Revitalização do Juízo Central Cível de Ponta Delgada

            Sumário:

I. É nula a decisão de homologação do plano de recuperação que, tendo sido levantada uma série de razões contra a homologação do plano, não diz absolutamente nada sobre ela (art. 615/1-b do CPC). Nulidade que deve ser suprida pelo tribunal de recurso (art. 655/1 do CPC).

II. É abstractamente possível requerer um PER durante o período de execução de um plano de insolvência.

III. O disposto no art. 198/2 do CIRE é aplicável ao plano de recuperação no âmbito do PER.

IV. Se, para além do mais, por força de um contrato celebrado por força do plano da insolvência, um dos credores comuns nunca deixou de ver o seu crédito ser satisfeito e se assim vai continuar a acontecer, e os outros credores comuns não estão a ser pagos desde poucos meses depois de Março de 2014 e se prevê que continuem sem pagamento até 2020, considera-se que há violação do princípio da igualdade e por isso o plano de recuperação não deve ser homologado mesmo que aprovado pelos credores privilegiados e garantidos, mas não por qualquer outro credor comum (arts. 215, 194 e 17-F/5, do CIRE).

V. O disposto no art. 195 do CIRE é aplicável ao plano de recuperação no âmbito do PER.

VI. Se o projecto de proposta e a proposta final do plano são iguais; se o recorrente se pronunciou sobre aquela; se o sentido do seu voto pôde ser tomado em consideração; e se, perante isto, nada justificaria a alteração da oposição do recorrente (cujo voto, aliás, era irrelevante para o quórum deliberativo); considera-se que esta violação das normas procedimentais (falta de comunicação do proposta final do plano) é irrelevante/negligenciável para a decisão da homologação, pelo que, por si, não deve conduzir à não homologação do plano.

VII. Se do plano de recuperação aprovado num PER resulta que o devedor está numa situação de insolvência presumida – aliás tinha sido declarado insolvente e estava em execução um plano de insolvência aprovado em Março de 2014 -, por ter deixado de cumprir as obrigações previstas no plano de insolvência (preenchendo a previsão de várias alíneas do art. 20/1 do CIRE); se, para além disso, o plano, violando pelo menos o art. 195/2-a do CIRE, não esclarece devidamente a situação patrimonial do devedor e as únicas fontes de receita existentes de facto são de apenas 36.414€ anuais, que não chegam sequer para cobrir os gastos anuais correntes, e, por isso, muito menos o passivo de mais de 8.330.000€; e se a isto acresce o que consta sumariado em IV, deve-se considerar que o PER não está a ser utilizado para os fins para que está previsto legalmente, mas apenas para evitar a execução do devedor e/ou a sua declaração de insolvência, impossibilitando assim o exercício dos direitos dos credores comuns (desde 2012 a 2020) e, por isso, o plano não deve ser homologado (arts. 195/1, 215 e 17-F/5, do CIRE).

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

            Num processo de revitalização em que é devedor C, foi homologado o plano de recuperação aprovado pelos credores.

            Um dos dois credores subordinados, M, veio recorrer desta decisão – para que seja revogada e substituída por outra que recuse a homologação do plano de recuperação do devedor -, invocando (i) a nulidade da decisão, por falta de condenação em custas e por falta de fundamentação do decidido; (ii) a prova de outros factos para além dos dados como provados; (iii) a inadmissibilidade de um processo especial de revitalização (= PER) enquanto se está a incumprir um plano de insolvência aprovado anteriormente; (iv) a inadmissibilidade de um plano de recuperação alterar os estatutos do devedor; (v) a violação, pelo plano, do princípio da igualdade; (vi) a ocultação de bens; e (vii) a violação não negligenciável de normas imperativas.

            O devedor e um dos credores apresentaram contra-alegações, defendendo a decisão recorrida.

            No despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso, o Sr. juiz supriu a nulidade de omissão de decisão quanto a custas, condenando nelas o devedor nos termos do disposto no art. 17-F/12 do Código da insolvência e da recuperação de empresas, sem reacção do recorrente.

            As questões a decidir são as da nulidade da decisão recorrida (por falta de fundamentação, já que, quanto à falta de condenação em custas, ela já foi resolvida), do aditamento de factos e do eventual erro de julgamento da decisão por ter homologado o plano aprovado quando não o devia ter homologado.

          I

               Das nulidades da sentença

            Diz o recorrente (com alguma síntese feita por este acórdão):

  1. A sentença recorrida padece de vício de nulidade, à luz do determinado pelo art. 615/1-c do CPC porquanto não especifica os concretos fundamentos pelos quais entende não estarem verificados as razões de não homologação previstos pelos arts. 215 e 216, aplicáveis ex vi art. 17-F/5 , todos do CIRE.
  2. O recorrido está abrangido por plano de insolvência homologado por sentença transitada em julgado no âmbito do processo 3293/12.7TBPDL e encontra-se incapacitado de cumprir com os pagamentos fixados naquele plano, conforme alegado no requerimento inicial.
  3. Por força do disposto nos arts 215, 216 e 218, aplicáveis ex vi do art. 17-F/5, em conjugação com o art. 20/1-f, todos do CIRE, o tribunal recorrido não podia deixar de se pronunciar sobre a legalidade de homologação de um plano de revitalização perante o confessado incumprimento ou impossibilidade de cumprimento de plano de insolvência anteriormente aprovado e homologado por sentença transitada em julgado.

            A decisão recorrida, depois de (i) dizer que tinha visto o voto contra do recorrente com remessa para as fls. 263-265, de (ii) fazer referência às condições de aprovação do plano e de (iii) dizer que elas se encontram preenchidas, limita-se a dizer, na parte que importa, que:

         “[N]ão se verificam as razões de não homologação previstas nos arts 215 e 216 (ex vi artigo 17-F/6 [ou melhor: 5], todos do CIRE).

       Assim, forçoso é concluir que estão preenchidos os necessários requisitos para que se possa considerar aprovado o plano de recuperação, o que se consigna para os devidos efeitos.”

            No despacho onde se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, o Sr. juiz, depois de reproduzir a decisão recorrida, diz, com referência ao art. 615/1-c do CPC, que não se verifica a nulidade apontada.

            O mesmo fazem, o devedor e o S nas contra-alegações. O devedor, no entanto, toma também em consideração o disposto no art. 615/1-b do CPC, mas diz que a fundamentação que existe é suficiente; de qualquer modo, diz, a não se entender assim, o vício seria de natureza substantiva e não de nulidade da sentença.

            Decidindo:

            Compreende-se que, quando não são levantadas nenhumas questões das que estão em causa nos arts. 215 e 216 (mas que também têm a ver com os arts. 194 a 197, 198/1 e 200 a 202, todos do CIRE – veja-se hoje, expressamente, o art. 17-F/7 do CIRE na nova redacção dada pelo DL 79/2017, de 30/06), o tribunal se possa limitar a dizer que entende que elas não se verificam.  

            Mas, tendo em conta que o [embora intempestivo] voto contra do recorrente (que a decisão recorrida diz ter visto e considerado) já contém quase todos os argumentos que ele invoca neste recurso contra a homologação do plano, considera-se que o Sr. juiz os devia ter tido em conta expressamente e dito alguma coisa sobre eles.

            Limitando-se a dizer o supra transcrito, não explica, minimamente que seja, o porquê da conclusão de direito que tira.

            Assim, existe, realmente, a nulidade arguida que não é, no entanto, a prevista no art. 615/1-c do CPC, como pretendia o recorrente, e talvez por isso a única que foi considerada pelo Sr. juiz no referido despacho, mas a do art. 615/1-b do CPC como o entendeu o devedor 

            Esta nulidade determina a anulação da sentença, que deve ser suprida por este acórdão por força do art. 655/1 do CPC, o que se passa a fazer, apreciando os concretos fundamentos que o recorrente deixou subsistir no recurso e que são os que interessam.

II

Da impugnação da decisão da matéria de facto

A dada altura das suas conclusões, o recorrente diz:

  1. O recorrente foi notificado da proposta de plano de revitalização em 12/05/2017, tendo apresentado o seu voto negativo, porém, aos 17/05/2017, por correio electrónico, o AJP informou que: “eu ainda só coloquei o PER à apreciação dos Srs. Credores para enviarem sugestões de alteração ao mesmo. Só posteriormente o colocarei à votação. Caso pretenda poderei ficar já com o registo do voto do seu constituinte.”
  2. Em resposta, foi remetido ao AJP um correio electrónico dando conta que: “(…) Sendo assim, por favor desconsidere, para já, o voto emitido. Oportunamente e mediante a proposta definitiva de plano de recuperação enviaremos o sentido de voto do n/constituinte.”

         […]

  1. O recorrente foi notificado de uma proposta de plano em relação ao qual apresentou voto negativo, depois foi informado que aquele plano não constituiria versão final, tendo retirado o voto e, por fim, nada mais lhe foi comunicado.

            O recorrente junta, com o recurso, os e-mails, dizendo que: Para prova do alegado, requer-se, ao abrigo do disposto no art. 651/1 do CPC, a junção de documento 1 anexo, cuja junção se mostra necessária em virtude da sentença, sobretudo porque o recorrente foi notificado da sentença e dos resultados da votação em simultâneo pelo que não teve oportunidade de se pronunciar antes da homologação do plano.

            O devedor responde que:

         É totalmente falso que o recorrente tenha sido excluído do processo negocial, porquanto foi convidado a participar nas negociações, foi-lhe enviada a versão preliminar do plano de recuperação, tendo votado expressamente contra a proposta de plano, o que ficou consignado na acta de votação, para todos os efeitos legais.

         Numa palavra: o juiz deve examinar se se verifica, quer no plano do procedimento relativo à aprovação do plano de insolvência, quer no plano atinente ao seu conteúdo, uma qualquer nulidade processual, i.e. se se praticou um acto que não é permitido ou que foi omitida a prática de um acto imposto ou uma formalidade essencial (art. 201 do CPC, ex-vi art. 17 do CIRE).

         Ora, no caso concreto nada disso se verificou: mudou ou não o credor subordinado o seu sentido de voto? Votou negativo e depois iria votar favoravelmente?

              Decidindo:

              Face ao alegado pelo recorrente e ao teor da contra-alegação do devedor (que é a confissão tácita do alegado, apesar de parecer impugnação), por um lado tem razão de ser a junção dos documentos (são 2 e não 1 documento com 2 folhas) com as alegações e, por outro lado, os documentos provam o alegado em 20 e 21 (do recurso). Já o que é alegado em 23 não tem relevo, pois que era o devedor que, levando a cabo as negociações no PER, embora sob orientação e fiscalização do AJP (art. 17-D do CIRE), teria de ter alegado o contrário. Não o tendo feito, tem de se partir do princípio – quando se estiver a discutir o recurso sobre a matéria de direito – de que ele não remeteu o projecto final da proposta, o que aliás decorre claramente da contra-alegação.

            Assim, aos factos provados haverá que acrescentar dois outros do qual constam o teor dos e-mails em causa.

                                                                 *

            Os factos que interessam à decisão da outra questão a decidir são os seguintes (já acrescentados dos supra referidos e de outros que têm interesse):

  1. A proposta de plano de revitalização com plano de pagamentos, que faz parte da documentação com os resultados da votação enviada pelo AI (fls. 326 a 358), dada por reproduzida na decisão recorrida.

            Desta documentação resulta, desde logo, que estava em vigor um plano de insolvência que se sabe ter sido aprovado no processo 3293/12.7TBPDL referido pelo recorrente, em relação a cujo plano de pagamento se diz que “entrou em incumprimento não sendo mais recuperado o processo de liquidação das dívidas antes negociadas e aprovadas” (antepenúltimo parágrafo do ponto 3), incumprimento que ocorreu “passado alguns meses” (linha 15 do ponto 5).

            Da proposta aprovada constam, para além de outros, os seguintes pontos:

           4. Recursos Disponíveis

            4.1. Instalações

            O C dispõe de instalações próprias, sitas na Rua X, onde tem a sua sede e que é constituída por acessos ao 1º andar, sendo este constituído por salas administrativas e de reuniões, sala de troféus e bar com acesso aos sócios do C.

            O C é ainda proprietário de um terreno urbano para construção, com cerca de 5.500 m2 de área total e com permissão para construção de 960 m2 sito na Rua X.

            6.2. Avaliação do valor contabilístico corrigido

            […]

            Os activos da devedora são, basicamente, os activos tangíveis onde se incluem:

            Os imóveis da sua sede e um terreno para construção em P.

            As viaturas próprias da devedora

            Equipamentos de desporto e administrativo

            A marca “C”

            Exceptuando os imóveis e a marca, todos os restantes bens têm já muito uso ou são obsoletos e a sua alienação no mercado actual julga-se muito prejudicada devido à quase inexistente procura de bens usados a preços justos, pelo que os valores de realização seriam provavelmente muitos baixos e nulos em alguns casos.

            Face à conjugação de valores, estima-se que o valor a realizar na venda em cenário de insolvência e liquidação poderia ascender a cerca de 650.000€.

            […]

            9.2. Volume de actividade e prestação de serviços

            O incremento nas vendas resultam de um acréscimo que consideramos realista no número de sócios e consequente acréscimo no aumento de receitas. Com o incremento e notoriedade do C, conta-se ainda com um ligeiro aumento do valor de subsidiação das Autoridades Regionais.

            A fim de obter receitas adicionais para a sua actividade e para o pagamento dos seus passivos, o C passa a cobrar “royalties” anuais à SAD pela utilização da marca “C” em todos os seus eventos desportivos.

            […]

              [Na demonstração dos resultados previsionais diz-se entre o mais:

              Vendas e serviços prestados em 2017/2018: 15.606€

              Subsídios à exploração em 2017/2018: 20.808€.

              Royalties – cedência da marca C em 2017/2018: 510.000€; que subirá sempre, até atingir 609,497,21€ em 2026/2027.

              Nota deste ac. do TRL: da documentação junta com a proposta não consta qualquer contrato celebrado com a SAD nem nada que indicie a sua existência actual; nem se diz se e quando é que o contrato vai ser celebrado e se a SAD está de acordo com o mesmo]

             8. Reestruturação do passivo e acordos de pagamento

            De entre os créditos reconhecidos e incluídos na lista de créditos do art. 17-D do CIRE e depositada em tribunal resulta a seguinte proposta de pagamento que se resume no quadro abaixo:

            Resumo dos créditos reconhecidos:

      A PERDOAR
CATEGORIA CLASSIFICAÇÃO        VALOR % A PAGAR   VALOR
Ex-trabalhadores Privilegiado 134 082,38 € 1,6% 134 082,38 € 0% 0,00 €
Autoridade tributária Privilegiado & Comum 1 132 105,90 € 13,6% 1 132 105,90 € 0% 0,00 €
Fundo acidentes trabalho Privilegiado 84 750,23 € 1% 84 750,23 € 0% 0,00 €
Fundo acidentes trabalho Sob Condição 220 340,89 € 2,6% 220 340,89 € 0% 0,00 €
Banco S Garantido 1 311 512,56 € 15,7% 1 311 512,56 € 0% 0,00 €
Banco S Comum 3 018 501,81 € 36,2% 3 018 501,81 € 0% 0,00 €
Fornecedores correntes Comum 284 326,27 € 3,4% 284 326,27 € 0% 0,00 €
Credores associados Subordinado 2 145 451,73 € 25,8% 1 072 725,87 € A) 1 072 725,87 €
TOTAL 8 331 071,77 € 100% 7 258 345,91 € 1 072 725,87 €

 

                                                           A) Perdão de 50% de capital + juros vencidos e vincendos

           Quanto ao acordo de pagamento e reestruturação de passivo, resultam as seguintes propostas:

            8.1. Créditos Públicos – Autoridade Tributária

I. Pagamento em regime prestacional, nos termos do art. 196 do CPPT

II. As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº 5 do art. 17-D do CIRE;

III. Amortização da totalidade da dívida reclamada e reconhecida no presente PER (impostos, custas, juros e coimas), bem como as dívidas aí não reclamadas que tenham origem em factos tributários anteriores ao início do PER. A amortização da dívida será efectuada no prazo de 150 prestações mensais e constantes;

IV. Pagamento integral dos valores referentes a coimas e custas processuais devidas no âmbito de acções executivas que se encontrem suspensas, não havendo lugar à redução de coimas e custas;

V. Não haverá lugar a qualquer moratória de capital e juros;

VI. Constituição, até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artº 17-D do CIRE., de garantia idónea e suficiente – hipoteca voluntária e/ou garantia bancária e/ou aval – a prestar pela Devedora, junto do órgão de execução fiscal; ou

VII. Alternativamente, requerer junto do serviço de finanças da sede do devedor a isenção de prestação de garantia, se aplicável, e de acordo com o nº 4 do art. 52º da LGT;

VIII. Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, nos termos da sua parte final, a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT;

            8.2. Créditos Públicos – Fundo de Acidentes de Trabalho

I. Pagamento do valor total do capital em dívida,

II. Ao capital em dívida, aplicar-se-á a taxa de juro legal;

III. Amortização da totalidade da dívida, consolidada à data de aprovação do Plano, em 150 prestações constantes mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte do trânsito em julgado da homologação do Plano;

            8.3. Créditos de ex-trabalhadores

I. Pagamento do valor total do capital em dívida,

II. Ao capital em dívida, aplicar-se-á a taxa de juro legal;

III. Amortização da totalidade da dívida, consolidada à data de aprovação do plano, em 150 prestações constantes mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte do trânsito em julgado da homologação do Plano;

            8.4. Créditos Garantidos – Banco S

         Para o crédito consolidado do S, credor com garantia hipotecária de:          a) Imóvel terreno urbano para construção, com cerca de 5.500 m2 de área total e com permissão para construção de 960 m2 sito na Rua X, descrito na Conservatória do Registo Predial de P sob o nº 0000, da Freguesia de X e inscrito na matriz predial pelo artigo 0000, b) Rés-do-chão fracção autónoma descrita pela letra “B”, do prédio Urbano descrito na CRP de P sob o n.º 0000 da freguesia de S e inscrito na matriz predial pelo artigo 0000 c) 1º Andar das instalações sociais e administrativas do C, fracção autónoma descrita pela letra “C”, do prédio Urbano descrito na CRP de P sob n.º 0000 da freguesia de S e inscrito na matriz predial pelo artigo 0000 a proposta de reestruturação da dívida é a seguinte:

I. Pagamento integral da dívida consolidada num pagamento de capital e juros anuais num prazo de 20 anos vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte do trânsito em julgado da homologação do Plano;

II. Amortização parcial da dívida pelo integral valor de venda do imóvel identificado em a) e com garantia hipotecária, e logo que o Governo Regional desonere o referido imóvel, do ónus de intransmissibilidade num prazo nunca superior a 6 meses;

III. Dada a excelente localização do imóvel (junto a praia), a existência de interessados já identificados, o valor do mercado, prevê-se poder distratar a hipoteca deste imóvel por valor nunca inferior a 650.000 €

IV. O remanescente do divida apurada após a venda do imóvel supra (II), será consolidada no pagamento de capital e juros anuais no prazo que faltar para completar 20 anos com recálculo do valor das prestações, mantendo-se as restantes condições;

V. Carência de amortização de capital nos primeiros 2 anos seguintes à data do trânsito em julgado da homologação do plano de recuperação;

VI. Taxa de juro a praticar equivalente a Euribor a 3 meses acrescida de 2% de “spread” com “floor” de 0%.

VII. Reapreciação pelo credor do cálculo e perdão de juros de mora embora condicionada ao integral cumprimento do Plano de Recuperação.

              8.5. Créditos Comuns (Sob condição) – Banco S  

            Para os empréstimos do C e assumidos de forma não liberatória pela SAD, sem desonerar o C, propõe-se a sua consolidação, com as seguintes condições de pagamento:

I. Incorporação e ajustamento de capital e juros vencidos à data do trânsito em julgado da homologação do plano de recuperação;

II. Pagamento de capital e juros anuais num prazo de 20 anos, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte do trânsito em julgado da homologação do Plano;

III. Carência de amortização de capital nos primeiros 2 anos seguintes à data do trânsito em julgado da homologação do plano de recuperação

IV. Taxa de juro a praticar equivalente a Euribor a 3 meses acrescida de 2% de “spread” com “floor” de 0%.

V. Reapreciação pelo Credor do cálculo e perdão de juros de mora embora condicionada ao integral cumprimento do Plano de Recuperação.

            8.6. Créditos Comuns – Fornecedores Correntes

            Para todos os demais credores cujos créditos não beneficiem de garantias reais ou pessoais, acorda-se o seguinte plano de pagamentos:

I. Pagamento integral do capital em dívida, dos juros vencidos reclamados e dos juros vincendos.

II. Aos juros vincendos aplicar-se-á a taxa legal;

III. Pagamento da dívida no prazo de 240 meses, através de prestações semestrais;

IV. Carência de pagamento do capital durante 3 anos, contados a partir da data do trânsito em julgado de homologação do acordo de pagamento.

            8.7. Créditos Subordinados

            Os créditos subordinados são constituídos por dívidas do C à SAD e ao Sr. M, para o que se acorda a seguinte forma de pagamento:

I. Pagamento de 50% do capital em dívida;

II. Perdão de 50% do capital e da totalidade dos juros vencidos e vincendos.

III. Pagamento do capital no prazo de 240 meses, através de prestações semestrais e sucessivas;

IV. Carência de pagamento do capital durante 3 anos, contados a partir da data do trânsito em julgado de homologação do acordo de pagamento;

            8.8 Outras condições e preceitos legais derrogados

         “Considerando-se desnecessária para a boa execução do plano de revitalização a função de “administrador único” no C Desportivo C, pelo que será reposta a versão anterior dos Estatutos do C, i.e., nomeadamente o seu artigo 45º (Órgãos Sociais), mantendo como órgãos sociais a Assembleia Geral, a Direcção e o Conselho Fiscal, cessando a suspensão do artigo 43.º, n.º 5, dos estatutos do C, com vista a incrementar o espírito de participação dos associados na vida do C [de acordo, aliás, com o plasmado nos próprios artigos 19.º, n.º 1., alínea a) e 21.º, alíneas d) e m)], dos Estatutos. Deste modo, será fundamental para a boa execução do presente plano de recuperação, e bem assim para o bom futuro do C, que a execução do mesmo seja cometida à Direcção do C democraticamente eleita no dia 19-06-2015. Assim, é absolutamente fundamental que todos os agentes envolvidos na boa execução do plano reúnam condições para executarem as metas definidas pelos credores. Em face do exposto, propõe-se a eliminação da suspensão do artigo 43.º, nº 5, do CIRE.”

10. Princípio da igualdade dos credores: critério (e fundamentação) da diferenciação objectiva

            Depois de VII considerandos abstractos diz-se:

“VIII. […] cumpre, no caso concreto, justificar à luz do peso do credor banco S, na aprovação do plano de recuperação (51%) do C que este tenha uma diferenciação objectiva quanto ao prazo de pagamento (carência de 2 aos) aos invés dos três anos pedida aos demais credores comuns, mantendo-se todo o demais em plano igualitário.

IX. Acresce que, por um lado, a situação dos credores comuns ao abrigo do Plano de Recuperação é previsivelmente mais favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer Plano (sem rememorar o anterior Plano de Insolvência, que previa o perdão de 100% do capital e juros), e, por outro lado, o plano de recuperação não proporciona ao credor banco S um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre o C.

X. Deste modo, atento o teor do plano, encontra-se evidenciada a ratio subjacente à diferenciação de tratamento entre o credor banco S e demais credores comuns e que respeita aos valores dos respectivos créditos e tendo presente que com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril o objectivo principal a alcançar é a possibilidade de revitalização do devedor. Veja-se, neste sentido, o ac. do TRL de 17/12/2016, relatora Graça Amaral, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt

            Para além destes factos, acrescentem-se os seguintes (ao abrigo dos arts. 663/3 e 607/4 do CPC), que estão provados pelos documentos respectivos, não impugnados por nenhum dos intervenientes:

  1. O devedor foi declarado insolvente a 19/12/2012, no processo 3293/12.7TBPDL.
  2. Por decisão de 17/03/2014, foi homologado o plano de insolvência aí aprovado.
  3. Na sequência daquele plano, por contrato celebrado entre o antecessor do S, o devedor, a SAD e o recorrente em 31/01/2014, o devedor transmitiu à SAD, que a assumiu, parte da dívida do devedor e o recorrente ao S, no montante de 3.018.501,81€, tendo o S dado autorização à transmissão da dívida, mas sem exonerar os antigos devedores, que passaram a responder solidariamente com a SAD; a dívida seria paga em 20 prestações semestrais vencendo-se a primeira a 21/07/2014; as garantias do crédito, prestadas pelo devedor e pelo recorrente mantiveram-se; as receitas dos bens/direitos provenientes de contratos de publicidade e de patrocínio, já celebrados ou que viessem a ser celebrados, com o devedor ou com a SAD, que se mantivessem em poder do devedor ou da SAD, seriam entregues ao S mensalmente, com início a 31/01/2014, mediante depósito dessas receitas consignadas na conta do S; o devedor e o recorrente avalizaram, ainda, uma livrança subscrita pela SAD para garantia do cumprimento das obrigações assumidas.
  4. Depois do recorrente ter votado aquilo que pensou que era a proposta do plano de recuperação, neste PER, o AJP enviou-lhe um e-mail dizendo que “Eu ainda só coloquei o PER à apreciação dos Srs. Credores para enviarem sugestões de alteração ao mesmo. Só posteriormente o colocarei à votação. Caso pretenda poderei ficar já com o registo do voto do seu constituinte.”
  5. Em resposta, o recorrente remeteu ao AJP um outro e-mail em que diz: “Obrigado pelo e-mail anterior. De facto, ficamos com a percepção errada de que o prazo de 18 de Maio seria também para proferir o voto. Sendo assim, por favor desconsidere, para já, o voto emitido. Oportunamente e mediante a proposta definitiva de plano de recuperação enviaremos o sentido de voto do N/Constituinte.”
  6. Os credores que votaram favoravelmente o plano foram: (i) a autoridade tributária, (ii) o fundo de acidentes de trabalho, (iii) o S, (iv) um titular de um crédito reconhecido numa sentença de impugnação da licitude do despedimento, e (v) um titular de um crédito resultante de despacho de reversão da autoridade tributária (para além da SAD, credora subordinada, voto não considerado para efeitos de quórum deliberativo).
  7. O crédito da SAD, que tinha sido reclamado como tendo o valor de 5.156.407,17€, foi reduzido para 2.137.905,36€, por ter sido subtraído o valor do crédito do S de 3.018.501,81€.

                                                           III

            Da possibilidade de se requerer um PER enquanto está em vigor um plano de insolvência

            Diz o recorrente, para além do que já consta das conclusões 4 e 5 transcritas acima:

  1. Um devedor não pode apresentar-se a processo especial de revitalização, com o propósito de modificar o plano de pagamentos judicialmente homologado em processo de insolvência anterior.
  2. Perante a incapacidade de cumprir com as obrigações assumidas no plano de insolvência o devedor retoma a uma situação de insolvência actual, com a necessária exclusão da aplicação dos pressupostos previstos pelo art. 17-A do CIRE (“situação económica difícil” ou “situação de insolvência eminente”), pois caso assim não fosse permitir-se-ia a utilização abusiva do PER, numa autêntica “eternização de incumprimentos”.
  3. As consequências do incumprimento de um plano de insolvência aprovado e judicialmente homologado encontram-se expressamente previstas nos arts. 20/1-f e 218, do CIRE, donde resulta que deve ser declarada a insolvência do devedor que haja incumprido as obrigações previstas em plano de insolvência.
  4. A homologação do plano de pagamentos pelo tribunal a quo viola a letra e do espírito da lei insolvencial, configurando uso anormal do processo, nos termos previstos pelo disposto no art. 612 do CPC, bem como violação do caso julgado, nos termos previstos pelos arts 580 e 581 do CPC.
  5. O plano de insolvência homologado no processo n.º 3293/12.7TBPDL, tem natureza judicial, impondo-se a todos os credores e ao devedor pelo que qualquer modificação de anterior plano de só será possível quando o acordo seja aprovado pela unanimidade dos credores. Não existindo essa unanimidade, impõe-se o caso julgado.
  6. Quer por força do caso julgado quer por força da confessada situação de insolvência ocorre violação não negligenciável do disposto no art. 20/1-f e 218, pelo que, por força do disposto no art. 215, todos do CIRE, deve ser revogada a sentença recorrida.

            O devedor responde a isto dizendo que:

         O PER que deu entrada no tribunal a quo foi requerido com fundamento no apuramento ulterior de dívidas à autoridade tributária, sendo essencial para sustar, via efeito suspensivo, o processo de execução fiscal pendente (cfr. artigo 17-E, do CIRE) e renegociar o pagamento ao fisco em 150 prestações, o que já foi peticionado, aguardando-se decisão sobre o concomitante pedido de dispensa da prestação de garantia.

         Ou seja, a necessidade de modificar o plano de pagamentos judicialmente homologado foi devidamente fundamentado e surgiu como imperativo legal de redimensionar o serviço de dívida do C à autoridade tributária, não tendo o plano de recuperação violado qualquer caso julgado, nem muito menos o C estava em situação de insolvência actual.

         Acresce que, o decretamento da insolvência do C não é automática como quer fazer ver o recorrente mas, outrossim, mediante a instauração de um novo/outro processo uma vez que este processo já se encontra terminado, o que aconteceu com a homologação do plano.

         Neste sentido ver Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Qui Iuris 2ª edição pp 208 em anotação à alínea f) do artº 20: “b). Se o devedor não cumprir a totalidade das obrigações entretanto vencidas, afigura-se que o caminho será o de qualquer credor requerer a sua insolvência, por se verificar o facto índice previsto na alínea a) do nº 1 do artº 20º.”

         Acresce, porém, dizer que nada mais o recorrente alegou no seu requerimento a não ser a violação do caso julgado, sem indicar qual o incumprimento do que lhe era devido pelo C, o montante em divida e as circunstâncias não relatadas deste incumprimento, o que não revelam por si só a impossibilidade do devedor satisfazer a generalidade das suas obrigações, fundamento do facto índice previsto na al. b) do nº 1 do artigo 20º ou de outros factos índice do artigo 20.º do CIRE.

         Ou seja: inexiste – como pretender sorrateiramente fazer ver crer o recorrente – qualquer “situação confessada de insolvência”.

            Decidindo:

            Quanto ao que o recorrente diz nas conclusões 4 e 5, não tem razão, porque o devedor ao dizer o que disse, no requerimento inicial deste PER, não se confessou numa situação de insolvência, mas sim numa situação económica difícil. Tanto mais que o devedor invocava a celebração de um contrato que tinha passado parte substancial da dívida (dizia ser de 4.000.000€, sabe-se já que foi antes de 3.018.501,81€) para o credor SAD, através de acordo com o S, que se encontrava a ser, segundo dizia no art. 8 do requerimento, pontualmente cumprido, o que também é dito pela SAD no ponto 8 de fls. 143 e provado pelos documentos de fls. 185v a 187, e pelo S nas contra-alegações, últimas linhas do rosto de fl. 408 e primeiras linhas do verso de fl. 409 (: “[…] encontrando-se o mesmo em situação de crédito em cumprimento, […]”).

            As outras conclusões podem-se resumir, em duas subquestões:

            A primeira delas é a seguinte: no período posterior à aprovação de um plano de insolvência, o devedor pode requerer um PER?

            No corpo das alegações, o recorrente invoca o ac. do TRL de 27/04/2017, proc. 1854/17.7T8SNT.L1-2, no qual, no essencial (na sequência já de um outro do TRP nele identificado), se diz que depois de aprovado um PER o devedor não pode requerer, no prazo de dois anos, um novo PER (para uma situação diferente, mas com a mesma razão de decidir, vejam-se os ac. do TRP do mesmo dia, proc. 389/17.2T8STS.P1, o ac. do TRC de 23/05/2017, proc. 515/17.1T8VIS-A.C1, e o ac. do STJ de 30/05/2017, proc. 6427/16.9T8FNC.L1.S1).

            O devedor e o S invocam outros acórdãos em sentido contrário a este, como o ac. do TRP de 26/9/2016, proc. 5200/15.6T8OAZ-A.P1, o ac. do TRG de 02/2/2017, proc. 5405/16.2T8VNF-A.G1, e o ac. do TRL de 22/06/2017, proc. 58/17.3T8VFX-A.L1-8, nenhum destes referindo a outra corrente jurisprudencial; hoje, a alteração de 2017 do CIRE resolve a questão dizendo expressamente que é aplicável o disposto no n.º 6 do art. 17-G, que é a norma que impede o requerimento de novo PER pelo prazo de 2 anos, excepto nas condições da parte final da norma em causa, que é o art.17-F/13 do CIRE.

            As situações são, no entanto, diferentes e têm normas próprias, como o revelam os arts. 20/1-f e 218/1-b, ambos do CIRE, referidos pelo próprio recorrente, e os arts do CIRE invocados no acórdão do TRL de 27/04/2017.

            Com efeito, basta ler os arts. 20/1-f e 218/1-b, do CIRE, para se ver que o incumprimento de obrigações previstas no plano de insolvência pode desencadear um novo processo de insolvência, mas isso tem de ser requerido por alguém, ou seja, não é uma consequência automática do incumprimento; ora, isto revela, o que é aliás confirmado pelos arts. 230/1-b e 259/4, do CIRE, que, transitado em julgado a decisão de homologação de um plano de insolvência, o processo termina e o devedor volta a encontrar-se numa situação que poderá dar origem a um novo processo de insolvência. Ora, assim sendo, em vez de se encontrar de novo numa situação de insolvência, o devedor pode antes encontrar-se numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente e então o processo adequado não será o de insolvência mas um PER. Por isso, não se vê nenhuma impossibilidade teórica ou legal de se requerer um PER depois de um processo de insolvência, tanto mais quanto os factos previstos nas diversas alíneas do art. 20/1 são apenas factos-índices que fundamentam o pedido de declaração de insolvência (que no caso não terá sido formulado por nenhum dos credores) e não factos que imponham, necessária ou automaticamente, sem mais, a declaração de insolvência.

            Pelo que não há razão para dizer que não se podia ter requerido o PER.

            A outra subquestão que as conclusões do recurso levanta é a seguinte: se o que estiver provado nos autos revelar uma situação de insolvência o PER, o plano deverá ser homologado?

            Entende-se, tal como o requerente, que não.

            E aliás isso vale logo para o início do PER.

            O tribunal não deve deixar que um devedor utilize o processo de revitalização apenas como forma de obstar à declaração da sua insolvência… “[O] PER não é um instrumento de recuperação insolvencial [nem] uma forma de adiar a insolvência de devedores de todo inviáveis, sem perspectivas de recuperação. Quando assim seja, este devedor empresarial deverá o mais rapidamente possível ser retirado do mercado, como forma de tutela dos seus actuais e futuros credores.” (L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Recuperação de empresas: o processo especial de revitalização, 2017, Almedina, pág. 23, págs. 48-49).

            “Se for claro dos dados do processo que elas [ou melhor, eles, os dois requisitos do PER de que tinha acabado de falar] não estão preenchidas[dos] deverá indeferi-lo.” [Pestana de Vasconcelos, obra citada, pág. 48, que em nota invoca no mesmo sentido, Aveiro Pereira e Carvalho Fernandes e João Labareda e lembra o ac. do TRG de 20/02/2014, proc. 8/14.9TBGMR.G1: Não pode recorrer ao PER (processo especial de revitalização) o devedor que, face ao que o próprio alega, está já em estado de insolvência, devendo ser indeferido liminarmente o respectivo pedido, para, além do mais, evitar a violação do dever de apresentação (art. 18 do CIRE); no mesmo sentido vai Alexandre Soveral Martins, Um curso de direito da insolvência, 2015, Almedina, págs. 462-463, que aliás também lembra que o devedor deve ter em conta que em regra o PER não suspende o dever de apresentação à insolvência, pág. 463, citando no mesmo sentido Maria do Rosário Epifânio; e neste mesmo sentido, vai também Pestana Vasconcelos, obra citada, págs. 49-50; no mesmo sentido, ainda: Ac. do TRC de 14/06/2016, proc. 4023/15.7T8LRA.C1: […] 2. O PER admite despacho de indeferimento liminar. 3. Se, na prática, o processo de revitalização poderá ser usado em casos em que não deveria sequer ter sido aberto -maxime, que se aplique a devedores em situação de insolvência actual -, portanto, à margem dos pressupostos que definem o seu âmbito de aplicação (art.ºs 17-A e 17-B, do CIRE), tal possibilidade ou eventualidade deverá ficar arredada se e quando o tribunal dispuser de elementos que permitam concluir pela falta dos necessários pressupostos de natureza adjectiva e/ou pela desconformidade entre o aduzido pelo devedor e os factos demonstrados pelos documentos juntos autos e/ou que o tribunal venha a reunir, apontando, estes, para situação de insolvência actual, como tal, tradutora da inviabilidade de um qualquer plano de revitalização. 4. O tribunal deve indeferir liminarmente o requerimento inicial do PER se o devedor não demonstrar os necessários requisitos adjectivos (designadamente, em matéria de legitimidade) e/ou se se revelar que se encontra numa situação de insolvência, recorrendo a tal procedimento de forma abusiva].

            Mas a verdade é que, como se disse acima, a existência de factos-índices da insolvência não corresponde, só por si, a uma situação de insolvência e, perante o que é dito pelo devedor no requerimento inicial, dificilmente o juiz pode, logo no despacho liminar ou mais tarde, considerar que a situação é manifestamente de insolvência (tal como definida no art. 3/1 e 2 do CIRE).

          Pelo que a questão deve ser normalmente deixada para o momento da homologação (sem prejuízo, naturalmente, de tal poder acontecer antes, como lembra o ac. do TRC de 08/11/2016, proc. 2153/16.7T8VIS.C1: […] 4. Efectuada a citação do devedor, será sempre possível, mais tarde, independentemente de ter havido ou não oposição, indeferir o pedido de insolvência por manifesta improcedência, sob pena de, prosseguindo os autos para audiência de julgamento, se estarem a praticar actos inúteis, proibidos por lei (art. 130 do CPC) e se, perante o plano aprovado, o juiz puder concluir que, apesar da aprovação, a situação do devedor é de insolvência, não deve homologar o plano (nestes sentido, os acórdãos referidos mais à frente).

            Ponto é que dos factos provados – que normalmente se resumem ao que consta do plano aprovado – se possa concluir, sem qualquer dúvida, pela existência de uma situação de insolvência, apesar de a maioria dos votos dos credores ter considerado o contrário (sendo que no caso dos autos, a maioria dos credores ou não disse nada ou votou contra o plano: descontando os dois credores subordinados, restam 47, só 5 deles tendo votado favoravelmente o plano, sendo estes 5 privilegiados ou garantidos).

            Questão que, no caso dos autos, será apreciada mais à frente.

            O que não evita que desde já se saliente que o devedor esteve declarado insolvente e que passados alguns meses de aprovado o plano de insolvência deixou de o cumprir, o que não pode deixar de ser considerado um forte indício de que está numa situação de insolvência, aliás de acordo com o disposto no art. 20/1, alíneas a, b, e, f e g do CIRE.

            Mas, isto não corresponde, só por si, a considerar que o devedor volta automaticamente ao estado que resultou da anterior declaração de insolvência ou que esta deva ser declarada neste processo ou que já esteja julgada, como defende, sem razão, o recorrente.

                                                     IV

                            Da impossibilidade de alteração dos estatutos

            Diz o recorrente:

  1. O disposto no art. 198/2-c do CIRE só tem aplicação em contexto de processo de insolvência, permitindo ao administrador assumir poderes plenos de administração da pessoa colectiva, ao passo que, no âmbito do PER não subsiste qualquer impedimento à realização de uma assembleia-geral da devedora para proceder à alteração dos estatutos pelo que a instrumentalização do processo com esse fim viola o disposto no art. 172 do Código Civil.
  2. Nada justifica que a proposta de alteração de estatutos seja sujeita à votação pelos credores quando dessa alteração não resulta nenhuma afectação dos créditos ou de controlo de cumprimento do plano, configurando, como tal, uso anormal do processo, nos termos do disposto no art. 612 CPC, porque vista a obtenção de um resultado ilegal, o que constitui, em si mesmo, fundamento para a não homologação oficiosa, nos termos previstos pelo art. 215 CIRE.

            O devedor responde:

         O recorrente, que à data do processo de insolvência do C, era Presidente da Direcção do C, apercebendo-se que não se poderia recandidatar por força da limitação de 3 mandatos previstos nos Estatutos propôs a criação da denominada figura de “Administrador Único” ficando suspensa a norma do artigo 43.º, n.º 5, do Estatutos, (precisamente da limitação de mandatos) para que não existissem eleições democráticas no C durante 10 anos.

         […]

         Ora, tendo em consideração que não faz sentido manter a figura do “Administrador Único” uma vez que já não existe Plano de Insolvência para cumprir, tudo o que foi feito por levantar a suspensão da norma, fazendo repor a versão anterior dos Estatutos do C, i.e., nomeadamente o seu artigo 45.º (Órgãos Sociais), mantendo como órgãos sociais a Assembleia Geral, a Direcção e o Conselho Fiscal, cessando suspensão do artigo 43.º, n.º 5, dos estatutos […]

         Mesmo que assim não se entenda, acresce que, não existiu qualquer uso anormal do processo, pois nada impede que as regras aplicáveis ao Plano de Insolvência (em sede de processo de insolvência) não possam ser aplicadas ao Plano de Recuperarão (em sede de PER), rectius, a estatuição prevista no artigo 198 do CIRE.

         Esta solução é defendida por Catarina Serra, Revitalização -A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, 2013, Almedina, 85/106, Isabel Alexandre, Efeitos processuais da abertura do processo de revitalização, in II Congresso de Direito da Insolvência, 2014, Almedina, 235/254 e Bertha Parente Esteves, Da aplicação das normas relativas ao plano de insolvência ao plano de recuperação conducente à revitalização, ibidem, 267/280, e no ac. do STJ de 25/11/2014, proc.  414/13.6TYLSB.L1.S1 [de onde já constavam aquelas menções doutrinárias].

         Feito este conspecto, verificamos que não existe qualquer obstáculo, por um lado, ao levantamento da suspensão da norma dos Estatutos porquanto não estamos perante alteração e, por outro lado, por força da aplicação das normas do plano de insolvência, do Título IX seriam aplicáveis ao PER.

            Decidindo:

            O recorrente não identifica qual a alteração dos estatutos que foi proposta.

            Como se vê dos factos provados, a alteração em causa tem a ver com o seguinte: no plano de insolvência tinha-se suspendido o disposto no art. 43/5 dos estatutos do C. Agora propôs-se a revogação dessa suspensão.

            Isto não pode deixar de corresponder à alteração dos estatutos que actualmente estão em vigor, fazendo com que eles voltem à redacção original.

            Portanto, há alteração.

            Mas, as normas são claras – e são-no ainda mais hoje, depois da alteração de 2017 do art. 17-F/7 do CIRE: O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º – no sentido de que o art. 198 do CIRE é aplicável ao plano de revitalização (o recorrente invoca contra esta posição o ac. do TRP de 04/04/2017, proc. 738/16.0T8ACB.C1, mas a verdade é que, na fundamentação do decidido por este acórdão não se diz que o art. 198 do CIRE não seja aplicável ao PER).

            E não se diga que a redacção actual do art 17-F/7 só se refere ao n.º 1 do art. 198, pois que, por um lado, a norma remete para todas as regras previstas no título IX, limitando-se a assinalar em especial alguns artigos do mesmo; e, por outro lado, dado o conteúdo do n.º 2 do art. 198 do CIRE era só para o seu n.º 1 que a norma do art. 17-F/7 tinha que chamar a atenção.

                                                      V

                            Da violação do princípio da igualdade

              Diz o recorrente:

  1. O plano ora apresentado não respeita o princípio da igualdade de tratamento dos credores porquanto a Administração Tributária, o Banco S, e o Fundo de Acidentes de Trabalho beneficiam de condições mais favoráveis do que aquelas que se encontram previstas para os “Credores Comuns – Fornecedores correntes” uma vez que aquelas três primeiras entidades começam a receber pagamentos no imediato ao passo que os últimos só podem almejar receber os primeiros pagamentos decorridos três anos após o trânsito em julgado.
  2. Aquela distinção dentro da mesma classe de credores mostra-se injustificada e infundada, constituindo, também, nesta parte, causa de não homologação.
  3. O plano de pagamentos prevê a remuneração do S mediante a aplicação da taxa de juro remuneratório equivalente à euribor a 3 meses, acrescida de 2% de spread, com floor de 0%, o que constituiu, por si só, nova diferenciação de tratamento dentro da mesma classe de credores, sendo certo que este credor já beneficiou com a assunção solidária de parte do seu crédito pela SAD e pelo recorrente, os quais sendo credores subordinados vêm os seus créditos reduzidos a metade.

            O S responde que (em síntese deste TRL):

          O princípio da igualdade também se concretiza tratando de forma diferente realidades diversas, como é o caso do S, o qual é detentor de créditos comuns e garantidos por oposição ao recorrente, credor subordinado (arts 47 e 194 do CIRE). No mesmo sentido leia-se o ac. do TRP de 07/04/2016 [1709/15.0T8AVR.P1]

            Por outro lado, não se encontra preenchido o regime do artigo 216 do CIRE, porquanto o recorrente não alegou factos que demostrem que a sua situação seria menos favorável ao abrigo do plano do que aquela que teria na ausência do mesmo. Neste sentido, o referido ac. do TRP.

            O devedor responde que:

         Em primeiro lugar, tal como o crédito da SAD, o crédito do recorrente foi graduado como crédito subordinado, na lista definitiva de créditos e no plano aprovado todos os créditos subordinados são tratados por igual. Não há, pois, qualquer diferença relativamente a “outros credores em idêntica situação“. Ora, os credores em idêntica situação — ou seja, os demais credores subordinados — são todos tratados por igual. Disto não existe qualquer dúvida, o que só por si faz cair por terra a pretensão do recorrente.

         Em segundo lugar, a violação do princípio da par conditio creditorum remete-nos assim, seja por força do disposto no art. 194/1 do CIRE (que admite a diferenciação dos credores por razões objectivas), seja por força do disposto no art. 215 do CIRE (que estatui dever o juiz recusar a homologação do plano, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo) para uma ponderação obviamente não pré-determinada na lei, que assume maior relevância se considerarmos o necessário juízo de não negligenciabilidade, posto que existam violações de normas substantivas aplicáveis ao plano, de que é exemplo a citada norma relativa à necessária igualdade no tratamento dos credores – art. 194/1 do CIRE.

         Dito isto, o recorrente, enquanto credor subordinado, não demonstrou, ao abrigo do art. 216/1 que: “a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.

         Pelo que sem maiores considerandos não existe qualquer violação do princípio da igualdade, no que diz respeito ao tratamento do seu crédito subordinado.

            Decidindo:

            Mais do que qualquer outra coisa, são as tentativas de justificar a não violação do princípio da igualdade, feitas pelo AJP, pelo devedor e pelo S que indiciam essa violação.

            Desde logo porque os dois últimos deslocam a discussão para a diferenciação entre o S, credor garantido, e os credores subordinados (o que é um ponto relativamente menor na argumentação do recorrente), para a não verificação dos pressupostos do art. 216 do CIRE (matéria que não estava em discussão nestas conclusões apesar de o recorrente ter invocado formalmente o artigo em causa), ou para o facto de o recorrente ter sido tratado de igual modo que o outro credor subordinado (o que já era dito pelo próprio recorrente).

            Quanto à tentativa de justificação do AJP feita em termos concretos apenas em 3 §§ do ponto 10 da proposta, repara-se, desde logo, que não corresponde à realidade que a única diferença em relação aos outros credores comuns, seja o período de carência de 2 em vez de 3 anos; depois, as afirmações do ponto IX são só reverso abstracto das afirmações contrárias que o recorrente teria de fazer e provar se quisesse invocar – o que já se viu que materialmente não fez – os pressupostos do art. 216 do CIRE; assim, a única razão substancial avançada para justificar que não há violação do princípio da igualdade é a seguinte: o S tem mais de 51% dos créditos, logo, pressupõe-se, se não votasse favoravelmente o plano ele não seria aprovado e tal impossibilitaria a revitalização do credor.

            A isto acresce a parte aproveitável da argumentação do devedor e do S: o princípio da igualdade também se concretiza tratando de forma diferente realidades diversas: credores garantidos e credores não garantidos, credores privilegiados e credores não privilegiados, etc. Sendo que, segundo eles, também a violação do princípio da igualdade, pode ser negligenciável.

            Posto isto,

            Em relação aos credores privilegiados e garantidos, compreende-se que eles tenham condições de pagamento mais favoráveis, já que os pagamentos, se se vier a verificar a insolvência, começam por eles e só o remanescente, se existir, se destinará aos credores comuns.

            Já não assim quanto aos credores comuns: eles entre si devem ser tratados igualmente excepto se houver alguma razão excepcional – que terá obviamente de ser invocada – que justifique um tratamento desigual.

            Ora, na proposta do plano não há que justifique a desigualdade de tratamento do S – enquanto credor comum – em relação aos outros credores comuns, excepto o facto de ter um poder de voto muito superior e, realmente, se votasse contra, o plano não seria aprovado.

            Mas isto não é justificação nenhuma para as diferenças de tratamento: o facto de se ter um crédito maior e com mais poder de voto não justifica o favorecimento desse credor.

        [com recusa de homologação por violação do princípio da igualdade, de algum modo com razões semelhantes, vejam-se, apenas por exemplo, os acs. do STJ

         – de 03/11/2015, proc. 863/14.2T8BRR.L1.S1: […] II – Posto que os credores que são titulares de créditos de valores elevados já têm, por esse motivo, um voto decisivo, é insuficiente invocar a imprescindibilidade da aprovação, pelos mesmos, do plano de revitalização para lhes dar um tratamento mais favorável, sendo certo que essa circunstância não permite conceder aos credores que não o aprovaram um tratamento manifestamente mais desfavorável. III – Não se descortinando, nos factos provados, qualquer razão objectiva para que um crédito que foi, nos termos do plano de revitalização, reduzido em 50% seja pago em 120 prestações iguais e sucessivas, há que considerar que o mesmo viola o princípio da igualdade dos credores, o que constitui causa oficiosa de recusa da respectiva homologação (art. 215 do CIRE);

         – de 24/11/2015, proc. 700/13.5TBTVR.E1.S1: Por ofensa do princípio da igualdade dos credores da insolvência (art. 194/1, do CIRE) e inerente violação grave – não negligenciável – das regras aplicáveis ao respectivo conteúdo (art. 215 do CIRE), deve ser recusada a homologação do aprovado plano de recuperação/insolvência em que: i) Os votos favoráveis, não obstante corresponderem a 70,98% dos créditos reconhecidos, provieram de credores garantidos ou privilegiados, cujos créditos foram objecto de tratamento favorável no mesmo plano, na medida em que este previa, expressamente, a respectiva e integral recuperação/pagamento; ii) Em contrapartida, os créditos comuns – um dos quais no montante de 195.121,60€ – seriam objecto de perdão total quanto ao capital e juros em dívida; iii) Um credor garantido teria o tratamento favorável reservado a tal tipo de créditos, mesmo quanto a 19,32% do crédito reclamado, o qual, em tal percentagem, era de natureza comum; iv) Há total inconsideração e desprezo pelos créditos de fornecedores de matéria-prima imprescindível ao funcionamento e subsistência da empresa, sob invocação da consideração exclusiva de prevalecente necessidade de obter financiamento bancário;

         – de 24/11/2015, proc. 212/14.0TBACN.E1.S1: I. Estabelecendo o plano de revitalização do devedor diferenciações entre os credores, é necessário que nele se justifique o diferente tratamento, com a indicação das razões objectivas que lhe estão subjacentes. II. A simples menção de que existe necessidade do devedor vir a ser apoiado financeiramente no futuro pelas instituições financeiras credoras, não constitui razão objectiva justificadora da desigualdade de tratamento estabelecido no plano, quando tal menção não está acompanhada de uma vinculação efectiva, concreta e programada de apoio por parte dessas instituições financeiras. III. A circunstância de alguns credores poderem ser estratégicos para a actividade do devedor não é, só por si, suficiente para derrogar o princípio da igualdade e o da proporcionalidade em prejuízo de outros credores. IV. As diferenciações entre credores não podem radicar na própria necessidade de aprovação do plano, pelo contrário, é este que tem que respeitar, tanto quanto possível, o princípio da igualdade entre os credores;

         – de 07/02/2017, proc. 5512/15.9T8CBR.C1.S1: VI – Inexistindo razão atendível para que o plano de revitalização trate privilegiadamente as entidades bancárias credoras face aos credores titulares de créditos laborais, é de concluir pela ofensa ao princípio da igualdade entre credores, o que constitui causa de recusa oficiosa da sua homologação.].

         E das relações:

         – do TRP de 17/05/2016, proc. 6001/15.7T8VNG.P1: IV – À luz do princípio da par conditio creditorum – art. 194/1 CIRE – é indefensável a privação de juros de credores comuns, com valores superiores ao crédito comum do credor garantido Banco E…, mantendo este a dívida de juros vincendos do seu crédito comum. V – Os princípios que presidem ao processo de revitalização, tal como sempre presidiram à recuperação de empresas ou à aprovação de planos de insolvência, são insuficientes para justificar a infracção aos princípios da par conditio creditorum que, ao menos por igual, se impõe respeitar;

         – do TRG de 06/10/2016, 982/16.0TBVNF.G1: Há violação do princípio da igualdade quando um credor é pago integralmente e sobre os créditos do credores comuns incide o perdão de 90% dos créditos e pagamento do remanescente em prestações mensais, sem vencimento de juros ou seja, o capital é reduzido em 90% (apenas recebem 10% do capital em dívida);

         – do TRE de 17/11/2016, 1067/14.0TBABF-A.E1: I – Do PER devem constar as razões que justificam as diferenças de tratamento entre os credores. II – O facto de a revitalizanda, no novo modelo de negócio que se propõe desenvolver, necessitar de manter relações com as instituições financeiras de que é devedora e não precisar de as manter com os fornecedores de que também é devedora, não justifica que no Plano se preveja o pagamento integral dos créditos das primeiras e o perdão quase total dos créditos dos segundos, todos de natureza comum. […] IV – Em tais situações, deve ser recusada a homologação do Plano Especial de Revitalização, por violação do princípio da igualdade dos credores.

         – do TRG de 25/05/2017, proc. 618/16.0T8PTL.G1: […] V – Um dos princípios fundamentais estruturantes do PER é o da igualdade de todos os credores – par creditio creditoris –, constituindo a sua inobservância uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo, sendo, por isso, fundamento de recusa de homologação do plano, nos termos do art. 215 do CIRE.VI – A enunciação do princípio da igualdade consagrada no art.194/1 do CIRE tem na sua génese a proibição do arbítrio, não admitindo diferenciações de tratamento sem uma justificação razoável, baseada em razões objectivas. VII – Viola o princípio da igualdade de credores o plano que prevê o reembolso dos créditos das instituições bancárias no prazo de 10 anos, com pagamento de juros à taxa Euribor a 12 meses, acrescida de 3%, mesmo no período de carência, e o reembolso dos créditos dos fornecedores num prazo de 16 anos, 50% nos primeiros 15 e os restantes 50% no último, com o perdão total dos juros vencidos e vincendos.

         – do TRG de 27/04/2017, proc. 1933/16.8T8VNF.G1: […] 2 – Constituiu violação do princípio da igualdade dos credores salvaguardado no art. 194 do CIRE a aprovação do plano de recuperação onde se prevê que as instituições bancárias recebam integralmente o seu crédito, enquanto os restantes credores comuns (fornecedores), ficam com os mesmos reduzidos a apenas 50% do capital, com perdão integral de juros e com levantamento de penhoras e extinção de execuções.

            Por outro lado, a diferença de tratamento não é só aquela que é referida pelo AJP na proposta (carência por 2 anos em vez de 3 três anos), pois que também se prevê “a incorporação e ajustamento de capital e juros vencidos à data do trânsito em julgado da homologação do plano de recuperação”, não prevista em relação aos outros, para além de uma taxa de juro equivalente a euribor a 3 meses acrescida de 2% de spread com floor de 0%, que ao longo do tempo se poderá vir a revelar superior às que são aplicadas aos outros créditos comuns.

            Por fim, o ano de diferença quanto ao período de carência de pagamento é particularmente significativo, sabido que depois do período de 2 anos se pode vir a requerer um novo PER, o que pode dar origem a que se continue a não se pagar nada aos outros credores comuns, ao contrário do que acontece em relação ao PER, o que não é uma hipótese improvável, antes pelo contrário, já que é isso que está a acontecer desde o incumprimento do plano de insolvência, pois que, se os créditos de todos os outros credores deixaram de ser pagos, o mesmo não aconteceu ao crédito do S que continuou a ser pago pela SAD (veja-se o que se diz no primeiro § do ‘decidindo’ da parte III deste acórdão).

            E isto põe a nu outra diferença extremamente significativa entre os créditos comuns, do S e dos outros credores:

            É que o crédito comum do S nunca deixou de ser pago nem vai deixar de ser pago. Enquanto não for pago pelo devedor, será pago pela SAD, por força do contrato de assunção de dívida, não liberatório, celebrado entre eles todos (os dois credores subordinados, o devedor e o S), que depois verá o seu crédito contra o devedor crescer na proporção dos pagamentos efectuados, já que se trata de um devedor solidário (L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, 2011, pág. 185).

            Ora, também esta diferença não aparece justificada, porque nem sequer é referida.

            E tudo isto acaba por se traduzir no seguinte: enquanto os restantes credores comuns estão, desde uns meses depois do início da execução do plano de insolvência (Março de 2014) e provavelmente já muito antes (a declaração de insolvência ocorreu em 2012), sem ser pagos e assim vai continuar a ser até 2020, o credor comum S nunca deixou de, nem vai de facto deixar de, ser pago, o que se traduz numa enorme e por isso evidente e manifesta desigualdade, em clara violação ao princípio da igualdade (art. 194 do CIRE).

            E tendo em conta o que foi dito acima sobre a prática/presumida/indiciada situação de insolvência do devedor, o conjunto revela que o PER e o plano de recuperação aprovado afinal não se traduz em mais do que uma forma de impedir o exercício dos direitos dos credores comuns de requererem execução contra o devedor, ou a sua insolvência, e de por estes meios tentarem vir a obter algum pagamento dos seus créditos, em contrapartida da proposta ilusória de algum dia lhes virem a ser pagos os seus créditos (o que aliás não os convenceu, já que nenhum deles votou o plano favoravelmente).

            Sendo que este tratamento mais desfavorável da generalidade dos credores comuns em relação ao outro credor comum, S, não está a coberto do consentimento daqueles, já que, repete-se, nenhum deles votou favoravelmente o plano de insolvência, o que se diz para efeitos do art. 194/2 do CIRE.

                                                                VI

                         Ocultação de bens

              Diz o recorrente:

  1. O recorrido ocultou a existência de uma participação social detida na F, no valor de 150.000€, bem como a participação na SAD, com acções no valor nominal de 200.000€, parte das quais se encontram penhoradas em execução fiscal.

            Nem o S nem, principalmente, o devedor, dizem algo sobre isto.

            Decidindo:

            O plano da insolvência devia de facto fazer referência especificada aos bens do devedor e valor dos mesmos {arts. 195/2-a, 17-C/3-b e 24/1-e: [relação (…) de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do seu valor actual], todos do CIRE} o que não acontece.

            Ou seja, expressamente são apenas referidos como bens do devedor os três imóveis (lendo-se, com generosidade, o que está escrito na proposta), mas não se diz qual é o seu valor actual, e por outro lado não se diz que o devedor tem uma participação social no F e participações na SAD, nem, por isso, o seu valor.

            O relevo disto será apreciado mais à frente.

                                        VII

Da violação não negligenciável de normas imperativas

            Diz o recorrente:

  1. O devedor não cumpriu os deveres que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, nomeadamente quanto à partilha de informação e propostas com todos os credores durante a fase negocial.

         [As conclusões 20 e 21 já foram transcritas acima e por isso não se repetem aqui; têm a ver com a troca de e-mails dos factos provados sob 5 e 6, que são sintetizados na conclusão 23].

  1. Não obstante o móbil do PER ser o necessário contacto, colaboração e negociação entre devedores e credores, torna-se evidente que o recorrente foi deliberadamente excluído do processo negocial.
  2. O recorrente foi notificado de uma proposta de plano em relação ao qual apresentou voto negativo, depois foi informado que aquele plano não constituiria versão final, tendo retirado o voto e, por fim, nada mais lhe foi comunicado.
  3. O recorrente foi excluído de todo o período negocial pelo que estamos em presença de uma violação não negligenciável das normas imperativas dos arts 17-D, n.ºs 6 e 10, e 17-F do CIRE.

            O S responde que:

         As normas procedimentais têm natureza imperativa, designadamente quanto ao prazo para votação, pelo que não colhe a argumentação do recorrente no que concerne à existência de irregularidades na votação.

         O recorrente bem sabia, ou tinha obrigação de saber, que os prazos estabelecidos no artigo 17-D têm natureza imperativa.

         Tal natureza não se coaduna com o alegado pelo recorrente quando diz “oportunamente (…) enviaremos o sentido de voto do n/constituinte.”

         Tomou, no entanto, conhecimento o tribunal a quo do voto contra apresentado pelo recorrente.

         À excepção do voto contra do recorrente, na qualidade de credor subordinado e como tal não considerado, apenas votaram contra credores correspondentes a 0,10% dos votos emitidos.

         Sendo o recorrente credor subordinado, esteve bem o tribunal a quo quando considerou na sentença recorrida que “(…) para efeitos de quórum deliberativo foram excluídos os créditos subordinados (M (…)”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 212º do CIRE.

         Com o voto favorável de credores correspondentes a 99,90% dos votos, concluído que foi o prazo de votação, o AJP remeteu os respectivos votos ao tribunal a quo, resultando a aprovação do plano e homologação pela sentença dos autos.

            O devedor responde que:

         […] o recorrente foi convidado a participar nas negociações, foi-lhe enviada a versão preliminar do plano de recuperação, tendo votado expressamente contra a proposta de plano, o que ficou consignado na acta de votação, para todos os efeitos legais.

         […] o juiz deve examinar se se verifica, quer no plano do procedimento relativo à aprovação do plano de insolvência, quer no plano atinente ao seu conteúdo, uma qualquer nulidade processual, i.e. se se praticou um acto que não é permitido ou que foi omitida a prática de um acto imposto ou uma formalidade essencial (art. 201 do CPC, ex-vi art. 17 do CIRE).

         Ora, no caso concreto nada disso se verificou: mudou ou não o credor subordinado o seu sentido de voto? Votou negativo e depois iria votar favoravelmente?

         É que para se recusar, oficiosamente, a homologação do plano não é suficiente a constatação de que houve violação tanto de normas de tramitação como de normas relativas ao conteúdo do plano.

         A ofensa de normas de qualquer destas espécies só autoriza a recusa da homologação se for não negligenciável, exigência que vincula, evidentemente, à distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes e que traz, naturalmente, implicada a concessão ao juiz de um largo poder de apreciação.

         Essa apreciação deve nortear-se pelos princípios orientadores, em geral, da nulidade processual, entre os quais se conta o da essencialidade, de harmonia com o qual a nulidade não se verifica se a prática ou a omissão do acto ou da formalidade não influir no exame e na decisão da causa (art. 201/1, in fine, do CPC, ex-vi art. 17 do CIRE).

         Numa palavra: só releva a violação que seja susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que comprometa, irremediavelmente, o fim que a lei se propunha atingir; quando a ofensa da lei não tenha este efeito patológico, a violação é negligenciável ou desprezível, e o juiz fica autorizado a declarar irrelevante a (putativa) nulidade correspondente.

            Decidindo:

            De novo, a resposta do S é uma não resposta, já que não toca minimamente no que, de essencial, é dito pelo recorrente.

            O mesmo não se passa, no entanto, quanto à resposta do devedor, que, no que importa, está certa.

            É certo que, decorre dos factos provados que o recorrente não foi notificado da proposta de plano posto à votação. Foi-o apenas de um projecto de proposta. E assim acabou por não poder votar o plano, pois que o devedor não lho enviou (como decorre, no fundo, da resposta do devedor e do que acima foi dito sobre o ónus de alegação do facto contrário).

            No entanto, esta violação dos procedimentos aplicáveis – sendo só ela que foi alegada em concreto e por isso a única que se prova – não é significativa, face ao facto de nada indiciar (o recorrente nem sequer diz algo sobre isso) que o projecto de proposta fosse diferente da proposta que acabou por ser votada.

            Ora, se, o projecto de proposta e a proposta final são iguais (nada indica o contrário); se o recorrente se pronunciou sobre aquela; se o sentido do seu voto pôde ser tomado em consideração (embora, mal como se viu, a decisão recorrida não tenha dito nada sobre as razões aí invocadas, e daí a nulidade de tal decisão); e se, perante o que antecede, nada justificaria a alteração da oposição do recorrente (cujo voto, aliás, era irrelevante para o quórum deliberativo); considera-se que esta violação das normas procedimentais é irrelevante/negligenciável para a decisão da homologação, pelo que, por si, não deve conduzir à não homologação do plano. 

                                                      *

            Continuação: violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano

            Tendo em conta o disposto nos arts. 1/2, 5, 17-A/1, 17-B, 17-C/1, 17-D/6 e 10, todos do CIRE, e os princípios 1.º e 10.º e os considerandos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25/10, para que última norma remete, há que concluir que o PER é um processo especial aplicável apenas a quem (seja pessoa colectiva ou singular) tem uma empresa, como organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica, que está comprovadamente numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, onde o empresário pode estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, por meio da aprovação de um plano de recuperação que permita ao devedor continuar a sua actividade económica, aos credores obter a recuperação de crédito mais elevada possível, aos trabalhadores continuar a trabalhar, de modo a produzirem bens ou serviços que satisfaçam as necessidades dos clientes da empresa, levando à existência de rendimentos que sirvam para pagar as dívidas e impostos, e aos fornecedores continuar a fornecer a empresa devedora. Ou seja, destina-se a manter uma empresa num circuito económico produtivo com proveito para todos os intervenientes e para a sociedade em geral (mantendo postos de trabalho, produzindo bens, prestando serviços e gerando receitas fiscais).

            O PER não se destina por isso a pura e simplesmente suspender o pagamento de dívidas e de processos destinados a cobrá-las, e menos ainda a extinguir essas dívidas total ou parcialmente. Se o devedor não tem uma empresa que produza bens ou preste serviços, não tem lógica falar na sua recuperabilidade ou revitalização. O que deve ser feito é tentar obter o pagamento das dívidas do mesmo, com todo o seu património penhorável, liquidando-o para o efeito.

            Por ser assim, um plano de recuperação deve observar, embora com naturais adaptações, as diversas normas relativas ao conteúdo do plano de insolvência, previstas nas várias alíneas do art. 195 do CIRE (neste sentido, o já invocado ac. do STJ de 25/11/2014, proc. 414/13.6TYLSB.L1.S1).

            Quer isto tudo dizer, desde logo, que um plano de recuperação, segundo o décimo princípio da resolução referida acima, deve ter propostas de recuperação baseadas num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação e conter informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros.

            Ora, no caso dos autos há uma série de violações das “condições adequadas e necessárias” (a parte entre aspas é de Nuno Manuel Pinto Oliveira, Entre código da insolvência e ‘princípios orientadores’ – ROA 2012/II/III, págs. 683/684), para que um plano de negócios seja considerado viável e credível.

            Por um lado, como já se viu acima, falta a indicação de alguns dos bens do devedor e a falta de indicação do valor de outros bens indicados. E a indicação que é feita é toda ela ambígua:

            Da liquidação de todo o seu património (3 prédios, bens móveis, marca C), diz a proposta, o devedor conseguirá talvez 650.000€ (ponto 6.2); no entanto, só a venda de um dos três prédios, ou seja, do terreno, poderá render 650.000€ (como resulta de I/II/III do ponto 8.4, mesmo tendo em conta a ambiguidade das expressões utilizadas: ora se fala em venda ora em distrate de hipoteca); no património não são referidos 350.000€ de participações sociais; só a cedência anual – sem venda definitiva, por isso – da marca proporcionará 510.000€ anuais. Se isto tudo fosse assim, o valor total do património seria necessariamente muito superior ao sugerido, embora ainda assim muito inferior ao passivo. 

            Falta, por outro lado, em violação do disposto no art. 195/2-a do CIRE, o mínimo de prova da existência do único rendimento (cedência da marca C à SAD) substancial do devedor invocado por este – de 510.000€ anuais – sendo os outros (15.606€ de vendas e serviços prestados + 20.808€ de subsídios à exploração = 36.414€ anuais) manifestamente insuficientes para cobrir o passivo do devedor de mais de 8.330.000€, já que nem sequer cobrem os gastos anuais, com fornecimentos e serviços externos e gastos com pessoal (62.345,56€ + 1.759,83€). Ora o recorrente aquando da emissão do voto negativo já fazia esta crítica à projectada proposta e o devedor/AJP não aproveitou para esclarecer a questão.  

            E sendo tudo isto assim, confirma-se a situação de insolvência do devedor já indiciada pelo facto de este ter deixado de cumprir o plano de insolvência que tinha sido homologado em Março de 2014.

            Quer isto dizer que estas faltas do plano de recuperação se traduzem em violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, que não podem ser consideradas negligenciáveis, porque põem em causa a existência de um verdadeiro plano de revitalização do devedor, indiciando, pelo contrário, que o presente PER nada mais é do que o aproveitamento deste tipo de processo especial, que tem por fim legal a revitalização do devedor, para, em vez disso, tentar evitar o exercício do direito dos outros credores comuns de executarem o devedor ou de requererem a sua insolvência, isto com o fim de possibilitar ao S que continue a ser pago pelos seus créditos, principalmente se conjugado com o facto de o único crédito comum que entretanto (desde 2014) tem estado a ser pago ser o do S, o qual vai continuar a ser pago ao contrário de todos os outros credores comuns ao longo dos próximos 2 anos.

               Neste sentido, para além dos já acima invocados a outro propósito, vejam-se, ainda, por exemplo:

– o ac. do STJ de 27/10/2016, proc. 741/16.0T8LRA-A.C1.S1: I. O juiz pode recusar a homologação do acordo de recuperação firmado no âmbito do PER quando os elementos factuais constantes do processo revelem inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência actual. II. As negociações a desenvolver no âmbito do PER devem visar a um plano de recuperação viável e credível, ou seja, exequível. III. Plano que seja aprovado em desconformidade patente ou manifesta com tais pressupostos, é um plano inatendível e insusceptível de ser homologado, nomeadamente por eivado de abuso do direito na perspectiva do seu fim social ou económico.

– o ac. do STJ de 03/11/2015, proc. 1690/14.2TJCBR.C1.S1: I. Pese embora o PER se resolva num procedimento de feição marcadamente extrajudicial, tal não significa que a liberdade e a autonomia da vontade dos intervenientes no processo não sofram limitações e não possam ser contrariadas pelo tribunal. II. Se o processo revelar inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência actual, o juiz deve recusar oficiosamente a homologação do plano que, ainda assim, foi aprovado. III. Em tal situação estamos perante uma violação não negligenciável das regras procedimentais e da norma legal basilar (a que define em que situações é admitido o processo de revitalização) que permite a realização ou preenchimento do seu conteúdo. IV. Acresce que o uso ilegal e abusivo do procedimento implica a nulidade do negócio jurídico subjacente e, inclusivamente, a sua neutralização por excesso manifesto dos limites impostos pelo fim económico do direito.

– o ac. do TRC de 16/02/2017, proc. 5781/16.7T8VIS-A.C1: […] O juiz não poderá/deverá homologar acordo de recuperação firmado no âmbito do PER quando os elementos factuais constantes do processo revelem inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência actual, situação em que, naturalmente, o plano de recuperação/revitalização não é viável/exequível.

– e o ac. do TRL de 14/01/2016, proc. 295/14.2TBPTS.L1-6: II- Com o PER visou o legislador dar a oportunidade ao devedor e aos seus credores de alcançarem um acordo tendo em vista a sua revitalização, o que, numa empresa tem como pressuposto a prossecução de uma actividade previsivelmente lucrativa. III- Daí que não configure um plano de revitalização aquele que não prevê resultados líquidos de exercício positivos no futuro e muito menos aquele que nem sequer prevê a prossecução da actividade da empresa.

                                                       *

            Em suma:

            Por violação não justificada e não negligenciável do princípio da igualdade, o plano não deve ser homologado (arts. 194, 17-F/5 e 215, todos do CIRE, já na redacção anterior à actual derivada do DL 79/2017).

            E o plano também não deve ser homologado por violação não negligenciável das normas relativas ao seu conteúdo (arts. 17-F/5, 195 e 215, todos do CIRE).

                                                      *

            Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e em sua substituição recusa-se a homologação do plano.

            Custas do recurso pelo devedor e pelo S, em partes iguais.

            Lisboa, 12/09/2017

            Pedro Martins      

            1.º Adjunto (com voto de vencido em anexo)

            2.º Adjunto

 

                           Voto de vencido:

            Nos termos dos artigos 627º, n.º 1, 639º, n.º 1, 663º, n.º 2, 617º, n.º 2, e 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), cumpre apreciar se neste processo especial de revitalização a pretendida alteração da sentença, que decidiu homologar o plano de revitalização do C, aprovado pelos credores pela percentagem de votação de 99,90% de votos expressos, pode resultar, salvo questões de conhecimento oficioso, de questões colocadas e só dessas, não prejudicadas pela decisão de outras, nas conclusões da alegação de recurso interposto pelo credor, titular de crédito subordinado, M.

            Sendo assim, prejudicado, pelo respectivo despacho de suprimento, o conhecimento da questão da nulidade da sentença, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 615º CPC, por omissão de condenação em custas, as questões a conhecer são as seguintes:

            1ª- Da nulidade da sentença, nos termos dos artigos 615º CPC, n.º 1, al. c), 17º-F, n.º 5, 215º e 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), por omissão de fundamentação sobre a admissibilidade de homologação do plano de revitalização do requerente perante o incumprimento do plano de insolvência do requerente, por ele confessado no requerimento inicial, anteriormente aprovado e homologado por sentença transitada em julgado;

            2ª- Da inadmissibilidade de homologação do plano de revitalização do requerente por constituir, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 215º do CIRE, infracção não negligenciável de regras procedimentais ao permitir em uso anormal do respectivo processo, nos termos do disposto no artigo 612º do CPC, ofensa ao caso julgado, constituído pelo plano de insolvência do requerente anteriormente aprovado e homologado por sentença transitada em julgado, designadamente pela modificação do plano de pagamentos, e por permitir que o requerente se exima da insolvência, por incumprimento das obrigações assumidas nesse seu plano de insolvência, para beneficiar do plano da sua recuperação;

            3ª- Da inadmissibilidade de aprovação e homologação do plano de revitalização do requerente por constituírem, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 215º do CIRE, infracção não negligenciável de regras procedimentais a exclusão do recorrente do processo negocial e a omissão da comunicação ao recorrente do projecto final do plano de recuperação para exercício do seu voto;

            4ª- Da inadmissibilidade de homologação do plano de revitalização do requerente por constituir, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 215º do CIRE, infracção não negligenciável de regras procedimentais a ocultação da participação social do requerente, no valor de € 150.000,00, detida na F e a ocultação da participação do requerente, mediante as acções no valor nominal de € 200.000,00, na SAD;

            5ª- Da inadmissibilidade de homologação do plano de revitalização do requerente por constituir, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 215º do CIRE, infracção não negligenciável de regras procedimentais ao servir em uso anormal do respectivo processo, nos termos do disposto no artigo 612º do CPC, para permitir alteração aos estatutos do requerente;

            6ª- Da inadmissibilidade de homologação do plano de revitalização do requerente por constituir, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 215º do CIRE, infracção não negligenciável de regras procedimentais ao permitir desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento dos credores ao beneficiar a Administração Tributária, o Banco S, e o Fundo de Acidentes de Trabalho no confronto dos credores comuns, como fornecedores correntes, por conferir de imediato pagamentos àqueles enquanto para estes se prevêem pagamentos decorridos três anos após o trânsito em julgado da sentença e ao beneficiar o Banco S, no confronto dos demais créditos da mesma classe e dos credores por créditos subordinados, que têm os seus créditos reduzidos a metade, pela remuneração mediante a aplicação da taxa de juro remuneratório equivalente à euribor a 3 meses, acrescida de 2% de spread.

            No tocante às questões sobre a nulidade da sentença e sobre a inadmissibilidade de homologação do plano de revitalização em função de ofensa ao caso julgado e de exoneração do requerente da insolvência importa considerar o seguinte:

            – Por sentença de 19/12/2012, proferida no processo n.º 3293/12.7TBPDL do 3º Juízo do Trib. Jud. da comarca de P, foi o requerente, C, declarado insolvente (cfr. sentença de homologação do plano de insolvência documentada a fls. 286 e certidão registral documentada a fls. 6v, inscrição 4);

            – A sentença de 17/3/2014, proferida no referido processo, homologou o plano de insolvência do requerente (cfr. mencionada sentença de homologação do plano de insolvência documentada a fls. 286 e certidão registral documentada a fls. 6v e7, inscrição 5);

            – O despacho de 9/3/2015, proferido no mesmo processo, declarou, com fundamento na homologação do plano de insolvência, o encerramento do processo de insolvência do requerente (cfr. certidão registral documentada a fls. 6v e 7, inscrição 5);

            – O regresso do requerente à actividade, baseado na homologação do plano de insolvência, foi inscrito no registo em 2015 (certidão registral documentada a fls., inscrição 6);

            – São administradores do requerente C: o recorrente M, R e A (cfr. sentença proferida nos autos para conhecer da impugnação da lista provisória de créditos deduzida pelo recorrente);

            – O requerente deduziu, em 30/12/2016, o presente processo especial de revitalização.

            O recorrente, antes da prolação da sentença recorrida, produziu intervenção para apresentar oposição à aprovação do plano de revitalização e o seu voto negativo à sua aprovação.

            Nessa intervenção, no seu artigo 20º, o recorrente alega que a homologação de um plano de revitalização na pendência da vigência de um plano de recuperação aprovado em sede de insolvência constitui violação de caso julgado formado pela decisão homologatória do plano de insolvência, como alega, designadamente nos artigos 1º a 6º, que a seriedade e viabilidade de um plano de revitalização do requerente é prejudicada porque as suas receitas são insuficientes para o pagamento do passivo que acumula.

            Ora, ponderando o disposto nos artigos 7º, n.º 1, 8º e 147º, n.º 1, do CPC, importa considerar que o recorrente não apresentou essa intervenção como requerimento de oposição à homologação do plano de revitalização nos termos e para os efeitos dos artigos 17º-F, n.º 5, na redacção então vigente, e 216º do CIRE, normas que nem sequer menciona nessa intervenção, como importa considerar que nem termina a sua intervenção requerendo que se decida recusar a homologação do plano de revitalização.

            Sendo assim, ponderando o disposto nos artigos 152º, n.º 1, 290º, n.º 3, 608º, n.º 2, do CPC, 17º-F, n.º 5, na redacção então vigente, 215º e 216º do CIRE, não é proporcional que se exija do tribunal o rigor da apreciação de questões que, rigorosamente, o recorrente não colocou para assim assacar a sentença homologatória de nula.

            O tribunal nesta especial transacção, que resulta na admissão pelos credores da revitalização do requerente, na falta do devido e adequado requerimento de pedido de recusa de homologação e não observando, oficiosamente, motivo para recusa de homologação, não tem que se pronunciar especificadamente, para as julgar improcedentes, sobre rol de admissíveis e supostas causas de recusa de homologação de acordo de revitalização; basta que produza, como produziu, declaração genérica de que não se verificam razões para recusa de homologação.

            Acresce que o recorrente nessa intervenção, se expende considerações sobre a incapacidade financeira do requerente da revitalização, não alega que este confesse no requerimento inicial incumprimento do plano de insolvência.

            E, efectivamente, não se alcança desse requerimento, nem o recorrente na verdade indica em que artigos do respectivo articulado ocorre tal confissão, que o recorrente alegue tal incumprimento e, essencialmente, incumprimento incompatível com a sua revitalização.

            Óbvia e necessariamente que incapacidade financeira do requerente tem que se verificar para se compreender e justificar a revitalização e para os credores a aceitarem, como aceitaram, por expressiva maioria.

           O artigo 230º, n.º 1, al. b), do CIRE, estabelece que o processo de insolvência se encerra após trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste.

            E certo é que o processo de insolvência do requerente da revitalização foi encerrado com regresso do requerente à actividade.

            Efectivamente, perante o disposto nos artigos 218º, n.º 1, al. b), e 239º, n.ºs 1, e 2, als. a) e c), do CIRE, verifica-se que encerrado o processo de insolvência cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, o devedor, certamente ainda assim designado porque deve, mas não porque seja insolvente,  recupera  a disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência, quer dizer os débitos do devedor e correspondentes créditos dos credores são constituídos com a fisionomia resultante do plano de insolvência, e, antes de finda a execução do plano, o devedor, por incumprimento desses débitos, pode ser declarado em situação de insolvência em novo processo.

            Portanto o devedor, encerrado o processo de insolvência, volta aos seus negócios, reentra no comércio jurídico e podendo, após essa reentrada, ser declarado insolvente é de admitir, ponderando o disposto nos artigos 3º, n.º 1, 17º-A, n.º 1, do CIRE, e 9º, n.º 3 do Código Civil (CC), por maioria de razão que possa requerer e ser conduzido pelos credores à revitalização.

            Aliás ainda recentemente na jurisprudência (acórdão do TRP, de 29/6/2017, processo 203/17.9T8STS.P1, wwwdgsipt) se admitiu, posteriormente à homologação do plano de insolvência, requerimento a pedir a revitalização pelo respectivo processo especial.

            Deste modo, e visto o disposto no artigo 581º, n.º 1, do CPC, não só é de admitir a revitalização, como o respectivo processo, perante as premissas e consequências desses artigos 3º, n.º 1, 17º-A, n.º 1, do CIRE, seja perante as causas de pedir e respectivos efeitos jurídicos, se distingue do processo de insolvência.

            E nada de concreto, em função dessas normas, demonstra que o requerente se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas e não se encontre antes em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, em qualquer caso, ainda susceptível de recuperação.

            Pelo contrário na ponderação interessada de significativa maioria dos seus credores, atentos e cuidadosos, pela intervenção no processo de votação, quanto à sorte do requerente, nomeadamente credor bancário e credores públicos (Autoridade Tributária e Fundo de Acidentes de Trabalho) o requerente é susceptível de recuperação.

            Portanto não se verifica qualquer uso anormal deste processo com infracção de regras procedimentais.

            Assim concluiria pela improcedência das questões 1ª e 2ª acima enunciadas.

            Pretende o recorrente que foi excluído do processo negocial do plano de revitalização e que lhe não foi comunicado o projecto final do plano de revitalização para exercício do seu voto e que assim ocorre infracção não negligenciável de regras procedimentais.

            Apresentou com a alegação de recurso, destinados a demonstrar a sua alegação, documentos, correio electrónico, a que, ponderando o disposto no artigo 651º, n.º 1, do CPC, nada obsta a que se admitam nos autos.

            Ora o recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 627º, n.º 1, do CPC, deveria ter invocado em primeira instância essa pretensa irregularidade do processo negocial para se proceder à respectiva instrução e decisão a impugnar em recurso.

            De todo o modo importa referir que nem toda e qualquer irregularidade resulta em infracção não negligenciável de regras procedimentais.

            O recorrente, admitindo a bondade da sua alegação, não especifica que achega relevante, que proposta determinante apresentaria para ponderação pelos credores.

            Assim a sua alegação é meramente conclusiva e irrelevante para assumir a proporção de infracção não negligenciável de regras procedimentais.

            Também o recorrente não indica qual seria o seu voto se, pretensamente, não tivesse sido excluído da votação, designadamente não indica que votaria favoravelmente a revitalização do requerente.

            Tudo demonstra, atendendo desde logo à sua posição expressa no recurso e sob pena de inutilidade do recurso, que a sua posição, o seu voto seria desfavorável ao plano de revitalização.

            Mas o seu voto desfavorável foi contabilizado para o quórum constitutivo e desconsiderado para a formação do quórum deliberativo sem o recorrente reagir a esta desconsideração.

            Deste modo, sendo o seu voto desfavorável irrelevante para o quórum deliberativo e ainda que relevante sem evidente influência no resultado da votação, influência que o recorrente nem sequer invoca, então também neste tocante é a sua alegação irrelevante para assumir a proporção de infracção não negligenciável de regras procedimentais.

            Assim concluiria pela improcedência da acima indicada questão 3ª.

            No corpo da alegação, sobre a questão 4ª acima enunciada, refere o recorrente que o requerente ao ocultar os activos nela mencionados obsta à sua afectação a pagamento de dívidas e assim foca os sacrifícios exclusivamente na esfera patrimonial dos credores.

            Ora nada demonstra que esses activos hajam sido ocultados para desproteger os credores, e certo é que as acções vêm mencionadas na aludida decisão sobre a impugnação da relacionação dos créditos, ou se simplesmente foram tidos por irrelevantes no planeamento da revitalização.

            Por outro lado importa ponderar que se o valor real desses activos corresponde ao valor nominal então, ao contrário do pretendido pelo recorrente, menos se justificaria a insolvência e mais e justificaria a revitalização.

            Nesta circunstância a pretensão do recorrente, irrelevada por qualquer outro credor ou pelo administrador, não se configura como infracção relevante de regras procedimentais.

            Assim concluiria pela improcedência da acima indicada questão 4ª.

            Percorrendo a alegação de recurso verifica-se que o recorrente não especifica qual a norma dos estatutos alterada.

            Ora face ao que consta do ponto 8.8 IV do plano trata-se da eliminação da previsão de administrador único do C e da cessação da suspensão do n.º 5 do artigo 45º dos estatutos para reposição da normal administração do C.

            Refere, com efeito, o plano:

            «Considerando-se desnecessária para a boa execução do Plano de Revitalização a função de “Administrador Único” no C, pelo que será reposta a versão anterior dos Estatutos do C, i.e., nomeadamente o seu artigo 45º (Órgãos Sociais), mantendo como órgãos sociais a Assembleia Geral, a Direcção e o Conselho Fiscal, cessando a suspensão do artigo 43.º, n.º 5, dos estatutos do C, com vista a incrementar o espírito de participação dos associados na vida do C [de acordo, aliás, com o plasmado nos próprios artigos 19.º, n.º 1., alínea a) e 21.º, alíneas d) e m)], dos Estatutos. Deste modo, será fundamental para a boa execução do presente plano de recuperação, e bem assim para o bom futuro do C, que a execução do mesmo seja cometida à Direcção do C democraticamente eleita no dia 19-06-2015. Assim, é absolutamente fundamental que todos os agentes envolvidos na boa execução do plano reúnam condições para executarem as metas definidas pelos credores. Em face do exposto, propõe-se a eliminação da suspensão do artigo 43.º, nº 5, do CIRE», querendo-se certamente referir artigo 43.º, nº 5, dos estatutos.

            Nada demonstra que a reposição das regras da normal administração do C configure, em uso anormal do processo, infracção não negligenciável de regras procedimentais.

            Por outro lado, ao contrário do pretendido pelo recorrente, a aplicação do artigo 198º do CIRE não é limitada ao seu n.º 1.

            Com efeito, o n.º 7, na redacção actual, como o anterior n.º 5, do artigo 17º-F do CIRE confirma a admissibilidade da aplicação de todas as normas do título IX do diploma.

            Assim concluiria pela improcedência da acima indicada questão 5ª.

            Como decorre do disposto nos artigos 601º, 604º, 822º, 824º do Código Civil (CC). 47º, n.º 4, 48º, 128º, n.º 1, al. c), 136º, n.º 6, e 140º, n.ºs 2 e 3, do CIRE, o princípio de paridade dos credores na obtenção de pagamento em proporção e em função do património do devedor não é absoluto.

            Efectivamente ocorrem preferências de pagamento entre créditos e de tal modo que pode suceder que, pagos os primeiros preferentes, não sobre património para pagamento dos demais créditos.

            Assim temos credores privilegiados em relação a outros credores munidos de garantias de preferência inferiores ou destituídos de garantias que, quando muito, podem esperar que ocorra a eventualidade de melhor fortuna do devedor para obtenção de pagamento.

            Melhor, portanto, será afirmar que esse princípio de paridade dos credores na obtenção de pagamento em proporção e em função do património do devedor se verifica apenas entre credores igualmente privilegiados ou igualmente despojados de privilégios ou comuns.

            Sucede que o recorrente é titular de crédito subordinado que, nos termos do artigo 48º do CIRE, se situa ainda em patamar inferior aos créditos comuns quanto à possibilidade de obtenção de pagamento.

            Assim, como tem sido referido, o crédito subordinado do recorrente pode ser qualificado como crédito enfraquecido, crédito com tratamento menos favorável, ou crédito que se encontra em posição de subalternidade relativamente às demais classes de créditos (Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 6ª edição, pg. 94, Carvalho Fernandes, João Labareda, Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, pg. 90, e acórdão do TRP, de 23/2/2012, processo n.º 817/08.8TYVNG-B.P1).

            Acresce que o crédito relacionado do recorrente é no montante de € 7.546,37 no universo de créditos relacionados no montante global de € 8.331.071,77, 0,09% desse universo global.

            Por outro lado o recorrente toma a defesa de créditos que, em aplicação do princípio de paridade dos credores na obtenção de pagamento em proporção e em função do património do devedor, não estão no patamar do seu crédito, mas em plano de superioridade.

            E em concreto nada adianta, aliás, sobre porque o plano é desadequado e melhor poderia ser na relação entre os credores Administração Tributária, Banco S, e Fundo de Acidentes de Trabalho, dados como tendo créditos privilegiados, no confronto dos credores comuns como fornecedores correntes, nada adianta porque o plano é desadequado e melhor poderia ser se não conferisse ao dito banco a taxa de juro equivalente à euribor a 3 meses  acrescida de 2% de spread.

            Também, em concreto, não adianta razões, porque essa taxa de juro, essa posição daqueles credores contraria e agrava a regra do artigo 48º do CIRE que o coloca em subalternidade relativamente aos demais credores.

            E assim a posição do recorrente, expressa na questão que coloca acima indicada como questão 6ª, para obter a recusa de homologação do plano de revitalização não respeita o princípio da proporcionalidade.

            Neste circunstancialismo, perante maioria significativa e relevante de credores favorável à revitalização do requerente, a argumentação do recorrente aparenta apenas injustificada oposição a esse resultado.

            Deste modo, atendendo ao disposto no artigo 334º do CC, porque injustificada e desproporcional perante o fim social e económico de recusa de homologação do plano de revitalização do requerente, que não se demonstra que se encontre na situação prevista no artigo 3º, n.º 1, do CIRE, a posição do recorrente mostra-se abusiva e, consequentemente, inadmissível.

            Assim concluiria pela improcedência da acima indicada questão 6ª.

            Pela improcedência das questões colocadas pelo recorrente para obter a alteração da sentença, julgaria improcedente o recurso.