Juízo de Competência Genérica da Lourinhã

            Sumário:

           Numa acção de divisão de coisa comum, um dos fundamentos da contestação pode ser a inexistência da compropriedade, devido a uma divisão material amigável do prédio, pelos anteriores comproprietários, que passaram a possuir, cada um deles, como se fossem seus proprietários exclusivos, cada uma das parcelas em que o dividiram, durante tempo suficiente e com as características necessárias à sua usucapião como proprietários exclusivos; tal é suficiente para a improcedência da acção (como no caso dos autos, que por isso está justificada), mas também pode ser objecto de uma reconvenção para declaração dessas propriedades.

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

            Em 2010, A, mais tarde associada ao seu marido, B, propôs contra C, mais tarde associada ao seu marido, D, e E, mais tarde substituído por Associação F, uma acção que intitulou de processo ordinário, pedindo que: fosse determinada “a divisão de coisa comum em 1/3, de um imóvel [que identifica], entre a autora e os réus, por referência aos documentos” apresentados.

            Alegou para o efeito que aquele prédio se encontra registado em seu nome em 1/3 indiviso, estando os outros dois 1/3 registados, cada um deles, em nome dos outros réus. No entanto, apesar de figurar no registo predial como um único prédio, na prática o mesmo está dividido em três lotes, que a autora descreve, divisão essa feita após a aquisição pela autora, em 2001. Sucede que a primeira ré veio a ocupar uma parte da parcela da autora, alegando que a adquiriu por usucapião, não restando à autora outra alternativa senão intentar a presente acção [na síntese desta alegação utilizou-se a feita pela decisão singular do TRL referida mais à frente].

            Entre os documentos que apresentou, consta uma notificação de uma decisão a absolver os réus da instância, de uma acção de demarcação intentada pela autora em 2010 contra os réus para que fosse determinada a linha divisória que delimita as estremas de cada uma das parcelas pertencentes a ela e aos réus, com base na ineptidão da petição inicial, por contradição entre pedido e causa de pedir (no essencial, porque parcelas do mesmo prédio não são prédios diferentes).

           Os 1ºs réus (ré C e marido) para além do mais contestaram a compropriedade, porque o prédio já estaria materialmente dividido desde pelo menos 1970, por acordo entre os comproprietários, tendo cada um deles ficado na posse exclusiva de cada uma das parcelas, como se fossem seus donos, pelo que cada um deles teria adquirido, por usucapião, a propriedade exclusiva de cada uma das parcelas; e pediram que fosse julgado procedente o pedido reconvencional deduzido nos termos dos arts. 55 a 96 da contestação [artigos que respeitam à reconvenção].

            A acção – que foi tratada como de divisão de coisa comum – foi declarada improcedente por saneador-sentença, por se entender que se se provasse que os autores e os réus adquiriram os seus quinhões por usucapião, aquela não seria a forma processual adequada e, se não se provasse, a divisão também não poderia ocorrer por ser indivisível o prédio, atenta a sua área, sendo certo que a autora não pede a adjudicação do prédio a um dos comproprietários ou a venda a um terceiro.

            Este saneador-sentença foi revogado por decisão singular do tribunal da relação de Lisboa [que foi subscrita por juiz desembargador que já não está neste TRL] que entendeu que havia que analisar mais profundamente se já existe divisão por inversão do título da posse e usucapião, ou, então, se a proibição da indivisão prevista no art. 1376/1 do CC não se verifica por o prédio se poder destinar a outro fim que não seja a cultura.

            No novo despacho saneador a reconvenção foi admitida, dizendo-se que os primeiros réus tinham pedido para que seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre a parcela identificada no doc. 7 [= original de fl. 81], fazendo-se referência à norma que admite a reconvenção quando tal pedido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa e considerou-se que o pedido reconvencional era distinto do pedido deduzido pelos autores [fl. 291].

            Realizado o julgamento em Maio de 2016, depois de inúmeras peripécias (incluindo um conflito negativo de competências entre o juízo de competência genérica da Lourinhã e o juízo central de Loures), foi proferida sentença em 08/06/2016, julgando a acção e a reconvenção improcedentes.

            Os autores vieram recorrer desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que, no caso, se transcrevem na íntegra e ipsis verbis:

  1. Sofreram os presentes autos sentença absolutória a favor dos réus, dado que
  2. O tribunal a quo não reconheceu a divisão de coisa comum em 1/3, do bem imóvel.
  3. Por inexistir coisa comum a partilhar, quer seja de natureza rústica ou urbana.
  4. No entanto, salvo melhor opinião, na realidade temos uma propriedade, com três comproprietários e é da vontade de todos dividir a mesma.
  5. Assim, dúvidas não existem que, autores e réus ambicionam a divisão da coisa comum,
  6. Sendo que os autores ambicionam a divisão de coisa comum por um 1/3, conforme escritura e registos e
  7. Os primeiros réus ambicionam a divisão de coisa comum por inversão do título da posse há mais de 42 anos, fundamento que os autores se recusam a aceitar.
  8. Porém, o tribunal a quo, apesar de dever considerar tais factos, não considerou aquele prédio fosse alvo de uma divisão, quando em sentença anterior assim não o entendeu.
  9. Demonstra ainda, o tribunal a quo, que é a única questão que levanta dúvidas,
  10. Tendo proferido sentença pela inexistência de coisa comum a partilhar,
  11. Ignorando as construções já lá existentes e as expectativas de construção demonstradas e comprovadas na douta contestação
  12. Verifica-se, pois, que os requisitos para a figura da divisão de coisa comum, enquanto elemento constitutivo da posse, existem,
  13. Ao contrário do que concluiu a decisão recorrida.
  14. Mas, ainda que restasse alguma dúvida, determina o acórdão do STJ de 07/04/2011, proc. n.º 30031-A/1979.L1.S1, que:
  15. “…Incidindo o direito de cada comproprietário à sua quota ideal em relação ao objecto da compropriedade sobre a totalidade do imóvel e, não sobre parte específica deste, o uso da coisa comum por um deles não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior ao âmbito do seu quinhão, salvo se tiver havido inversão do título….”
  16. “…O juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que a mesma se encontrava quando a divisão é requerida, atendendo-se ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser….”
  17. “…A limitação relativa ao fraccionamento dos prédios rústicos diz respeito, apenas, aos terrenos aptos para cultura, isto é, aqueles que são próprios para fins agrícolas, florestais ou pecuários, sendo já possível a divisão de qualquer terreno, desde que a parcela fraccionada se destine a algum fim que não seja a cultura….”
  18. “…Ainda que o terreno, no montante do fraccionamento, tenha por fim a cultura agrícola, se o seu destino posterior passar a ser outro, cessa a proibição da sua divisão…”
  19. “…Encontrando-se o terreno afecto a qualquer construção, destina-se a um fim que não é a cultura agrícola e, portanto, trata-se de um terreno para construção que justifica o fraccionamento…”
  20. “…a exclusão de proibição do fraccionamento do prédio objecto da acção, devendo os autos prosseguir a sua tramitação com vista à extinção da compropriedade, considerando-se o prédio divisível em substancia…”

         Nestes termos e nos de suprimento, deverá ser dado provimento ao presente recurso de apelação revogando-se totalmente a sentença recorrida e proferida decisão que acolha a argumentação ora exposta.”

            Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                      *

          Questão que importa decidir: se a acção não devia ter sido julgada improcedente.

                                                      *

         Esclareça-se que, como nas conclusões do recurso não consta qualquer impugnação da decisão da matéria de facto, não se concretizando em nenhuma delas qualquer ponto de facto que os autores considerem incorrectamente julgados (art. 640 do CPC), apesar da integral transcrição do depoimento de uma testemunha que os autores fizeram juntar às alegações do recurso, não há nada a decidir quanto a tal matéria (art. 635/4 do CPC), pelo que os factos que interessam à decisão daquela questão são apenas os seguintes (a que se deu agora alguma simplificação):

  1. O prédio rústico, designado por E ou TE, está inscrito na matriz sob o n.º xxx, secção R, e descrito na conservatória do registo predial da Lourinhã com o n.º xxx da freguesia de Y.
  2. Mostra-se inscrito pela ap. yyyy de yy/01/2002 a aquisição de uma quota de 1/3, por partilha por morte de FM e FN, pela autora, casada com o réu seu marido em regime de comunhão geral, sobre o direito de propriedade do prédio 1.
  3. Mostra-se inscrito pela ap. xxxx de xx/03/2009 a aquisição de uma quota de 1/3, por sucessão hereditária por morte de RJ, pela ré C com o réu seu marido em regime de comunhão geral, sobre o direito de propriedade do prédio 1.
  4. Foi inscrito pela ap. wwww de ww/12/2004 a aquisição de uma quota de 1/3, por partilha por morte de AF, pelo réu E, sobre o direito de propriedade do prédio 1
  5. Mostra-se inscrito pela ap. 1793 de 01/10/2014 a aquisição de uma quota de 1/3, por doação do réu E, pela ré Associação, sobre o direito de propriedade do prédio 1.
  6. O terreno referido em 1 tem 5415,00m2.
  7. Em data nunca posterior a 1970, os pais da autora, FM e FN, o pai da ré C, RJ, e o réu E acordaram dividir o prédio 1 entre si, destacando três parcelas logo a eles entregues e uma quarta parcela, definindo uma área comum de acesso a todas as outras.
  8. O acesso referido em 7, parte final, tem a área de 60m2, localiza-se junto à estrema sul e sudeste do terreno, tem uma forma irregular e destina-se desde o acordo e até esta data, exclusivamente, a servir de caminho para as três parcelas referidas.
  9. A primeira parcela das referidas em 7 tem 2192m2, situa-se na parte mais a norte do terreno, inicia-se na estrema sudoeste, junto à área comum e prolonga-se para nordeste, nos termos representados no levantamento topográfico a fl. 81;
  10. Desde a data referida em 7, RJ e, depois dele, os réus C e marido, passaram a ocupar a primeira parcela, gozando ininterruptamente o terreno como coisa sua, provendo pela sua limpeza e usufruindo das comodidades que proporciona, lavrando-a e explorando-a como entendem, criando os seus animais, guardando o que bem querem e circulando nela como entendem, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com convicção de serem seus donos legítimos, atento o regime de bens de casamento e de não prejudicarem qualquer outra pessoa.
  11. A segunda parcela das referidas em 7 tem 1372m2, situa-se a sul da primeira e a norte da terceira, inicia-se na estrema sudoeste, junto à área comum e prolonga-se para nordeste, nos termos representados no levantamento topográfico a fl. 81.
  12. Desde a data referida em 7, os pais da autora e depois os autores, passaram a ocupar a segunda parcela, gozando ininterruptamente o terreno como coisa sua, provendo pela sua limpeza e usufruindo das comodidades que proporciona, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com convicção de serem seus donos legítimos, atento o regime de bens do casamento e de não prejudicarem qualquer outra pessoa.
  13. A terceira parcela das referidas em 7 tem 1791m2, situa-se na parte mais a sul do terreno, inicia-se na estrema sudoeste, junto à área comum e prolongava-se para nordeste, nos termos representados no levantamento topográfico a fl. 81.
  14. Desde a data referida em 7, o réu E e, depois dele, a ré Associação, passaram a ocupar a terceira parcela, gozando ininterruptamente o terreno como coisa sua, provendo pela sua limpeza e usufruindo das comodidades que proporciona, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com convicção de serem seus donos legítimos e de não prejudicarem qualquer outra pessoa.
  15. Na altura da divisão do terreno em parcelas, foram colocados alguns marcos em pedra, tendo em vista delimitar estas últimas entre si e nos termos por que foi efectuada a divisão descrita em 7.
  16. Em data não posterior a 2007, os autores levantaram uma vedação entre a primeira e a segunda parcela, na divisória que resulta do descrito em 9 e 11, por sua iniciativa e sem intervenção ou participação dos réus.

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            A sentença recorrida disse o seguinte (em síntese deste acórdão):

         Do registo do prédio presume-se a compropriedade (art. 7 do CRP). No entanto, os factos provados demonstram que, pelo menos em 1970, houve uma divisão oficiosa da compropriedade, pelos autores e réus, em termos de todos eles terem passado a exercer, sobre cada uma das parcelas, a posse exclusiva, não titulada, pública e de boa fé como se fossem seus proprietários exclusivos, por mais de 15 anos (contando com as sucessões de posse), pelo que todos eles adquiriram, por usucapião, reportada a 1970, a propriedade exclusiva de cada das parcelas (arts. 1255, 1259, 1413/1 e 2, 875, 1262, 1261, 1260, 1297, 1548/2, 1256/1, 1287, 1296 e 1288, todos do CC).

         Como já não há compropriedade não se pode pedir a divisão dela. Ora, foi só isto que quer os autores quer os primeiros réus pediram e não a declaração da propriedade das parcelas (embora se reconheça que os réus pediram a adjudicação em nome próprio da primeira das parcelas referidas, parecendo sugerir um pedido de apreciação positiva sobre propriedade singular).

         A não se entender assim o pedido reconvencional “dois violentos vícios surgiriam na instância, preclusivos da decisão de mérito. Na realidade, caso se entendesse não existir um contra-pedido que conforma, também, uma solicitação para divisão de coisa comum, logo se destacaria um vício na instância reconvencional por inadmissibilidade (por numa acção que segue forma especial para divisão de coisa não poder ser enxertada reconvenção que siga a forma comum de processo – cfr. art. 266/3, 1.ª parte, do nCPC e art. 274/3, 1.ª parte, do CPC, em vigor à altura); e um segundo por incompetência absoluta deste tribunal (que, por inerência, igualmente não permitiria se admitisse a reconvenção), conquanto o valor da acção (60.000€, cfr. despacho de fls. 291) afastaria a competência do tribunal da secção de competência genérica da comarca para a tramitação e decisão do pedido reconvencional (cfr. arts. 41, 54/1 e 117/1-a todos da LOSJ e decisão do conflito de competências de fls. 483-485). No pressuposto que o caso julgado do acórdão [sic] do TRL de fls. 204-214 nos vincula e que correctamente entendeu tratar-se, a instância reconvencional, de um contra-pedido para divisão de coisa comum (e, em face do trânsito em julgado, desse pressuposto estrito teremos de partir – cfr. art. 620/1 do nCPC), temos que nem autores, nem os réus peticionam pela divisão de coisa constituída em compropriedade como ainda, mais acrescentamos, não peticionam pela divisão da quarta parcela que resultou da divisão desformalizada antes efectuada, de 60m2, a única que se manteve submetida ao regime de contitularidade que se exibe em registo.”

                                                      *

            Decidindo:

Da improcedência da acção

            Embora os autores entendam que o prédio já está materialmente dividido desde 2001, em parcelas de área praticamente idêntica, não podiam ter pedido, numa acção com processo ordinário/comum, a declaração de que eram proprietários da sua parcela porque, em 2011, quando puseram a acção, ainda não tinha decorrido o prazo da usucapião (art. 1296 do CC – e também por isso não podiam ter pedido, numa acção anterior, a demarcação de estremas entre as parcelas). Tinham que ter intentado esta acção de divisão de coisa comum.

            Mas os réus, que entendem que a divisão material do prédio – uma divisão substancialmente diferente da defendida pelos autores – ocorreu por acordo de todos os então comproprietários antes de 1970, podiam ter contestado a existência da compropriedade, como o fizeram.    

            Esta inexistência da compropriedade é um dos fundamentos da contestação prevista no art. 926/1 do CPC (Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, reimpressão de 1982, Coimbra Editora, pág. 42: “[…] que algum dos citados conteste a compropriedade, arrogando-se a propriedade exclusiva […]”), sendo que a divisão material amigável da propriedade, adicionada da posse exclusiva das parcelas resultantes pelo tempo necessário para a usucapião da propriedade, é uma das formas de extinção da compropriedade (assim, por exemplo, Alberto dos Reis, obra citada, págs. 25/27: “feita a divisão material [amigável] de um prédio sem se reduzir a escritura pública, se cada um dos proprietários entrar na posse exclusiva do seu quinhão e tal se prolongar durante 30 anos [agora 15 anos como regra…], ao cabo desse período de tempo a divisão, que inicialmente era nula, fica consolidada pela prescrição [agora usucapião], de sorte que tal divisão já poderá ser oposta ao pedido de divisão judicial de prédio comum”), por ela já estar juridicamente dividida em várias propriedades (arts. 1296 e 1288 do CC).

            Neete sentido, apenas por exemplo, veja-se:

              – o próprio ac. do STJ invocado pelos autores – que admite em termos abstractos a divisão amigável como fonte de uma posse exclusiva, apesar de ela não ter ocorrido nesse caso (o que serve já para esclarecer que a invocação desse acórdão pelos autores, nas conclusões do recurso, não tem nenhuma utilidade em defesa da sua tese);

              – o ac. do STJ de 19/09/2013, 433/2001.C1.S1: II – Os comproprietários têm o direito de pôr termo à indivisão por acordo dos consortes (celebrando escritura pública de divisão ou dividindo materialmente o prédio comum, passando, neste caso, cada um deles a possuir exclusivamente cada parte determinada até adquirir a propriedade singular por usucapião) ou através de acção judicial de divisão de coisa comum;

              – o ac. do TRC de 18/03/2014, proc. 567/10.5TBCBR.C1: I. No caso de divisão material do prédio em que cada um dos adjudicatários passou, a partir de então, a actuar sobre a parcela que lhe coube de modo exclusivo e com o “animus” de exercer o direito real correspondente ao direito de propriedade como único dono, dá-se a aquisição por usucapião da mesma parcela, como prédio distinto e autónomo do originário, se reunidos os demais caracteres da posse conducente à aquisição por aquela via; II. Nesta situação não é de exigir a inversão do título da posse, que pressupõe a existência de uma posse precária e a consequente oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía nos termos dos arts 1253 e 1265 do Código Civil, que se quedam sem aplicação ao caso;

              – e o ac. do TRL de 28/09/2006, 6294/2006-6: 2 – A compropriedade cessa quando qualquer consorte (ou um terceiro) adquira originariamente ou por forma derivada toda a coisa. Cessa igualmente quando a coisa seja dividida em várias fracções (podendo sê-lo) e estas atribuídas em propriedade plena, aos comproprietários ou a terceiros. 3 – Provando-se que, sendo dois irmãos comproprietários do mesmo prédio urbano, tenham acordado em proceder à divisão material do mesmo, o que fizeram em duas fracções independentes entre si, com diferentes acessos do e para o exterior, cabendo cada uma a cada um deles, tendo, para tanto, procedido, há mais de 50 anos, às obras necessárias à separação material das duas partes e para o mesmo efeito […], passando, a partir de então para cá, cada um deles a habitar ininterruptamente até à sua morte, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, essas parcelas assim delimitadas, cada um deles adquiriu a respectiva fracção por usucapião).

          E “a ter ocorrido aquisição por usucapião […], não releva[…] uma eventual indivisibilidade que fosse imposta por lei […] (cfr. neste sentido, por exemplo, os acs deste STJ de 27/04/2006 (proc. 06A1471) ou de 19/10/2004 (proc. 04A2988)” (ac. do STJ de 29/01/2008, proc. 07B2373).

            Sendo procedente esta contestação, a acção improcedia necessariamente: não se pode dividir uma coisa que já não existe. E foi isto que a sentença recorrida disse e nesta parte está certa e tanto basta para a improcedência do recurso.

                                                      *

Da improcedência da reconvenção

            Face à argumentação dos autores, com referência à posição dos réus, importa no entanto ainda esclarecer que, face aos factos provados e à evidente demonstração de que já não existe compropriedade, porque as partes dividiram amigavelmente o imóvel e passaram a utilizar, há mais de 40 anos, as parcelas daí resultantes como se fossem exclusivamente de cada uma deles, a dedução de um pedido reconvencional nesse sentido, a existir, poderia ter sido julgado procedente.

            A sentença recorrida diz que não existe tal pedido reconvencional, ou seja, que o que existe é um pedido reconvencional também de divisão de coisa comum. É certo que o pedido reconvencional formulado pelos réus, por remissão, peca por defeito, mas, por exemplo, o despacho que admitiu a reconvenção considerou que ele era de reconhecimento do direito de propriedade dos réus da parcela respectiva e não de divisão de coisa comum.

            A sentença diz o contrário e invoca a decisão do TRL, mas esta não disse nada quanto ao pedido reconvencional e se havia algum trânsito em julgado era do despacho, posterior, do tribunal recorrido a admitir o pedido reconvencional com uma configuração diferente da que lhe é dada pela sentença recorrida. 

            Por outro lado, a reconvenção é admissível porque, por força da contestação, a acção pode passar a seguir os termos do processo comum (como já o dizia Alberto dos Reis, obra citada, págs. 24 a 27, lido com as necessárias adaptações; dizem-no também, por exemplo, os acórdãos do TRG de 25/09/2014, proc. 260/12.4TBMNC-A.G1, e do TRL de 04/03/2010, proc. 1392/08.9TCSNT.L1-6).

            Conhecendo-se, depois do julgamento da matéria de facto, nos termos do processo comum, do fundamento da contestação, precisamente o mesmo da reconvenção, não há razão nenhuma para não permitir a apreciação e procedência desta, se for o caso.

            Assim sendo, o primeiro saneador(-sentença) não podia dizer que, provando-se a usucapião, a forma processual seguida, de acção de divisão de coisa comum, se tornava [retroactivamente?] inadequada.

            E também não tem razão, agora, a sentença recorrida, em dizer que numa acção que segue forma especial para divisão de coisa comum não podia ser enxertada reconvenção que seguisse a forma comum de processo, o que é claramente posto em causa pela fundamentação de Alberto dos Reis e pelos acórdãos referidos.

     Menos ainda tem razão, a sentença, em dizer que, dado o valor do pedido reconvencional, o tribunal recorrido passaria a ser incompetente, o que, de novo, já estava decidido em sentido contrário pela decisão do conflito negativo já referida acima. Até porque o facto de o processo especial passar a seguir os termos do processo comum, não o torna num processo comum.

            Ou seja, a sentença recorrida, a ser possível ver no pedido reconvencional mais do que viu o tribunal recorrido, podia ter considerado procedente a reconvenção.

            Mas isto apenas seria razão para os réus recorrerem e eles não o fizeram pelo que não se desenvolve mais esta argumentação.

            É que o que antecede já não seria razão para os autores recorrerem, pretendendo que lhes fosse dada razão na sua pretensão de divisão da coisa comum na forma como eles diziam ter ocorrido em 2001.

            Ou seja, os autores podiam, para que tal ficasse definitivamente fixado de forma clara, pedir que a sentença fosse substituída por outra que julgasse procedente a reconvenção, mas já não para que lhes desse razão a eles, declarando a propriedade de cada uma das parcelas da forma como os autores diziam ter ocorrido a divisão em 2001 ou mandando seguir a acção para a divisão igualitária das parcelas da forma como os autores pretendem.

                                                      *

            Em suma, justifica-se a improcedência da acção; pode ser que não se justificasse a improcedência da reconvenção, mas nem os réus recorreram da sentença, nem os autores recorreram dela nesta parte (apenas o fizeram da improcedência da acção).

                                                      *  

            Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

            Custas pelos autores.

            Lisboa, 29/06/2017

            Pedro Martins

            1.º Adjunto

            2.º Adjunto