Acção comum do Juízo Central Cível de Lisboa

Sumário:

I. Não há nulidade de sentença, por se ocupar de questão que não lhe foi posta (art. 615/1-d do CPC), se, num processo em que se pede apenas a reforma de um título de crédito, a sentença ordena a reforma e considera sem valor o título anterior.

II. Para que se possa falar do desaparecimento de um título de crédito, como pressuposto da reforma do mesmo, basta que o seu titular prove que não sabe onde o mesmo se encontra.

III. Provada a titularidade do direito (sobre o título), o desaparecimento do título e o interesse na sua recuperação (decorrente da própria natureza do título, que é de crédito e necessário ao exercício do direito, conjugado com o facto de ainda não ter sido pago), a acção deve proceder.

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

           

            Banco-SA, intentou esta acção extraviada contra (1) F&R-Lda, (2) K-Lda, (3) F e (4) R, pedindo a reforma de uma livrança e a sua entrega à autora.

            Alegou para tal, em síntese, que: celebrou um contrato de reestruturação de dívida com a 1ª ré tendo esta subscrito uma livrança e os restantes réus prestado o seu aval para garantia do cumprimento das obrigações resultantes do contrato; dado que não foram pagas as quantias em dívida, a autora efectuou o preenchimento da livrança; a livrança foi então enviada para o escritório dos seus advogados para ser dada à execução, mas porque entre a autora e a 2ª ré foi acordada uma cessão de créditos não haveria lugar à execução, pelo que a livrança foi devolvida à autora, extraviando-se entretanto; a autora necessita da livrança para poder reaver o seu crédito e daí o presente processo.

            Citados os réus, apenas a 2.ª ré apresentou contestação, impugnando os factos descritos na petição e alegando que deveria a autora ter prestado caução para garantir que a ré não tenha de pagar duas vezes, caso a livrança apareça na posse de terceiro de boa-fé.

            Depois de realizado o julgamento, decidiu-se julgar a acção procedente e, em consequência, ordenou-se a reforma da livrança em conformidade com a petição inicial, considerando-se, consequentemente, sem valor o titulo anterior.

            A ré recorre desta sentença, com o fim dela ser anulada, ou de a ré ser absolvida depois de se alterar a decisão da matéria de facto quanto a parte dos pontos 8, 10 e 11, que impugna (nos termos transcritos mais abaixo), terminando as alegações do seu recurso com as seguintes conclusões quanto à anulação e quanto à matéria de direito:

         Em face ao pedido formulado pelo autor, do qual apenas consta a reforma do título, e constando da sentença que ordena a reforma bem como considera sem valor o título anterior, é manifesto que existe excesso de pronúncia do tribunal a quo na medida em que aprecia para além do pedido do autor, porquanto estamos perante uma nulidade prevista na parte final do art. 615/1-d do CPC.

         Inexistindo prova do extravio não estão reunidos os pressupostos para a reforma dos títulos pelo que viola assim as disposições dos arts. 367 do Código Civil e art. 484 do Código Comercial.

          O autor contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso; quanto à nulidade, diz que ela não se verifica porque a declaração de ‘sem valor do título anterior’ é consequência necessária da reforma do título.

                                                      *

            Questões que importa decidir: a nulidade da sentença; o decidido quanto à parte controvertida dos pontos de facto provados sob 8, 10 e 11; e se a livrança não devia ter sido reformada.

                                                      *

            Da nulidade da sentença

            A reforma de títulos de créditos desaparecidos, faz-se nos termos do processo comum de declaração (do CPC).

            Até à reforma de 2013 do CPC, as regras aplicáveis à reforma de títulos perdidos ou desaparecidos estavam previstas nos arts. 1069 a 1073 do CPC, sendo uma delas a da alínea (d) do art. 1702 que dizia: “Se o título não aparecer até ser proferida a decisão, a sentença que ordenar a reforma declarará sem valor o título desaparecido […].”

            Era uma regra de protecção dos interesses das partes, para evitar a possibilidade da existência de dois títulos válidos em circulação, que o legislador da reforma, ao acabar com o processo especial, não substituiu.

            Como regra de cautela em benefício dos interessados, prevenindo a possibilidade de ser pedido ao devedor, por duas vezes, o pagamento do mesmo título, que poderia ser obrigado a pagar (o que, em exercício do direito de regresso, poderia reverter em prejuízo também do credor), justifica-se que o tribunal a aplique sempre que se lembrar de o fazer por ter conhecimento do regime anterior.

            Neste sentido, pode ser vista como consequência da decisão do pedido formulado e por isso como objecto do processo; tal como, por exemplo, se entende que quando o tribunal conhece oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve condenar a parte na restituição do recebido, com fundamento no art. 289/1 do CC (assento do STJ n.º 4/95, de 28/03/1995, publicado no DR/I 17/05/1995) ou que, declarando resolvido um contrato, o juiz também deve referir a obrigação do autor restituir a coisa recebida do réu, mesmo que o réu não tenha feito pedido de restituição da prestação que efectuou (mas se o não fizer essa obrigação não deixa de existir) [ac. do TRC de 18/01/2011, proc. 2129/03.4TBVIS.C1, com referência a muitos outros casos do mesmo tipo].

            Assim, o tribunal não cometeu a nulidade invocada (arts. 608/2 e 615/1-d do CPC).

            Por outro lado, a colocação da questão pela ré consubstancia-se num absurdo jurídico, atento o que se disse acima: sendo uma decisão que a visa proteger contra a existência, em simultâneo, de dois títulos de crédito válidos em circulação, ela não tem nenhum interesse em colocar a questão; dito de outro modo, nem sequer tem legitimidade para a pôr em causa, nesta parte, por não se poder dizer vencida/prejudicada por ela (art. 631 do CPC).

                                                       *

            Foram dados como provados, no tribunal recorrido, os seguintes factos (reordenados e sintetizados por este tribunal da relação; os pontos 10 e 11 serão substituídos, mais à frente, por outro § com uma redacção diferente, em consequência da parcial impugnação da matéria de facto):

  1. Em 09/11/2011, foi celebrado entre a autora e a 1.ª ré um contrato de reestruturação de dívida, CLS nº y.
  2. A 1.ª ré subscreveu uma livrança para titulação desse contrato, que foi avalizada pelos outros réus, em 09/11/2011, para garantia do cumprimento das obrigações resultantes do contrato.
  3. A livrança encontrava-se assinada pela 2.ª ré na qualidade de avalista da 1ª ré.
  4. Desde 09/10/2012, a mutuária deixou de liquidar as prestações relativas ao contrato.
  5. Uma vez que não foram pagas as quantias em dívida, o autor efectuou o preenchimento da livrança.
  6. Em 20/02/2015, o autor procedeu ao envio de cartas registadas com aviso de recepção, mediante as quais comunicou aos 2º e 3º réus que a livrança foi preenchida pelo montante de 107.249,74€ e se encontraria a pagamento, com vencimento fixado para o dia 27/02/2015, apenas não tendo enviado cartas à 1.ª ré e ao 4º réu uma vez que à data se encontravam já insolventes.
  7. A livrança tem data de vencimento de 27/02/2015 e naquela data, bem como posteriormente, não foi paga pelos réus ao autor.
  8. Por não ter sido liquidado o referido montante pela empresa subscritora ou pelos avalistas, a livrança iria ser dada à execução pelo autor que, em Março de 2015, a enviou para o escritório de advogados, para o efeito.
  9. O autor e a 2.ª ré, em Abril de 2015, acordaram na cessão de créditos do autor para a 2.ª ré, pelo que não haveria lugar à instauração de acção executiva com base na livrança.
  10. Foi novamente remetida ao autor a livrança, em 23/04/2015.
  11. Sendo remetida através de correio interno, aquela extraviou-se no seu envio.
  12. Sem aquele título o autor não pode cobrar o crédito que detém sobre os réus, ficando prejudicada no seu crédito.
  13. O título executivo emitido pelo autor tem as seguintes características:

A-) Folha A4 em posição vertical

B-) Na frente:

I- Na parte superior esquerda da folha e centralizado encontra-se a identificação da livrança com o nº x e, num plano inferior, o logótipo na cor vermelha, com a inscrição “Banco”.

II- Na parte esquerda da folha e centralizado, encontra-se um 1º campo, com os dizeres “Livrança nº”, que se encontra em branco e um 2º campo com os dizeres “Local de Pagamento/Domiciliação” N.I.B. – Nº de Identificação Bancária”, espaços esses que se encontram todos em branco.

III- Na parte esquerda inferior, aparece um campo com os dizeres “Imposto de Selo Pago por Meio de Guia”, seguido do “valor” onde consta a expressão numérica “536,24EUR” e “Data de Liquidação” onde consta a expressão numérica “2015-02-20”.

IV- a-) Na parte superior central existe um 1º campo dividido em 2 secções: 1ª secção com os dizeres “Local e Data de Emissão, Ano, Mês, Dia”, onde consta a expressão “Porto, 2011-11-09”, 2ª secção com os dizeres “Importância”, onde consta a expressão numérica “107.249,74”.

b-) Logo a seguir, surge um 2º campo por baixo do 1º campo, com 2 secções: 1ª secção com os dizeres “Valor”, onde consta a expressão “Contrato Empréstimo CLS y”, 2ª secção com os dizeres “Vencimento, Ano, Mês, Dia”, onde consta a expressão numérica “2015-02-27”.

c-) Em seguida surge um 3º campo, por baixo do 2º campo, com os dizeres “No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco ou à sua ordem a quantia de” onde consta a expressão “cento e sete mil, duzentos quarenta nove euros e setenta e quatro cêntimos”.

d-) No seguimento, surge um 4º campo, por baixo do 3º, com os dizeres “Assinatura dos subscritores”, onde consta a assinatura do representante da F&R-Lda. e carimbo desta.

e-) Por baixo do campo nº4, surge o campo 5, com os dizeres “Nome e Morada do(s) subscritor(es), onde constam as expressões “F&R-Lda, rua x”.

C-) No verso:

I- Na parte superior e em toda a largura do título, encontra-se a expressão manuscrita pelo representante de K-Lda, “Bom Aval ao Subscritor”, seguida da assinatura deste e carimbo da sociedade.

II- Por baixo, encontra-se a expressão manuscrita por R “Bom Aval à firma subscritora”, seguida da assinatura deste.

III- De seguida e por baixo desta, encontra-se a expressão manuscrita por F “Bom Aval à firma subscritora” seguida da assinatura deste.

IV- Na parte inferior e em toda a largura do título, o mesmo encontra-se em branco.

                                                      *

Da impugnação da decisão da matéria de facto

            A ré entende que, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, deveriam ter sido dado como não provados os seguintes factos:

        – a livrança foi enviada pelo autor em Março de 2015 para o escritório de advogados [= parte do ponto 8];

         – foi novamente remetida ao autor a livrança, em 23/04/2015 [= ponto 10]; e

         – a livrança extraviou-se no seu envio [= à parte final do ponto 11].

       O tribunal fundamentou assim a sua convicção sobre os factos dados como provados:

         – depoimento da testemunha M, técnico de recuperação de créditos na área das insolvências do autor, que conhece os factos a que depôs em virtude das funções que exerce. Disse que o processo em causa lhe foi atribuído após a insolvência da 1ª ré, em 20/06/2012, tendo a partir daí acompanhado o processo, os contactos efectuados com os outros réus, as conversações havidas com a 2ª ré em vista de uma cessão de créditos. Relatou todas as diligências feitas com vista à cobrança do crédito, o preenchimento da livrança, sendo que não viu o original agora extraviado mas apenas a cópia que está junta aos autos. Falou das cartas enviadas às rés não insolventes dando conta do preenchimento da livrança, do conhecimento da 2ª ré de todo o processo, do envio da livrança para o escritório dos advogados, do pedido de devolução da mesma, altura em que se extraviou e referiu ainda que o crédito continua sem pagamento.

         – depoimento da testemunha J, director da unidade técnica que acompanha as insolvências na autora, referiu os mesmos factos e situações que a anterior testemunha com menos pormenor e declarou nunca ter visto a livrança e nada saber das notificações operadas aos réus.

         Consideraram-se ainda os documentos juntos aos autos pela autora que não foram impugnados pela ré contestante e que foram exibidos à testemunha e por esta reconhecidos.

            A ré fundamenta assim, nas conclusões do seu recurso, a sua discordância (em síntese deste tribunal da relação, mas com a construção e as palavras da ré):

i) Em face da ausência de prova carreada nos autos e produzida no processo, concretamente, os documentos, não existe qualquer registo de envio do título ou troca de correspondência entre o escritório de advogados e o autor.

ii) No que respeita à prova testemunhal, não resulta do depoimento das testemunhas do autor, M e J (identificados na alegação com referência concreta aos momentos identificados), que tenham tido conhecimento directo no envio e recebimento do título, não tendo intervindo qualquer uma delas nessa matéria.

iii) Nem tão pouco as testemunhas declaram que ocorreu extravio do título; colocam inclusivamente a hipótese deste ter sido mal arquivado, e nunca ter saído do banco.

O autor responde que:

         Através do testemunho daqueles dois empregados do autor foi detalhadamente descrita a condução dos acontecimentos, tendo a livrança sido preenchida e enviada para o escritório de advogados do autor, tendo posteriormente voltado a ser enviado para o autor, através de correio interno, não tendo chegado ao seu destino, pelo que se extraviou; especialmente a testemunha M soube descrever ao pormenor, com credibilidade, todo o circunstancialismo e procedimentos adoptados, prova adequada para estes factos.

            Decidindo:

            As duas testemunhas do autor contaram – com mais conhecimento de facto a primeira do que a segunda – como é que era que as coisas aconteciam normalmente e que nos seus serviços, no âmbito das funções que exercem, lhes foi dito – no período em causa, não para este processo – que a livrança tinha sido enviada para os escritórios dos advogados do autor em Março de 2015 para a accionarem judicialmente (na sequência do facto 7 e da 1ª parte de 8) e que em Abril de 2015 do escritório daqueles foi dito que já a tinham reenviado (na sequência do facto 9), mas os serviços do autor não a encontravam no local onde devia estar, pelo que andaram cerca de um mês à procura dela na correspondência vinda do escritório dos advogados naquela semana em que era suposto ter sido enviada, tendo a própria testemunha M andado à procura dela, pasta a pasta, incluindo na documentação que já tinha sido enviada para o arquivo, também sem a encontrar.

            Estas testemunhas pertencem a um departamento diferente daquele que faz o processamento do envio e recepção do correio, não tendo por isso, claro, presenciado estes factos, mas a verificação deles, na sequência dos outros factos, é perfeitamente lógica, natural e necessária. Por outro lado, como estas testemunhas dizem, não faz qualquer sentido a possibilidade da utilização da livrança para outra finalidade, o que é o mesmo que dizer que não faz sentido que elas, testemunhas, e o banco autor, estejam a mentir para ficaram com outro documento que faça as vezes da livrança desaparecida, de modo a poderem-na utilizar duas vezes. A explicação dada, em sentido contrário, pelo advogado da ré, durante a instância das testemunhas, não tem viabilidade: o Banco poderia ter vendido a livrança no âmbito de uma cessão de créditos em bloco; mas se a cessão pode ser em bloco, já não o pode ser o exercício do direito pelo cessionário; este é individualizado, contra o devedor concreto, não em bloco contra todos os devedores, pelo que, para exercer o seu direito, teria de exibir, entre o mais, a livrança original, que perde o seu valor com a sentença recorrida. E a cessão de créditos não é um endosso, nem se rege pelas regras deste.  

            Assim, não havendo quaisquer razões para duvidar das testemunhas (o que aliás a ré admite, dizendo da testemunha M que ela: “expressou–se de forma clara e espontânea, com rigor e certeza do seu conhecimento e coerência da sua memória”), considera-se como provado, tal como a decisão recorrida, (i) que a livrança foi enviada pelo autor em Março de 2015 para o escritório de advogados; (ii) que do escritório dos advogados do autor lhe foi dito que a livrança tinha sido devolvida na semana que abrange o dia 23/04/2015 o que o autor aceita como certo, o que é um pouco diferente do que consta da decisão recorrida, que por isso terá de ser alterada; e (iii) que os serviços do autor não encontram a livrança dentro dos seus espaços, tendo andado à procura dela durante cerca de um mês, sendo isto o que deve ser consignado no facto provado em substituição da conclusão do extravio que é algo que deve ser tirada – ou não – na parte do direito.

            Assim, mantém-se o ponto 8 e alteram-se os pontos 10 e 11 dos factos provados.

            Os pontos 10 e 11 passa a ter a seguinte redacção:

         10/11. Do escritório dos advogados do autor foi-lhe dito que a livrança tinha sido devolvida na semana que abrange o dia 23/04/2015, o que o autor aceita como certo, mas os seus serviços não encontram a livrança dentro dos seus espaços, apesar de terem andado à procura dela durante cerca de um mês.

                                                       *

Quanto ao recurso sobre matéria de direito

            Aproveitando os termos, desperdiçados pela reforma de 2013 do CPC, do anterior processo especial (arts. 1069 e segs do CPC na redacção anterior a tal reforma), bem como os do art. 484 do CCom, dir-se-á que aquele que quiser proceder à reforma de um título de crédito desaparecido descreverá o título e justificará tanto o interesse que tenha na sua recuperação, como os termos em que se deu o desaparecimento. Ou seja, justificará o seu direito e o facto que motiva a reforma. Provada a titularidade do direito (sobre o título), o interesse na sua recuperação (decorrente da própria natureza do título, que é de crédito e necessário ao exercício do direito, conjugado com o facto de ainda não ter sido pago) e o desaparecimento, a acção deve proceder.

            No caso, tudo isto está provado, pelo que a acção naturalmente procedeu.

     A ré tentou demonstrar que a acção devia improceder pondo em causa o desaparecimento do título, mas sem razão, como já se viu a nível da discussão da impugnação da decisão da matéria de facto.

       É certo que, com a modificação da matéria de facto, não se pode concluir pelo extravio da livrança – no sentido de a livrança não ter chegado ao seu destino, quando devolvida pelo escritório dos advogados do autor.

        Também não se provou a perda da livrança, ou seja, que o banco não tenha a livrança em seu poder. Pode ser que tenha, sem que o banco saiba aonde, ou pode ser que não, estando o escritório dos advogados do autor em erro sobre a sua devolução.

            No entanto, pode-se dizer que o título está desaparecido, porque o banco não sabe onde ela está, apesar de os seus serviços já terem estado à procura dela durante cerca de um mês.

            E isto é o suficiente para se falar em desaparecimento da livrança (para um caso em que foi só isto que se provou, veja-se o ac. do TRE de 07/02/2014, proc. 2450/08.5TBPTM-A.E1), sendo evidente que era com um sentido lato muito lato e impreciso que o autor empregou a expressão extravio da livrança, sentido que abrange a perda, o desaparecimento e o extravio, empregues em sentido estrito, isto é, no fundo, o desaparecimento, em sentido lato, de que fala o art. 367 do CC, como a ré não teve dificuldade em entender (indo mais longe ainda, veja-se Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no Comentário ao CC, Parte geral, UCP/FD, 2014, pág. 849, quando refere: “[…] desaparecimento (por exemplo, o extravio ou a destruição) […]” e no ac. do STJ de 27/11/2007, proc. 07B1301, quando usa a expressão ‘requisito do desaparecimento/destruição’).

            Aliás, se quanto à perda (deixar de se possuir algo) de um documento pode ser natural que se saiba como é que ela aconteceu, dificilmente acontecerá o mesmo quanto ao desaparecimento (deixar de se saber onde é que está algo), pelo que não se poderá exigir, por regra, que se alegue e prove a forma como ele se deu. 

            A ré em nada sai prejudicada com a sentença recorrida: ainda não pagou nada, não deu notícia de alguém lhe ter exigido o pagamento do original da livrança e a sentença teve o cuidado de considerar sem valor o título anterior.

            Eventuais duplos pagamentos dificilmente se poderão verificar e/ou ser exigidos e aparentemente estão a coberto da futura obrigação da prestação de caução prevista no art. 484 do CCom, que a sentença recorrida considera aplicável (tal como a ré), ou de uma obrigação de regresso, de sub-rogação, de reembolso, de restituição ou de responsabilidade civil, etc.

                                                           *

            Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

            Custas pela ré.

            Lisboa, 06/07/2017

            Pedro Martins

            1.º Adjunto

            2.º Adjunto