PER do 2º Juízo do Comércio do Funchal

            Sumário:

I. Um plano de recuperação de uma sociedade avalizada não pode incluir uma medida que se traduza em impedir a execução do avalista enquanto as empresas avalizadas estiverem a cumprir as obrigações que assumiram (art. 217/4 do CIRE); mas um plano de recuperação do avalista já pode incluir esta medida, desde que, entre o mais, seja aprovada pela maioria necessária, seja observado o princípio da igualdade e não se verifique a oposição de eventuais credores prejudicados (arts. 194, 195 e 196 do CIRE).

II. No entanto, aquele avalista não pode ser alguém que não tenha qualquer actividade económica autónoma produtora de rendimentos.

III. Um plano de recuperação que diz respeito a um devedor do qual se refere que não exerce uma actividade que liberte meios necessários ao pagamento do seu passivo (declarando este receber, como trabalhador por conta de outrem apenas o equivalente ao salário mínimo nacional) e que se limita a prever que pelo menos cerca de 80% das dívidas (num total de cerca de 58 milhões de euros) sejam pagos pelas empresas avalizadas, sem qualquer medida relativa ao pagamento dessas dívidas pelo próprio devedor/avalista, sendo que em relação ao restante prevê, para além de um perdão 35%, o pagamento de outros 38,3% a 40% em 15 anos e o pagamento do restante em condições a negociar findos aqueles 15 anos, não é um plano de recuperação (art. 195 do CIRE), mas apenas um obstáculo ao prosseguimento de execução contra o devedor/avalista.

IV. Pelo que o plano não deve ser homologado (art. 215 do CIRE), tanto mais se, para além disso, violar o princípio da igualdade e for inexequível, como é o caso.

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

            Depois de ter sido notificado, por carta de 26/01/2015, da decisão de venda do bem penhorado, numa execução que pendia pelo menos desde 2012, o executado R, em 09/02/2015, requereu a abertura de um processo especial de revitalização, com o acordo de um credor de 42.000€.

            Alegava ser solteiro e que, logo que terminou a licenciatura, iniciou o seu percurso no mundo dos negócios; trabalhou sempre em colaboração com o pai, JS, dono de várias empresas na Madeira; exerceu a sua actividade sempre integrado no grupo S, de que faz ainda parte o pai e mais dois irmãos; o grupo S actua, entre outros sectores, no industrial, através da torrefacção de café, da panificação e pastelaria, actividades desenvolvidas pela T, SA; na distribuição alimentar, através da JS, SA; na distribuição e retalho não alimentar, através das O, Lda, e H, Lda.

            Continuava, dizendo ser, fruto do seu percurso profissional, administrador das JS, SA, T, SA, e ainda de outras quatro SA; ser sócio/gerente de O e ainda de outras três sociedades Ldas; e ser gerente da H, Lda.

            Dizia que juntava um resumo da sua actividade como empresário nos últimos anos, nomeadamente, nos últimos três anos, mas aí, para além do que antecede, apenas dizia que [o grupo familiar], de proprietário de um pequeno comércio de café e bacalhau, transformou-se num dos maiores da Região, possuindo em 1996 um hipermercado, quatro supermercados, 3 minimercados e lojas alimentares especializadas, além de ourivesarias e de utilidades domésticas, empregando cerca de 500 pessoas, tendo atingido ao fim de 50 anos um volume de facturação de mais de 140.000.000€ e empregou mais de 1200 trabalhadores.

            Sucede que – continuava – no decurso da actividade deste grupo empresarial, o requerente celebrou, na qualidade de gerente ou administrador, diversos negócios de financiamento das ditas sociedades, junto de instituições bancárias e financeiras, tendo avalizado tais negócios pessoalmente, como forma de garantia do cumprimento dos valores mutuados; fruto da situação conjuntural nacional e internacional, designadamente da diminuição dos rendimentos disponíveis das famílias e da quebra acentuada do nível de consumo, a partir de 2011, a JS, SA, viu o seu volume de negócios reduzir drasticamente, o que, aliada ao facto desta ter começado a sentir dificuldades no cumprimento atempado das suas obrigações junto dos fornecedores, obrigou o requerente a garantir pessoalmente o cumprimento dessas obrigações, quer através da assunção da dívida, quer através da prestação de fiança ou aval; fruto das referidas dificuldades, a JS, SA, e a T, entre Novembro de 2012 e Maio de 2013, viram-se obrigadas a recorrer a processo de revitalização, onde foram aprovados planos de revitalização; face a esta situação, o requerente começa agora a ser interpelado por alguns dos seus credores no sentido de proceder aos pagamento das quantias em divida pelas sociedades, por si representadas e decorrentes de operações por si garantidas pessoalmente, os quais, fazendo tábua rasa dos planos de revitalização aprovados pela maioria dos credores, estão a executá-lo judicial e individualmente e a procurar vender coercivamente o seu património; porém, com a aprovação dos sobreditos planos de recuperação, é expectável que as referidas sociedades possam cumprir os compromissos assumidos também pelo requerente; o requerente só agora requereu processo de revitalização porque acaba de ser notificado da primeira decisão de venda do seu património pessoal, no âmbito de um processo judicial; a verdade, é que apesar de se encontrar em situação económica difícil, face às interpelações para o cumprimento que tem recebido por parte de alguns credores, acredita confiadamente que dispõe de condições para obter um acordo com os credores no sentido de reestruturar o seu passivo, reunindo as condições necessárias para a sua recuperação.

            Concretizava que os seus credores e os montantes em dívida, todos já vencidos, eram 10 bancos e três sociedades, num passivo total de 55.215.382€ (nos termos que vão constar abaixo).

                  Dizia ser alvo de 6 execuções pendentes (nos termos referidos abaixo).

                  Dizia ter três fracções imobiliárias, com um valor patrimonial actual de 1.101.472,77€. (nos termos referidos abaixo, com um lapso em relação à terceira fracção).

                  Dizia que o seu património mobiliário eram as 4 quotas referidas acima, com um valor nominal de 30.607€.

            Terminava dizendo que, porque estava a requerer a presente revitalização como empresário devedor ou seja, empresário em nome individual, não pode juntar os restantes documentos referidos no art. 24 do CIRE, pela simples razão de que não os possui.

            Nada dizia quanto aos seus rendimentos.

            Uma dos credores, J, Lda, opôs-se desde logo ao prosseguimento do processo, entre o mais por entender que o devedor apenas pretendia, com ele, sustar e depois extinguir a execução de que era objecto, e também porque este tipo processo especial só se destina a revitalizar empresas o que não era, naturalmente, o caso. Durante o período das negociações requereu, por três vezes, que o plano não fosse homologado, pelas razões que são sintetizadas abaixo na parte relativa à ampliação do objecto do recurso das contra-alegações do mesmo.

            O processo foi deixado prosseguir – por despacho que foi objecto de recurso improcedente -, e, no decurso do período de negociações, foi alcançado um plano de recuperação que foi aprovado por 60,6% dos credores.

            Enviado esse plano para homologação pelo tribunal, este, por decisão de 22/07/2016, recusou a homologação pedida com os seguintes fundamentos, ao abrigo dos arts. 17-F/5 e 215 do CIRE:

         Para além das medidas previstas na cláusula 1, alíneas a e b, do plano, serem contraditórias entre si, a medida da alínea b viola a norma prevista no art. 47 da LULL por impedir os portadores das livranças de poderem exigir a totalidade dos créditos ao devedor nos termos em que o podiam fazer anteriormente aos planos de recuperação; pelo que, aceitar a solução proposta seria desvirtuar a natureza jurídica do aval (art. 32 da LULL); e, assim, as medidas são inexequíveis (art. 207/1-a do CIRE); o que antecede aplica-se mutatis mutandis à medida prevista na alínea c da cláusula 1, pois a mesma, para além de violar os arts. 32 e 47 da LULL, viola ainda o art. 201/1 do CIRE, por consubstanciar uma condição suspensiva; pelo que há uma violação não negligenciável das normas de conteúdo aplicáveis ao plano de recuperação; quanto à cláusula 2, alíneas a, b e c, elas não padeceriam de nenhuma nulidade na eventualidade de se estar perante obrigações ainda não vencidas, mas como as obrigações a que se aplica são as dos credores C e N, que já estão vencidas, aplica-se a elas o mesmo que se disse para a cláusula 1; quanto às outras questões levantadas pela credora J, com cabimento no art. 216 do CIRE, considerou-as prejudicadas pelo facto dos fundamentos anteriores já conduzirem à não homologação do plano.

            O devedor e a C (um dos credores que aprovou o plano), recorrem deste despacho dizendo que (em síntese deste acórdão):

      i) os credores podem aprovar um plano que os impeça de executar o devedor, independentemente de as obrigações em dívida terem na sua origem avales ou não; não o podiam fazer no processo de revitalização das sociedades avalizadas, mas podem-no fazer no processo de revitalização do avalista; ou seja, não se trata de, no processo de revitalização das sociedades avalizadas, os credores impedirem os credores de executarem o avalista, mas sim de, no processo de revitalização do avalista, se impedirem os credores de o executar. Isto seria possível.

          ii) a cláusula em que se prevê que se as empresas avalizadas deixarem de cumprir as obrigações decorrentes dos planos de recuperação obtidos nos processos que lhes respeitavam, os credores do devedor o podem executar, não é nenhuma condição suspensiva do plano que tivesse que estar cumprida antes da sua homologação; trata-se antes de uma medida cuja execução se processa somente para lá da homologação, o que os credores podem aprovar, conforme resulta, a contrario, do disposto no art. 201; por outro lado, este artigo nem sequer seria aplicável a um plano de revitalização dado que ao PER não é aplicável o art. 91/1 do CIRE que implica que a declaração de insolvência determina o vencimento imediato de todas as obrigações não subordinadas a uma condição suspensiva (e aliás um dos créditos da C sobre o devedor não se encontrava vencido);   

      iii) o plano é exequível, se necessário entendido com generosidade; e se o tribunal entendia o contrário, devia dar oportunidade ao devedor e aos credores para rectificarem aquilo que, segundo o tribunal, não cumpria com a lei (nos termos da parte final do art. 215 do CIRE e do art. 3/3 do CPC);

       iv) a sentença seria nula por, por um lado, reconhecer ao avalista o direito de lançar mão de um PER e, por outro, querer obrigá-lo a pagar a totalidade da dívida ou a entregar todo o seu património, sem qualquer revitalização;

       v) a não homologação tem como consequência o benefício dos credores minoritários vencidos na votação do plano de recuperação, que são aqueles que já tinham pendentes, antes do PER, execuções contra o devedor avalista e que, apenas por tal facto, votaram contra o plano de recuperação;

     vi) tal beneficio só pode ser combatido, pelos credores maioritários que não têm execuções pendentes contra o mesmo, com o pedido de declaração de insolvência do avalista, o que irá acarretar, por virtude da acessoriedade do aval e da extinção dessa garantia pessoal, bem como do vencimento das obrigações do avalista insolvente (vide o disposto no art. 91/1 do CIRE), também o vencimento das obrigações pecuniárias das empresas subscritoras das livranças avalizadas, que verão o seu processo de recuperação interrompido e, provavelmente, definitivamente prejudicado, quando é um facto que, actualmente, se encontram a cumprir os respectivos planos de recuperação em beneficio da generalidade dos credores, desvirtuando a finalidade para a qual o processo de revitalização foi criado;

       vii) a não homologação do plano prejudica milhares (noutro articulado, em vez de milhares são referidas centenas) de pessoas; credores, fornecedores, trabalhadores e devedor.

            A credora J, Lda, contra-alegou defendendo a decisão recorrida, mas, para o caso da procedência dos fundamentos do devedor e da C, requereu a ampliação do objecto do recurso (art. 636/1 do CPC), para que fossem tidos em conta os fundamentos da sua oposição à pretensão do devedor, no essencial com base em argumentos que têm a ver com o facto de este processo de revitalização estar todo ele pensado para a revitalização de empresários e não para evitar as execuções contra devedores não empresários (o que, na fase actual, se consubstanciaria na falta dos requisitos dos arts. 1/2, 2, 5, 17-A/1, 17-B, 17-C/3-b, 24 e 195 do CIRE, e na violação não negligenciável destes dois últimos, para além de se traduzir num abuso de direito); para além disso, o plano traduzir-se-ia, para esta credora, numa situação que seria menos favorável do que a que ela tinha antes (execução com penhora de um bem cujo valor dava para pagar a dívida exequenda).

            O devedor veio responder ao requerimento de ampliação do objecto do recurso, dizendo, no essencial, que as questões levantadas pela credora J já tinham sido colocadas no recurso contra o despacho que admitiu o PER e que veio a ser decidido por acórdão do TRL de 19/05/2016 que apreciou tais questões e as afastou, ou seja, haveria litispendência (já que a decisão estava pendente de recurso entretanto interposto pela credora J para o STJ).

            A credora J veio entretanto juntar ‘anúncio’ de decisão singular do STJ no sentido de não conhecer do recurso contra o acórdão do TRL, porque tal acórdão não tinha conhecido do mérito da causa, tendo-se limitado, à luz do que foi alegado no requerimento inicial do PER, a admitir o seguimento liminar do processo; para além de que do despacho que não indefere liminarmente o recurso nem sequer era admissível recurso (art. 226/5 do CPC) para o TRL e muito menos para o STJ.

                                                      *

            Os recursos, admitidos a 26/09/2016, apenas foram recebidos neste tribunal de recurso a 09/02/2017, apesar do carácter urgente deste tipo de processos.

                                                                     *

            Questões que importa decidir: se o plano aprovado devia ter sido homologado; caso se entenda que as razões invocadas na decisão recorrida não procedem, importa averiguar se outros fundamentos impunham a não homologação.

                                                      *

            Os factos que importam à decisão destas questões são os seguintes (os pontos 1 a 5, segunda metade de 7, 10, primeira parte de 14 estão provados por terem sido alegados pelo devedor, corresponderem a documentos juntos e não terem sido impugnados; o que consta de 6, primeira metade de 7, início de 8 até anexo, 17, é referido no plano e na certidão de fl. 262 e não foi posto em causa por ninguém; que consta de 11, 13 e 14 resulta dos documentos de fls. 215 a 227, 252, 254, do processo respectivo – o regime de bens resulta da escritura de habilitação junta a fl. 243; o que consta de 12 resulta de fls.181 a 183 da mesma execução; o que consta de 15 resulta deste processo; o que consta de 19 é dado como provado na decisão recorrida; a parte restante de 8 resulta da participação de fls. 232 a 241, não impugnada; o que consta de 9 resulta do doc. de fl. 170/171 junto a 23/06/2015 pelo devedor, alegadamente a pedido da credora J, não tendo sido impugnado; o que consta de 16 resulta da lista de créditos junta pelo devedor, a fl. 162; não pôde ser feita constar a lista de créditos real, porque quer as partes quer o tribunal recorrido não a fizeram juntar a estes autos de recurso em separado; no entanto, a questão é substancialmente irrelevante porque na decisão recorrida refere-se o valor de 58.304.280,81€ e na lista de créditos do devedor constam já 55.215.382€, sendo que, como resulta da comparação com a lista de créditos com votos a favor e contra, de fls. 296 e 297, vê-se que se trata apenas de diferenças de valores pontuais; anota-se aqui, também, que o processo veio mal autuado, entre o mais porque parte do requerimento inicial consta a fls. 357 a 361, ou seja, está no meio da decisão recorrida, quando devia estar a seguir a fl. 288, 2º volume; este tribunal de recurso colocou estas folhas no lugar próprio, mas não fez outras rectificações, como por exemplo tirar dos autos as alegações de um recurso que não respeitam a este processo, mas sim ao processo 3390/16.0T8FNC, e que estão a fls. 424 a 428 e 447 a 457, ou ter sido certificado por três vezes o plano, mas nunca ter vindo a lista de créditos nem o anexo I invocado):

  1. O devedor nasceu a 13/09/1961.
  2. É administrador de:

                        JS, SA,

                        T, SA;

                        J, SA;

                        M, SA;

                        TI, SA; e

                        Q, SA.

  1. É sócio/gerente de:

                       S, Lda, com uma quota de 2993€;

                        JF, Lda, com uma quota de 998€;

                        O, Lda, com uma quota de 24.949€; e

                        R, Lda, com uma quota de 1667€.

  1. E é gerente da H, Lda.
  2. É proprietário das seguintes fracções prediais (quanto à terceira fracção escrevia ‘1984’ em vez de 1/6):
Freguesia Artigo Valor inicial VPT actual Parte Localização
X U-X 404.026,30€ 816.630€ 1/3 X
X U-Z 149.639,37€ 284.820€ 1/3 X
X R 36,31€ 22,77€ 1/6
  1. Tem mobiliário da habitação.
  2. Tem acções e quotas de várias sociedades.
  3. Tem um quinhão hereditário na herança indivisa aberta por óbito da mãe em 16/08/2010 (anexo I). No imposto de selo – detalhe de participação de transmissões gratuitas, cada um dos herdeiros consta como tendo a quota ideal de ¼ e estão relacionadas 65 verbas relativas a ½ de imóveis (herança indivisa: não), 1 verba de ¼ de imóvel (herança indivisa: não), 2 verbas de ½ de imóveis (herança indivisa: sim); 1 verba de 3/22? de um imóvel (herança indivisa: sim); 11 verbas de ½ de créditos (herança indivisa: não) relativas a suprimentos, prestações suplementares de capital e prestações acessórias pecuniárias e outros créditos e 6 verbas de ½ (herança indivisa: não) de participações sociais.
  4. Na declaração para efeitos de IRS relativa a 2014, constam apenas rendimentos de trabalho dependente, no valor bruto de 6984,10€.
  5. O devedor tem pendente contra si as seguintes execuções:
J, SA /12.0TCFUN 1.331.187.66€
B /12.4TCFUN 3.927.850,17€
F /12.1TCLRS 252,852€
Ba /13.2TCFUN 4.033.912,99€
Be /14.0TCFUN 1.097,499€
Bi /14.0TBFUN 337.624,13€
  1. Na execução da credora J foi penhorado aos executados (devedor, pai e os dois irmãos) a nua propriedade do prédio registado sob o n.º X, artigo matricial urbano x, com 7200m2, sendo sujeitos activos o pai e a mãe do devedor; a penhora foi registada a 22/01/2013, tendo como sujeito activo a credora J e como sujeitos passivos o pai (tinha sido casado com a mãe no regime de comunhão geral de bens), o devedor e os outros dois irmãos. Na avaliação que foi feita desse prédio consta como tendo o artigo matricial x e o n.º de registo predial x.
  2. Os executados, entre eles o devedor destes autos, reclamaram a 18/11/2013 contra o valor que a avaliação tinha dado ao imóvel, de 4.000.000€, dizendo que ele era de 6.402.998€ (dizem mesmo que já tiveram propostas de venda por 10.000.000€).
  3. Na execução o valor base para venda anunciado a 18/12/2013 foi de 6.402.998€, a 26/01/2015 o valor base para venda anunciado foi de 5.442.548,30€.
  4. Em 26/01/2015, o devedor foi notificado da decisão da venda do bem penhorado.
  5. Em 09/02/2015 requereu o início deste processo de revitalização.
  6. Estão relacionados os seguintes créditos contra o devedor (os credores que votaram contra o plano tem um sinal – a anteceder o seu nome; os que votaram a favor têm um sinal + a anteceder o seu nome):
1 -Ba      4.033.913€ Dívida de JS, SA
2 +C    10.228.782€ Dívida de JS, SA
3 +C         500.000€ Dívida de T, SA
4 +C         258.806€ Dívida de H, Lda
5 -Sa    10.583.653€ Dívida de JS, SA
6 +N      1.097.499€ Dívida de T, SA
7 +N         249.207€ Dívida de H, Lda
8 +Bp      9.362.309€ Dívida de JS, SA
9 -Bc      3.927.850€ Dívida de JS, SA
10 +BA      9.085.462€ Dívida de JS, SA
11 +BA           20.000€ Dívida de R, Lda
12 +BA         369.245€ Garantias bancárias x
13 +BA           52.945€ Garantia bancária x
14 -Bi         984.635€ Dívida de JS, SA
15 +Mol      1.282.142€ Dívida de JS, SA
16 Bb      1.545.613€ Dívida de JS, SA
17 -J, SA      1.331.818€ Dívida de JS, SA
18 F, Lda         252.853€ Dívida de T, SA
19 S, Lda           48.650€ Dívida pessoal
  1. “O crédito” do BA está garantido por uma hipoteca sobre os prédios X de X, com um valor patrimonial de 246.530€ e X, fracções B, C, D e E, da X, com um valor patrimonial matricial de, respectivamente, 26.890€, 54.460€, 201.730€ e 127.650€. Todos os outros créditos foram considerados comuns.  
  2. A proposta do plano de revitalização aprovada consta do seguinte, para além de 14 pontos com a descrição genérica do regime legal do plano de recuperação:

15. Quanto a todos os credores, a expectativa de ressarcimento é reduzida no cenário de encerramento e liquidação dos devedores, aumentando substancialmente caso o presente plano de recuperação venha a ser aprovado.

16. Por isso, em síntese, importa reforçar que a aprovação do presente plano de recuperação, para além dos benefícios económicos e sociais inerentes, é mais vantajoso para os credores, não havendo nenhum que fique pior com o plano especial de revitalização, de que na ausência dele.

        Depois segue-se uma parte dita:          B) Conteúdo do plano

Conforme resulta da lista de credores provisória junta aos autos, as dívidas do requerente decorreram, na sua maioria, de garantias prestadas a obrigações assumidas por sociedades das quais o mesmo é sócio, accionista, gerente ou administrador.

         Tais sociedades reúnem todas as condições para manterem o exercício da sua actividade e, no âmbito da mesma, cumprirem as suas obrigações para com os seus credores, altura em que o requerente ficará exonerado das suas obrigações.

         No que diz respeito às JS, SA, e T, SA, estas requereram um processo especial de revitalização no âmbito dos quais lograram aprovar um plano de revitalização, reestruturando, dessa forma, as suas obrigações.

         O devedor não exerce uma actividade que liberte meios necessários ao pagamento do seu passivo pelo que, apesar de possuir algum património, não dispõe de liquidez suficiente para cumprir, de uma só vez e imediatamente, as obrigações que assumiu enquanto garante das sociedades supra mencionadas.

         Assim, considerando a maioria da natureza dos créditos, o presente plano tem por finalidade a obtenção de um acordo com os credores no sentido de reestruturar o passivo do devedor em articulação com as obrigações assumidas pelas sociedades garantidas.

         1) Créditos decorrentes de garantias prestadas pelo devedor às JS, SA, e T, SA, e créditos decorrentes das actividades destas cujas obrigações foram assumidas, a título principal ou acessório, pelo devedor

a) As garantias prestadas e as obrigações assumidas pelo devedor mantêm-se nos seus exactos termos;

b) Tais dívidas serão pagas pelas referidas sociedades nos termos e condições definidos nos respectivos planos de revitalização;

c) Em caso de incumprimento pelas empresas do contido nos respectivos planos de recuperação, aprovados em sede de processo de revitalização, o devedor responde com todo o seu património, incluindo o quinhão hereditário (ANEXO 1) que possui na herança aberta por óbito de sua mãe, por tudo quanto for devido por aquelas empresas, excepto o património sobre o qual incide hipoteca a favor do Banco BA identificado no n.º 2 do ponto V – Lista de créditos.

         2) Dívidas decorrentes de garantias prestadas pelo devedor a sociedades comerciais que não JS, SA e T, SA, e créditos decorrentes das actividades destas cujas obrigações foram assumidas, a titulo principal ou acessório, pelo devedor:

a) As garantias prestadas e as obrigações assumidas pelo devedor mantêm-se nos seus exactos termos;

b) Tais dívidas serão pagas pelas referidas sociedades nos termos e condições definidos nos respectivos contratos e de acordo com as obrigações assumidas pelas sociedades;

c) Em caso de incumprimento por aquelas empresas das obrigações assumidas no âmbito das diversas operações contratadas, o devedor responde com todo o seu património, incluindo o quinhão hereditário (ANEXO 1) que possui na herança aberta por óbito de sua mãe, por tudo quanto for devido por aquelas empresas, excepto o património sobre o qual incide hipoteca a favor do Banco BA identificado no n.º 2 do ponto V – Lista de créditos.

        3) Créditos comuns pelos quais o devedor é directamente responsável (com exclusão de responsabilidades derivadas de garantias prestadas e de obrigações de terceiros assumidas pelo devedor referidas nos antecedentes pontos 1 e 2)

O devedor propõe o seguinte acordo:

a) Redução em 35% do capital total em dívida;

b) Pagamento de 38,3% do capital total em dívida em 60 prestações trimestrais, crescntes e sucessivas, vencendo-se a primeira nos 180 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização.

c) A amortização de capital anual corresponderá às seguintes percentagens:

Ano Amortização

% Capital Total em divida

2016 a 2017 1,3%
2018 a 2021 2,1%
2022 a 2026 2,8%
2027 a 2030 3,32%
TOTAL 38,3%

d) O capital remanescente (26,7% do capital total em dívida) será pago, a final, isto é, depois de cumprido o plano de pagamento supra referido, objecto de negociação com vista à definição de um plano para o seu pagamento;

e) Sobre o capital referido em b) e d) vencer-se-ão juros contados após 6 meses do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização empresarial, calculados com base na euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 1%, tomando como referencial o fixing diário publicado pela Federação Europeia de Bancos, cujo pagamento será efectuado trimestralmente; e

f) Perdão da totalidade dos juros de mora vencidos, bem como outros encargos financeiros (nomeadamente imposto de selo, comissões, entre outros) vencidos, e ainda os juros de mora e encargos financeiros vincendos até ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização.

4) Créditos garantidos com hipoteca (com exclusão de responsabilidades derivadas de garantias prestadas e de obrigações de terceiros assumidas pelo devedor referidas nos antecedentes pontos 1 e 2)

Especificamente para os créditos garantidos com hipoteca, o devedor propõe o seguinte acordo:

a) Pagamento de 40% do capital total em dívida em 60 prestações trimestrais, crescentes e sucessivas, vencendo-se a primeira nos 180 dias após o trânsito em julgado’ da sentença de homologação do plano de revitalização.

b) A amortização de capital anual será correspondente às seguintes percentagens:

Ano Amortização

% Capital Total em divida

2016 a 2017 0,8%
2018 a 2021 1,83%
2022 a 2026 2,86%
2027 a 2030 4,21%
TOTAL 40%

c) o capital remanescente (60% do capital total em dívida) será pago, a final, isto é, depois de cumprido o plano de pagamento referido supra, objecto de negociação com vista à definição de um plano para o seu pagamento;

d) Sobre o capital referido em a) e c) vencer-se-ão juros contados após 6 meses do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização, calculados com base na euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 3%, tomando como referencial o fixing diário publicado pela Federação Europeia de Bancos, cujo pagamento será efectuado trimestralmente.

        5) Para garantia do pagamento da totalidade dos créditos referidos nos antecedentes pontos 1, 2, 3 e 4, pelos quais é directa e imediatamente responsável, o devedor vincula-se a constituir em paridade e na proporção de cada um dos créditos pelos quais é responsável, uma hipoteca voluntária a favor de todos os seus credores sobre o seu património imobiliário, excepto aquele sobre o qual incide hipoteca a favor do BA, identificado no n.º 2 do ponto V – Lista de créditos.

         6) Para garantia ainda do pagamento da totalidade dos créditos referidos nos antecedentes pontos 1, 2, 3 e 4, no que respeita à herança indivisa aberta por óbito de sua mãe, o devedor, em conjunto com os restantes herdeiros, vincula-se a constituir a favor de todos os seus credores, na proporção dos respectivos créditos e em paridade, hipoteca voluntária sobre cada um dos imóveis que integram tal herança indivisa (ANEXO 1), a qual se encontra deduzida dos imóveis sobre os quais incide hipoteca a favor do Banco BA, identificados no n.º 2 do ponto V – Lista de Créditos.

        7) A constituição das hipotecas voluntárias referidas nos pontos 5) e 6), que antecedem, sob pena de incumprimento de cada um dos planos, será feita nos 90 dias subsequentes ao trânsito em julgado da última das sentenças que vier a homologar o plano de recuperação de cada um dos filhos da falecida MS.

          8) Por fim, importa referir que o Sr. Administrador Judicial irá fiscalizar o cumprimento do presente plano de revitalização empresarial por um período de 3 anos após a sua homologação.

          9) Efeito sobre as execuções

       A aprovação e homologação deste plano de revitalização não conduzirá à extinção das acções para cobrança de dívidas que tenham sido intentadas quer pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, quer pela Autoridade Tributária.

          Relativamente às restantes acções, a aprovação e homologação do plano de revitalização extinguirá todas e quaisquer acções de cobrança movidas contra o devedor.

  1. O AJP esclareceu a fl. 1057 [segundo transcrição feita no ponto 23 do relatório da decisão recorrida] que os créditos que caem no âmbito da cláusula 1 são as prestadas por todos os bancos às SA JS e T; os créditos que caem no âmbito da cláusula 2 são as prestadas pela C e N às Ldas O, R e H; nos créditos que caem na cláusula 3 estão incluídos as credoras F e J, pois que, sendo das SA JS e T, o devedor assinou uma confissão de dívida obrigando-se pessoalmente ao cumprimento das obrigações perante aqueles credores.

                                                       *

A objecção decorrente da natureza do aval

            A decisão recorrida tem razão quando diz que as medidas a e b da cláusula 1 são contraditórias entre si: por um lado estipula-se que as garantias prestadas e as obrigações assumidas pelo devedor mantêm-se nos seus exactos termos e, por outro, que tais dívidas serão pagas pelas referidas sociedades nos termos e condições definidos nos respectivos planos de revitalização. Ora, as dívidas não se podem manter nos seus precisos termos se, ao mesmo tempo, foram modificadas nos planos de revitalização. E se não foram modificadas então não faz sentido contrapor uma coisa à outra.

            A questão não tem, no entanto, relevo, pois que o que se pretendeu com as cláusulas 1 e 2, no conjunto das três alíneas de cada uma das cláusulas, é claro: o plano aprovado traduz-se em impor a todos estes credores do avalista uma condição ao exercício do direito de exigirem deste o cumprimento dos avales prestados: ele só terá de os cumprir se e quando as sociedades avalizadas deixarem de cumprir aquilo a que estão obrigadas, quer pelo que resulta dos planos de revitalização (as SA JS e T), quer pelo que resulta dos contratos (as outras). 

            Ora, se isto tivesse sido estabelecido num plano aprovado num processo de revitalização das sociedades avalizadas não seria admissível, porque o art. 217/4 do CIRE não o permite (desenvolvendo o assunto em termos gerais e com amplas referências legais, doutrinárias e jurisprudenciais, veja-se Carolina Cunha, no estudo publicado na RLJ ano 145, n.º 3997, Março Abril 2016, págs. 201 a 232; no mesmo sentido vai Isabel Menéres Campos, CDP 46, Abril Junho de 2014, págs. 61 a 67; e os inúmeros acórdãos citados por estas autoras e também pela credora J nas contra-alegações; relativamente a uma tentativa de suspensão da execução contra o avalista, veja-se o ac. do TRL de 14/02/2013, 9778/11.5TBOER-A.L1-2).

            Tratando especificamente da questão, veja-se, no mesmo sentido, por exemplo, o ac. do TRL de 17/05/2016, 20931/12.7TYLSB-A.L1-7: A inserção no plano de revitalização duma sociedade de cláusulas relativas aos garantes – nomeadamente determinando que é também pressuposto do cumprimento do plano a extinção dos processos judiciais intentados contra terceiros garantes, com vista à cobrança de créditos detidos sobre a empresa, e que os credores apenas poderão exigir a terceiros garantes do cumprimento das obrigações da empresa, após o incumprimento por parte desta do plano -, viola, de forma grosseira e não negligenciável, regras relativas ao conteúdo do plano, nomeadamente o disposto no nº 4 do art. 217 do CIRE, a impor a não homologação daquele; e o ac. do TRG de 24/09/2015, 378/14.9T8VNF.G1; contra, no entanto, veja-se o ac. do TRE de 12/07/2016, 3066/15.5T8STR.E1.

            Esta situação é diferente, no entanto, da que se verifica se, mais tarde, num processo de revitalização do próprio avalista, é aprovada uma medida que se traduz na impossibilidade de os credores accionaram o devedor/avalista enquanto as dívidas forem sendo pagas pelas sociedades avalizadas.

            É que se, no processo de revitalização que respeita ao avalista, os credores até podem perdoar completamente as dívidas do devedor/avalista (o que poderá implicar a extinção integral da posição do credor) e condicionar o reembolso de todos os créditos às disponibilidades do devedor e à vontade deste, submetendo as correspondentes obrigações ao regime do art. 778/2 do Código Civil (art. 196/1-a-b do CIRE e Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, págs. 718/719), têm que poder também, por maioria de razão, estipular que, enquanto as dívidas estiverem a ser pagas pelas sociedades avalizadas, não executarão o devedor/avalista, só o podendo fazer a partir do incumprimento das sociedades avalizadas.

            E como este plano é obtido através de uma votação maioritária, tal pode ser imposto a um devedor minoritário. Isto naturalmente com, entre outras, duas ressalvas; por um lado, o princípio da igualdade tem de ser observado (art. 194/1 do CIRE – os credores não podem ser tratados de forma diferente uns dos outros sem uma razão objectiva para tal), sendo esta uma norma imperativa relativa ao conteúdo do plano, controlável pelo juiz ao abrigo do art. 215 do CIRE (Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, págs. 780/781), pelo que, só com o acordo do credor prejudicado é que o plano poderia ser homologado (art. 194/2 do CIRE); por outro lado, o credor minoritário pode pedir a não homologação do plano aprovado pela maioria, caso demonstre algum dos fundamentos previstos no art. 216 do CIRE, nas condições aí previstas, designadamente se demonstrar que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

            Pelo que a simples existência deste condicionamento não justifica esta objecção levantada pela decisão recorrida à homologação do plano.

            Neste sentido, também, o ac. do TRE de 13/03/2014, 1327/13.7TBSTR.E1: I. A estipulação no plano de recuperação, que condiciona o pagamento pelos devedores, avalistas de crédito reclamado e reconhecido, ao incumprimento do plano aprovado no processo de insolvência do avalizado, onde o mesmo crédito foi contemplado, não viola os artigos 32 da LULL e 217/4, do CIRE. II. Tal condicionante não é intolerável e justifica-se em prol da revitalização dos devedores com o plano de recuperação, a que o credor tem que se sujeitar por resultar do acordo dos credores e ter sido aprovado com a maioria e quórum legalmente exigidos, e assim homologado.

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A objecção decorrente da condição suspensiva

            O art. 215 do CIRE diz, entre o mais, que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano.

            Condições suspensivas do plano são cláusulas que subordinam, a um acontecimento futuro e incerto, a produção dos efeitos (art. 270 do CC) do plano, ou seja, o início da eficácia deste, e não das cláusulas que tenham a ver com as obrigações que constam do plano.

            Ora, a precisa cláusula invocada pela decisão recorrida não suspende a eficácia do plano, suspende apenas a eficácia das obrigações que dele constam.

            Pelo que também esta objecção levantada pela decisão recorrida à homologação do plano não se justifica.

            Assim, são procedentes as conclusões do recurso contra os fundamentos invocados na decisão recorrida para a não homologação do plano aprovado.

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                            Da ampliação do objecto do recurso

            Da não verificação das condições legais para a existência do processo e, por isso, do plano

            Tendo em conta o disposto nos arts. 1/2, 5, 17-A/1, 17-B, 17-C/1, 17-D/6 e 10, todos do CIRE, e os princípios 1º e 10º e os considerandos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25/10, para que última norma remete, há que concluir que o PER é um processo especial aplicável apenas a quem (seja pessoa colectiva ou singular) tem uma empresa, como organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica, que está comprovadamente numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, onde o empresário pode estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, por meio da aprovação de um plano de recuperação que permita ao devedor continuar a sua actividade económica, aos credores obter a recuperação de crédito mais elevada possível, aos trabalhadores continuar a trabalhar, de modo a produzirem bens ou serviços que satisfaçam as necessidades dos clientes da empresa, levando à existência de rendimentos que sirvam para pagar as dívidas e impostos, e aos fornecedores continuar a fornecer a empresa devedora. Ou seja, destina-se a manter uma empresa num circuito económico produtivo com proveito para todos os intervenientes e para a sociedade em geral (mantendo postos de trabalho, produzindo bens, prestando serviços e gerando receitas fiscais).

            O PER não se destina por isso a pura e simplesmente suspender o pagamento de dívidas e de processos destinados a cobrá-las, e menos ainda a extinguir essas dívidas total ou parcialmente. Se o devedor não tem uma empresa que produza bens ou preste serviços, não tem lógica falar na sua recuperabilidade ou revitalização. O que deve ser feito é tentar obter o pagamento das dívidas do mesmo, com todo o seu património penhorável, liquidando-o para o efeito.

            Tem assim toda a razão a credora J que vem desde o início a chamar a atenção para a total inaplicabilidade do processo especial de revitalização ao devedor/avalista, referindo uma imensa série de razões e de normas legais que pressupõem que se esteja perante uma empresa a revitalizar.

            Foi esta desde logo a posição defendida por Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, págs. 139/140, acompanhada depois pelos acs. do TRP de 23/02/2015, proc. 3700/13.1TBGDM.P1, e de 23/06/2015, procs. 1243/15.8T8STS.P1 (este não publicado) e 1212/15.8T8STS (este com voto de vencido), sendo hoje a posição assumida por todos os juízes conselheiros que fazem parte da 6ª secção do STJ especializada nesta matéria (com início no ac. de 10/12/2015, proc. 1430/15.9T8STR.E1.S1), e pela maior parte da jurisprudência dos tribunais das relações de há 2 anos para cá (podendo, pois, a propósito, falar-se de uma jurisprudência do STJ constante e reiterada sobre o assunto, apesar de alguma resistência de alguns acórdãos das relações; sobre as vantagens da jurisprudência constante, veja-se o que se diz no ac. do STJ de 15/03/2012, proc. 772/10.4TVPRT.P1.S1). Esta mesma posição foi também seguida pelo ac. do TRL de 21/04/2016, proc. 2238/16.0T8SNT.L1-2, que deu origem ao seguinte post de 08/07/2016 do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no blog do IPPC: A orientação defendida no acórdão parece ser a que melhor corresponde à justificação e às finalidades do PER, bem como à coexistência do PER com um regime específico para a insolvência de pessoas singulares (cf. art. 235 a 266 CIRE). Era desejável que a questão fosse rapidamente esclarecida num acórdão de uniformização de jurisprudência, principalmente porque, não tendo a questão a ver com algo de estruturante ou substancial do sistema jurídico, se criaria certeza e a segurança numa área onde, no momento, reina a incerteza e a insegurança. Mais vale uma orientação previsível dos tribunais – qualquer que ela seja – do que uma permanente incerteza quanto à solução que vão adoptar. Ainda neste sentido e por últimos, vejam-se os acs. do STJ de 18/10/2016, 65/16.3T8STR.E1.S1 e de 27/10/2016, 381/16.4T8STR.E1.S1 (todos estes acórdãos fazem as necessárias referências doutrinárias e jurisprudenciais que por isso não se repetem aqui).

              A decisão recorrida decidiu o contrário, simplesmente com remessa para uma posição doutrinária, quando já era notória esta uniformidade jurisprudencial ao nível do STJ (tendo em conta que é apenas uma secção especializada deste que se pronuncia sobre o assunto), pelo que, para decidir como o fez, precisava de aduzir fundamentação especial. Uma jurisprudência constante e reiterada do STJ deve ser seguida – tendo em conta os tais princípios da certeza e da segurança jurídica – excepto quando haja razões fortes e ainda não consideradas.

                                                           *                                              

            Não sendo o processo de revitalização aplicável a devedores não empresários, naturalmente que todas as normas que regulam a matéria do processo de revitalização e do plano de recuperação que nele está previsto ser obtido não têm aplicação lógica compatível com a situação de um trabalhador que não tem qualquer empresa, sendo apenas parte dela.

            Ora o devedor dos autos não é manifestamente o empresário que dizia ser; ele não tem nenhuma empresa, é apenas um elemento de uma organização de meios, de uma empresa, como qualquer outro trabalhador da mesma. Tudo aquilo que ele diz no requerimento com que inicia o processo, reporta-se a um grupo de sociedades que, elas sim, têm várias empresas. Ele é um trabalhador dependente de várias delas, recebendo rendimentos desse trabalho, que aliás são apenas de valor equivalente ao salário mínimo nacional [o valor bruto de 6984,10€ equivalia praticamente, em 2014, ao SMN x 14 meses]. O facto de ter prestado garantias a dívidas das sociedades de que faz parte, não o torna comerciante, nem isso representa qualquer actividade económica autónoma produtora de rendimentos.

            A decisão do TRL que julgou improcedente, já neste processo, esta questão que, junto com várias outras, era posta no recurso da credora J – com um voto de vencido que segue no mesmo sentido do decidido acima -, é irrelevante para o caso já que, primeiro, a matéria não era susceptível de recurso (para o que o STJ chamou a atenção); segundo, o que decorre do que antecede, a decisão do TRL traduz-se apenas em admitir o prosseguimento do processo face à matéria alegada pelo devedor requerente, não decidindo em definitivo a questão, a qual, para além disso, tem a ver com a própria essência daquilo que se visa com este processo, ou seja, um plano de recuperação de uma empresa. Se não há empresa, não há nada a revitalizar e por isso, mesmo tendo o processo seguido os seus termos até final, passando a fase do despacho liminar, o plano não pode ser homologado.

            No essencial com a mesma razão de decidir, veja-se também o ac. do TRE de 06/10/2016, 1953/15.0T8BJA.E1: 1. No despacho a que alude o art. 17-C/3-a do CIRE (em que ocorre a primeira intervenção judicial) o juiz deverá certificar-se que os pressupostos legais para recurso ao PER se encontram preenchidos, máxime se o devedor, pessoa singular, pode recorrer a esse regime jurídico. Não o fazendo, nem por isso se devem considerar precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar (v.g. não ser o devedor, pessoa singular, agente económico) tanto mais que ao credor não é consentido que recorra de tal despacho. 2. O credor que haja votado desfavoravelmente tal plano, que a final veio a ser homologado, pode de tal despacho recorrer com fundamento de que o devedor não reúne os requisitos para utilização do PER, já que se trata de questão de conhecimento oficioso susceptível de ser apreciada em sede de recurso ainda que não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. 

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            Da violação não negligenciável das regras relativas ao conteúdo do plano

            Mas para além do obstáculo de o processo não ser aplicável a pessoas que apenas fazem parte de uma empresa, não sendo titulares da mesma, o plano obtido nem sequer é um plano de recuperação, constituindo uma frontal violação às normas relativas ao conteúdo do plano, previstas nas várias alíneas do art. 195 do CIRE, na sequência aliás, de violação, pelo devedor, do disposto no art. 24-e do CIRE.

            Desde logo, um plano de recuperação, segundo o décimo princípio da resolução referida acima, deve ter propostas de recuperação baseadas num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação e conter informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros.

            Ora, no caso dos autos há uma série de violações das “condições adequadas e necessárias” (a parte entre aspas é de Nuno Manuel Pinto Oliveira, Entre código da insolvência e ‘princípios orientadores’ – ROA 2012/II/III, págs. 683/684), para que um plano de negócios seja considerado viável e credível.

            Pois que no plano dito de recuperação diz-se expressamente que “o devedor não exerce uma actividade que liberte meios necessários ao pagamento do seu passivo” e que são as sociedades avalizadas que vão cumprir as obrigações, altura em que o devedor/avalista ficará exonerado das suas obrigações”, e depois, só em relação a algumas dívidas – as das cláusulas 3 e 4 – que representam, quando muito, cerca de 20% do passivo total, se prevê um pagamento, mas de apenas 38,3%, em relação às da clª 3 e de 40%, às da clª 4, do capital e apenas em 15 anos (depois de uma redução de 35% do capital total em dívida em relação às da clª 3 e de um compromisso de negociação depois daqueles 15 anos em relação aos 26,7% e 60% do restantes). E mesmo aqui, isto é, em relação ao pagamento de 38,3% e 40% destas dívidas nem sequer se explica como é que ele se fará (explicação tanto mais necessária quando a única coisa que se sabe sobre os rendimentos do devedor é que são equivalentes ao salário mínimo nacional).

            Isto para além de também não constarem do plano dados de facto suficientes para se saber qual é a real situação patrimonial e reditícia do devedor, já que não descreve, e por isso não se sabe, quais os bens de que ele é proprietário: que acções é que tem, de que sociedades e qual o seu valor estimado; quais são os móveis de habitação e seu valor; qual é a real composição do quinhão hereditário (que no entanto se sabe ter mais de 86 verbas, sendo 67 de 1/2 de imóveis) e qual o seu valor; qual o valor estimado dos imóveis; e também nada diz sobre os rendimentos de trabalho do devedor.

            Quanto ao devedor e ao art. 24 do CIRE, ele dava-se ao luxo de nem sequer indicar que tinha um, indiciariamente muito relevante, quinhão hereditário, não dizia ter acções, nem móveis de habitação, e não indicava o valor estimado das quotas sociais e das fracções prediais que tinha; e em relação à verba n.º 1, apesar de já em 2013 ter defendido que a mesma valia mais de 6.400.000€, referindo ter havido propostas de compra por mais de 10.000.000€, dá a essa verba o valor de 813.000€.

            Seja como for, considerada isoladamente, a situação deste devedor será de insolvência actual, sem possibilidade de recuperação, e não difícil situação económica, pois que se todos ele, o seu pai e o seu irmãos se consideram em difícil situação económica para suportar dívidas de 58.000.000€, um deles isoladamente, apenas titular de ¼ da herança (para além dos outros bens próprios), certamente que não terá bens para as pagar.

            E perante tudo isto, os dois pontos conclusivos do plano, 15 e 16, não têm o mais pequeno suporte factual.

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                             Outras inexequibilidades do plano

            Para além disto tudo – o que já seria mais que suficiente para impedir a homologação do plano – diga-se ainda o seguinte:

            O plano não era exequível também porque estava dependente de uma hipoteca para a qual teriam de ter consentido todos os outros herdeiros e esse consentimento não constava do processo.

            Por outro lado, o plano estava dependente de todos os planos de revitalização dos outros devedores (pai e dois irmãos) irem também ser aprovados e homologados. Ora, a credora J já informou há muito os autos que o plano de ‘revitalização’ do devedor JS não tinha sido homologado, sem que o devedor tenha dito algo contra isto, sendo que, como decorre do sumário do ac. do STJ de 05/04/2016 revista n.º 459/14.9TBFUN-B.L1.S1, publicado no sítio do STJ, a decisão está transitada em julgado: I – O prazo previsto no art. 17-D/5 do CIRE – de dois meses para conclusão de negociações – é um prazo de caducidade e um prazo peremptório, conexo com a natureza urgente do procedimento e com a exigência de uma celeridade processual que visa salvaguardar os interesses dos credores: decorrido o prazo, o processo negocial é encerrado, ainda que as negociações não estejam concluídas. II – A votação do plano de revitalização e a sua eventual aprovação integram-se na fase das negociações. III – O plano de revitalização aprovado fora do prazo fundamenta uma violação não negligenciável de regras procedimentais e, por essa razão, deve ser recusada a sua homologação (art. 215 do CIRE aplicável por força do art. 17-F/5, parte final, do CIRE).

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                            Da violação do princípio da igualdade

            O plano, ainda, violava o princípio da igualdade (art. 194 do CIRE): se houver realmente credores que apenas cabem na cláusula 3 da proposta, o que não é seguro, nota-se que estes perdem logo de entrada 35% do capital em dívida, e receberão, se receberem, apenas 38,3% desse capital em pagamentos que se prolongarão por 15 anos e os restantes 26,7% serão objecto de futura negociação após esses 15 anos; enquanto os credores da clª 2 receberão tudo o que resultava dos respectivos contratos (já quanto aos credores da clª 1 não é claro, dada a contradição apontada acima, o que é que eles recebem: o que constava dos contratos ou dos planos de revitalização celebrados com as SA avalizadas, não se sabendo também, como já se disse, se estes planos modificaram o que estava nos contratos).

            Ora, nada consta do plano aprovado que justifique esta diferença quanto ao que será obtido por uns e outros credores, tanto mais que a credora J era também ela credora das sociedades avalizadas.

            [com recusa de homologação por violação do princípio da igualdade, de algum modo com razões semelhantes, vejam-se, apenas por exemplo, os acs. do STJ de 03/11/2015, proc. 863/14.2T8BRR.L1.S1: III – Não se descortinando, nos factos provados, qualquer razão objectiva para que um crédito que foi, nos termos do plano de revitalização, reduzido em 50% seja pago em 120 prestações iguais e sucessivas, há que considerar que o mesmo viola o princípio da igualdade dos credores, o que constitui causa oficiosa de recusa da respectiva homologação (art. 215 do CIRE); de 24/11/2015, proc. 700/13.5TBTVR.E1.S1: Por ofensa do princípio da igualdade dos credores da insolvência (art. 194/1, do CIRE) e inerente violação grave – não negligenciável – das regras aplicáveis ao respectivo conteúdo (art. 215 do CIRE), deve ser recusada a homologação do aprovado plano de recuperação/insolvência em que: i) Os votos favoráveis, não obstante corresponderem a 70,98% dos créditos reconhecidos, provieram de credores garantidos ou privilegiados, cujos créditos foram objecto de tratamento favorável no mesmo plano, na medida em que este previa, expressamente, a respectiva e integral recuperação/pagamento; ii) Em contrapartida, os créditos comuns – um dos quais no montante de 195.121,60€ – seriam objecto de perdão total quanto ao capital e juros em dívida; iii) Um credor garantido teria o tratamento favorável reservado a tal tipo de créditos, mesmo quanto a 19,32% do crédito reclamado, o qual, em tal percentagem, era de natureza comum; iv) Há total inconsideração e desprezo pelos créditos de fornecedores de matéria-prima imprescindível ao funcionamento e subsistência da empresa, sob invocação da consideração exclusiva de prevalecente necessidade de obter financiamento bancário; de 24/11/2015, proc. 212/14.0TBACN.E1.S1: I. Estabelecendo o plano de revitalização do devedor diferenciações entre os credores, é necessário que nele se justifique o diferente tratamento, com a indicação das razões objectivas que lhe estão subjacentes. II. A simples menção de que existe necessidade do devedor vir a ser apoiado financeiramente no futuro pelas instituições financeiras credoras, não constitui razão objectiva justificadora da desigualdade de tratamento estabelecido no plano, quando tal menção não está acompanhada de uma vinculação efectiva, concreta e programada de apoio por parte dessas instituições financeiras. III. A circunstância de alguns credores poderem ser estratégicos para a actividade do devedor não é, só por si, suficiente para derrogar o princípio da igualdade e o da proporcionalidade em prejuízo de outros credores. IV. As diferenciações entre credores não podem radicar na própria necessidade de aprovação do plano, pelo contrário, é este que tem que respeitar, tanto quanto possível, o princípio da igualdade entre os credores; do TRP de 17/05/2016, proc. 6001/15.7T8VNG.P1: IV – À luz do princípio da par conditio creditorum – art. 194/1 CIRE – é indefensável a privação de juros de credores comuns, com valores superiores ao crédito comum do credor garantido Banco E…, mantendo este a dívida de juros vincendos do seu crédito comum. V – Os princípios que presidem ao processo de revitalização, tal como sempre presidiram à recuperação de empresas ou à aprovação de planos de insolvência, são insuficientes para justificar a infracção aos princípios da par conditio creditorum que, ao menos por igual, se impõe respeitar; do TRG de 06/10/2016, 982/16.0TBVNF.G1: Há violação do princípio da igualdade quando um credor é pago integralmente e sobre os créditos do credores comuns incide o perdão de 90% dos créditos e pagamento do remanescente em prestações mensais, sem vencimento de juros ou seja, o capital é reduzido em 90% (apenas recebem 10% do capital em dívida); e do TRE de 17/11/2016, 1067/14.0TBABF-A.E1; e agora, por último, o ac. do STJ de 07/02/2017, proc. 5512/15.9T8CBR.C1.S1: VI – Inexistindo razão atendível para que o plano de revitalização trate privilegiadamente as entidades bancárias credoras face aos credores titulares de créditos laborais, é de concluir pela ofensa ao princípio da igualdade entre credores, o que constitui causa de recusa oficiosa da sua homologação.].

          O que seria mais uma razão – apenas mais uma, há muito desnecessária – para a não homologação do plano.

                                                      *

          Em suma: um plano de recuperação que diz expressamente que o devedor/avalista não exerce uma actividade que liberte meios necessários ao pagamento do seu passivo (claramente superior ao activo relacionado), põe o pagamento de, pelo menos, cerca de 80% do passivo nas mãos das sociedades avalizadas e, relativamente aos outros possíveis 20% prevê apenas o pagamento de cerca de 38%-40% do passivo global em 15 anos, o perdão de parte de parte daqueles 20% e o eventual pagamento do restante em condições a acordar depois daqueles 15 anos, e não explica como é que se faz (com que meios) esse pagamento, não é plano de revitalização de uma actividade autónoma economicamente produtiva, mas apenas a utilização de um processo legal para obter um fim – suspensão e depois extinção de execuções – que não é o visado nem normalmente querido por lei (a extinção de uma obrigação por medida votada por terceiros) e que esta só prevê para situações excepcionais (de possibilidade de revitalização de agentes económicos). O que sempre imporia, também, a não homologação do plano.

       Neste sentido, veja-se, por exemplo, o do ac. do STJ de 27/10/2016, proc. 741/16.0T8LRA-A.C1.S1: I. O juiz pode recusar a homologação do acordo de recuperação firmado no âmbito do PER quando os elementos factuais constantes do processo revelem inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência actual. II. As negociações a desenvolver no âmbito do PER devem visar a um plano de recuperação viável e credível, ou seja, exequível. III. Plano que seja aprovado em desconformidade patente ou manifesta com tais pressupostos, é um plano inatendível e insusceptível de ser homologado, nomeadamente por eivado de abuso do direito na perspectiva do seu fim social ou económico (no mesmo sentido, do mesmo relator, o ac. do STJ de 03/11/2015, 1690/14.2TJCBR.C1.S1).

                                                                 *

            Objecções dos recorrentes devedor e C (sintetizadas acima de iii a vii)

            – quanto a (iii) não se pode invocar qualquer surpresa – para efeitos do art. 3/3 do CPC – na decisão de não homologação de um plano de recuperação por fundamentos que tenham a ver com a aplicação do art. 215 do CIRE, pois que é esse o resultado potencial da necessidade de homologação do plano; e nesta decisão o tribunal apenas pode fixar um prazo para a verificação das condições suspensivas do plano e para a prática de actos ou medidas que devam preceder a homologação de acordo com esse plano (não está previsto nem parece ser possível, um despacho de aperfeiçoamento, mesmo que de um vício passível de correcção, em vez da sentença de não homologação: neste sentido, veja-se Pedro Pidwell, O processo de insolvência e a recuperação da SCRL, Coimbra Editora, 2011, pág. 279); para além disso, no caso, como se viu, trata-se de uma situação em que, por um lado, o processo nem sequer é aplicável ao devedor em causa, e, por outro, nem este tem uma actividade que seja susceptível de recuperação, e nada disto seria suprível.

            – quanto a (iv), não há qualquer nulidade da sentença, por suposta incompatibilidade lógica, ao reconhecer ao avalista o direito de lançar mão de um PER e, por outro, constatar, perante os factos provados, que o mesmo não é aplicável ao avalista concreto dos autos e que o plano, independentemente disso, não é um plano de recuperação, mas um simples obstáculo ao exercício dos direitos de credores do avalista, e por isso recusar a homologação do plano (com a consequente cessação dos efeitos da admissão do PER nas execuções pendentes).

            – quanto a (v), o facto de a não homologação do plano ter como consequência o benefício dos credores minoritários vencidos na votação do plano, não tem relevo desde que a não homologação esteja de acordo com as normas legais.

            – quanto a (vi), a C não explica como é que o vencimento das obrigações do avalista que venha a ser declarado insolvente acarreta, sem mais, o vencimento das obrigações das sociedades avalizadas, não tendo razão de ser a invocada acessoriedade do aval, já que esta é, quando muito (para alguns), uma acessoriedade formal, não substancial, já que a obrigação do avalista se mantém mesmo que a obrigação seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (art. 32/2º§ da LULL) “e não existe, no domínio da LU, qualquer preceito que, ao arrepio da res inter alios acta, autorize o avalista a invocar contra o credor meios de defesa próprios do avalizado” (a parte entre aspas é de Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina, pág. 40); e a possibilidade de os credores do avalista o accionarem independentemente do que tiver sido decidido no PER da avalizada, já demonstrada acima, equivale à negação da ideia de que a eventual subsequente insolvência do avalista vá acarretar o vencimento das obrigações das sociedades avalizadas, atento até o disposto na parte final do art. 217/4 do CIRE (: “mas estes sujeitos [no caso os avalistas] apenas poderão agir contra o devedor [no caso as sociedades avalizadas] em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência [da avalizada] pudesse exercer contra ele os seus direitos”).

            – quanto a (vii), diga-se que o devedor e a C não demonstram minimamente como é que a não homologação do plano relativo ao avalista vai prejudicar milhares ou centenas de pessoas. E a nível de hipóteses, sempre se pode invocar a inversa: a homologação do plano iria prejudicar todos os credores com as execuções suspensas e depois extintas e todos os trabalhadores desses credores e as respectivas famílias, etc.

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            A procedência destes fundamentos, torna inútil a apreciação dos restantes fundamentos invocados pela credora J, entre eles o invocado ao abrigo do art. 216 do CIRE (em relação ao que sempre haveria que notar que as penhoras não dão preferência aos credores exequentes: art. 140/3 do CIRE e ac. do TRL de 27/10/2011, 353/09.5TBSXL-B.L2-2).

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            Assim, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida (embora por outros fundamentos).

            Custas pelo devedor.

            Lisboa, 16/03/2017

            Pedro Martins

            1.º Adjunto

            2.º Adjunto