Acção de honorários do Juízo local cível de Lisboa

            Sumário:

              […]

      II. Os honorários dos advogados são determinados/fixados ou nos termos da convenção prévia (arts. 280 e 400 do CC) ou pelos advogados (art. 105/2 do EOA); fixados pelos advogados (segundo os critérios do art. 105/3 do EOA), eles deixam de ser líquidos e por isso vencem juros de mora desde a data em que o cliente foi interpelado para os pagar (arts. 777/1, 804 e 805/1, todos do CC).

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

            […]

 

Dos juros

            A sentença recorrida fundamentou assim a sua posição quanto à questão dos juros:

         Quanto aos juros devidos, não se pode afirmar que a ré que pretendia discutir o montante de honorários se tivesse colocado em situação de mora, pois não havia causa para lhe imputar em tais circunstâncias o incumprimento no pagamento dos honorários exigidos.

         Uma vez que as partes, não fixaram antecipadamente o montante dos honorários nem o critério da sua determinação, a obrigação não é liquida e a liquidez não é imputável à ré até ao momento em que o tribunal procede à indicação do montante devido, tornando a partir de então, liquida a obrigação.

         Em acção de honorários devidos a advogado os juros de mora só são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença desde que as partes não tenham fixado anteriormente o montante da obrigação, nem o critério da sua determinação – ac. do TR do Porto de 27/03/2003 [só sumário, proc. 0330146 – este parenteses foi colocado por este acórdão do TRL].

            O autor entende que:

        Esta posição não encontra respaldo na lei (arts. 804, 805/1 e 5, do CC) e contraria a maioria e mais recente jurisprudência dos tribunais superiores (que defende que o facto de o devedor contestar os honorários liquidados pelo credor, não tem o condão de transformar um crédito líquido num crédito ilíquido), além de que o resultado da mesma contende com os mais elementares princípios da boa-fé, beneficiando injustificadamente o devedor relapso; para mais, tendo o tribunal a quo condenado a ré ao pagamento da exacta quantia liquidada pelo autor na sua nota de honorários entregue pessoalmente em 20/10/2014, servindo esta de interpelação.

            Invoca neste sentido os acórdãos [os números dos acs. foram colocados por este TRL]:

         – do STJ de 16/09/2008, 08A1438: é certo que os réus contestaram o crédito, sustentando que os serviços deveriam ser fixados em montante inferior. Ou seja, defenderam que o seu débito era menor do que o solicitado pelo autor. Mas esta circunstância, não torna aquele crédito ilíquido. Poderá ser inferior e portanto, em parte, não devido, mas não ilíquido. […] Dado que o autor interpelou os réus a cumprir, liquidando a obrigação, isto é, fixando, em concreto, os honorários e despesas que, no seu prisma, eram devidas, os juros de mora devem ser contabilizados desde as datas dessas interpelações (extrajudiciais) e não desde o trânsito em julgado da decisão. […] De resto esta é a posição mais justa e equilibrada, conciliando os interesses em confronto visto que o autor, não podendo receber, desde logo, a quantia de que foi reconhecido credor, poderá contar com os juros moratórios que o compensará pelo atraso. Por sua vez, os devedores, pagarão apenas o afirmado como devido, mas terão que indemnizar o credor pelo retardamento do pagamento, na medida em que não tiverem razão; […] A não se considerar assim, abrir-se-ia as portas a contestações impróprias com o fito apenas de evitar o pagamento tempestivo. A injustificada litigância, a considerar-se a mora a partir do trânsito em julgado da sentença, acabaria por beneficiar o prevaricador, o que não é aceitável.

         – do TRL de 19/06/2012, 2344/09.7YXLSB.L1-7: com esta interpelação, a autora liquidou a obrigação, a cujo cumprimento as rés se encontram adstritas. O seu montante pode ter sido – como foi – contestado pelas rés, mas isso não gera iliquidez da dívida.

         – do TRP de 23/05/2002, 0230655 [só sumário], Uma dívida é líquida, para efeito de poderem ser exigidos juros de mora, quando a fixação do seu montante não depender de situação de incerteza quanto ao respectivo cálculo ou determinação. Uma dívida não deixa de ser líquida, para aquele efeito, pelo facto de o tribunal vir a fixá-la em montante inferior ao do pedido, designadamente em acção de honorários pedidos por advogado.

        – do STJ de 17/02/2005, proc. 04B3048, afirma de forma lapidar: A quantia que vier a ser fixada a título de honorários vence juros desde a data em que a respectiva conta se tiver por apresentada ao cliente.

         – do TRC 26/02/2013, proc. 166/08.1TBCLB.C2;

         – do STJ de 27/04/2006, CJ.II, págs. 59 a 62: Ponderando os interesses em confronto, concluímos que nem todo o crédito contestado é crédito ilíquido, só o sendo na medida na medida em que o devedor obtenha ganho de causa. No restante o crédito é líquido ou como tal se deve considerar desde a interpelação. Só assim se garante a seriedade da contestação do crédito reclamado e se conciliam os interesses de credor e devedor, aquele a reclamar pronto pagamento ou indemnização pela mora, este a só pagar o devido, livre de pressões ilegítimas mas obrigado a indemnizar na medida em que não tiver razão.

                                                      *

            No mesmo sentido da sentença recorrida, existem outras decisões do STJ como lembra o próprio ac. do STJ de 2008, como, por exemplo, os acs. de 20/06/2002, proc. 02B1631, e de 19/09/2002, proc. 02B1962; e ainda outras decisões das relações, como o ac. do TRL de 03/05/2001, proc. 0130212, o ac. do TRC de 07/05/2013, proc. 265/05.5TBSJP-A.P1, e o ac. do TRG de 29/09/2014, proc. 2259/07.3TBFAF-D.G1.

            Contra, para além dos invocados pelo autor, ainda se podiam invocar os acs. do TRG de 13/10/2016, proc. 465/14.3T8VRL-A.G1, e de 04/02/2016, proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, e do TRL de 11/05/2014, proc. 419/09.1TVLSB-B.L1-7.

            Posto isto,

            O art. 100 do EOA de 2005 (= art. 105 do EOA da Lei 145/2015, de 09/09) diz: 1 – Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa. 2 – Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados. 3 – Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.

            Os honorários dos advogados são pois determinados/fixados ou nos termos da convenção prévia (arts. 280 e 400 do CC) ou pelos advogados (art. 105/2 do EOA). Ao fixá-los, seguindo os critérios do art. 105/3 do EOA, os honorários deixam de ser ilíquidos. O facto de eles serem contestados pelo cliente, embora possa levar à eliminação de uma parte deles pelo tribunal, não os torna ilíquidos. Assim sendo, não é aplicável ao caso o art. 805/3 do CC. Pelo que são devidos juros de mora desde que o advogado determina/fixa os honorários e interpela o devedor para os pagar, vencendo-se a prestação que até aí era sem prazo (arts. 777/1, 804 e 805/1 do CC).

            […]

            Lisboa, 09/02/2017.

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto