Oposição à execução – Lisboa – Instância Central – 1ª Secção de Execução
Sumário:
I. Estando o executado obrigado a emitir uma procuração que permitisse ao exequente partilhar em nome dele os bens de duas heranças em que ele era herdeiro, o princípio da boa fé (art. 762/2 do CC) impunha-lhe que obtivesse o consentimento da mulher para essa partilha.
II Provando-se que ambas as partes só foram confrontadas com a necessidade desse consentimento no momento em que a procuração ia ser outorgada, considera-se que o executado não actuou com culpa ao não ter obtido esse consentimento nesse momento, não havendo, por isso, lugar à aplicação da cláusula penal moratória.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
A veio requerer contra B e mulher a execução de uma cláusula penal de 1000€ [x 2] por cada um dos 67 dias de atraso [mais 256,98€ [x 2] de juros vencidos], imputáveis a estes, ocorridos na emissão de uma procuração irrevogável a que o executado estava obrigado a favor do primeiro, por força de uma sentença arbitral, de um contrato-partilha e de um aditamento ao mesmo.
O executado [a mulher do executado fê-lo à parte, num apenso B que é referido uma única vez, a fl. 305 do processo em papel, numa resposta do executado e que se confirmou existir através da base de dados do IGFEJ, sendo a decisão dessa oposição já de 18/06/2012 e a do recurso de 18/02/2016] deduziu oposição à execução, com matéria de excepção: o atraso no cumprimento da sentença arbitral (outorga da procuração irrevogável) não lhe pode ser imputado, uma vez que no dia 08/03/2010, em cumprimento dela, deslocou-se ao cartório notarial para outorgar a procuração, tendo-se o exequente, ali representado pelo seu mandatário, recusado a entregar as contrapartidas referidas na sentença (montante pro rata das tornas e declarações), escudando-se no facto de não se encontrar presente a mulher do executado, para prestar o respectivo consentimento.
O exequente contestou, impugnando a matéria da excepção e contra-excepcionando: quando o notário pediu ao executado que apresentasse o consentimento da sua mulher, aquele não o fez e disse que não iria fazê-lo; sem tal consentimento, a procuração irrevogável não cumpriria o seu fim, pois não permitiria ao exequente dispor com plenitude ou segurança do bem, podendo a mulher do executado requerer a invalidade do acto de transmissão; e acrescenta que notificou o executado e sua mulher por carta simples e registada com aviso de recepção para outorga da procuração no dia 24/09/2010 e este não compareceu. O executado viria a outorgar a procuração em 08/10/2010.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução, extinguindo-se a execução em conformidade.
O exequente vem recorrer desta sentença – para que seja substituída por outra que dê por improcedente a oposição à execução – terminando as suas alegações com conclusões que versam a nulidade da sentença por contradição quanto às respostas dadas aos quesitos da base instrutória; a impugnação da decisão da matéria de facto quanto às respostas aos quesitos 5, 6 e 11 e a alteração da decisão sobre matéria de direito, considerando-se que a execução deve prosseguir para pagamento da cláusula penal, sendo estas as questões a decidir.
O executado contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
O recurso chegou ao TRL a 18/10/2016.
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Da nulidade da sentença
O exequente entende que a sentença é nula porque existiria contradição quanto às respostas dadas aos quesitos 5 e 6 da base instrutória: o quesito 5 teria sido dado como provado apenas parcialmente e ao mesmos tempo como [totalmente] provado e o quesito 6 teria sido dado quer como provado quer como não provado.
O tribunal recorrido pronunciou-se sobre esta invocada nulidade, esclarecendo que se tinha verificado um lapso manifesto, que logo corrigiu ao abrigo do art. 667/1 do CPC (apenas aqui na redacção anterior à reforma de 2013), sendo evidente esse lapso (o que também é defendido pelo executado), como logo resultará da simples transcrição das respostas e fundamentações mais abaixo quando se discutirem as mesmas.
De facto, como se verá nas partes dessa fundamentação que se vão sublinhar para este efeito, resulta expressamente da redacção utilizada, que a parte final do quesito 5 e o quesito 6 não ficaram provadas, pelo que a redacção inicial da fundamentação, ao dizer que estavam provadas, era, evidentemente, fruto de um lapso.
Para além disso, a questão não era de nulidade da sentença (art. 615 do CPC), mas sim uma questão relativa à decisão da matéria de facto, com previsão e solução no art. 662/2-c do CPC.
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No tribunal recorrido deram-se como provados os seguintes factos:
- O exequente requereu a execução munido de:
– certidão da sentença arbitral, proferida em 31/05/2010, pelo Centro de Arbitragem de Litígios no processo nº. x/2009, em que o exequente era “requerente e demandante” e o executado era “requerido e demandado”, de que consta, entre o mais:
decide o Tribunal Arbitral: (…) Julgar procedente e provado o pedido de condenação de cada um dos demandados [a expressão abrange outro demandado que não é a mulher do executado mas um irmão deste – parenteses deste acórdão do TRL] formulado na alínea D) da conclusão da petição inicial, condenando estes a outorgar uma procuração irrevogável a favor do demandante, no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado desta sentença, através da qual cada outorgante lhe confira poderes para proceder à partilha parcial do imóvel designado como “Casa da M” sito em Sousel, identificado pela indicação do artigo matricial e descrição no registo predial, pelo valor patrimonial já actualizado desse imóvel, adjudicando-se a favor do procurador a totalidade da propriedade, com indicação de que as tornas devidas já foram pagas a cada um dos outorgantes, dando-se quitação na própria procuração ou em recibo emitido na mesma data. Da procuração deverão constar os dois últimos parágrafos da minuta oportunamente enviada pelo demandante (doc. n.º 7 junto com a petição inicial). A outorga das procurações ficará dependente da entrega, em numerário ou cheque visado, do montante pro rata das tornas devidas aos demandados e de uma declaração subscrita pelo demandante em que se responsabiliza pelo pagamento de impostos, taxas ou emolumentos devidos a entidades oficiais por quais negócios que tenham por objecto o referido prédio de Sousel, sendo o pagamento de quaisquer quantias devidas por virtude desses factos assumidos pelo demandado. As presentes condenações em prestação de facto são garantidas pelas cláusulas penais moratórias previstas na cláusula 5.ª, n.º 2 [é lapso, refere-se ao n.º 5], do aditamento n.º 1, não tendo, por isso, sentido a fixação de uma sanção pecuniária compulsória” (certidão de fls. 26 a 102 dos autos de execução, que se dá por integralmente reproduzida
[nota-se que na via deste contrato que se encontra junta como título executivo, não consta a assinatura da mulher do executado; deverá constar de outras vias, e por isso é que não terá sido posta em causa a falta de assinatura da mulher do executado; tanto mais que na sentença arbitral refere-se, como facto provado sob o ponto 23, que o contrato foi assinado pela 6.ª contratante – parenteses da responsabilidade deste ac. do TRL que teve acesso ao título executivo depois de o ter pedido ao tribunal recorrido]);
– documento intitulado “Contrato de partilha de bens móveis e contrato promessa de partilha de bens imóveis sob condição suspensiva” datado de 21/04/2006, assinado, entre os demais, pelo executado, ali identificado como “4.º contratante” (documento de fls. 6 a 17 dos autos de execução, que se dá por integralmente reproduzido
[a cláusula 13 deste contrato tem o seguinte conteúdo: “a 6.ª contratante [mulher do executado] dá o seu total acordo e autorização à assinatura do presente contrato-promessa pelo 4.º contratante, bem como à prática, pelo mesmo, de todos os actos necessários ao seu pleno cumprimento”] – esta transcrição foi feita por este acórdão do TRL)
– documento intitulado “Aditamento n.º 1 a contrato de partilha de bens móveis e contrato promessa de partilha de bens imóveis sob condição suspensiva de 21/4/2006”, datado de 12/10/2006, assinado, entre os demais, pelo executado, ali identificado como “4.º contratante” [também está assinado pela 6.ª contratante, a mulher do executado – parenteses acrescentado por este ac. do TRL] e de que consta, entre o mais:
“Cláusula Quinta (Escritura)
1- A escritura de partilha será outorgada até ao dia 30/11/2006, pelos valores patrimoniais tributários do património dando-se as tornas por compensadas.
2- Caso a escritura não possa ser outorgada até ao dia 30/11/2006 os contratantes nessa data outorgarão, procuração irrevogável a favor dos restantes ou de quem estes indicarem no sentido deste poderem livremente administrar e dispôr do património que lhes coube, desde que tal não implique quaisquer consequências onerosas, para os restantes contratantes.
3- O conjunto dos 1º, 2º e 3º contratantes e o conjunto dos 4º e 5º contratantes podem livremente indicar a qual, ou a quais, deverá ser adjudicado cada um dos bens objecto da partilha.
4- Sem prejuízo do acima exposto, caso seja solicitado, comprometem-se, desde já, todos os contratantes a praticar qualquer acto que lhe seja solicitado pelo contratante interessado, no sentido de permitir a plena administração dos imóveis ora adjudicados, sendo que quaisquer ónus gerados para os restantes contratantes deverão ser-lhes liquidados de imediato.
5- A recusa, por qualquer via, por qualquer contratante ou do seu representante em colaborar naquilo que lhe for solicitado nos termos da presente cláusula, faz com que o recusante fique obrigado perante o outro contratante a entregar-lhe 1000€/dia, acrescido dos prejuízos que lhe venha a causar.
6- Em caso de recusa por parte de qualquer um dos 4º ou 5ºs contratantes o valor referido no nº5 poderá ser demandado, isoladamente ou em conjunto, por qualquer um dos 1º, 2º ou 3º contratante a qualquer um dos 4º ou 5º contratantes, independentemente da recusa ser imputável ao 4º ou 5º contratante isoladamente.
6- Em caso de recusa por parte de qualquer um dos 1º, 2º ou 3ºs contratantes o valor referido no nº5 poderá ser demandado, isoladamente ou em conjunto, por qualquer um dos 4º ou 5º contratantes a qualquer um dos 4º ou 5º contratante, independentemente da recusa ser imputável ao 1º, 2º ou 3º contratante isoladamente.” (documento de fls. 18 a 25 dos autos de execução, que se dá por integralmente reproduzido).
A minuta referida na decisão arbitral, com referência ao doc. n.º 7, estava com o nome do emitente da procuração em branco e continha a seguinte nota 1, que não constava dos ‘dois últimos §§: “no caso dos casamentos no regime da comunhão de adquiridos e comunhão geral de bens o cônjuge (marido ou mulher) a procuração deve ser conjunta.” [sic] (junta a fls. 302 dos autos e não impugnada, quanto ao seu conteúdo e recebimento pelo executado – e por isso sintetizada aqui por este acórdão do TRL ao abrigo dos arts. 607/4 e 663/2 do CPC)
- O prazo para emissão da procuração irrevogável terminava em 23/07/2010.
- Por acordo entre as partes, tal prazo foi prorrogado para o dia 03/08/2010.
- No dia 03/08/2010, em cumprimento da sentença arbitral, o executado, juntamente com o exequente, representado pelo seu mandatário, deslocou-se ao cartório notarial para outorgar a mencionada procuração irrevogável.
- No dia 03/08/2010, o exequente fez-se representar, pelo dr. C, no cartório para o efeito escolhido pelos executados munido dos documentos ordenados pela sentença arbitral, a saber: A) declaração de responsabilidades emitida em 08/07/2010, com assinatura reconhecida no dia 12/07/2010; B) 2 cheques bancários do banco V no valor de 2.806,86€, cada, emitidos a favor dos seus irmãos, B e V para pagamento das tornas.
- O exequente apresentou a guia de liquidação do IMT, no valor de 3133,14€ com o nº. xxxx, pagamento efectuado no dia 22/07/2010.
- No dia 03/08/2010, a mulher do executado não compareceu, nem se fez representar ou enviou instrumento notarial de autorização.
7-A) [este ponto é acrescentado por este acórdão do TRL, face ao que se decidirá mais à frente] A dada altura o notário perguntou pelo consentimento da mulher do executado, tendo o executado respondido que a sentença arbitral a isso não o obrigava, só ele é que era parte na sentença arbitral e por isso a mulher não teria que prestar o consentimento, não tendo aceite o pedido, feito então, pelo mandatário do exequente, para colaborar de imediato na tentativa de obter o consentimento da mulher que estava no Algarve.
- O exequente, representado pelo seu mandatário, recusou-se entregar o montante pro rata das tornas devidas ao executado e, bem assim, a declaração subscrita por aquele em que se responsabiliza pelo pagamento de impostos, taxas ou emolumentos devidos a entidades oficiais por quais negócios que tenham por objecto o referido prédio de S, conforme resulta da alínea c) do segmento decisório da sentença arbitral.
- Em 03/08/2010, o exequente, representado pelo seu mandatário, escudou-se pelo facto de, no momento da outorga da procuração irrevogável, não se encontrar presente a mulher do executado, também executada, para prestar o respectivo consentimento.
- No dia 03/08/2010, nem o exequente, nem o seu mandatário haviam solicitado a presença da mulher do executado no momento da outorga da procuração irrevogável.
- A fls. 207 e 208 dos autos de execução está junto o documento intitulado “Certificado”, elaborado por Notário, em 03/08/2010, de que consta, entre o mais: “D, Notário (…) certifica que: Que tendo comparecido no dia de hoje, pelas 12h, neste cartório, os Srs: B (…) para outorgarem uma procuração (…) a favor de A (…) pela qual seriam dados poderes a favor do referido mandatário (…). Que, a mencionada procuração, não pôde ser outorgada, uma vez que a mesma tinha subjacente a entrega aos signatários por parte do mencionado mandatário, das importâncias a que cada um deles mandantes tinha direito a titulo de tornas, e de uma declaração de responsabilidade pelo pagamento de impostos, taxas ou emolumentos devidos a entidades oficiais pela referida partilha, entrega esta que não foi efectuada aos signatários.”
- O exequente enviou ao executado e mulher, em 17/09/2010, carta registada com aviso de recepção para outorga das procurações irrevogáveis a ter lugar no dia 24/09/2010, no Cartório Notarial do Dr. G, sito em Lisboa, com cópia remetida ao mandatário do executado, mediante carta registada com aviso de recepção.
- 13. Porém, nesse dia 24/09/2010, os executados não compareceram.
- 14. O exequente, devidamente representado, compareceu no local e hora designados, tendo-se feito acompanhar, para além dos documentos referentes ao IMT e Declaração de Responsabilidades, de novos cheques bancários, emitidos pelo Banco V, no mesmo valor que os anteriores, com data de emissão de 24/09/2010.
- A fls. 72 a 75 está junta a “decisão” datada de 30/09/2010, prolatada pelo árbitro único (decisão que se dá por integralmente reproduzida), na sequência do requerimento do exequente constante de fls. 122 a 134 e do requerimento do executado de fls. 136 a 139 (que se dão por integralmente reproduzidos). [dos três documentos referidos resulta que em 22/09/2010 o exequente apresentou ao árbitro requerimento em que denunciava o incumprimento pelo executado da sentença arbitral, na medida em que o executado, ao pretender outorgar procuração a favor do exequente não apresentou a autorização da sua mulher; o executado imputou o incumprimento ao exequente por não ter entregue a declaração de responsabilidade e os montantes devidos a títulos de tornas enquanto não fosse entregue a declaração de consentimento da mulher do executado; o árbitro, esclarecendo que não podia proceder a qualquer esclarecimento por já se ter extinguido a sua competência, como decorre do art. 25 da Lei da arbitragem voluntária, acrescentou, “embora sem qualquer valor jurídico, que não pode ser condenada a outorgante mulher a dar tal autorização ao marido, porque não foi parte na causa arbitral, mas os princípios de boa fé impunham ao executado que obtivesse tal consentimento para cumprir voluntariamente a obrigação a que fora condenado e, em caso de recusa do cônjuge, o suprimento judicial dessa falta de autorização (conf. art. 1684/3 do CC). E ainda disse: torna a apelar às partes que para seja plenamente acatada a sentença arbitral, sem necessidade de execução coerciva e sem exigências de sanções pecuniárias entre as partes, atendendo a que só em Agosto foi possível juntar as partes no notário, tendo então surgido a presente questão…” – esta síntese destes três documentos foi feita por este TRL tendo por base a “decisão” do árbitro].
- 16. O exequente enviou ao executado e sua mulher, e foi por estes recebida, a carta cuja cópia consta a 86, datada de 04/10/2010 (documento que se dá por integralmente reproduzido – em que os convocava para a troca dos documentos, entre eles a procuração, para o dia 07/10/2010 – esta última parte foi sintetizada por este acórdão do TRL).
- Em 08/10/2010 o exequente, para além da declaração de responsabilidades e do comprovativo de pagamento de IMT, fez-se acompanhar de cheques bancários, nos mesmos valores que os anteriores, emitidos pela mesma instituição bancária naquele dia 08/10/2010.
- A procuração apenas seria entregue em 08/10/2010 (fls. 95 a 98, que se dá por integralmente reproduzida).
- A fls. 103 a 105 está junta a declaração de “consentimento conjugal” emitida pela mulher do executado, em 07/10/2010.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
Quesitos 5, 6 e 11
[…]
No quesito 11 perguntava-se:
No dia 03/08/2010, nem o exequente, nem o seu mandatário haviam solicitado a presença da mulher do executado no momento da outorga da procuração irrevogável?
A resposta a este quesito foi: provado.
[…]
Quanto à resposta dada ao quesito 11 o exequente diz:
Como se sabe, a presença do cônjuge do executado no dia da outorga da procuração não era imprescindível.
Para a procuração ser válida e eficaz, o consentimento da cônjuge do executado poderia ser feito de forma autónoma, tal como, posterior e tardiamente, veio a verificar-se.
Por isso, saber se tinha ou não sido solicitada a presença da mesma no dia da outorga da procuração, demonstra-se irrelevante.
Por isso o relevante é saber se, ao longo do processo, tinha ou não sido requerido o consentimento ou intervenção da mulher.
E a resposta a esta questão é dada, desde logo, pelo doc.nº7 que faz parte da sentença arbitral e está junta nos presentes autos.
E desse doc. 7 vem expresso a necessidade da outorga da escritura por parte da cônjuge do executado.
Além do mais e conforme já referido, no próprio contrato de partilha que compõe o título executivo complexo da presente execução, vem também referida a necessidade de intervenção da mulher.
Por fim e como referido pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento, a intervenção da mulher ao longo dos actos no processo de partilha foi uma constante, razão pela qual o executado não podia deixar de saber de necessidade da intervenção da sua mulher de modo a dar validade e eficácia à procuração.
Assim e em abono da verdade, a resposta ao quesito 11 deveria ser: provado que o executado sabia que a sua mulher tinha de outorgar a procuração ou prestar o seu consentimento.
Revogando-se a resposta dada na decisão recorrida.
O executado responde como segue:
Defender a irrelevância deste ponto é contradizer o entendimento segundo o qual, por não promover a presença da sua mulher, perante o notário, na data em que a questão se suscitou, o executado adoptou uma conduta reprovável.
Assim sendo, das duas uma:
Ou se considera irrelevante esse facto e o executado não pode ser de forma alguma censurado por não ter assegurado nem promovido a presença da sua mulher, ou, se se pretende responsabilizar o executado pela ausência da sua mulher no acto de outorga da procuração, nesse caso o ponto 11 da base instrutória é mais do que relevante, em particular quando, como já se frisou, a sua mulher não foi demandada na acção arbitral, não foi condenada pela sentença arbitral e é uma pessoa dotada de personalidade jurídica e judiciária diversa do executado.
Por fim, diga-se apenas que o teor com que o exequente pretendia que tal facto fosse dado como provado é absurdo e inadmissível, uma vez que o teor do quesito não se prendia de forma alguma com uma necessidade abstracta de consentimento do cônjuge (que não se verificava), mas sim e apenas com uma potencial exigência expressa desse consentimento, que não se verificou.
Decidindo:
A argumentação e a pretensão do exequente estão erradas.
Primeiro, porque não se pode defender que a resposta de provado a um quesito está errada com base no argumento de que o quesito é irrelevante.
Depois, porque não se pode pretender que se dê a um quesito uma resposta que nada tem a ver com ele, com o argumento de que a afirmação de facto que passaria a constar dessa resposta é que seria relevante.
Por fim, o exequente nem sequer indica prova pessoal concreta – a alegação de ‘como referido pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento’ é genérica, sem qualquer concretização das testemunhas que o teriam referido, em violação do disposto no art. 640/1-a do CPC – para sustentação da afirmação de facto em causa.
Entretanto, se for possível retirar, como defendido pelo exequente, do doc. 7 a conclusão que o exequente pretende, ela poderá ser utilizada na parte de direito do recurso, o que se verá à frente.
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Assim, a impugnação da decisão da matéria de facto procede parcialmente no que se refere ao quesito 6 e improcede no resto.
Aos factos provados é aditado o ponto 7-A, já inserido no lugar próprio.
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação, em síntese deste TRL:
O exequente apresenta um título executivo complexo, composto pela sentença arbitral e pelo contrato promessa, o qual foi objecto de um aditamento.
A sentença arbitral decidiu condenar o executado na prestação de uma procuração irrevogável (conforme os arts. 265/1 e 1170/2 do CC), condenação essa garantida pela cláusula penal moratória prevista na cl.ª 5/5 do aditamento n.º 1 ao contrato promessa.
Resulta da matéria fáctica que o exequente recusou-se a entregar o montante pro rata das tornas, bem como as declarações a que estava vinculado, escudando-se pelo facto de, no momento da outorga da procuração irrevogável, não se encontrar presente a mulher do executado, para prestar o respectivo consentimento.
Nos termos do art. 1682-A/1-a do CC carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação de imóveis (excepto se vigorar o regime de separação de bens). Nos casos da não prestação voluntária do consentimento, tal consentimento poderá ser obtido, por via judicial, pela qual se suprime o consentimento, conforme estabelece o art. 1684/3 do CC, “quando o outro cônjuge infundadamente se recuse a prestá-lo, ou quando esteja impossibilitado (por afastamento, doença ou outro motivo) de o prestar.” (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. IV, Coimbra, 2.ª edição, págs. 309 e 310).
Portanto, a prestação do consentimento do cônjuge consiste numa declaração por este proferida que, em determinadas circunstâncias, pode ser judicialmente suprida.
Significa isto que o acto de consentimento da cônjuge do executado não se confunde com o acto por este a praticar de emissão da procuração: em causa estão dois actos distintos (outorga da procuração e consentimento para dispor do imóvel), a praticar por duas pessoas distintas (o executado e a cônjuge): “o cônjuge que intervém na prática do acto age em nome próprio. A declaração do consentimento do outro cônjuge serve apenas para legitimar a sua actuação sobre bens integral ou parcialmente alheios.” (PL e AV, ob. cit., p. 309).
Poderia, eventualmente, a sentença arbitral ter determinado que da procuração teria de constar o consentimento da cônjuge do executado para proceder à partilha da herança, caso em que o executado teria de apresentar tal consentimento ou, sendo o caso, comprovar ter instaurado acção para suprimento do consentimento.
Porém, das obrigações previstas na sentença, nada se determina quanto a essa matéria.
Significa isto que o executado não estava obrigado a comprovar a prestação do consentimento da cônjuge no momento da emissão da procuração.
E, consequentemente, a emissão da procuração sem dela constar o consentimento cumpria as obrigações decorrentes da sentença, e seria válida e eficaz.
É certo que a ausência da prestação do consentimento conjugal teria efeitos na ulterior adjudicação do imóvel ao exequente, mas não é isso que está aqui em causa.
Na execução (passe-se a redundância) executa-se o direito declarado no título executivo, sendo que este “(…) constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da ação executiva» (art. 10-5) (…)” (Lebre de Freitas, A ação executiva…, 2013, Coimbra, 6ª. edição, p. 43).
Ora, do título executivo, como vimos, não consta a obrigação de comprovar o consentimento conjugal para as partilhas aquando da emissão da procuração, pelo que, consequentemente, a cláusula penal não sanciona a não comprovação daquele consentimento.
Como já se referiu, foi o exequente quem se recusou a entregar o montante pro rata das tornas e os documentos a que estava adstrito, não tendo qualquer justificação legal para tal recusa, como se acaba de ver.
O que resultou provado foi, pois, a mora do credor/exequente (art. 813 do CC), porquanto não aceitou a prestação (emissão da procuração) por parte do executado, no dia 08/08/2013, sendo que a outorga da procuração estava “dependente” da entrega do montante pro rata das tornas e das declarações, como resulta da sentença.
[Por fim], não logrou o exequente provar a notificação do executado para a outorga da procuração no dia 24/09/2010, apenas provando que lhe enviou uma carta, mas não que esta tenha sido recebida.
Em suma, não se verifica mora por parte do executado na emissão da procuração a que estava obrigado.
Quanto a isto diz o exequente (em síntese deste TRL mas apenas com frases do exequente):
Da sentença arbitral e do contrato de partilha, que faz parte do título executivo base da execução, nomeadamente na cl.ª 5.ª do aditamento celebrado entre as partes, decorre que o executado comprometeu-se e assumiu a obrigação não apenas de outorgar procuração irrevogável a favor do exequente, mas também que essa procuração fosse apta, por si só, a permitir a livre disposição do bem em causa, como e quando o procurador assim o entendesse, sem depender de intervenção de mais ninguém.
A passagem de uma procuração irrevogável condicionada a um posterior consentimento de terceira pessoa não cumpriria o fim em causa, não produziria os plenos efeitos para a qual tinha sido outorgada. Porque, sem o tal consentimento, pura e simplesmente, o procurador não poderia fazer nada com tal procuração.
Pelo que esta procuração só estaria garantida se, com ela, o executado tivesse obtido, em tempo, o consentimento da sua cônjuge.
Até porque a sentença arbitral fazia expressa menção à minuta de procuração irrevogável – doc. n. 7 – que deveria ser emitida e onde consta a obrigação do consentimento.
Para além de que, ao longo dos vários actos praticados na partilha, o executado sempre tinha obtido o consentimento do cônjuge para a validação dos actos praticados, especialmente naqueles a seu favor. Ou seja, a própria experiência do executado, não deixavam dúvidas que, para que a procuração fosse válida e eficaz, teria de ter o consentimento da cônjuge.
Ao apresentar-se no dia 08/08/2010 sem esse consentimento garantido, o executado não estava a cumprir a obrigação contida no título executivo complexo.
E o exequente não incorreu em mora, porque a não entrega dos documentos que tinha em seu poder para troca foi legitima a pois a procuração que o executado se proponha entregar ao exequente não era válida e eficaz.
O executado responde que: (em síntese deste TRL)
Alega o exequente que “ao longo dos vários actos praticados na partilha, o executado sempre obteve o consentimento do cônjuge”. Sucede que a referida frase encontra-se construída habilmente de forma a tentar reforçar a fragilidade da sua posição, porquanto procura omitir ao tribunal que os “actos” a que se refere foram, na verdade, um e apenas um: o contrato-promessa assinado.
Se o exequente entendia que o consentimento prestado no âmbito do contrato-promessa não era suficiente, então deveria ter exigido que fosse prevista, concomitantemente com a obrigação de outorga da procuração, a prestação ou a obtenção desse consentimento, o que o exequente nunca pretendeu.
Além disso, para exigência do cumprimento dessa obrigação foi proposta, pelo exequente, a acção onde foi proferida a sentença arbitral. Se o exequente entendia – como agora convenientemente defende – que a prestação do consentimento deveria estar agregada à obrigação de outorga da procuração, podia e devia ter demandado nessa acção a cônjuge do executado, o que não fez,
Ou, pelo menos, ter requerido nessa acção que, concomitantemente com a condenação na outorga da procuração, o executado fosse condenado a obter igualmente o consentimento da cônjuge, o que igualmente não fez.
Por fim, ainda que sem suporte na sentença arbitral, se entendia que o consentimento era uma necessidade, teria sido prudente que tivesse solicitado ao executado que o obtivesse ou que a sua cônjuge comparecesse perante o notário.
Por fim, fica a questão: se a necessidade de existência de consentimento na data de outorga da procuração era tão líquida para todas as partes – como o exequente alega que deveria ser para o executado – por que razão, podendo tê-lo feito em diversas oportunidades, nunca providenciou para que esse consentimento estivesse obtido na data de outorga da procuração?
Aliás, de tal forma o próprio exequente não entendia que o consentimento era um acto necessário na data de outorga da escritura que o seu mandatário confessou, no seu depoimento, ter ficado surpreendido com a possibilidade de esse consentimento ser prestado no acto.
Quanto ao mais, aquilo que releva é aferir se o executado cumpriu, ou não, aquilo a que foi condenado pela sentença arbitral, e não há dúvidas de que o fez
O que sucedeu foi que o exequente, na pessoa do seu mandatário, confrontado com a questão sobre o consentimento – que até então nunca havia, recorde-se, sido suscitada –, entendeu que tinha justificação suficiente – e não tinha – para recusar a entrega dos documentos e pagamentos à qual a própria outorga da escritura estava condicionada.
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Decidindo:
Do conteúdo da obrigação e do não cumprimento da mesma
Para que o exequente pudesse proceder à partilha parcial em causa (referente a um imóvel), precisava de uma procuração do executado que lhe conferisse poderes para o efeito, o que o executado foi condenado a fazer na sentença arbitral.
Mas essa procuração não bastava. Para além disso, era necessário ou que dela constasse o consentimento da mulher do executado para aquela partilha ou que no momento em que fosse praticar o acto o exequente levasse a procuração e se fizesse acompanhar da mulher do executado para que esta desse o consentimento a essa partilha ou de um documento de onde constasse esse consentimento ou então de uma decisão judicial a suprir esse consentimento (art. 1684 do CC).
Note-se que nisto a sentença partiu de vários pressupostos que não estão explicitados. Dois deles resultam dos factos provados: (i) o imóvel fazia parte da herança dos pais do exequente e do executado; (ii) a mulher do executado era casada num regime de comunhão de bens.
Um outro pressuposto (iii) é o de que para a partilha é necessário o consentimento do cônjuge do herdeiro. Este pressuposto da sentença parte de idêntica posição das partes e foi implicitamente aceite pelo árbitro e este acórdão também o considera correcto.
Mas, diga-se, ele não resulta directamente da lei (designadamente do art. 1682-A/1 do CC que se refere a imóveis e não a partilha de bens) e tem de ser extraído por analogia com situações que se julgam idênticas e que apontam para a existência de uma lacuna em relação a este caso.
Daí que parte da jurisprudência não esteja de acordo com ele e no mesmo sentido parece ir alguma doutrina: a discussão pode ser vista no ac. do TRP de 14/10/2015, 139/14.5TBVCD.P1 e a posição contrária à desse acórdão e deste pode ser vista no ac. do TRP de 14/02/2013, 1625/09.4TBPNF-A.P1, com extensa fundamentação e referência a vários acórdãos no mesmo sentido do que ele adoptou.
Aceitando-se, assim, que o consentimento da mulher era necessário para que, junto com a procuração do executado, o exequente pudesse proceder à partilha parcial (relativa a um imóvel), a simples emissão da procuração não daria ao exequente poderes para proceder a essa partilha: a partilha que o exequente fizesse, com base nela, seria um acto inválido, na forma da anulabilidade, por falta de legitimidade (art. 1687/1 do CC). Dito de outro modo, “o efeito da autorização [=, no caso, a consentimento] é o de validar os actos que o outro cônjuge praticar, no caso de este não ter legitimidade para eles.” (Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Direito da Família, vol. I, 5ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pág. 467, com referência ao art. 1687/1 e à anulabilidade também na página seguinte, 468).
Ou seja, a emissão da procuração simples, sem que dela constasse o consentimento da mulher do exequente, não teria a eficácia que se teve em vista na condenação do executado em emitir a procuração: “através da qual lhe confira poderes para proceder à partilha parcial do imóvel designado como ‘Casa da M’”. Essa procuração, nesses termos, não conferiria poderes para proceder a essa partilha de forma válida.
Assim sendo, o executado só cumpriria essa obrigação, de boa fé (art. 762 do CC), se outorgasse uma procuração que contivesse esse consentimento ou se obtivesse esse consentimento nem que fosse através do suprimento judicial do mesmo (art. 1684/3 do CC).
Compreende-se, por isso, a opinião emitida pelo árbitro: “os princípios de boa fé impunham ao executado que obtivesse tal consentimento para cumprir voluntariamente a obrigação a que fora condenado e, em caso de recusa do cônjuge, o suprimento judicial dessa falta de autorização (conf. art. 1684/3 do CC).”
Pelo que, tendo a sentença razão quando diz que a procuração e o consentimento são dois actos distintos a praticar por duas pessoas distintas, já não tem razão quando diz que o executado não estava obrigado a comprovar a prestação do consentimento da mulher no momento da emissão da procuração e, consequentemente, a emissão da procuração sem dela constar o consentimento cumpria as obrigações decorrentes da sentença, e seria válida e eficaz.
As obrigações não têm só o conteúdo que resulta expressamente da fonte geradora das mesmas, elas têm a sua conformação dependente também daquilo que se impõe que seja praticado para que elas sejam cumpridas de boa fé, ou seja, o conteúdo das obrigações decorre também dos princípios da boa fé.
Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, agora na 4.ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 3: “o dever de boa fé não se circunscreve ao simples acto da prestação, abrangendo ainda, na preparação e execução desta, todos os actos destinados a salvaguardar o interesse do credor na prestação (o fim da prestação) […].”
Ou seja, as partes têm deveres de adopção de determinados comportamentos, impostos pela boa fé em vista do fim do contrato (arts. 239 e 762) [Beuthien: ‘cada parte deve ter-se por obrigada a fazer tudo o que pode ser esperado razoavelmente duma parte contratual, pensando honestamente, em atenção ao fim do contrato’], dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as circunstâncias concretas do contrato. Na formulação de Larenz, identificam-se [tais deveres] com os deveres de adoptar o comportamento que se pode esperar entre contratantes honrados e leais. […] Têm todos eles a missão de garantir a plena consecução dos interesses cuja satisfação constitui o fim do contrato, podendo incidir sobre uma acção ou um comportamento positivo […] ou sobre uma omissão […]. A sua matriz é […] a cláusula geral da boa fé […] (Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Almedina, reimpressão de 1982, págs. 339 a 343).
Ou, dito de modo mais recente, o sentido da cláusula geral da boa fé é delimitado através dos subprincípios da confiança, da prioridade da substância sobre a forma e da proporcionalidade. Os dois primeiros subprincípios relacionam-se com o controlo da conduta. Enquanto norma com uma função complementadora do conteúdo da relação contratual, o subprincípio da prioridade da substância sobre a forma analisa-se num dever de conteúdo negativo e num dever de conteúdo positivo, sendo este o dever de adoptar comportamentos que sejam substancialmente conformes às normas jurídicas, que se concretiza em deveres acessórios de cooperação, de esclarecimento e de informação. Os de cooperação traduzem-se no dever de cada uma das partes colaborar com a outra para que o cumprimento das obrigações corresponda à realização dos fins prosseguidos com o contrato, isto é, em ordem à realização plena do fim do contrato (Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, págs. 176 a 183).
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Da inexistência de culpa
Apesar disto, a sentença recorrida tem a solução certa.
Note-se antes de mais, como pano de fundo, que, como se notou acima, não há lei expressa a dizer que é necessário o consentimento da mulher do herdeiro para a partilha. E há mesmo, como se viu, quem diga que não é necessário tal consentimento.
Por outro lado, até à reunião de 03/08/2010, nunca as partes se puseram a questão da necessidade do consentimento da mulher do executado.
O exequente (i) apenas intentou a acção arbitral contra o executado, (ii) na decisão desta acção não se fala nesse consentimento, (iii) o exequente não convocou para a outorga da procuração a mulher do executado e (iv) apenas depois do notário perguntar pelo consentimento da mulher do executado é que o exequente, representado por mandatário, pediu esse consentimento ao executado.
Ora, aparentemente apanhado tão de surpresa como o exequente, pela necessidade do consentimento da sua mulher – não há notícia de que a questão alguma vez lhe tivesse sido colocada -, o executado nem sequer diz que não iria fazê-lo [obter o consentimento], como o exequente, na sua contestação, dizia que ele tinha feito; o que ele faz, é dar conta do seu entendimento de que a sentença arbitral a isso não o obrigava, e não aceitar o pedido, feito então, pelo representante do exequente, para colaborar de imediato na tentativa de obter o consentimento da mulher que estava no Algarve.
Ora, nas circunstâncias do caso, não era exigível que, no próprio acto, estando a mulher do executado ausente e não havendo consenso mínimo na necessidade do consentimento dela, o executado estivesse a colaborar na obtenção desse consentimento (que nem sequer se sabe se seria realmente susceptível de ser obtido de imediato).
Pelo que, embora se considere aqui que, de um ponto de vista objectivo, nesse dia o exequente não cumpriu a obrigação que sobre ele impendia, ou seja, que se verifica a ilicitude – sempre na perspectiva, aceite neste acórdão, de que tal consentimento é necessário -, já de um ponto de vista subjectivo se pode dizer que não se verifica a culpa do executado nesse incumprimento (temporário) da obrigação.
Ora, a cláusula penal moratória pressupõe a culpa do devedor na mora – só há mora do devedor quando há culpa (art. 804 do CC; Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 4ª edição, Almedina, 1990, págs. 109 e 110; Pinto Oliveira, obra citada, págs. 621/622) -, pelo que, não se verificando esta, não há lugar à penalização por ela.
Percebe-se, por isso, que o árbitro tenha acrescentado na sua opinião: “torna a apelar às partes para que seja plenamente acatada a sentença arbitral, sem necessidade de execução coerciva e sem exigências de sanções pecuniárias entre as partes, atendendo a que só em Agosto foi possível juntar as partes no notário, tendo então surgido a presente questão…”.
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Contra isto, e aproveitando-se a discussão que o exequente quis fazer a propósito do quesito 11, o exequente entende que o facto de a sentença arbitral fazer expressa menção à minuta de procuração irrevogável – doc. n.º 7 – onde constava a obrigação do consentimento, junto com o facto de, ao longo dos vários actos praticados na partilha, o executado sempre ter obtido o consentimento do cônjuge para a validação dos actos praticados, não deixavam dúvidas que o executado sabia que, para que a procuração fosse válida e eficaz, a sua mulher tinha de outorgar a procuração ou prestar o seu consentimento.
Passa a discutir-se a questão porque o exequente já fazia esta última afirmação na sua contestação e por isso, se a afirmação tivesse relevo, teria de ser aditado um quesito à base instrutória para possibilitar a prova da mesma (art. 662/2-c do CPC).
Ora, já se disse acima que não é inequívoco que tivesse de haver consentimento da mulher do herdeiro para a partilha. Não sendo inequívoco, dificilmente se vê que se possa dizer que o executado sabia que ele era necessário.
Por outro lado, é certo que há pelo menos três actos relacionados com a partilha em que a mulher do executado participou dando o seu consentimento e não apenas um, ao contrário do que diz o executado nas contra-alegações: um deles é o contrato-promessa de partilha, outro é o aditamento ao mesmo, e outro é um acto de partilha parcial, que consta a fls. 108 a 110 dos autos, com data de 03/10/2005, facto que podia ser aditado aos provados, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4, ambos do CPC, se fosse necessário.
Daqui talvez se pudesse concluir (sem necessidade de recorrer também à minuta a que diz respeito o documento n.º7, pois que ela, dados os termos genéricos, não revela aptidão para, só por si, demonstrar que, com base nela, o executado soubesse que tinha que obter o consentimento) que havia da parte do executado a ideia da necessidade do consentimento da mulher para a prática dos actos relacionados com a partilha.
Mas tendo em conta que a mulher já tinha dado o consentimento inequívoco para a prática de todos os actos necessários para o pleno cumprimento do contrato-promessa de partilha (veja-se a cl.ª 13 do contrato-promessa transcrita no facto provados sob 1), também se poderia dizer que o executado podia pensar que já não era necessário mais nada (o que não seria verdade porque o contrato-promessa não tinha a forma necessária: arts. 1684/2, 262/2, 875 e 939, todos do CC). Tanto mais que a necessidade do consentimento da mulher nunca foi colocada: nem na acção arbitral, nem na decisão arbitral, nem na convocação para a outorga da procuração.
A verdade, no entanto, é que a questão não tem relevo, porque, se fosse de tomar em consideração o ‘conhecimento’ que o executado tivesse da necessidade do consentimento da mulher, também se teria de ter em conta esse ‘conhecimento’ por parte do exequente, já que tudo aquilo de onde ele faz decorrer esse ‘conhecimento’ do executado também vale quanto a ele.
Pelo que, se fosse de censurar ao executado não ter actuado de acordo com o seu eventual conhecimento de tal necessidade, igual censura teria de ser feita ao exequente nem que fosse por não ter convocado a mulher do executado para a outorga da procuração, nem ter pedido a condenação do executado a obter o consentimento da mulher.
Isto é, o princípio da boa fé vale não só para o cumprimento da obrigação, mas também para o exercício do direito correspondente (art. 762/2 do CC), pelo que, entendendo o exequente que era necessário também o consentimento da mulher para a eficácia da procuração e tendo demandado o executado numa acção para o efeito, a boa fé impunha-lhe que, ao menos, também pedisse a condenação do executado a obter o consentimento da mulher (como lembra o executado nas contra-alegações).
E não o fazendo, tendo sido ele o primeiro a actuar de forma que considera censurável quando analisa o comportamento do executado, não podia vir queixar-se de igual actuação do executado, ou seja, deixaria de ter legitimidade para accionar a cláusula penal.
Como é que o exequente consegue explicar que censure o executado por não ter obtido o consentimento da mulher, se necessário com o suprimento judicial, ao mesmo tempo que não se censura a ele próprio, exequente, por ter metido uma acção arbitral apenas contra o executado, sem pedir também a condenação dele a obter o consentimento da mulher para o efeito?
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De qualquer forma, os factos revelam claramente que nenhuma das partes, ambas representadas por advogado, foi para a outorga da procuração com a mínima consciência actualizada de que era necessário o consentimento da mulher – tivessem ou não uma ideia difusa dessa necessidade, certa ou errada -, tendo ambas sido apanhadas de surpresa pela pergunta do notário relativa a tal consentimento, pelo que não há razão para censurar o executado por antes, não ter diligenciado pela obtenção do mesmo, ou por não ter colaborado para a sua obtenção imediata apesar da ausência da mulher no Algarve.
Note-se que, para isto tudo não se utilizou o argumento da sentença, e do executado, quanto à mora do exequente, pois que, tal como já decorrerá do que antecede, não se concorda com o mesmo: tendo o executado que entregar uma procuração com consentimento, e não o fazendo, o representante do executado tinha razão para recusar a troca de documentos (art. 428 do CC).
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas pelo exequente.
O valor do recurso e da oposição é de 67.256,98€ (e não do valor que foi dado à oposição, de 137.513,97€, por manifesto lapso, que se corrige agora).
Lisboa, 15/12/2016
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto