Acção comum do 1º juízo central cível de Lisboa
Sumário:
I. A cláusula de um contrato-promessa que estipula que “a escritura de permuta será celebrada até ao dia 15/08/2015, desde que obtida toda a documentação considerada necessária […]” constitui um prazo não essencial para o cumprimento das obrigações subordinado a uma condição suspensiva e não um termo essencial subjectivo relativo.
II. Não provada a verificação da condição antes de 15/08/2015, o prazo não chegou a produzir efeitos e a partir de tal data as obrigações deixaram de ter um prazo fixado.
III. Para passar a haver prazo fixado (quer para a celebração do contrato-prometido quer para a obtenção da documentação necessária), ou as partes acordam nele ou terão de recorrer ao processo especial de fixação judicial de prazo (arts. 777/2 do CC e 1026/1027 do CPC).
IV. Só depois de ultrapassado o prazo que vier a ser assim fixado é que se podem colocar as questões da mora, do incumprimento definitivo, da resolução do contrato e da execução específica.
V. Independentemente disto, não basta, para que a aposição de uma data seja considerada um termo essencial, estipular-se que “todas as cláusulas consagradas são essenciais à vontade de contratar das partes, pelo que o incumprimento de qualquer delas implica o incumprimento de todo o contrato, com a aplicação das disposições legais e contratuais respectivas.”
VI. Tal seria uma cláusula resolutiva e neste tipo de cláusulas deve constar alusão ao tipo de incumprimento considerado e à sua vertente causal, ou seja, devem estar previstos um ou mais fundamentos concretos (que concretizem a alusão ao incumprimento das obrigações contratuais), não podendo ser meras cláusulas genéricas e abstractas.
VII. E isto porque o exercício do direito convencional de resolução tem de estar sujeito a controlo e não deve ser admitido “se se revelar desproporcional por colidir com as superiores razões de uma justiça material absoluta ou lesar um equilíbrio substancial.”
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
A e M, intentaram a presente acção contra J e mulher E, pedindo, em síntese, que seja declarado que os réus não cumpriram o contrato-promessa que celebraram com os autores na data de 15/05/2015 e por isso não podem haver dos autores, nem em singelo, nem em dobro, os montantes que lhes entregaram a título de sinal, nem requerer a execução específica do mesmo.
Alegaram, também em síntese, que: por força do contrato-promessa referido, as partes obrigaram-se a celebrar uma permuta de imóveis de que eram proprietários; o contrato prometido deveria ser celebrado até 15/08/2015; os autores não receberam dos réus qualquer notificação para a celebração do contrato prometido até ao dia 14/08/2015, pelo que, por carta datada de 21/08/2015, dirigida aos réus, resolveram o contrato-promessa.
Os réus contestaram, impugnando, quer parte dos factos alegados quer o efeito jurídico que deles os autores pretendem retirar; entre o mais dizem que: quando muito estariam em mora, não em incumprimento definitivo, porque o prazo previsto no contrato não era um prazo máximo nem definitivo; os autores resolveram o contrato invocando a perda de interesse, sem alegarem factos que permitissem comprovar essa perda de interesse, sendo que a simples mora não basta para permitir a resolução do contrato; e deduziram reconvenção, pedindo, entre o mais, também em síntese, que os autores fosse condenados a reconhecerem aos réus o direito à execução específica do contrato-promessa de permuta, porque os autores faltaram ao seu cumprimento, não comparecendo para a celebração da escritura que os réus marcaram, dentro do prazo, prorrogado, do contrato (essa prorrogação tinha sido pedida por eles aos colaboradores da imobiliária contratada pelos autores e que os representava, e tinha sido aceite pelos autores segundo aqueles colaboradores lhes tinham informado), nem cancelando ou assegurando o cancelamento dos ónus incidentes sobre o seu imóvel, apesar de essa obrigação constar do contrato-promessa.
Os autores replicaram, impugnando parte dos factos alegados pelos réus como base do pedido reconvencional deduzido (mas nada dizem quanto aos ónus não cancelados e aceitam o essencial da actuação dos colaboradores da imobiliária contratada por eles, descrita pelos réus).
O tribunal admitiu a reconvenção.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando a acção procedente (considerando-se que tal implicava, necessariamente, a improcedente a reconvenção).
Os réus interpõem recurso desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que reconheça o direito dos réus à execução específica do contrato-promessa nos termos pedidos na reconvenção -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (numa síntese e com numeração deste tribunal de recurso):
a) na carta com que resolveram o contrato, os autores invocavam a perda do interesse na celebração do contrato definitivo (sem concretizarem em factos essa perda de interesse); só na réplica à reconvenção é que os autores vieram invocar a existência de um prazo máximo e definitivo e a clª 8 do contrato-promessa como base para tal qualificação;
b o tribunal concluiu pela existência de um termo essencial, apesar de ter concluído que existia um prazo, uma condição suspensiva, e que as partes admitiam a possibilidade de o contrato se realizar depois da data considerada termo essencial; mas esta possibilidade afasta a tese da essencialidade do prazo, pois se assim não fosse as partes teriam previsto que, se chegados a 15/08/2015 a documentação não se encontrasse disponível, o contrato automaticamente ficaria sem efeito;
c) é incorrecto afirmar-se que o prazo era essencial se a documentação estivesse disponível e não era essencial apenas e só se a documentação não estivesse disponível.
d) conforme se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/12/2013, processo n.º 9373/11.9TBCSC.L1-2, a cláusula que prevê que “consideram os contratantes que todas as cláusulas acordadas e que este contrato consagra, são essenciais na vontade de contratar das partes, pelo que o incumprimento de qualquer delas, implica o incumprimento de todo o contrato, com a aplicação das disposições legais respectivas, […] não deve, no entanto, fazer logo concluir no sentido de se estar na presença de um de termo subjectivo essencial absoluto, um ‘termo fatal’, com as consequências que o mesmo implica.”
e) a previsão de uma data no contrato-promessa não se confunde com a fixação de um prazo essencial relativo (acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/6/2011, proc. 7005/06.6TBMAI.P1.S1, e de 12/7/2001, CJ.STJ.III, pág. 33) e a previsão expressa da possibilidade de execução específica exclui que se possa entender que foi estabelecido um prazo essencial absoluto (ac. do STJ de 25/3/2010, proc. 408.06.8TBACN.C1.S1).
f) a conduta dos autores ao comunicarem à empresa de mediação em 07/08/2015 que o contrato estava ultrapassado e pedindo que o réu “nos remeta a sua proposta” permite concluir que, ao invés, não era seguramente o prazo que era essencial pois os autores continuavam dispostos a celebrar o contrato desde que a proposta lhes interessasse;
g) o facto de os réus terem afirmado que “estavam cientes de que se encontravam obrigados a marcar a escritura de permuta e que esta teria de se realizar até ao dia 15/08/2015” bem como o facto de o réu ter tido a preocupação de obter uma declaração escrita quanto ao (hipotético) acordo dos autores relativamente à prorrogação de prazo não revela que “estava ciente da natureza do prazo, ou seja, que o contrato teria de ser realizar impreterivelmente até à data de 15/08/2015”.
h) os réus logo no dia 08/09/2015, comunicaram aos autores que a escritura fora marcada para o dia 15/09/2015, pelo que, independentemente de tudo o mais, o comportamento do sautores violou a boa-fé contratual, incorrendo em abuso de direito;
i) intrinsecamente ligado ao princípio da confiança encontra-se o princípio da aparência por força do qual se privilegia a situação aparente em detrimento da realidade em benefício de terceiros de boa-fé desde que, objectivamente e com base na aparência, se possa pressupor que a situação exteriorizada corresponde à situação real;
j) os réus confiaram na informação que lhes foi prestada pela empresa de mediação imobiliária que foi escolhida pelos autores que lhes transmitiu que os autores estavam disponíveis para aceitar a prorrogação do prazo para a celebração da escritura;
l) não era razoável nem exigível que, depois de receber essa informação da mediadora, os réus tivessem que confirmar essa informação junto dos autores;
m) apesar da dificuldade de distinção entre o abuso de representação e a representação sem poderes, o comportamento da empresa mediadora não pode ser desvalorizado relativamente à parte que a escolheu, recaindo apenas sobre os réus os efeitos de tal comportamento;
n) uma vez que a obrigação de celebrar o contrato definitivo não se extinguiu no dia 15/08/2015, estavam os autores vinculados ao seu cumprimento.
Os autores contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso, no essencial com base na fundamentação da sentença recorrida (embora falem num termo essencial [subjectivo] absoluto); no 2.º§ da pág. 8 das contra-alegações dizem que não se verificou a condição suspensiva.
*
Questões que importa decidir: se a sentença deve ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito dos réus à execução específica do contrato-promessa.
*
Estão provados os seguintes factos [os pontos 6, 9 e 11 da sentença recorrida, correspondiam ao teor das cláusulas 11, 6 e 3, respectivamente, do contrato-promessa, que foram agora transcritas no ponto 5, pelo que foram eliminados; o ponto 30 sintetizava parte do conteúdo da carta transcrita a 29, pelo que também foi agora retirado; fez-se, agora uma transcrição maior daquilo que constava de documentos dados por reproduzidos]:
1. Os autores são casados entre si no regime de separação de bens.
2. Os autores são comproprietários, ele na proporção de 1/20 e ela na proporção de 19/20, da fracção autónoma designada pela letra A correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua X, lote 3, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número xxxx da freguesia de S, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do yyy sob o artigo xxxx.
3. Os autores celebraram com a D – Mediação Imobiliária, Lda, o contrato que se encontra anexo à réplica como documento n.º 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [o contrato não foi junto no seu todo mas apenas o rosto da primeira folha, não tendo sequer a parte das assinaturas da D – no cabeçalho deste contrato consta o nome F – acrescento deste acórdão para tornar compreensível a intervenção referida em 4 da F].
4. Os réus entraram em contacto com a F e os Srs. R e P foram seus interlocutores naquela empresa [D da rede F – acrescento deste acórdão para tornar compreensível a intervenção desta F]
5. Por escritura notarial com a epígrafe “Contrato-Promessa de Permuta com Eficácia Real”, outorgada em 15/05/2015, os autores prometeram permutar com os réus a fracção autónoma supra descrita, pela fracção autónoma designada pelas letras W, correspondente ao 5.º andar D, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Z, lote 4 descrito na CRP de Lisboa sob o número xxxx da freguesia de S e inscrito na matriz predial urbana da freguesia do yyyy sob o artigo xxxx, nos termos e nas condições que constam do documento, dado por reproduzido, onde, entre outras, constam as seguintes cláusulas [transcrevem-se aquelas que foram invocadas pelas partes ou estão invocadas por elas nas alegações de recurso, deixando-se outras autonomizadas nos pontos provados sob 7 e 8]:
3.ª (ónus e encargos)
A permuta será feita com as fracções totalmente livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades de qualquer natureza, nomeadamente das [4] hipotecas [referidas em 12 infra] que incidem sobre a fracção [dos autores] e da penhora registada a favor do Banco SA.
4.ª (obrigações)
É da inteira responsabilidade dos [autores], no que concerne à fracção [referida em 2 supra] e [dos réus] no que respeita à fracção [referida em 5 supra], a execução das diligências e os custos relativos à obtenção dos documentos necessários à outorga da escritura de permuta, junto das entidades competentes, nomeadamente CRP, Finanças, DGPC e Câmara Municipal, bem como eventuais uniformizações que se mostrem necessárias à outorga da escritura, cancelamento de quaisquer ónus registados sobre as fracções […]
6.ª (celebração da escritura)
A escritura de permuta será celebrada até ao dia 15/08/2015, desde que obtida toda a documentação considerada necessária, em data, hora e local a indicar pelos [réus], por carta registada com aviso de recepção a expedir com a antecedência mínima de dez dias úteis em relação à data marcada.
Os [autores] têm a faculdade de permanecer na fracção [referida 2 supra] por um período posterior à celebração da escritura de permuta.
Se a permanência prevista no n.º anterior ultrapassar o dia 15/09/2015, os [autores] pagarão aos [réus] a quantia mensal de 20.000€, por cada mês que ultrapassar a mencionada data.
8.ª (boa fé)
[…]
2 Consideram ambas as partes contraentes que todas as cláusulas consagradas no preente contrato são essenciais à vontade de contratar das partes, pelo que o incumprimento de qualquer delas implica o incumprimento de todo o contrato, com a aplicação das disposições legais e contratuais respectivas.
3. O incumprimento do presente contrato confere à parte não faltosa o direito a efectuar a execução específica do contrato, nos termos do art. 830 do CC ou, em alternativa, o direito à indemnização prevista no art. 442 do CC, tal como descrito de seguida: […]
9.ª (comunicações)
Todas as comunicações relativas ao presente contrato deverão ser endereçadas aos domicílios das partes constantes do preâmbulo deste documento, salvo se, entretanto, o destinatário tiver indicado ao remetente, por escrito, outro endereço para esse fim.
11.ª (alterações)
Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passa a ter cada uma das editadas ou modificadas.
14.ª (eficácia real)
Os outorgantes acordam em atribuir eficácia real ao presente contrato promessa de permuta.
7. Para efeitos de permuta, as partes outorgantes atribuíram à fracção autónoma de que os autores são proprietários o valor de 1.020.000€ e à fracção autónoma de que os réus são proprietários, o valor de 550.000€, pelo que os segundos deveriam pagar aos primeiros, a título de preço, o valor global de 470.000€, dos quais 23.500€ caberiam ao autor e 446.500€ caberiam à autora.
8. A título de sinal e princípio de pagamento, os réus entrega-ram aos autores, no acto de celebração do contrato-promessa, a quantia de 100.000€, dos quais 5000€ seriam atribuídos ao autor e 95.000€ seriam atribuídos à autora.
10. Os réus estavam cientes de que se encontravam obrigados a marcar a escritura de permuta e que esta teria de se realizar até ao dia 15/08/2015.
12. No momento em que foi celebrado o contrato-promessa entre as partes, sobre a fracção dos autores incidiam 3 hipotecas, todas a favor da Caixa X para garantia dos seguintes empréstimos: (i) no valor de 102.752,36€, sendo o montante máximo assegurado de 145.661,75€; (ii) no valor de 163.605,71€, sendo o montante máximo assegurado de 207.288,43€; (iii) no valor de 32.920,66€, sendo o montante máximo assegurado de 41.710,47€.
13. Para além das hipotecas supra referidas, sobre a fracção autónoma dos autores incide uma outra hipoteca sobre a proporção de 5% de que é titular o autor, registada a favor da autora para garantia de um empréstimo no valor de 35.000€ e uma penhora também sobre a proporção de 5% de que é titular o autor registada a favor do Banco R, SA, para garantia da quantia exequenda de 101.617,05€.
14. Até ao dia 14/08/2015, os autores não receberam dos réus qualquer notificação para a celebração do contrato prometido.
15. Em dia não apurado de Julho de 2015, o réu contactou a mediadora imobiliária, no sentido de saber se da parte dos autores haveria disponibilidade para adiar a marcação da escritura até ao dia 15/09/2015.
16. No dia 15/07/2015, o réu enviou um SMS para o Sr. R, perguntando o seguinte:
Como está o andamento?
17. No dia 28/07/2015, o autor enviou ao Sr. P um email com o seguinte teor:
Caro P
Gostaria que me informasses em reply a este email se já tens os documentos todos do Sr. J e sua mulher necessários à escritura de venda da nossa casa. Gostaria também que me enviasses hoje ou amanhã uma cópia da minuta dessa Escritura. Já deve estar feita, pois tem que estar pronta e deve ser-nos enviada 15 dias antes do dia 15/08. Obrigado, abraço.
18. Entre o dia 15/07/2015 e o dia 02/08/2015, o réu teve conversas telefónicas com o Sr. R em ordem a fazer o ponto da situação quanto à data da escritura.
19. No dia 02/08/2015, o Sr. R informou por SMS o réu de que:
Boa tarde, J***zito! Conseguimos prolongar o prazo da escritura para 15 de Setembro. Vamos falando. Abraço.
Ao que o réu respondeu, igualmente por SMS:
Não vai dar problema. Se for para dar complicação poderei ir para o dia 15/08/15.
20. No dia 05/08/2015, o réu enviou nova mensagem para o Sr. R, dizendo-lhe o seguinte:
Boa tarde. Já falei com o Pedro e ele me disse que pode ser para o dia 15/09/2015, que o Sr. quer ficar mais um mês. Para mim e melhor que a minha esposa pode dar mais atenção a minha filha nesse período, pega por escrito.
21. O Sr. R respondeu, novamente por SMS, dizendo:
Boa tarde J***zito, já lhe tinha confirmado que estava tudo ok. Vou pegar por escrito esta semana. Grande abraço.
22. No dia 06/08/2015, o Sr. P enviou aos autores um email, dizendo o seguinte:
Boa tarde A e M
Conforme falado e a pedido da M coloco à vossa consideração 3 questões que me foram solicitadas pelo J e sua esposa.
Foram avós novamente e a filha está a precisar de uma assistência extra (….).
O comprador que encontrámos para a casa deles (da permuta) está a ultimar uma movimentação de capitais e só no final de Agosto é que teremos luz verde.
Por último como vocês também iriam ficar até final de Setembro na casa acharam que não haveria problema alterar a data da escritura para 15/09, naturalmente o vosso prazo de saída também atrasa 30 dias.
Por último queria informar-vos que a viagem está marcada para 08/09.
Beijinho e abraço.
23. No dia 07/08/2015, o autor enviou ao Sr. P um email com o seguinte teor:
Caro P,
Uma vez que o contrato que assinámos com o casal J está ultrapassado, pede sff ao senhor J que nos remeta a sua proposta, conforme nossa conversa telefónica de hoje.
24. No dia 21/08/2015, os autores dirigiram aos réus uma carta com o seguinte teor:
Assunto: contrato de promessa de permuta de 15/05/2015:
Tendo em conta que não foi cumprido por V.Exas o n.º 1 da cl.ª 6.ª do contrato promessa com eficácia real entre nós celebrado [no dia…] vimos pela presente reiterar a perda do nosso interesse na celebração do contrato prometido, dando assim por resolvido o mencionado contrato promessa.
25. A carta referida supra foi enviada sob o cuidado do correio registado com aviso de recepção, com a ref.ª postal RD xxxx PT, tendo vindo a ser devolvida com a menção “objecto não recamado”
26. No dia 06/09/2015, o réu enviou novo SMS ao Sr. R dizendo:
Chego segunda-feira às 12.15, marcamos a escritura para dia 15/09/15, verifique com seu jurídico toda documentação.
27. Com data de 08/09/2015, os réus dirigiram aos autores a seguinte carta:
Assunto: marcação de escritura:
Conforme acordado com os seus representantes, na sequência do contrato de promessa de permuta de 15/05/2015, de acordo com a cláusula 6.ª do contrato, vimos por este meio indicar que a escritura pública de permuta se encontrava designada para o dia 15/09/2011, pelas 11h, no Cartório Notarial da Drª.
Caso se afigure de todo impossível a V.Exas reunir toda a documentação necessária relativa ao imóvel de que são proprietários e prometido permutar (incluindo os documentos necessários ao cancelamento dos ónus actualmente existentes), fica desde já agendada nova para data […] para o dia 23/09/2015, à mesma hora e local […].
28. A pedido dos réus, os autores reenviaram-lhes, em 09/09/2015, a carta de 21/08 que viera devolvida, carta essa que foi anexa à carta datada de 09/09/2015, com o seguinte teor:
Junto enviamos a carta […]
Lamentamos sinceramente que o Sr. P não vos tenha comunicado ou reenviado os nossos e-mails, em particular o que lhe enviámos quando nos telefonou dizendo que o Sr. J e a Srª. D. E gostariam de adiar a data da escritura. Estamos certos que as coisas teriam evoluído de outra forma.
Neste momento, sugerimos que o vosso advogado contacte o Sr. Dr nosso advogado, que melhor explicará o que se passa.
29. À carta de 21/08/2015 responderam os réus com a deles, datada de 18/09/2015,
Em resposta à vossa carta recebida […] consignamos que, ao contrário do que afirmam, não existiu nem existe qualquer atraso da nossa parte na marcação da prometida escritura de permuta.
Como muito bem sabem, no início do passado mês de Agosto V.Exas, aceitaram a prorrogação do prazo fixado no n° 1 da cláusula 6.a do contrato-promessa de permuta com eficácia real celebrado em 15 de Maio último, até ao presente dia 15 de Setembro, Tal aceitação foi-nos, aliás, expressamente comunicada pelos mediadores imobiliários por vós contratados para a efectivação desta transacção.
Exclusivamente por esse motivo, marcámos as nossas viagens do Brasil para Portugal para o dia 8 de Setembro e, em estrito cumprimento do disposto naquele contrato-promessa e por carta remetida no mesmo dia da nossa chegada, agendámos para hoje a prometida escritura de permuta das duas fracções autónomas, a qual, infelizmente, não se realizou pela vossa não comparência.
Ainda que não se considere que foi acordada uma prorrogação do prazo para a realização da escritura de permuta, o que apenas por mero raciocínio se admite, e sem conceder, sempre se sublinhará que nesse caso existiria tão-somente um atraso da nossa parte. Atraso esse que foi totalmente suprido pela nossa carta do passado dia 8 de Setembro.
Assim, não compreendemos como se permitem V. Exas. invocar uma suposta perda do interesse na celebração do contrato prometido que, de todo, não existe.
A existir qualquer atraso na marcação da escritura pública — que, repete-se, não existe — V. Exas. encontravam-se legalmente obrigadas a conceder-nos um prazo admonitório para a realização da mesma, o que, de todo, não fizeram. Desta forma, a vossa tentativa de resolução do redito contrato-promessa de permuta com eficácia real celebrado em 15 de Maio de 2015 é absolutamente Inválida.
Terminamos reiterando o teor da nossa carta de 8 de Setembro último, repetindo que a prometida escritura pública de permuta terá lugar na segunda data constante da mesma, ou seja, no próximo dia 23 de Setembro, às 11 horas, no Cartório Notarial […]. Mais informamos, que a totalidade da documentação referente à nossa fracção autónoma já se encontra em posse daquele cartório notarial.
31. Os autores não compareceram no notário nem no dia 15, nem no dia 23/09/2015.
32. Com data de 25/09/2015, os réus dirigiram aos autores a seguinte carta:
Face ao vosso não cumprimento do Contrato-Promessa de Permuta com Eficácia Real celebrado em 15 de Maio último, por não terem permitido a realização da escritura […], na data contratualmente agendada (23 de Setembro de 2015) prevalecemo-nos da presente para notificar V. Exas., nos termos e para os efeitos do n° 1 do art. 808º do Código Civil, que a prometida escritura pública de permuta será realizada no próximo dia 15/10/2015, pelas 11h, no Cartório Notarial […]
Relembramos ainda V. Exas, que deverão disponibilizar, em tempo útil, os documentos de vossa responsabilidade necessários para a outorga da escritura pública de permuta.
Caso V. Exas, não compareçam ou, de outro modo, não proporcionem a realização da referida escritura, na data e local supra indicados, verificar-se-á o incumprimento definitivo do mencionado contrato-promessa de permuta com eficácia real, com todos os efeitos daí decorrentes, designadamente os previstos no n° 3 da cl.ª 8 daquele contrato-promessa.
Em razão do que antecede, queremos evidenciar que, uma vez que a obrigação se encontra vencida desde 23/09/2015, caso até ao próximo dia 15/10/2015 a referida escritura não seja celebrada, ficam V. Exas. desde já advertidos de que a presente comunicação constitui uma verdadeira interpelação admonitória, razão pela qual, uma vez não cumprido tal prazo, a obrigação será tida como definitivamente não cumprida com as consequências daí decorrentes.
33. À carta supra referida, os autores responderam com a seguinte carta datada de 30/09/2015:
Como é do vosso conhecimento, há muito demos a questão acima referida por encerrada, face ao vosso incumprimento do nº 1 da cláusula sexta do Contrato Promessa supra citado, como tivemos ocasião de vos expressar na carta por nós enviada a 21/08/2015. Essa carta veio devolvida e foi-vos reenviada, como solicitado a 10/09/2015.
34. Os autores não compareceram no Cartório Notarial de X no dia 15/10/2015.
35. Os réus enviaram aos autores uma carta datada de 16/10/2015, com o seguinte teor:
Assunto: Contrato-promessa de permuta com eficácia real celebrado em 15/05/2015.
Com referência ao Contrato-Promessa […], registo o vosso incumprimento das obrigações de celebração da prometida escritura pública de permuta e de desocupação da fracção […]
Atendendo a que aceitei o pedido, veiculado através dos vossos mediadores imobiliários, da vossa permanência no referido andar até ao dia 15/10/2015 sem qualquer contrapartida, alerto para o facto do não cumprimento atempado da obrigação de desocupação daquela fracção autónoma gerar a vossa obrigação de pagamento de 20.000€ mensais, conforme previsto no n.º 3 da Cláusula 6.ª do Contrato-Promessa […]. Mais informo que exigirei, incluindo por via judicial se necessário, o pagamento daquela importância mensal até à data em que a mencionada fracção autónoma me seja definitivamente entregue.
36. Pelo Cartório Notarial de X foram lavrados os instrumentos anexos à contestação como documentos n.ºs 7, 9, 12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [a dar conta da razão de não ter sido celebrada a escritura: falta de comparência [dos autores]].
37. O Cartório Notarial de X lavrou os textos da prometida escritura de permuta que se encontram anexos à contestação como documentos n.ºs 8, 10, 13 e 14 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
38. Os réus já liquidaram e pagaram a totalidade do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e o imposto de selo incidente sobre a permuta em causa.
39. O endereço dos réus que consta do preâmbulo do contrato-promessa é aquele para onde os autores enviaram as três cartas que lhes endereçaram.
40. A empresa de mediação imobiliária tinha comunicado ao réu que os autores nada teriam a opor ao adiamento da realização da escritura.
41. Pelo menos no dia 07/08/2015, o Sr. P ficou a saber que os autores não davam assentimento à pretendida alteração do contrato
*
A fundamentação da sentença
A sentença tem a seguinte fundamentação de direito (numa síntese muito curta deste tribunal de recurso):
Entre as partes foi celebrado um contrato-promessa (art. 410/1 do Código Civil). O contrato devia ser celebrado até ao dia 15/08/2015, numa data que viesse a ser marcada pelos réus. Os réus não marcaram nenhuma escritura até ao dia 15/08/2015.
Os autores resolveram o contrato por carta de 21/08/2015, por incumprimento dos réus (cl.ª 8/2 do contrato-promessa), o que os autores podiam fazer (arts. 808/1 e 432/1 do CC), porque aquele prazo (até 15/08/2015) consubstanciava um prazo máximo e definitivo, como resultava da cl.ª 8/2; ou seja, a prestação teria de ser efectuada até àquela data, ultrapassada a qual o não cumprimento é equiparado à impossibilidade da prestação – art. 801 e ss. do CC, art. 236 do CC, ac. do TRL de 23/05/2006, proc. 11444/2005-7, e Carlos Alberto Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed. actualizada, Coimbra Editora, pp. 447-448).
Os autores não precisavam, por isso, de dar um prazo suplementar aos réus através de uma interpelação cominatória, nem tinham que comprovar a perda de interesse na prestação (como de facto não o fizeram).
A alegada, pelos réus, prorrogação daquele prazo não se verificou porque ela teria que ser feita por escrito e teria de ser acordada com os autores (cl.ª 11), o que não se provou, sendo que não resulta do contrato de mediação exclusiva celebrado entre os autores e a empresa imobiliária que os colaboradores desta fossem representantes dos autores, ou tivessem poderes para aceitar a prorrogação do prazo, e por isso a actuação daqueles não vinculou estes.
Note-se entretanto que a sentença também diz: “[…] havia uma condição para a realização da escritura definitiva até à data supra referida que era a obtenção de toda a documentação necessária para tal desiderato (trata-se de uma condição suspensiva – vd. art. 270 do Código Civil). O que nos leva a concluir que as partes admitiam a possibilidade de o contrato definitivo não se realizar até àquela data (15/08/2016) caso não estivesse reunida toda a documentação necessária para tal desiderato. Mas se estivesse, e não foi alegado que não estava (e da prova testemunhal arrolada pelos réus resultou, inclusive, que para a outorga do contrato-promessa já tinha sido reunida toda a documentação necessária para a celebração do contrato definitivo), a escritura pública do contrato definitivo tinha ou não que se realizar impreterivelmente até ao dia 15/08/2016, sob pena de a inobservância daquele prazo implicar automaticamente o incumprimento definitivo da prestação? A resposta é afirmativa.”
*
Decidindo:
Do prazo sob condição
As partes estipularam uma data – 15/08/2015 – até à qual o contrato-promessa devia ser celebrado. Puseram pois um prazo para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato-promessa. Mas subordinaram esse prazo a uma condição: desde que obtida toda a documentação necessária [tudo como decorre da clª 6/1; a locução subordinativa condicional “desde que” tem, neste contexto, o significado de “com a condição de que” e pode ser substituída por outras locuções subordinativas condicionais, como “contanto que” e “uma vez que” (parafraseia-se um esclarecimento dado em https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-locucao-subordinativa-condicional-desde-que/22461)].
Esta condição é uma condição suspensiva (art. 270 do CC): o prazo estabelecido só teria eficácia desde que a condição estivesse verificada. Ou seja, o que existe é um prazo para o cumprimento das obrigações das partes subordinado a uma condição suspensiva (trata-se, pois, de uma cláusula de natureza híbrida, de que fala Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral…, Coimbra, 1987, págs. 58/59). Este prazo, nestas condições, não pode ser considerado um prazo essencial, pela própria natureza das coisas, o que aliás é reconhecido pela sentença recorrida, na parte transcrita acima [: “O que nos leva a concluir que as partes admitiam a possibilidade de o contrato definitivo não se realizar até àquela data (15/08/2016)”].
Grosso modo, os prazos das prestações podem ser essenciais ou não essenciais. Por regra não são essenciais. Mas podem ser essenciais se tal decorrer da natureza ou do fim da prestação (prazo essencial objectivo – a ultrapassagem do prazo é tida como incumprimento definitivo, havendo uma imediata perda de interesse) ou se tal essencialidade resultar de acordo das partes (prazo essencial subjectivo). Este pode ser absoluto, se a ultrapassagem do mesmo implica a caducidade do contrato (ou seja, tem o mesmo efeito que o prazo essencial objectivo), ou relativo se apenas concede o direito à resolução do contrato, mas podendo também o credor exigir o cumprimento (neste sentido, Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, Almedina, 1990, especialmente págs. 44, 45, 109 e 110; Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, esp. págs. 383 e 384; Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, esp. págs. 76 a 79, 319 a 321, 329 e 330; e Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento, Estudos em homenagem a Teixeira Ribeiro, II, Coimbra Editora, 1979, esp. págs. 405 a 411).
Na prática, a essencialidade subjectiva absoluta, resulta, por exemplo, deste tipo de declarações: “o editor pode declarar-se desde logo desinteressado da edição da obra se o original lhe não for entregue até certa data, o prometido comprador pode desde logo declarar-se desvinculado se o promitente vendedor não outorgar a escritura da venda até ao fim de Junho” (Antunes Varela, obra citada, pág. 110, adaptados por Baptista Machado, obra citada, pág. 408), ou “quando seja claro que o credor não aceitará a prestação tardia (o que acontecerá sobretudo quando a pontualidade seja essencial para a utilização que o credor destina a prestação, isto é, seja essencial para os projectos do credor”) (Baptista Machado, obra citada, pág. 409). E na relativa, declara-se, por exemplo, que “a realização da prestação após o prazo-limite não valerá como cumprimento, ou que uma das partes se reserva o direito de não aceitar o cumprimento posterior a essa data” ou “que o cumprimento se terá de verificar, sob pena de resolução, dentro de certo prazo” (Baptista Machado, obra citada, págs. 408 e 409), ou considera-se “incumprimento definitivo a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa imputável exclusivamente a uma das partes no prazo de 45 meses a contar da data da assinatura do referido contrato”, com um outro número da mesma cláusula a atribuir o direito de resolução não dependente de prévia interpelação admonitória (como no caso do ac. do TRL de 29/09/2009, proc. 7457/08-7, cláusula esta que o acórdão diz “bem justificada, no contexto económico do contrato, pelo facto de os autores se terem obrigado a reforços sucessivos do sinal correspondente, no total, a 60% do preço da venda, sem poderem entretanto usufruir da tradição da coisa, já que o prédio estava em construção.”)
Ora, tudo isto é naturalmente incompatível com a expressa admissão, pelas partes, da possibilidade do contrato não se realizar até àquela data, bastando para tal que a documentação necessária não tivesse sido obtida, sem preverem quaisquer consequências negativas para essa hipótese, isto é, pressupondo, pelo contrário, que o contrato, apesar disso, se mantinha em vigor.
E neste contexto – prazo não essencial subordinado a condição suspensiva -, é também naturalmente inócua, a cláusula de estilo colocada no “formulário” (fala-se em formulário porque o acórdão do TRL de 05/12/2013, proc. 9373/11.9TBCSC.L1-2, citado pelos réus, diz respeito a um contrato que adopta exactamente a mesma fórmula – cfr. ponto 10 dos factos provados desse acórdão) adoptado pelas partes, que diz que todas as cláusulas são essenciais. É que não se trata de uma cláusula que, referindo-se em concreto a um prazo, revelasse, pelas expressões utilizadas, que as partes consideravam que o prazo era (objectivamente) ou queriam (subjectivamente) que fosse essencial, mas antes uma cláusula genérica e abstracta, que qualifica todas as cláusulas como essenciais, numa tentativa objectiva de fuga às exigências que em nome de “superiores razões de uma justiça material absoluta” se têm feito às cláusulas resolutivas:
– por um lado, “para evitar que o contrato possa terminar ‘com facilidade’, sem um verdadeiro fundamento, com base numa vontade mais ou menos arbitrária […] é de postergar a invocação de um incumprimento difuso, implícito ou genérico, no fundo a alegação de uma qualquer incumprimento de uma qualquer obrigação. Para lá da alusão ao tipo de incumprimento considerado […] e à sua vertente causal […] devem, assim, estar previstos um ou mais fundamentos concretos (que concretizem a alusão ao incumprimento das obrigações contratuais) e não meras cláusulas de estilo […]. Nem é preciso lembrar que a parte legitimada, ao exercer o poder conferido pela cláusula, deve indicar à contraparte o(s) fundamento(s) concreto(s) em que repousa o seu deseja desvinculativo” (Brandão Proença, Lições…, citado, págs. 373/374).
– e, por outro, “o respeito pela vontade das partes ou pela certeza ou segurança procuradas não deve aceitar uma liberdade contratual traduzida numa ‘cláusula de poder’, formalmente acordada e sem violar as regras legais ‘paternalistas’ ou de ordem pública, mas cujo conteúdo ou eficácia se mostrem em contraste com determinados princípios não disponíveis, com o comportamento das partes, a chamada economia do contrato e com as circunstâncias concretas da sua invocação. Não sendo defensável a existência de duas resoluções, a legal e a convencional, assentes numa diversidade de princípios essenciais, a parte legitimada não deve tirar proveito de um fundamento resolutivo (um incumprimento ou um outro evento) cuja gravidade, máxime nessa dinâmica aplicativa, não justifique o efeito drástico da cessação contratual. […A] possível intervenção judicial não pretende sobrepor-se à vontade manifestada, mas avaliar em que medida a verificação daquele incumprimento […] lesa irremediavelmente o interesse na manutenção daquele contrato, afastando outros possíveis remédios. […A] própria avaliação intersubjectiva não pode prescindir da consideração de um mínimo de gravidade, em função da natureza da obrigação não cumprida […], da finalidade/importância do contrato […], da sua duração […] e da qualidade das partes, para que a cláusula, apesar da vontade dos contraentes, não leve ao exercício de um direito que esteja em conflito com princípios superiores que limitam ou corrigem a própria autonomia privada, como é o princípio da boa fé, do princípio da proporcionalidade e do princípio da inexigibilidade, no fundo manifestações mais particulares daquele enquanto exigências, respectivamente, de uma conexão qualitativamente adequada entre o meio invocado e o resultado desvinculante pretendido e da presença de uma fundamento cessativo que corresponda a uma ideia materialmente justa.” Ou seja, o exercício do direito convencional de resolução não deve ser admitido “se se revelar desproporcional por colidir com as superiores razões de uma justiça material absoluta ou lesar um equilíbrio substancial” (Brandão Proença, A cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia (considerações a partir da análise de uma decisão judicial), publicado em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dez2012, págs. 324 a 332).
Posto isto,
Os autores fizeram a declaração de resolução do contrato-promessa, prevalecendo-se da circunstância de ter sido ultrapassado aquele prazo.
Mas, para além de já estar afastada a hipótese de considerar tal prazo como essencial – o que seria suficiente para afastar também a hipótese de resolução baseada na simples ultrapassagem de tal prazo -, eles só o poderiam fazer se provassem que aquele prazo tinha ganho eficácia com a verificação da condição (arts. 270 e 343/3, ambos do CC).
[condição imprópria por não condicionar todo o negócio, mas à qual se aplica, no caso, o regime da condição própria, pela similitude das situações e pela necessidade de norma para resolver a questão da verificação da condição imprópria – Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, Almedina, 2014, págs. 117 a 122; seria condição própria para quem entenda, como Ana Isabel Afonso, A condição…, Universidade Católica Editora, Porto, 2014, pág. 149, que o “evento” não [tem de ser] conexionado com a eficácia de todo o contrato ou de uma parte dotada de autonomia funcional”)].
Como não está provado – aliás os autores nem o alegaram – que a condição se tivesse verificado (obtenção de toda a documentação necessária, tendo esta referência de ser entendida de acordo com o que resulta das cláusulas 6/1, 4 e 3 do contrato-promessa, ou seja, que era da inteira responsabilidade dos autores, no que concerne à sua fracção, a execução das diligências e os custos relativos à obtenção dos documentos necessários à outorga da escritura de permuta, junto das entidades competentes, nomeadamente CRP e cancelamento de quaisquer ónus registados sobre a fracção, pois que a permuta seria feita com as fracções totalmente livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades de qualquer natureza, nomeadamente das 4 hipotecas e da penhora que incidiam sobre ela, tanto mais que era a fracção deles, e não a dos réus, que estava onerada com hipotecas e penhora) eles não podiam invocar a ultrapassagem do prazo pelos réus.
Note-se que é a própria sentença recorrida que faz parte desta construção, como se viu acima. Só que, depois, a sentença parte da hipótese da verificação da condição (a expressão utilizada, “se estivesse”, demonstra que se trata de uma hipótese, não de um facto provado). Ora, se se trata de uma hipótese, que não está provada, e se tinha de estar provada, cabendo aos autores o ónus da prova dela, era a estes que cabia invocar a verificação da condição. Pelo que não se podia partir da hipótese de que ela estava verificada, dizendo que não tinha sido alegado que ela não estava verificada, o que pressuporia que era aos réus que cabia o ónus da prova do facto negativo contrário, isto é, que era aos réus que cabia alegar e provar que a condição não se tinha verificado.
A sentença recorrida ainda utiliza um outro argumento: da prova testemunhal arrolada pelos réus teria resultado, inclusive, que para a outorga do contrato-promessa já tinha sido reunida toda a documentação necessária para a celebração do contrato definitivo.
Mas também não se concorda com este argumento: a sentença não pode invocar factos que não deu como provados. Se as testemunhas dos réus tivessem dito isso, a sentença teria de ter dado como provado tal facto. Não o pode tirar da manga, na fundamentação de direito da sentença, sem aliás o fundamentar com a indicação da prova, em concreto, que teria servido para o efeito.
Para além disso, o facto em causa era um facto essencial à procedência da pretensão dos autores – era um dos factos que eles tinham de alegar e provar para poderem dizer que o prazo tinha sido ultrapassado – pelo que o tribunal não o podia utilizar sem ao menos demonstrar que se tinham verificado os pressupostos do art. 5/2-b do CPC.
Por outro lado, para além disto, a verdade é que decorre da posição assumida pelos autores, quer na petição inicial, quer na réplica, quer nas contra-alegações do recurso, que eles aceitam que sobre a sua fracção continuam inscritas as quatro hipotecas que a oneram, pelo que, independentemente do que tenha sido dito pelas testemunhas dos réus, os autores não podiam estar munidos, em 15/08/2015, de documentação que demonstrasse o cancelamento das hipotecas.
Em suma, não se verificou a condição de que dependia a eficácia do prazo, pelo que os autores não podem alegar que o prazo – que não chegou a ter eficácia – foi ultrapassado.
Assim sendo, não se pode dizer que os réus deixaram de cumprir o contrato no prazo devido. O que leva à improcedência do primeiro pedido dos autores.
*
Os outros dois pedidos dos autores têm a ver com o facto de os réus, com a carta transcrita no ponto 32 dos factos provados, se arrogarem o direito às consequências legais decorrentes do incumprimento do contrato pelos autores. Os autores dizem que foram os réus que incumpriram o contrato, do que resultaria que não haveria nenhum incumprimento do mesmo pelos autores, logo não havia consequências a tirar desse incumprimento (inexistente).
Ora, como resulta do que acima se disse, os autores não podem dizer que os réus não cumpriram o contrato, por não terem marcado a escritura até 15/08/2015, pelo que também estes pedidos têm de ser julgados improcedentes.
*
Do pedido reconvencional
Os réus querem que lhes seja reconhecido o direito à execução específica do contrato-promessa porque os autores faltaram ao seu cumprimento, não comparecendo para a celebração da escritura que os réus marcaram, dentro do prazo, prorrogado, do contrato.
Já se disse, acima, que o prazo colocado no contrato com a cl.ª 6 estava subordinado a uma condição. Pelo que, para que o prazo passasse a ter efeitos, teria que se demonstrar o preenchimento da condição e esta teria que se verificar até 15/08/2015. Aqui, eram os réus (autores do pedido reconvencional) que teriam que provar o preenchimento da condição (art. 343/3 do CC). Ora, já se viu que não se provou o preenchimento da condição até 15/08/2015, pelo que o prazo deixou de ter sentido como tal (a partir de 16/08/2015 a data de 15/08/2015 estava no passado, já não se podia vir a verificar no futuro).
Assim sendo, a partir de 15/08/2015 passou a existir um contrato-promessa sem prazo fixado (o que também afasta a questão da prorrogação do prazo), quer para o cumprimento das obrigações de fazer as declarações de permuta, quer para o cumprimento da obrigação de obtenção da documentação necessária para o efeito.
Um contrato-promessa sem prazo fixado traduz-se, para as partes, em obrigações de prazo natural (art. 772/2 do CC – Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 4ª edição, 1990, Almedina, pág. 42) mas não fixado. Assim sendo, para passar a haver um prazo fixado ou as partes acordavam na sua determinação, ou ele teria que ser fixado pelo tribunal (art. 772/2 do CC).
Quer isto dizer que os réus não podiam, unilateralmente, marcar data para a escritura: teriam que pedir ao tribunal que fixasse um prazo para o efeito (arts. 1026 e 1027 do CPC), isto é, para as partes obterem a documentação necessária e para a celebração da escritura, e dentro desse prazo os réus teriam de marcar uma data certa para a escritura, notificando-a aos autores (veja-se também o ac. do TRG de 08/02/2006, proc. 122/06-2).
Sem esse prazo, os autores não entraram em mora pelo simples facto de não terem comparecido nas marcações de escritura feitas pelos réus (o que resulta dos arts. 772/2, 804/2 e 805/2-a, todos do CC).
Assim sendo, os réus – tal como os autores – não têm direito, para já, à execução específica do contrato-promessa (art. 830/1 do CC).
Pelo que também a reconvenção devia improceder.
Assim, nesta parte, embora por fundamentos diferentes da sentença recorrida, o recurso dos réus é improcedente.
*
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso dos réus quanto à parte da sentença que julgou procedente a acção, que agora se revoga nessa parte e se substitui por esta que julga improcedente a acção, absolvendo os réus dos pedidos; quanto ao resto da sentença, que julgou implicitamente improcedente a reconvenção, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se essa parte da sentença.
Custas da acção pelos autores e da reconvenção pelos réus.
Custas do recurso quanto à acção pelos autores e quanto à reconvenção pelos réus.
Lisboa, 25/05/2017
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto