Sintra – Inst. Central – Sec. Comércio
Sumário:
I. Decidido num processo a anulação da venda de um imóvel e que o mesmo deve ser restituído aos insolventes, passando a integrar a massa insolvente, esse imóvel deve ser apreendido e vendido como tal, mesmo que o processo de insolvência já tivesse sido encerrado nos termos do art. 230/1-e do CIRE, estando ainda a decorrer o período de cessão de rendimentos inerente ao pedido de exoneração do passivo restante.
II. O eventual arrendamento que os insolventes façam de tal imóvel é ineficaz no processo de insolvência.
III. Não há qualquer base legal para a suspensão do processo de venda do imóvel, no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
A e B apresentaram-se à insolvência, requerendo também a exoneração do passivo restante.
Depois da tramitação respectiva, com a declaração de insolvência a 13/05/2013, transitada em julgado a 11/06/2013, o processo foi encerrado por despacho de 01/07/2013 com início do período de cessão de rendimentos correspondente ao pedido exoneração do passivo restante
(no anúncio publicado em http://www.citius.mj.pt/portal/consultas/ consultascire.aspx, de 17/07/2013, consta:
A decisão de encerramento do processo foi determinada por:
Nos termos dos artigos 230/1-e) do CIRE.
Efeitos do encerramento: Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, pelo que o/a/s devedor/a/es recupera/m o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, sem prejuízo dos efeitos da qualificação de insolvência – artigo 233/1-a, do CIRE, bem como ainda dos efeitos resultantes da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo supra referido).
Mais tarde, o filho dos insolventes veio intentar uma acção contra eles e um irmão (filho dos insolventes), pedindo a anulação da venda de um imóvel que eles tinham feito ao irmão em 1996.
Acção que foi procedente, por sentença de 06/07/2015, que declarou a anulação da venda efectuada pelos insolventes em 1996, dizendo que tal implicava a restituição do direito de propriedade do imóvel aos vendedores, passando, por conseguinte, a integrar a massa insolvente, “e a correspectiva obrigação da massa insolvente a restituir ao réu filho dos insolventes o montante correspondente ao valor da venda”; o ac. do TRL de 25/02/2016 (transitado a 11/04/2016), proferido na sequência de recurso interposto pela massa, alterou a parte em que se mencionava a obrigação da massa insolvente, passando a dizer “a correspectiva obrigação de, pelas forças da insolvência dos vendedores, a restituir ao réu filho dos insolventes o montante correspondente ao valor da venda, montante esse a ser reclamado, nos termos legais, no processo de insolvência.”
A fiduciária lavrou então (a 18/05/2016) auto de apreensão do imóvel.
Os insolventes fizeram dois requerimentos ao processo, um deles por si próprios, de 04/07/2016, invocando o encerramento do processo, a disponibilidade dos seus bens como consequência desse encerramento (como se teria dito na decisão respectiva), o facto desse imóvel ser o local onde residem e não disporem de qualquer outro local para morarem, o recebimento de uma carta da AI a dar-lhes um prazo para abandonarem a casa pois que a mesma iria ser vendida (numa carta de 20/06/2016 a AI solicita a entrega do imóvel, livre de pessoas e bens, até ao próximo dia 29/06/2016, data em que, pelas 11h, estará no local para a entrega das chaves; numa outra, de 13/07/2016, acusando a recepção em 04/07/2016 de uma carta dos insolventes em que lhe pedem a suspensão da venda do processo da venda pelos motivos expostos na carta remetida ao tribunal, a AI escreve que irá proceder à venda do imóvel no estado em que a mesma se encontra, pelo que solicita a colaboração dos insolventes no sentido de permitir o acesso à mesma a potenciais compradores que a desejem visitar), o facto de o filho ter o direito de reclamar o crédito junto da insolvência (apesar de terem acabado de dizer que o filho nunca pagou nada pela compra do imóvel), o arrendamento que fizeram de parte do imóvel (mas no contrato que juntaram o objecto é o imóvel todo e não são consignados quaisquer motivos ou objectivos dos vendedores com tal arredamento, nem as contrapartidas referidas na conclusão 7 do recurso que se segue; prevê-se o direito de os senhorios poderem fazer uma vistoria ao locado a fim de verificar o seu estado e condições; o contrato é particular, não autenticado nem reconhecido e tem a data de 01/05/2016) a terceiro, acabando por requerer a suspensão do processo da venda do imóvel; e um outro, de 04/08/2016, pela mão do seu advogado, a pedir a destituição da fiduciária face ao que resultaria da resposta da mesma ao requerimento dos executados e às cartas que lhes enviou (no essencial nos mesmos termos que constam das conclusões do recurso que se segue) [os requerimentos dos insolventes foram enviados pelo tribunal recorrido, a pedido deste tribunal de recurso, por e-mail de 28/12/2016].
Por despacho de 07/10/2016 e face à certidão judicial (que se refere à sentença e acórdão referidos acima) e ao auto de apreensão do imóvel, os autos foram declarados reabertos, com vista à liquidação do património dos insolventes, e depois indeferiram-se aqueles dois requerimentos, com a seguinte fundamentação:
“O encerramento dos autos aquando do deferimento liminar da exoneração do passivo restante tem caracter limitado, destinando-se tão-somente a permitir que se inicie o período de cessão de rendimentos.
A circunstância de se ter feito constar na decisão em causa a produção dos efeitos previstos no art. 233 do CIRE tem de entender-se por ressalva dos efeitos produzidos pelo deferimento liminar da exoneração do passivo restante.
É que não suscita dúvida que durante o período de cessão de créditos os autos se mantêm em curso.
Assim sendo, o património dos devedores continuou indisponível nos termos declarados na sentença de insolvência durante o tempo em que os autos foram encerrados, limitadamente entenda-se.
Temos assim que os insolventes durante tal período não tiveram a livre disposição dos seus bens, pelo que o contrato de arrendamento apresentado, como tendo sido pretensamente celebrado com C em 01/05/2016, não é oponível nem à massa insolvente, nem aos credores da insolvência, como bem refere a Srª administradora da insolvência.
Aliás, resulta manifestamente contraditória a apresentação de tal contrato de arrendamento e a invocação de que o imóvel em causa é a morada dos insolventes, o que reforça a convicção do tribunal de que tal documento não corresponde a uma verdadeira relação locativa, antes tendo sido forjado para obstar à venda do imóvel nos presentes autos.
Quanto à requerida destituição da Srª fiduciária, os documentos juntos aos autos pelos insolventes demonstram que a mesma cumpre as suas funções de modo escrupuloso e metódico, pelo que inexiste fundamento para a sua destituição.
Termos em que, por falta de fundamento legal, se indefere o requerido pelos insolventes.”
Os insolventes vieram interpor recurso deste despacho – para que seja revogado por serem nulos os indeferimentos – que terminam com as seguintes conclusões:
[…]
- Não se podem os insolventes conformar com o despacho, pela insensibilidade demonstrada pelo tribunal, perante o comportamento persecutório manifestado pela Srª fiduciária, bem como, nos seus fundamentos, o tribunal a quo dispor em contrário do seu despacho de encerramento da insolvência.
- No despacho de encerramento da presente insolvência, e como consequência do mesmo, foi declarado: “… 1. Declaro encerrado o processo de insolvência, nos termos dos artigos 230/1-e do CIRE. 2. Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, pelo que o/a/s devedor/a/es recuperam o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, sem prejuízo dos efeitos da qualificação de insolvência…”
- Isto é, ao contrário do afirmado no despacho recorrido, os insolventes, com o encerramento do processo de insolvência, recu-peraram o direito de disposição aos seus bens, art. 233 do CIRE.
- O prédio em questão voltou à propriedade dos insolventes, em resultado de sentença judicial proferida no processo n.º 22816/13.8T2SNT, onde estes eram réus, mas sem qualquer intervenção da sua parte.
- Isto é, os insolventes retomaram a posse de um imóvel, onde sempre viveram, onde têm a sua horta e a sua criação, construída com o seu esforço, porque o contrato de compra e venda foi considerado nulo.
- Ora, os insolventes, em virtude dos seus problemas de saúde e psicológicos, entenderam por bem arrendar parte da sua propriedade, tendo como contrapartida a arrendatária cuidar e tratar dos insolventes, quando necessário. E foi o que aconteceu.
- O tribunal a quo, na sua fundamentação, compartilha da errada percepção, não factual, da Srª fiduciária, que nunca visitou o imóvel nem falou com os intervenientes, de que o arrendamento teria sido total ou que nem existe arrendamento. Com que provas isto é afirmado? Nenhumas!
- Mesmo que houvesse um arrendamento forjado, o que não é verdade mas que por teoria de análise aqui se coloca, como pode o tribunal afirmar tal coisa sem provas desse não arrendamento?
- Decidindo como decidiu, o tribunal a quo está a ser parcial, não factual e não fundamentou a sua decisão em provas reais e no Direito.
- Quanto ao incidente suscitado de destituição da Srª fiduciária, o tribunal a quo não cumpre o estabelecido na Lei.
- Regula o art. 56/1 do CIRE, “… o juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa … “. 2
- Os insolventes e os credores não foram chamados a pronunciarem-se sobre este incidente.
- O Estatuto do Administrador Judicial, Lei n.º 22/2013, de 26/02, art. 120/2, estabelece “… Os administradores judiciais, no exercício das suas junções, devem actuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer actos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor…”
- Da figura do administrador de insolvência/fiduciário é esperada uma atitude isenta, correcta, urbana e diligente, em face das obrigações a que se encontra adstrito e de colaboração com o devedor. Nos presentes autos, a Srª fiduciária refere-se aos insolventes como eles fossem culpados da sua situação, como se a sua insolvência fosse dolosa ou tivessem praticado algum crime.
- E tem enviado cartas aos insolventes, escritas com acrimónia, impondo a estes a saída imediata da sua residência, dando mostras de ter interesse no negócio da venda do imóvel, apesar de nunca ter reunido com os insolventes, não conhecer in loco a residência e as necessidades dos insolventes.
- Existe, assim, justa causa e conforme ensina Menezes Leitão, CIRE, 6.ª ed., pág. 104, o conceito (de justa causa) é um “conceito vago e indeterminado que abrange naturalmente a violação grave dos deveres do administrador, mas também quaisquer outras circunstâncias que tornem objectivamente insustentável a sua manutenção no cargo.”
- De igual modo, pode-se ler em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17/04/2012, “… No que respeita à construção da compreensão/extensão lógica do conceito de “justa causa” para efeitos de destituição do administrador de insolvência, tem necessariamente o intérprete de socorrer-se das indicações dei-xadas pelo Legislador nomeadamente nos arts 168 e 169 do CIRE, e, a partir destes exemplos, pode concluir-se que existirá justa cau-sa para a destituição do AI quando o mesmo se comporte de forma que ultrapasse os limites da boa-fé, dos bons costumes e com viola-ção dos fins económico e social dos direitos que lhe cumpre exer-cer (art. 334 do Código Civil), quando ele se mostre manifestamen-te incapaz para o exercício das funções ou ainda quando, funda-mentadamente, se quebre o indispensável vínculo de confiança…”
- Ao não respeitar estes princípios e ao não diligenciar, conforme o indicado na lei, para apurar o comportamento da Srª fiduciária, o tribunal a quo está a denegar justiça para os insolventes.
A Srª AI/fiduciária contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, para além da sua inadmissibilidade, porque o despacho recorrido, por um lado, não põe termo à causa ou a incidente processado autonomamente e, por outro, a decisão recorrida não cabe em qualquer das alíneas previstas no art. 644/2 do CPC.
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Questões que importa decidir: a admissibilidade do recurso; se os requerimentos dos insolventes deviam ter sido deferidos.
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Da admissibilidade e do efeito do recurso
Da parte do despacho que indefere a suspensão da venda do imóvel, o recurso tem cabimento no art. 644/2-g, visto que é decisão proferida depois da decisão final; da parte do despacho que indefere a destituição da AI/fiduciária, o recurso tem cabimento no art. 644/1 do CPC.
Nos termos do art. 14/5 do CIRE os recursos interpostos no processo de insolvência têm efeito meramente devolutivo, pelo que é evidente que os insolventes não têm razão ao pretenderem, com base no art. 647/3-c do CPC, que o recurso tenha efeito suspensivo.
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Do encerramento do processo e da disponibilidade dos bens
Numa decisão judicial posterior ao encerramento do processo de insolvência, foi decidido, com trânsito em julgado, anular-se uma venda que os insolventes tinham feito de um imóvel deles, antes mesmo da declaração de insolvência.
Nessa decisão declarou-se, expressamente, que essa anulação implicava “a restituição do direito de propriedade do referido imóvel aos vendedores, passando, por conseguinte, a integrar a massa insolvente” dos mesmos.
Passando a fazer parte da massa insolvente, e não dos bens dos insolventes, não há dúvida de que esse bem tem de ser apreendido e vendido como bem da massa insolvente.
Compreende-se, por isso, a apreensão do bem e a reabertura do processo de insolvência, determinada por despacho judicial proferido no mesmo dia do despacho recorrido.
De resto, os insolventes nem sequer puseram em causa a apreensão do imóvel nem recorreram do despacho que reabriu os autos no pressuposto da decisão final transitada na acção referida e na apreensão efectuada pela AI/fiduciária.
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Reaberto o processo (onde tinha sido declarada a insolvência) e apreendido o imóvel, os insolventes deixaram de ter a disponibilidade do mesmo (art. 81, n.ºs 1 e 2, do CIRE).
Disponibilidade que nunca chegaram a adquirir, porque, por força do decidido com trânsito em julgado, o imóvel passou a integrar a massa insolvente depois do encerramento do processo nos termos do art. 230/-e do CIRE.
Pelo que, o posterior arrendamento que tenham feito do imóvel é ineficaz, não produz quaisquer efeitos na insolvência (art. 81/6 do CIRE).
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O despacho que encerrou o processo, para efeitos de início da cessão de rendimentos, anterior àquela apreensão, não é, por isso, chamado ao caso, nem tem relevo, dele não podendo resultar, para os insolventes, a reaquisição da disponibilidade do imóvel que à data não estava apreendido.
Sublinhe-se que a apreensão do imóvel foi posterior a tal despacho e foi também posterior à sentença e acórdão que declararam que o bem passava a integrar a massa insolvente.
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As referências que o despacho recorrido fez ao arrendamento forjado, destinaram-se apenas a reforçar substancialmente a argumentação mais processual/adjectiva da parte restante do despacho. O que se compreende, como tentativa de convencer da correcção do despacho. E que se justificava perfeitamente, tanto mais quanto este “arrendamento” vem na sequência de uma venda anulada. Ora, apesar da venda (sendo que os insolventes agora vêm acrescentar que o filho não pagou o valor da compra) e do arrendamento (de todo imóvel segundo o contrato e não de parte como dizem no requerimento e no recurso), foram sempre os insolventes que estiveram, dizem eles, na posse do imóvel. O que retira credibilidade aos negócios invocados, entre eles o do arrendamento (e data do mesmo), elaborado num documento particular, não reconhecido nem autenticado.
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De resto, tendo os insolventes entrado num período de cessão de rendimentos, para tentarem beneficiar da exoneração do passivo restante, seria impensável que pudessem ficar com a propriedade de um imóvel. Por isso, de novo como reforço de argumentação, compreende-se a referência do despacho recorrido a tal situação.
Quem se apresenta à insolvência e requer a exoneração do passivo restante, sabe que só vai, eventualmente, chegar a obter tal benefício depois de apreendidos e vendidos todos os seus bens (à excepção dos impenhoráveis, o que não é o caso de imóveis), para pagamento de todas as dívidas que tinha quando requereu a insolvência. E por essas dívidas respondem todos os bens de que era proprietário. O que era o caso do imóvel em causa, depois da anulação da venda.
(Art. 36/1-g do CIRE: na sentença que declarar a insolvência, o juiz: […] decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência […] de todos os seus [dos insolventes] bens. Art. 46/1 do CIRE: A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Art. 149/1 do CIRE: Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão […] de todos os bens integrantes da massa insolvente [….]; Art. 158/1 do CIRE: Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente […]).
Nas normas referentes ao período de cessão de rendimentos, só se faz referência a estes rendimentos e não a imóveis, precisamente por isso, ou seja, porque se pressupõe que todos os bens penhoráveis já foram vendidos e adstritos ao pagamento das dívidas da insolvência. Mas apenas por isso. Se, assim, os insolventes apenas têm de ceder os seus rendimentos disponíveis, porque se presume que já não têm outros bens, não faz sentido que continuem proprietários de um imóvel e que queiram ver suspenso o processo da venda (sem sequer dizerem com que base legal e até quando).
Da suspensão do processo da venda
O arrendamento a favor de terceiro, nunca justificaria a legitimidade material e processual dos insolventes para pretenderem evitar a entrega do imóvel. Se alguém podia pôr a questão – bem ou mal e com ou sem possibilidade de sucesso não interessa agora -, era o terceiro. O facto de serem os insolventes a levantar a questão indicia, como é sugerido pelo despacho recorrido, que eles estão a utilizar o suposto arrendamento apenas como forma de protelar a venda/entrega do imóvel.
O mesmo se diga em relação ao crédito do filho sobre a insolvência – se é que tem algum, já que os insolventes dizem que ele nada pagou pela compra. Os insolventes não têm legitimidade para invocar o eventual crédito do filho, sobre a insolvência, para fazerem requerimentos de suspensão do processo de venda.
E o facto de residirem no imóvel e não terem outro local para irem viver, não tinha nada que ser ponderado neste processo no momento dos despachos recorridos.
O imóvel fica apreendido e os insolventes depositários do mesmo enquanto não se proceder à venda (art. 150/1 do CIRE e 839, n.ºs 1 e 2, do CPC na versão anterior à reforma de 2013, agora art. 756 depois da reforma). Depois disso, são obrigados a entregá-lo ao comprador. Só no momento da necessidade da entrega é que se podem levantar, se então se verificarem, questões relacionadas com a situação concreta em que os insolventes estejam (arts. 150/5 do CIRE e 930-A do CPC, com remessa para os arts. 930-B a 930-E, estes do CPC na redacção anterior à reforma de 2013, agora arts. 862 e 863 a 866 do CPC depois da reforma), com os possíveis efeitos previstos nestes artigos (veja-se Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 3ª edição, 2015, Quid Juris, anotações 2 e 13, págs. 567 e 571; Soveral Martins, Um curso de direito da insolvência, Almedina, 2015, págs. 112 a 115; e Ana Prata, Morais Carvalho e Rui Simões, CIRE anotado, 2013, Almedina, págs. 421, 422 e 423). Essas questões não se podem decidir em abstracto, por nem se saber se elas ocorrerão no momento da entrega.
É certo que não havia razão para a Srª AI requerer a entrega do imóvel antes da venda – pelo que se acabou de dizer -, mas entretanto (à data do despacho recorrido) já a Srª AI/fiduciária tinha voltado atrás nessa pretensão.
De qualquer modo, o objecto deste recurso, nesta parte, era a pretensão da suspensão do processo da venda, para a qual não existe base legal no âmbito da liquidação da massa insolvente, pelo que tinha que ser indeferida.
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Da destituição da AI/fiduciária
Nada do que era/é alegado pelos insolventes justificaria a destituição da Srª AI/fiduciária, pois que nada indicia que a mesma tenha violado, fosse em que medida fosse, os deveres do seu cargo. Aliás, a pretensão dos insolventes baseia-se em soluções erradas para as questões que antecedem. Afastadas elas, vê-se que a Srª AI/fiduciária ao querer a entrega efectiva do imóvel, depois da sua venda (como resulta das suas cartas, transcritas acima, a Srª AI/fiduciária já não pretende a entrega antes da venda), está apenas a cumprir aquilo que lhe é imposto por lei e também por decisão judicial transitada em julgada que anulou a venda ilegal que os insolventes fizeram. As cartas invocadas pelos insolventes, que a AI/fiduciária apresentou nos autos, ao contrário do que fizeram os insolventes, nada mais demonstram do que essa vontade de cumprir os deveres que lhe incumbem (como, por exemplo, aqueles que decorrem dos arts. 150 e 158 do CIRE).
Quanto à irregularidade processual invocada pelos insolventes, ela não se verifica, como também é evidente: eles não tinham de ser ouvidos num incidente que eles próprios iniciaram… Quanto à falta de audição dos credores, a lei não a exige. A lei, do que fala, é da audição da comissão de credores quanto exista (art. 56/1 do CIRE), e quanto a esta nem sequer se sabe se existe, nem os insolventes disseram que existia.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas pelos insolventes.
Lisboa, 19/01/2017
Pedro Martins
1º Adjunto
2º Adjunto