Insolvência – Juízo de Comércio do Funchal
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Em 20/11/2014, A e outros instauraram a presente acção comum contra a Massa Insolvente de B-SA, pedindo que: a) seja declarado que são credores da massa insolvente pelos montantes que indicam, acrescido de juros; b) sejam reconhecidos tais créditos como créditos que gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial e, como tal, c) sejam tais créditos graduados no lugar que lhes cabe.
Alegaram para o efeito, em síntese, que: em 28/02/2009 eram trabalhadores da B; nessa data, a B celebrou com a C-Lda, um contrato de cessão de exploração de algumas secções do seu estabelecimento comercial passando, então, os autores a exercer funções para esta; contudo, na sequência da declaração de insolvência da B (a 06/05/2010), o administrador da insolvência resolveu (a 08/09/2011) aquele contrato, pelo que voltaram a exercer funções para a B; unilateralmente e sem qualquer justificação, as suas retribuições foram reduzidas; no processo de insolvência foi aprovado e homologado um plano de insolvência; em Agosto de 2012, deixaram de lhe ser pagos os salários e subsídios de férias pelo que, em 15/11/2012, comunicaram à ré a resolução, com justa causa, dos contratos de trabalho; os valores pedidos correspondem aos valores que lhes são devidos e ainda uma indemnização pela resolução dos contratos.
A ré contestou entre o mais invocando o erro na forma de processo, considerando que os autores deveriam ter efectuado uma reclamação de créditos ou instaurado uma acção de verificação ulterior de créditos; e dizendo que: o processo de insolvência foi encerrado por despacho de 09/01/2015, pelo que cessou o poder jurisdicional deste tribunal para apreciação da presente acção; os créditos dos autores prescreveram, considerando que já decorreu mais de um ano sobre a data de resolução dos respectivos contratos de trabalho.
Os autores apresentaram resposta às excepções defendendo a improcedência das mesmas; entra o mais lembram que o despacho proferido a 09/01/2015, que determinava o encerramento do processo, foi objecto de recurso pela insolvente que foi julgado procedente por decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa transitada em julgado (fls. 152/154); e quanto à prescrição lembram que logo a 29/10/2013 requereram judicialmente a insolvência da ré.
[Esta nova insolvência requerida pelos autores foi julgada extinta com o fundamento de que a requerida já tinha sido declarada insolvente neste processo, isto na sequência da requerida ter requerido a suspensão da instância alegando que já tinha sido declarada insolvente neste processo, que não se encontrava ainda encerrado;
Ao recorrerem deste desta decisão, os autores diziam: 1 – Ao contrário do decidido, o art. 8 do CIRE refere-se a uma fase processual em que não existe ainda uma sentença que declare a insolvência e já transitada em julgado; 2 – Nada tendo essa norma a ver com a situação dos autos, pois, a declaração de insolvência que é referida pelo julgador já tinha transitado em julgado há muito tempo atrás; 3 – E tanto assim era que a homologação do plano de insolvência se acha publicada no Diário da República de 5/9/2011; 4 – A empresa requerida já há muito que exerce uma normal actividade, conforme resulta das várias alterações ao pacto social que foram entretanto objecto de registo e como tal se acham juntas à P.I.; 5 – Embora tal não tenha sido sequer referido pela sentença, cabe também dizer que o mero despacho previsto no art. 230 do CIRE, não pode levar a que a empresa que beneficia de um plano de insolvência fique à margem da lei e isenta de responsabilidades se, por hipótese, esse despacho não tiver sido formulado; 6 – O acto decisivo para o surgimento de uma “nova” entidade económica consiste na homologação do plano de insolvência, tal como decorre claramente do art. 217/3 do CIRE, sendo a previsão do art. 230/1-b uma mera consequência dessa aprovação; 7 – Sendo o próprio legislador quem, nos arts 218/1-b e 221 do CIRE, se refere a um novo processo de insolvência […]”
O recurso foi julgado improcedente, por outra decisão singular sumária do TRL, com base no facto de este processo, onde já tinha sido declarada a insolvência, ainda se encontrar pendente, tendo sido requerido a 19/11/2013 pelo AI a convocação de uma nova assembleia de credores – tudo como resulta de fls. 163 a 167].
Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção procedente e, em consequência, a declarar que os autores são credores da ré Massa Insolvente da B-SA em valores que foram concretamente descriminados, acrescidos de juros de mora.
A ré veio recorrer desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Para que produza os efeitos jurídicos para que se mostra ordenado, o plano de insolvência deve ser objecto de homologação judicial e embora a sentença homologatória limite o seu controlo à legalidade do plano e não, note-se, ao seu mérito, aquele acto decisório do tribunal constitui uma verdadeira condição de eficácia do plano (art. 217/1 do CIRE), que, in casu, ocorreu no dia 27/10/2011, como decorre do facto provado n.º 24 [a ré queria referir-se ao facto sob 17 e não 24].
2. A partir do trânsito em julgado dessa homologação, a empresa regressou à sua actividade normal, agora com o ónus de ter de cumprir o plano de insolvência aprovado e, a partir daquele momento, as dívidas que foram constituídas fruto da manutenção em actividade da empresa, são dívidas da própria empresa e não da sua Massa Insolvente, pois com aquela homologação cessou a actividade da Massa.
3. Quando os contratos de trabalho foram resolvidos pelos autores (19/11/2012), há muito que o plano de insolvência estava aprovado e já homologado (Novembro de 2011).
4. A resolução dos contratos de trabalho dos autores produziu os seus efeitos após 19/11/2012, numa altura em que já não havia Massa Insolvente, pois, havia, isso sim, um plano já em plena execução, pelo que, consequentemente, os seus créditos devem ser classificados como créditos sobre a empresa e não como créditos sobre a Massa Insolvente.
5. O tribunal recorrido deveria ter considerado que, após a homologação do plano de insolvência, todas as despesas em que a empresa incorreu (trabalhadores, fornecedores, Estado, etc.) são dívidas da empresa/insolvente e não da Massa Insolvente, pois, se assim não se considerar, todas as dívidas que a empresa contraiu fruto da sua actividade, desde Maio de 2010 (data da declaração de insolvência) até à data em que se deliberou que a empresa ia para liquidação (ano de 2015) seriam dívidas da Massa Insolvente, o que, naturalmente, não faz qualquer sentido.
6. As dívidas reclamadas neste processo pelos autores, tendo sido constituídas após a homologação do plano de insolvência, não são dívidas emergentes de actos de administração da massa insolvente, pelo que só poderiam ser reclamados pelo meio previsto no art. 128 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (reclamação de créditos) ou no art. 146 do mesmo Código (verificação ulterior de créditos), na medida em que estes meios processuais destinam-se à reclamação e verificação dos créditos sobre a insolvência e, neste sentido, mal andou o tribunal ao não considerar ter ocorrido um erro na forma de processo.
Os autores contra-alegaram, no sentido da improcedência do recurso.
Questões que importa decidir: se os créditos dos autores não correspondem a dívidas da massa insolvente, mas sim a dívidas da empresa [posteriores à homologação do plano] e, se for assim, se elas não podiam ter sido pedidas por este meio e se tal tem a consequência de levar à improcedência da acção.
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Os factos dados como provados são os seguintes:
1 a 7. Os autores são, com datas reportadas a um período que vai de 02/07/1972 a 01/09/1989, trabalhadores da B [resumem-se estes sete pontos ao que é útil para este processo].
8. Os autores passaram a ser trabalhadores da referida sociedade em virtude da exploração, ocorrida em Junho de 1996, pela ré, do estabelecimento industrial de que era titular a D-Lda [alterou-se a redacção deste ponto para o pôr de acordo com a simplificação feita a propósito dos pontos 1 a 7].
9. A ré manteve ao seu serviço os trabalhadores que já ali laboravam, com as respectivas categorias profissionais, direitos e demais regalias, no exercício da mesma actividade.
10. Em 28/02/2009, a ré e a C-Lda celebraram um contrato de cessão de exploração de algumas das secções do estabelecimento industrial, nomeadamente as “unidades/ secções de tornos, radiadores e rectificação de motores” da ré.
11. Na C-Lda, os autores auferiam o salário mensal ilíquido de 1291,31€ nas seguintes categorias profissionais [dá-se por reproduzido o que consta da sentença por não ter interesse para a decisão]
12. Em 06/05/2010, foi decretada a insolvência da B.
13. Em 08/09/2011, o Sr. Administrador de Insolvência, notificou a C da resolução do contrato de cessão celebrado entre esta e a insolvente.
14. A partir do dia 15/10/2011, os autores passaram a exercer funções para a ré.
15. A ré reduziu as respectivas retribuições, passando os autores a auferir mensalmente os seguintes valores ilíquidos [dá-se por reproduzido o que consta da sentença por não ter interesse para a decisão].
16. Em 06/07/2010, no âmbito do processo de insolvência da ré, foi realizada a Assembleia de Credores, na qual foi aprovada a manutenção da actividade da insolvente e a elaboração de um plano de insolvência.
17. Por decisão proferida em 27/10/2011, foi homologado o plano de insolvência.
18. Em 19/11/2013, o Sr. Administrador de Insolvência comunicou [nessa qualidade] ao processo o incumprimento, desde 30/07/2012, do plano de insolvência, por parte da ré [acrescentando que entende que as dificuldades financeiras não são susceptíveis de serem ultrapassadas com o plano actualmente em vigor, desactualizado em relação à real situação do devedor, pelo que requer que seja ordenada a convocação de uma assembleia de credores que tenha por fim deliberar sobre a introdução de alterações ao actual plano de insolvência ou, em alternativa, o encerramento definitivo do estabelecimento do devedor e a liquidação posterior do seu património – as partes entre parenteses foram acrescentadas por este acórdão, com base no mesmo documento que serviu para dar como provado este ponto 18, o que se faz para melhor esclarecimento da situação].
19. A ré deixou de pagar os salários aos autores a partir do mês de Agosto de 2012 e não pagou os respectivos subsídios de férias do ano de 2012.
20. Em 15/11/2012, os autores comunicaram à ré a resolução dos seus contratos de trabalho, com efeitos a partir do dia 19/11/2012, por falta de pagamento dos salários de Outubro de 2011 – 15 dias, metade do subsídio de férias de 2011 e o subsídio de Natal de 2011, Agosto, Setembro e Outubro de 2012 e subsídio de férias de 2012.
21. Em 16/11/2012, a ré foi notificada das resoluções.
22. Em 23/11/2012, o Sr. Administrador de Insolvência assinou [debaixo de carimbo com a firma da ré e no espaço destinado ao empregador] a declaração de situação de desemprego, confirmando o despedimento com justa causa invocado pelos autores [a parte entre parenteses foi acrescentada por este acórdão, com base no mesmo documento que serviu para dar como provado este ponto 22, o que se faz para melhor esclarecimento da situação].
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Tendo a B deixado de lhes pagar os salários e não lhes pagando a indemnização devida pela subsequente resolução do contrato de trabalho devido a essa falta, os autores foram requerer a insolvência da mesma. Diziam que depois de ter sido declarada a insolvência neste processo e homologado o plano de insolvência, a requerida já há muito que exercia uma normal actividade, pelo que o facto de não haver um despacho de encerramento do processo não podia levar a que a empresa ficasse à margem da lei e isenta de responsabilidades; ou seja, que o acto decisivo para o surgimento de uma “nova” entidade económica consiste na homologação do plano de insolvência.
A ré opôs-se dizendo que já tinha sido declarada insolvente neste processo, processo que se encontrava pendente por ainda não ter sido encerrado; oposição que foi julgada procedente, levando à extinção do requerimento de insolvência.
Agora que os autores vieram pedir as dívidas no processo de insolvência, como dívidas da massa, já que como o processo de insolvência ainda não tinha sido encerrado e logicamente as dívidas não eram da insolvência, no sentido de anteriores à declaração de insolvência proferida nestes autos, por serem posteriores à declaração de insolvência, a ré vem dizer, na contestação, que o que os autores deveriam ter efeito era uma reclamação de créditos ou instaurado uma acção de verificação ulterior de créditos, no pressuposto, pois, de que se tratavam de dívidas da insolvência e, agora, no recurso, vem dizer que a partir do trânsito em julgado dessa homologação, a empresa regressou à sua actividade normal, pelo que a partir de então as dívidas que foram constituídas fruto da manutenção em actividade da empresa, são dívidas da própria empresa [mas não obviamente, da insolvência] e não da sua Massa Insolvente, pois com a aquela homologação cessou a actividade da Massa.
Ou seja, muda-se de posição à medida das necessidades, sem qualquer coerência jurídica. Agora a Massa utiliza a argumentação dos autores, que tinha atacado no requerimento da insolvência.
Seja como for.
Grosso modo, as dívidas constituídas depois da declaração de insolvência são dívidas da Massa e não da insolvência (art. 51/1 do CIRE) E a Massa existe até ao encerramento do processo. Daí que o art. 172/1 do CIRE diga que “antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.”
Ora, se o processo nunca foi encerrado, como no caso dos autos é claro que não foi [decorre: (i), do facto 18, mesmo sem todo o conteúdo que agora foi transcrito, (ii), do que consta do relatório deste acórdão, face à decisão singular do TRL que deu razão à ré contra o despacho que tinha encerrado o processo, e (iii), da posição assumida pela ré na contestação, onde dizia que o processo tinha sido encerrado em 19/01/2015, muito depois da constituição das dívidas em causa], então a Massa nunca deixou de existir e por isso as dívidas que se foram constituindo são da Massa Insolvente e não da empresa.
Aliás, as diferenças salariais em que a ré foi condenada não podem deixar de ser imputáveis à administração do AI, já que ocorreram depois da resolução do contrato com a cessionária da exploração (factos 13 a 15) e antes da homologação do plano (facto 17); e a indemnização pela resolução dos contratos dos autores/trabalhadores deve-se à falta de pagamento dos salários durante a pendência do processo de insolvência, notando-se, aliás, que foi o AI que em 23/11/2012 assinou a declaração de situação de desemprego em nome da ré, como sociedade empregadora, confirmando o despedimento com justa causa invocado pelos autores (facto 22). Ou seja, sem encerramento do processo mesmo depois da homologação do plano (o que é possível, como decorre, a contrario do art. 230/1-b do CIRE – não havendo factos no processo que demonstrem que o processo prosseguiu sem estarem preenchidos estes pressupostos; de resto, a decisão de homologação do plano e a decisão do encerramento do processo são autónomas e aquela não implica automaticamente esta – apenas por exemplo, neste sentido veja-se CIRE anotado de Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Almedina, 2013, págs.634/635) e continuando o AI a actuar como tal.
Ora, como diz Maria do Rosário Palma Ramalho, “se os créditos [salariais, no que ao caso importa] surgem depois da declaração judicial de insolvência e se reportam a trabalho prestado depois de tal declaração ou outros factos ocorridos depois da declaração de insolvência, são de qualificar como créditos sobre a massa insolvente, pelo que devem ser pagos na data do respectivo vencimento. Trata-se do cumprimento das obrigações do empregador, em cujas funções o administrador da insolvência ficou investido, uma vez que, como vimos, os contratos de trabalho continuam em execução. Esta dívida da massa insolvente subsume-se directamente ao art. 51/1-d do CIRE, conjugado com o art. 55/1-b também do CIRE e com o art. 347/1 do Código de Trabalho.”
Já quanto aos “créditos indemnizatórios pela cessação de contratos pré-existentes, quando tal cessação ocorra depois da declaração judicial de insolvência […a sua] qualificação […] como créditos sobre a insolvência […] não é de aceitar porque contraria directamente o princípio geral da imunidade dos contratos de trabalho à declaração de insolvência do empregador, estabelecido no art. 347/1 do CT, para além de conflituar com o art. 51/1-d do CIRE.
De facto, se os contratos de trabalho se mantêm, em contexto de insolvência (art. 347/1 do CT), justificando-se essa manutenção não apenas na expectativa de uma eventual recuperação ou transmissão da empresa, mas também porque os trabalhadores (no todo ou em parte) continuam a ser úteis à empresa mesmo no processo de liquidação – de acordo com o juízo do próprio administrador da insolvência, no exercício diligente das suas funções – seria, no mínimo, incongruente, permitir que a empresa beneficiasse da actividade dos trabalhadores depois da declaração de insolvência, mas para efeitos dos créditos indemnizatórios ficcionasse, aquando da cessação dos respectivos contratos, que o fundamento de tal cessação era, afinal, a própria insolvência. Bem pelo contrário, desenvolvendo os trabalhadores a sua actividade após a declaração de insolvência e passando a extinção dos seus contratos por uma actuação posterior do administrador, no exercício das suas funções de ‘manutenção da empresa em funcionamento’ (ou seja, no âmbito do art. 51/1-d do CIRE) e surgindo o crédito indemnizatório apenas com a cessação do vínculo, parece-nos difícil reconduzir tais créditos a créditos sobre a insolvência.
[…]
Assim, cremos ser de subscrever a qualificação [de tais créditos] como créditos sobre a massa insolvente, na sua totalidade – logo, como créditos a satisfazer antes dos créditos sobre a insolvência.” (Os trabalhadores no processo de insolvência, III Congresso de direito da insolvência, almedina, 2015, págs. 399/404; no mesmo sentido, a autora aponta Carvalho Fernandes, efeitos da declaração de insolvência, pág. 26, e Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 5ª edição, Coimbra, 2013, pág. 185).
No mesmo sentido, para além dos acórdãos citados pelos autores na réplica (: do TRG de 12/11/20313, proc. 915/12.3TBBCL-I.G1, do TRP de 03/02/2014, proc. 713/12.4TTMTS.P1, e do TRP de 28/10/2015, proc. 672/15.1T8AGD.P1), vão ainda, por exemplo, os acórdãos do TRG de 14/01/2016, proc. 6034/13.8TBBRG-I.G1, embora a contrario, já que directamente versa sobre um crédito indemnizatório por despedimento ocorrido depois do encerramento; do STJ de 16/06/2016, proc. 775/12.4TTMTS.P3.S1, e do TRG de 14/01/2016, proc. 6034/13.8TBBRG-O.G1
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Diz a Massa Insolvente que, nesta lógica, todas “as despesas em que a empresa incorreu (trabalhadores, fornecedores, Estado, etc.) [que] são dívidas da empresa/insolvente e não da Massa Insolvente, desde Maio de 2010 (data da declaração de insolvência) até à data em que se deliberou que a empresa ia para liquidação (ano de 2015), seriam dívidas da Massa Insolvente, o que, naturalmente, não faz qualquer sentido.”
Diga-se antes de mais que este argumento está mais que repisado, sendo retirado de um acórdão do TRC de 2010, a propósito do qual Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões (CIRE anotado, citado, págs 172/173) lembram que foi logo criticado por Menezes Leitão (“A natureza dos créditos laborais resultantes de decisão do administrador de insolvência”, pág.64) pelo seguinte: “[…] nem a conclusão [de que são dívidas da massa] é despropositada, nem a lei permite sustentar minimamente o que a relação defende. […N]ão faz […] sentido considerar como créditos sobre a insolvência os créditos laborais constituídos após a declaração de insolvência […] uma vez que o trabalhador continua a trabalhar para a empresa insolvente após a declaração da insolvência, naturalmente que o pagamento dos seus salários, vencidos após essa data, não pode estar sujeito às regras dos créditos da insolvência. […] Teríamos uma situação laboral em que o trabalhador continuaria a trabalhar para a empresa […], mas os seus salários apenas seriam pagos como créditos sobre a insolvência num momento futuro, tendo que ser reclamados no processo. Esta solução é que nos parece completamente despropositada. É manifesto que estes créditos correspondem a dívidas da massa, a pagar na data dos respectivos vencimento, qualquer que seja o estado do processo.”
De qualquer modo, primeiro, o que é referido pela Massa Insolvente só acontece em relação às dívidas que de facto possam ser classificadas, ao abrigo do art. 51 do CIRE, como dívidas da Massa; e, depois, tal só acontece porque, por um lado, o processo não foi encerrado depois da homologação do plano (art. 230/1-b do CIRE) e, por outro, por não ter sido permitido aos autores requererem a insolvência quando o fizeram, consequência, por sua vez, do processo não ter sido encerrado, e tudo isto de acordo com as posições assumidas pela requerida.
De resto, o não encerramento do processo pode ter sido uma forma objectiva, mesmo que não intencional, de evitar a eficácia de posteriores processos de insolvência (como de facto ocorreu), o que pode ser uma boa razão para se defender que o não encerramento do processo, nestes casos (e em todos os outros em que se impeça o encerramento com sucessivos recursos), não deve impedir os novos credores de requererem a insolvência de uma empresa já declarada insolvente mas que, a coberto de um plano de insolvência, continua a contrair dívidas (como o defenderam os autores no anterior processo; quanto ao processo de revitalização, o momento que conta é a homologação do plano, mas as soluções do PER não se podem aproveitar para o caso, porque nos PER não existem dívidas da massa; no mesmo sentido da posição dos autores, mas num caso de PER, e por isso tendo que ser lido com as devidas adaptações, veja-se o voto de vencido ao ac. do TRP de 07/07/2016, proc. 2926/15.8T8AVR.P1).
Nada disto afasta, no entanto, no caso, a solução legal, de classificar estas dívidas, por créditos laborais, como créditos da massa insolvente, desde que nasçam até ao encerramento do processo.
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Quanto ao argumento de que esta conclusão prejudicaria outros trabalhadores, sendo realmente tocante, como dizem os autores, que a Massa Insolvente se preocupe com eles, embora à custa de não querer a pagar aos autores que também são trabalhadores, a verdade é que: primeiro, a Massa Insolvente nada alegou sobre tal matéria na contestação e por isso não há factos que possam ser tomados em consideração, não se sabendo, designadamente, se existem outros trabalhadores nas mesmas circunstâncias que os autores, mas se os houver, não é a solução que está errada, ou que é ofensiva do princípio da igualdade, mas sim o facto de esses outros trabalhadores não terem agido em defesa dos seus interesses. E quanto a trabalhadores que já tinham créditos antes da declaração da insolvência, a situação é diferente da dos autores, pois que estes continuaram a trabalhar para a insolvente, depois da declaração da insolvência, presumivelmente para obter rendimentos para pagamento daqueles créditos designadamente através da “viabilização da alienação” da empresa ou de uma melhor alienação da empresa, e/ou para recuperar a empresa (sobre as razões que justificam a classificação como dívidas da massa, veja-se Carvalho Fernandes e João Labareda, págs. 307 a 310, CIRE anotado, Quid Juris, 2015, 3ª edição, de onde se retirou a expressão entre aspas).
De qualquer modo, se os outros trabalhadores, se os houver, tiverem sido prejudicados pela forma como decorreu a insolvência da empresa, sempre existe a hipótese de responsabilidade civil para o caso se se puder imputar a alguém a culpa no acto que deu causa a tal prejuízo.
Em suma, improcedem os argumentos da ré.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas pela Massa.
Lisboa, 22/06/2017
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto