a uma empresa de Paredes, o que é reforçado pela palavra Adega?
Tem de ser reconhecido, pelo menos, que, numa marca de vinhos, a palavra DOURADO constitui uma evocação ou alusão à denominação de origem DOURO?
Tudo isto representaria uma forma de infracção aos direitos de propriedade industrial dos representados pelo IVDP?
A marca ADEGA DOURADA é uma tentativa de apanhar boleia da reputação da denominação de origem DOURO, ou seja, é uma tentativa de aproveitamento desta, ou, independentemente de o ser, pode conduzir a isso? Isto é, proporciona situações de concorrência desleal?
A concessão da marca ADEGA DOURADA é susceptível de gerar uma “dispersão de identidade” da denominação de origem DOURO, “matando a galinha dos ovos de ouro”?
O consumidor pode ser induzido em erro sobre a qualidade, características e proveniência geográfica do vinho da V devido ao uso daquela marca?
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Dito de outro modo:
A marca ADEGA DOURADA contém sinais que sejam susceptíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do vinho da V? – art. 238/4-d do CPI.
A marca ADEGA DOURADA reproduz ou imita, no todo ou em parte, marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada? – art. 239/1-a do CPI (note-se, no entanto, que esta alínea não tem aplicação porque uma denominação de origem não é uma marca…).
A marca ADEGA DOURADA infringe os direitos de propriedade industrial dos representados pelo IVDP? – art. 239/1-c do CPI.
A V pretende, com a marca ADEGA DOURADA, fazer concorrência desleal aos representados pelo IVDP ou esta concorrência é possível independentemente da sua intenção? – art. 239/1-e do CPI.
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A posição do IVDP é, em síntese (das suas alegações, feita por este TRL), a seguinte:
Uma marca para vinhos, composta pelo substantivo “adega” e pelo adjectivo “dourada”, é facilmente conectada, pelo consumidor médio, ao DOURO, até porque é muito frequente os (legítimos) produtores do vinho do Douro adoptarem marcas incluindo a palavra “DOURO” ou trocadilhos com essa expressão, como “D’OURO”, “DE OURO”, “D’OIRO” e “DUORUM”. Ela evoca o Douro e visa com isso tirar partido do enorme prestígio e valor comercial da denominação “DOURO”, num fenómeno cunhado pela doutrina francesa como desvio de reputação, que tem sido firmemente reprimido pelos tribunais franceses, que mostram vontade de proteger os relevantes interesses dos agentes económicos (viticultores e comerciantes) titulares dessas denominações. Há pelo menos, risco de confusão com a denominação “DOURO”. As diferenças de significados não existem aqui, especialmente quando estão em causa vinhos e bebidas alcoólicas, o que torna mais grave a subsistência deste registo. E não é seguro invocar aqui uma diversidade semântica ou conceptual, pois é sabido que o nome “DOURO” provém do rio Douro, cujo nome deriva da cor dourada das suas águas, durante o Inverno. De qualquer modo, a alusão ao Douro, inequívoca, é proibida pelo disposto no art. 103/2-b do Regulamento (UE) nº 1308/2013, o que bastava para dever ser recusado o registo.
A posição do INPI foi a seguinte:
A expressão reclamada Dourada não apresenta, qualquer conotação com a designação geográfica Douro pois, atenta a redacção da componente registanda, o consumidor é imediatamente remetido para um contexto diferente atribuindo-lhe o significado de “brilhante; com cor de ouro”. Logo, a impressão global que ressalta do conjunto verbal reclamado é totalmente diversa da transmitida pelo direito protegido.
A distância gráfica, fonética e sobretudo conceptual entre a marca requerida e a denominação de origem Douro impedirá, quer o risco de confusão ou de associação entre ambas, quer ainda a possibilidade do consumidor ser induzido em erro sobre a natureza, qualidade e origem dos produtos assinalados por lhes atribuir, indevidamente, características exclusivas de superioridade que são comuns aos produtos identificados pelo direito prioritário.
Por conseguinte, no caso concreto não se vislumbra qualquer hipótese da entidade requerente poder, de alguma forma, praticar actos de concorrência desleal e beneficiar indevidamente do prestígio ou banalizar o direito prioritário.
A V diz (para além de apoiar e apoiar-se na posição do INPI) o seguinte:
[…] do confronto entre o sinal requerido ADEGA DOURADA e a [sic] marca prioritariamente registada DOURO não ressalta semelhanças gráficas, fonéticas, figurativas ou outro susceptíveis de gerar risco de confusão, necessário para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação.
Bastará atentar-se na reprodução dos sinais em confronto: A marca registada pela V é composta por 12 letras, enquanto que a marca registada pela IVDP corrente é composta por 5 letras; por outro lado as letras da marca registada pela V encontram-se muito mais distanciadas uma das outros do que as da marca registada pelo IVDP; Acresce que a coloração da marca registada pela V é diferente da da marca registada pelo IVDP.
Da mesma forma, não ocorre semelhança fonética entre as duas marcas nominativas, passíveis de induzir facilmente em erro o consumidor medianamente atento.
Em termos fonéticos, são manifestamente inconfundíveis: i) Desde logo, a marca registada pela V é composta por duas palavras, logo produz um som inconfundível quer em termos de sonoridade, quer em termos de pronúncia; ii) Além disso, na marca DOURADA, depois do “DOUR” existe as letras “ADA” que produz um som aberto, um som contínuo, facto que, só por si, torna esta palavra, inconfundível, se mais não fosse, pelo menos em termos de pronúncia, com a palavra DOURO.
Não há, por outro lado, risco de se associar a marca da V à marca do IVDP, uma vez que essa comparação normalmente é feita, pelo consumidor médio, não em simultâneo, mas de uma forma sucessiva, entre um sinal e a memória que possa ter do outro.
A sentença recorrida entendeu que:
[…] importa avaliar se o sinal da marca da V constitui reprodução, imitação ou evocação da denominação de origem DOURO, levando-se em linha de conta a impressão de conjunto que resulta do sinal em questão e se e em que medida pode confundir o consumidor médio do círculo interessado, ou seja, o consumidor ou utilizador médio dos produtos ou serviços em questão (vinhos), atendendo-se ao estrato ou estratos populacionais a que primordialmente são destinados.
Consumidor médio que é tido como normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 29/05/2014, 1222/06.TVLSB.L1-6, e acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 16/07/1998, proferido no processo C-210/96.
Ora, da análise do sinal ADEGA DOURADA, tendo em vista a impressão de conjunto que o mesmo provoca, da qual se destaca o vocábulo ADEGA como elemento dominante e que constitui o seu núcleo distintivo e ao qual se deve atender, conforme refere o TJUE, no Acórdão proferido em 11/11/1997, no processo C-251/95 (SABEL BV contra Puma AG, Rudolf Dassler Sport), “no que respeita à semelhança visual, auditiva ou conceptual dos sinais em causa, a apreciação global deve basear-se na impressão de conjunto produzida pelos mesmos, atendendo, nomeadamente, aos seus elementos distintivos e dominantes”.
Por outro lado, o vocábulo “dourada”, presente na parte final da marca em estudo, não configura qualquer reprodução, imitação ou até evocação da designação DOURO, correspondente à denominação de origem titulada pelo recorrente.
Na verdade, “Dourada” apresenta-se como um vocábulo destinado a indicar uma cor semelhante à cor do Ouro, sendo difícil a associação à denominação de origem Douro.
Por outro lado, perante o sinal verbal “ADEGA DOURADA”, mesmo sendo este destinado a identificar vinhos, não se poderá afirmar que o consumidor médio possa ser induzido em erro e confusão acerca da proveniência dos referidos produtos e levado a pensar que são oriundos da região do Douro e possuam as características e qualidades dos respectivos vinhos e outros produtos vínicos.
Pese embora a força distintiva, projecção nacional e internacional e prestígio da denominação de origem DOURO, certo é que no caso que agora nos ocupa o sinal em apreço não apresenta semelhanças tais com aquela denominação que desencadeiem no consumidor erro ou confusão acerca da proveniência geográfica dos produtos por ela identificados e/ou das suas características e qualidades, assim tirando partido indevido da denominação de origem e afectando a garantia de qualidade e de genuinidade que a mesma visa assegurar.
Mais, o sinal da V não faz sequer apelo à região ‘Douro’.
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Tudo isto visto, diga-se que:
O som da marca ADEGA DOURADA não evoca de imediato o som da denominação de origem DOURO: a marca é composta de duas palavras com sons abertos e a denominação é composta apenas por uma com som fechado. E graficamente a marca e a denominação são bem diferentes, devido à extensão de uma e ao diminuto tamanho da outra. Aceita-se como natural que, para os viticultores durienses, mais próximos do nome e do Rio Douro e das suas águas douradas no Inverno, a associação seja fácil, mas não é isso que ocorrerá em relação ao consumidor médio (o consumidor normal, com um nível de informação mediano e que utiliza uma diligência regular nos contratos que celebra, não relevando o consumidor com nível de informação baixo ou que seja pouco diligente nos seus negócios – citação de Ana Maria Guerra Martins, O direito comunitário do consumo, 2002, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. I, pág. 78, tirada de Jorge Morais Carvalho, Manual de direito do consumo, Almedina, 2016, 3ª edição, pág. 85, que lembra que esta noção de consumidor médio pode ser utilizada com resultados positivos em matéria de direito da concorrência ou propriedade industrial, nas relações entre empresas com o objectivo de analisar se uma determinada prática afecta outro profissional. No domínio do direito do consumo, a noção não se revela adequada para uma protecção eficaz dos consumidores […]”) dos produtos ou serviços que a marca visa assinalar (Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, Coimbra Editora, 2011, pág. 174).
Na marca ADEGA DOURADA aquilo que de imediato se evoca é uma adega que é dourada. O conjunto (“a semelhança entre os sinais em confronto deve ser determinada a partir da visão do conjunto – ou seja, sem proceder à dissecação analítica dos sinais –, porque é assim que, em regra, a marca é percebida pelo público. E, no caso de marcas complexas, a semelhança deve ser determinada à luz do seu elemento preponderante.” – Maria Miguel Carvalho, A semelhança conceptual das marcas: comentário da sentença do TJUE, de 20/11/2014, no caso Golden Balls v Ballon D’ Or, publicado na Revista de direito intelectual, nº. 1, 2016, Almedina, pág 268; no mesmo sentido, Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, pág. 176) das duas palavras não evoca ou alude a nenhuma região do país. Pretende-se adjectivar uma adega e não indicar a origem do vinho ou da adega. A palavra DOURADA, como adjectivo, não evoca de imediato uma origem da coisa, mas sim a qualificação da coisa quanto aos seus materiais. Não há semelhança conceptual (“a semelhança conceptual implica que dois sinais sejam idênticos ou semelhantes no que respeita às ideias ou aos conceitos que evocam ou representam” – Maria Miguel Carvalho, comentário citado, pag. 269).
Daqui decorre que um consumidor médio dos produtos em causa não ligará o vinho daquela adega a uma dada região do país, mas sim a uma adega com determinadas características. Pelo que aquele consumidor não será induzido em erro sobre a qualidade, características e proveniência geográfica do vinho da V devido ao uso daquela marca.
Por outro lado, a marca ADEGA DOURADA não contém em si a palavra DOURO, contém sim um radical desta palavra, DOUR, a que depois é acrescentado o afixo ADA. Não quer isto dizer que seja suficiente, para impedir a imitação, que o nome de origem não esteja todo na marca, mas não deixam de ser coisas bem diferentes (não se trata, por isso, de uma pequena alteração ou aditamento inócuos) num caso constar de um rótulo a palavra DOURO, e noutro constar dele a expressão ADEGA DOURADA, o que, de imediato, não chama a atenção para o DOURO, como região de origem do vinho em causa.
Assim, mesmo tendo em conta que o produto é o mesmo, considera-se que a similitude mínima que existe entre a marca e a denominação de origem não é susceptível de gerar um elevado risco de confusão ou de associação entre os dois produtos (o vinho da V e o vinho dos produtores de vinho do Douro). Não se demonstrando, por isso, que seja uma tentativa de apanhar boleia da reputação da denominação de origem DOURO, ou seja, uma tentativa de aproveitamento desta, ou, independentemente de o ser, que possa conduzir a isso. O que afasta a consideração de situações de concorrência desleal.
E com isto afasta-se também a ideia de que a concessão da marca ADEGA DOURADA, possa gerar uma “dispersão de identidade”, diluindo ou enfraquecendo a força distintiva da denominação de origem DOURO, com isso a prejudicando.
Ou que a utilização do radical DOUR, no conjunto ADEGA DOURADA, constitua uma infracção aos direitos de propriedade dos representados pelo IVDP.
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No corpo das alegações o IVDP diz que “numa breve consulta à base de dados do INPI, constata-se que, nos últimos 12 anos, para bebidas alcoólicas (classe 33ª), foram pedidos 18 registos de marcas com a palavra DOURADO, 21 marcas com DOURADA e 48 de marcas com DE OURO.
Mais à frente diz que, “não por acaso, o próprio INPI tem geralmente recusado registos de marca com a expressão D’OURO, ou equivalentes, justamente por entender que há risco de confusão com a denominação DOURO.”
E a seguir apresenta um quadro com 27 recusas de registo.
Neste quadro de recusas, todas as marcas contém a expressão D’OURO, ou D’OIRO ou DOURO.
Não há uma única recusa de registo de marca que contenha a palavra DOURADA.
Ou seja, o argumento do IVDP é reversível: tanto que a palavra DOURADA, associada a outra, não é semelhante, nem confundível com a palavra Douro, nem aquela, ao menos no contexto em que tem sido usada, evoca/alude a DOURO, o registo tem sido admitido
O que, aliás, já tinha sido dito pelo INPI: “mais a mais, no território nacional encontram-se vigentes muitos outros registos de marcas que incluem a mesma designação, ou semelhante, para distinguir produtos iguais, nomeadamente as marcas nacionais n.ºs 392285 – “VINHA DOURADA”, 544441 – “VILA DOURADA”, 459983 – “CAVE DOURADA”, 385469 – “CASA DOURADA”, 336566 – “CEPA DOURADA”, 140683 – “PARRA DOURADA”, 422432 – “PLANÍCIE DOURADA”, 437458 – UVAS DOURADAS.
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No mesmo sentido, com ampla fundamentação e inúmeras referências, veja-se o ac. do TRL citado pela decisão recorrida, acórdão esse referente à marca ADEGA…PORTOS (em confronto com PORTO), bem como o ac. do TRL de 18/02/2016, 824/11.3TYLSB.L1-2, para a marca VERDES MATAS (em confronto com VINHO VERDE).
Já para uma situação inversa, em que se entendeu que devia ser anulado o registo da marca TELHADOURO por conter a denominação de origem DOURO, veja-se o ac. do TRL de 21/03/2013, 1642/10.1 TBTVD.L1-6 com um voto de vencido; e para uma outra, em que se entendeu que devia ser anulado o registo do nome de estabelecimento PORTOBEER…, por conter a denominação de origem PORTO, veja-se o ac. do TRL de 08/06/2010, 43/08.6TYLSB.L1-1. A argumentação destes últimos acórdãos poderia ser aproveitada para o reforço, por raciocínio a contrario, deste, se se tiver em conta que é a própria denominação de origem que faz parte da marca e do nome do estabelecimento, o que não se verifica no caso dos autos; para além de que a denominação de origem, nestes dois casos, faz parte de um nome que não existe, sendo a marca constituída pela justaposição de dois nomes, que, por isso, serão lidos pelos consumidores como duas palavras e não uma, sendo que uma delas é a denominação de origem, o que também não se verifica no caso dos autos.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Sem custas (o IVDP, que seria o responsável por elas, está isento delas: art. 4/1-f do RCP).
Lisboa, 16/11/2016
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto