Despejo do Juízo Central Cível de Lisboa
Sumário:
I. A comunicação do senhorio para transição para o novo regime do arrendamento urbano e actualização da renda (art. 50 do NRAU), que incluiu uma referência ao entendimento de que parte do imóvel não está abrangida pelo arrendamento, quando afinal está, implica que ao inquilino não tenham sido fornecidos os elementos que a lei impõe, designadamente o valor da renda pelo espaço total arrendado.
II. Uma comunicação feita nestes termos é ineficaz, conduzindo ao não reconhecimento da resolução do contrato que teve por base a falta de pagamento do valor das rendas actualizadas.
III. Improcedendo a acção, não pode ser conhecida a reconvenção deduzida pela ré para o caso da procedência da acção (devendo as custas da reconvenção subsidiária ficar por conta da ré).
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
A intentou uma acção de despejo contra a R, pedindo:
– Que seja decretada a resolução do arrendamento com fundamento na falta do pagamento de rendas por período superior a dois meses;
– A condenação da ré no despejo e na desocupação imediata do locado, bem como na sua entrega à autora, totalmente devoluto de pessoas e bens;
– A condenação da ré no pagamento à autora das rendas em dívida referentes de Dezembro de 2014 a Abril de 2015, num total já vencido de 4586,85€, acrescido de juros civis, à taxa legal, desde o vencimento até efectivo e integral pagamento;
– A condenação da ré no pagamento à autora de indemnização desde a data da citação e até entrega efectiva do locado, correspondente ao dobro da renda mensal de 1016,70€, no valor mensal de 2033,40€;
– A condenação da ré em sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no art. 829-A , nºs 1 e 4, do Código Civil:
– no que respeita à obrigação de entrega do locado devoluto, no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso na entrega, correspondente a 1/30 da renda, equivalente a 33,90€;
– no que respeita à obrigação de pagamento das rendas já vencidas e à indemnização pedida (2033,40€), na aplicação de uma taxa anual de 5% sobre os montantes em dívida, desde o trânsito em julgado da decisão condenatória.
A autora alega, em síntese, o seguinte: um seu prédio está dado de arrendamento à ré, regido pelas regras anteriores ao novo regime do arrendamento urbano; por carta de 14/10/2014 desencadeou o processo para a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e no fim deste actualizou a renda nos termos legais, com base na avaliação do imóvel, para 1016,70€ e prazo certo de 5 anos; a ré não aceitou a actualização e continuou a pagar o valor da renda antiga; pelo que, por carta de 13/12/2015 a autora comunicou à ré a resolução do contrato de arrendamento, nos termos dos arts. 1083/3, 1084/2 e 1085/2, todos do CC, por falta de pagamento das rendas, encontrando-se em dívida, de Dez2014 a Fev2015, o diferencial entre uma e outra.
A ré contestou; por um lado, impugnou os factos e as ilações de direito tiradas dos factos pela autora; entre o mais diz que a carta da autora ao incluir uma referência ao facto de o sótão estar a ser ocupado pela ré sem título, era nula por violação de normas do regime de transição em causa; e que tem estado a pagar as rendas, embora pelo valor antigo; por outro, excepcionou: a denúncia do contrato de arrendamento pela autora; a caducidade do direito da autora; a existência de falhas na avaliação do imóvel; e factos que podem influenciar o valor da renda a pagar; conclui pela improcedência da acção; e, para o caso da [procedência da] denúncia [sic] do contrato, deduz reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar à ré a quantia de 121.259€ – de indemnização pela denúncia, por valores que entregou e pelas obras que fez – no momento da entrega das chaves.
A autora replicou, impugnando os factos base das excepções e da reconvenção, que entende deverem improceder.
Entretanto a ré veio dizer haver efectuado, nos termos do art. 33/10 do NRAU, uma transferência bancária para a conta da autora.
A autora veio pronunciar-se quanto essa transferência dizendo que é inaplicável o disposto no art. 33/10 do NRAU uma vez que não ocorreu a denúncia do contrato de arrendamento; impugna ainda o valor depositado e refere a extemporaneidade da mesma (nos termos do art. 1084/3 do CC e 14/3 do NRAU.
Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença, reconhecendo a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta do pagamento de rendas e condenando a ré no despejo e na desocupação imediata do locado, bem como na sua entrega à autora livre de pessoas e bens, e ainda no pagamento à autora das rendas vencidas (nos meses de Dez2014 a Maio2015 as quantias correspondentes à diferença entre as quantias efectivamente pagas e a quantia de 1076,70€) e vincendas, até efectivo despejo e entrega do locado, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada renda até efectivo e integral pagamento; e, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de 33,90€ por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de restituição do locado; no mais, a ré foi absolvida do pedido.
Quanto à reconvenção, condenou-se a autora a pagar à ré o valor da reparação de emergência de parte da cobertura que este levou a cabo entre 2010 e 2011, quantia a liquidar em execução de sentença e, no mais, absolveu-se a autora dos pedidos.
A ré vem recorrer desta sentença, impugnando parte da decisão da matéria de facto e pondo em causa a idoneidade da carta para a actualização da renda e a absolvição da autora do pedido reconvencional, por isso querendo que a sentença seja revogada e substituída por outra que declare nulo todo o processado por inidoneidade da carta ou, pelo menos, que se declare a denúncia do contrato de arrendamento pela autora, condenando-se esta no pedido reconvencional e reconhecendo-se-lhe o direito de retenção enquanto as quantias peticionadas não forem pagas.
A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, mas, para a hipótese da procedência [“vem, ao abrigo do art. …, e a título subsidiário, apenas para a hipótese de o recurso ser jugado procedente…”, transcreveu-se da primeira folha das contra-alegações], requer a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do art. 636/1 do CPC quanto à parte em que a reconvenção foi julgada procedente, dizendo que está mal decidida por desconsideração do facto de não ter sido pedido e/ou obtido o consentimento da autora senhoria para a realização das obras em causa; e ao abrigo do art. 636/2 do CPC, arguiu ainda nulidade da sentença (arts. 615/1-d-e e 609/1, ambos do CPC, por ter conhecido do pedido reconvencional, apesar de este ter sido deduzido apenas para o caso da denúncia, que a sentença considerou não provada) e impugnou a decisão de dar como provado o ponto 37 dos factos provados (por se basear num único delemento de prova que desconsiderou para outros efeitos e que não tem qualquer credibilidade).
*
Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada; se a resolução do contrato, pela autora, não devia ter sido considerada válida, com consequências nas condenações da ré; no caso de se manter a resolução, se os pedidos reconvencionais devem ser considerados procedentes; e, no caso de não se manter a resolução e esta decisão não tiver efeitos sobre a condenação no pedido reconvencional, se a sentença, nessa parte, é nula, ou se, de qualquer modo, deve ser revogada, por errada, ou, se necessário, por força da alteração da decisão do ponto 37 dos factos provados.
*
Foram dados como provados os seguintes factos com interesse para a decisão daquelas questões (alterou-se a ordem do ponto 16, por ser sequência da carta do ponto 11, e a do ponto 19 por ser sequência da carta do ponto 16, e transcreveram-se estas cartas dadas por reproduzidas, e eliminou-se o ponto 27 por ser um dos §§ da carta do ponto 16):
- A autora é a única proprietária do prédio urbano constituído pelo edifício sito em Lisboa, na Rua X, composto por duas lojas, rés-do-chão e três andares, registado a seu favor sob o número xx/20081002 (anterior descrição número xx no Livro nº xx) na CR Predial de Lisboa e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo xx tendo a propriedade lhe advindo por legado por morte de B, então única proprietária, e mostrando-se esta aquisição inscrita a favor da autora pela apresentação 1 de 1973/0x/2x.
- Por contrato escrito celebrado em 25/02/1956, B, C e D, na qualidade de proprietárias, deram de arrendamento à ré, na qualidade de inquilina, que por sua vez aceitou arrendar, o terceiro andar, com entrada pelo nº xx, do edifício identificado em 1, pelo prazo de 6 meses, renováveis, com início em 01/03/1956, pela renda mensal de 1500$, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito (cfr. doc. de fls. 28 a 29 cujo teor aqui se dá por reproduzido).
- O locado destinava-se a “sede da arrendatária, posto clínico e habitação do contínuo, podendo a inquilina dar festas e bailes, nenhum outro destino lhe podendo ser dado sem consentimento escrito do senhorio.”
- Na cláusula 5ª consta: “o inquilino obrigou-se a não realizar no andar arrendado quaisquer obras ou benfeitorias, sem expresso consentimento das senhorias, ou do seu procurador, dado por escrito.”
- Na cláusula 6ª consta: “o inquilino não terá direito de retenção ou de indemnização por obras ou benfeitorias, as quais uma vez feitas, considerar-se-ão pertença do prédio e não poderão ser levantadas ou demolidas.”
- E na cláusula 9ª: “É expressamente proibida a sublocação, salvo no caso de autorização por escrito das senhorias, quer no todo, quer em parte.”
- Ao longo dos sucessivos anos a autora foi procedendo aos aumentos de renda legalmente admitidos pela aplicação dos coeficientes anuais de actualização publicados pelo INE sendo a renda, em Setembro de 2014, no valor de 98,73€.
8 e 9. A autora dirigiu à ré a seguinte carta registada com aviso de recepção, datada de 14/10/2014 [alterou-se a redacção destes n.ºs para os pôr de acordo com a carta e documento anexo que neles estavam descritos, estando a carta dada por reproduzida]:
Assunto: Transição para o NRAU e actualização da renda
Exmos. Senhores,
Nos termos dos arts 30 e seguintes e 50 e seguintes da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14/08, é da iniciativa do senhorio o desencadear do processo para a transição para o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano) e actualização da renda, nos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes de 1990 e não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n° 257/95 de 30 de Dezembro.
Assim, relativamente ao imóvel correspondente ao terceiro andar do edifício sito na Rua X, avaliado, nos termos dos arts. 38 e seguintes do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) em 183.000€, de que Vªs. Exas. são arrendatários e eu sou senhoria, para a transição do contrato para o NRAU e actualização da renda, venho propor um aumento da renda para o valor mensal de 1016,70€, sendo a duração do contrato para fim misto por um prazo de cinco anos.
Para o efeito, anexo cópia da Caderneta Predial respectiva [do que resultava que o locado tinha sido avaliado pelas Finanças no ano de 2012 nos termos dos arts 38 e ss do CIMI e que o seu VPT tinha sido determinado em 183.000€, sendo o valor da renda proposta correspondente a 1/15 do referido VPT: 12]
Aproveito a oportunidade para comunicar que, tendo chegado ao meu conhecimento que Vªs Exas. procederam à abusiva ocupação e utilização do sótão do edifício, situação que presentemente se verifica, e para a qual não dispõem de qualquer título legítimo, deverão proceder à imediata desocupação e devolução do mesmo, com entrega da respectiva chave de acesso, no prazo máximo de 30 dias a contar da recepção da presente carta, sem o que me verei forçada a recorrer aos meios legais para o efeito, com a inerente responsabilização de Vªs. Exas pelos prejuízos resultantes de todo o tempo da ocupação indevida.
- A ré respondeu à autora através da seguinte carta, datada de 06/11/2014 [dada por reproduzida e que agora se reproduz de facto, pondo-se entre parenteses rectos aquilo que, neste número, a decisão recorrida acrescentou]:
ASSUNTO: Actualização da renda do 3° andar da Rua X
Exma. Senhora
Acusamos a recepção da v/ carta, à qual, por imperativo legal, passamos a responder:
A determinação do valor da renda é encontrada, nos termos do art. 35/2-a e b, por remissão do art. 54/2, dado que no caso concreto se verifica a alínea b do n.º 4 do art. 51, ambos da Lei 31/2012 [não juntou documento comprovativo]
A arrendatária opõe-se a que o contrato fique sujeito ao NRAU, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 54 da mencionada Lei (regime transitório).
Por outro lado, existe uma contradição insanável na v/carta que convém referir:
– Por um lado, estão a reivindicar o sótão, quando têm conhecimento, desde o início do contrato, que o sótão sempre fez parte do arrendado; por outro, exigem a renda de acordo com a avaliação global.
Há mais de 58 anos que ali funciona uma das finalidades do arrendado (posto clínico, habitação e actividades culturais, incluindo festas e bailes).
A R desconhecia que detinha a posse do sótão noutra qualidade que não fosse a de inquilina. Nunca escondeu a posse do sótão, incluindo a pessoas das relações da Senhoria.
Pela caderneta predial junta com a v/carta mostra-se que o sótão está anexo ao 3° andar.
O valor exigido tem como limite máximo 1/15 do valor do locado, al. a do n.º 2 do art. 35, incluindo o sótão, como referimos.
O valor do locado corresponde ao valor da avaliação – al. b do n.º 2 do art. 35.
Acontece que, por uma simples leitura da caderneta verificamos uma discrepância que afecta a Senhoria, mas no caso concreto e, tendo em conta a legislação actual, também a inquilina, corno aliás poderão verificar, deste modo,
O valor da avaliação do 3° andar terá de obedecer aos mesmos critérios que estiveram na base da avaliação dos diversos andares e lojas, como partes integrantes do mesmo prédio.
Em todas as divisões e andares do prédio inscrito sob o artigo xx, da Rua X, o coeficiente de vetustez aplicado foi de 0,40.
Por erro ou por outro motivo que desconhecemos, o coeficiente aplicado ao 3º andar, isoladamente foi de 0,55, sem qualquer razão aparente.
Já reclamamos junto das Finanças a discrepância encontrada.
Enquanto não tivermos a resposta das finanças, não temos o conhecimento correcto do valor patrimonial do 3° andar.
No entanto, dado o interesse que a R tem para uma Região da Beira Interior Sul, pobre e quase deserta, manifestado pelos diversos Municípios da mesma, em Assembleia Geral realizada dia 05/11/2014, foi deliberado contra propor, mesmo sem o conhecimento do valor patrimonial, a renda de 6000€/ano, em duodécimos de 500€.
EM ANEXO: Enviamos as declarações já recebidas das Câmaras Municipais de P e de V e logo que possível enviaremos as restantes [a primeira em papel timbrado e datada de 04/11/2014 e a segunda em papel sem qualquer timbre e não datada]
Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos,
(Presidente da Direcção)
- A essa carta respondeu a autora através de carta de 20/11/2014, na qual declarou o seguinte:
– não resultar de qualquer dos documentos remetidos a comprovação de que a R seja uma associação privada sem fins lucrativos, regularmente constituída, que se dedica à actividade cultural, recreativa ou desportiva não profissional, e declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal;
– que a comprovação da natureza de ‘associação privada sem fins lucrativos’, do respectivo objecto, e da sua constituição regular, está sujeita a um regime de prova legal, o que significa que apenas pode ser feita por documento autêntico, constituído por certidão registal do acto de constituição, bem como dos estatutos actualizados;
– que a comprovação da existência da ‘declaração de interesse público ou de interesse nacional ou municipal´ também está sujeita a um regime de prova legal (nos termos dos art. 6/2 e 8 do DL 460/77, de 7/11, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 391/2007 de 13/12);
– que, por essas razões, nos termos do disposto no art. 51/6 da Lei 6/2006 de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14/08, não poderia a ré prevalecer-se da circunstância prevista no art. 50/4-b; – que a dúvida levantada relativamente à aplicação de um coeficiente de vetustez no cálculo pelas finanças do valor tributário do 3º andar superior ao dos outros andares e lojas não tinha nenhuma razão de ser, já que, como era do conhecimento da ré, o 3º andar não existia na construção original do edifício, e apenas foi edificado em 1956 e logo estreado pela R com uma renda mensal de 1500$;
– que, em qualquer caso, não foi comprovada por qualquer forma a reclamação alegadamente apresentada pela ré junto das finanças referente a erro no coeficiente de vetustez aplicado na avaliação do locado;
– que, pelas razões expostas, a carta da ré valia apenas como mera oposição ao valor da renda por si proposto e proposta de um novo valor;
– e, em consequência, comunicou a autora, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 52, 33, nºs 1 e 5-b, e 35/2, alíneas a e b, da Lei 6/2006 de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14/08, que não aceitava o valor da renda proposta pela ré, do montante de 500€ mensais e que procedia à actualização da renda mensal para o valor de 1016,70€ ficando o contrato de arrendamento imediatamente submetido ao NRAU, com prazo certo de 5 anos, com efeitos a partir da renda referente a Dezembro de 2014 (cfr. doc. de fls. 36V a 38 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- A ré enviou à autora carta datada de 19/12/2014 (cfr. doc. de fls. 110 a 112 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).
ASSUNTO: Contrato de Arrendamento com actualização de renda na Rua X
EXMA. SENHORA
Acusamos a recepção da v/carta, bem como anotamos as ilegalidades nela contidas.
Mantemos tudo quanto dissemos na nossa comunicação anterior no concernente ao coeficiente de Vetustez, ao interesse público da R, a nível regional, abarcando os cinco concelhos da zona do Pinhal Sul.
A anotação do código errado Vetustez implica a alteração do valor patrimonial da fracção, bem como do valor da renda.
Para se ter uma noção do que era o andar quando foi dado de arrendamento à R, juntamos uma contestação da avaliação fiscal apresentado em 20/03/1984, onde se escreve a ausência completa de obras por parte da senhoria, as canalizações podres, soalhos e paredes em péssimo estado de conservação, não tendo a construção o mínimo de condições de conforto.
Por outro Lado, na data de realização do contrato de arrendamento, conforme carta que se junta, a senhoria recebeu 40.000$ para afixação da renda em 1.500$ e a imutabilidade do contrato. DOC. 1
As instalações primitivas, reconstruidas pela inquilina eram autênticos pardieiros, tendo a R feito avultadas obras, conforme contestação que se junta como documento n.º 2.
Por outro lado, deveria a senhoria aplicar o n.º 5 do art. 332 do Regime Transitório, tendo em conta a natureza mista do contrato e a incerteza do valor patrimonial.
Desconhece-se a inquilina, se a senhoria pretende manter a mesma renda e contrato, ou proceder de outro modo.
À cautela, lembramos que, tratando-se de contrato que destina a fracção a sede da arrendatária, posto clinico e habitação do contínuo, podendo a inquilina dar festas e bailes, assiste à inquilina o direito de receber a indemnização prevista no art. 33/5-a, tendo em conta a renda pedida pela senhoria e a contraproposta da inquilina, a indemnização ascende a 45.480€.
Às obras que ao longo dos 58 anos a casa foi realizando no arrendado como a senhoria e o seu procurador, normal e atempadamente, tinham conhecimento e davam autorização, como pode ser facilmente testemunhado por dezenas de directores que passaram pela R ao longo destes anos, importam conforme documento junto (DOC. Nº 3) em 60,300€.
O valor de 40.000$ entregue em 1956, atendendo ao coeficiente de desvalorização da moeda, constante no art. 502 do CIRS equivaleria actualmente a Pte. 3.091.600$, correspondendo a 15.458€.
Se, a pretensão da senhoria era a denúncia do contrato, na entrega das chaves, terá que pagar à inquilina 121.238€.
Quanto ao sótão este é uma fracção independente que deita directamente para uma parte comum do prédio, as escadas.
Ora, desde 1956 que a R ocupa e tem a posse pela prática reiterada, com publicidade, com móveis, quarto de dormir e sala de reuniões, correspondente em tudo ao exercício do direito de propriedade, nos termos, entre outros, dos arts. 1260, 1263, 1317, todos do CC, o sótão desde 1956 que é propriedade da casa adquirido por usucapião.
Com os nossos cumprimentos
A Direcção
- A autora enviou à ré carta datada de 12/01/2015 (cfr. doc. de fls. 159 a 161).
Assunto: Transição para o NRAU e actualização da renda
Exmos. Senhores,
Acuso recebida a vossa carta datada de 19/12/2014, e os três documentos à mesma anexa, que mereceram a minha melhor atenção, mas que nada acrescentam à vossa anterior comunicação de 06/11/2014, e, consequentemente, em nada alteram a posição comunicada na minha anterior carta de 20/11/2014.
Não deixo, no entanto, de salientar o seguinte:
O documento junto sob o n° 1 é um documento interno vosso que, contrariamente ao que afirmam, não corresponde a qualquer carta que me tenha sido enviada, nem dele resulta aquilo que afirmam resultar, sendo totalmente irrelevante;
A actualização da renda a que procedi, resultou da mera aplicação automática dos novos critérios legais à avaliação oficiosa das Finanças efectuada em 2013 nos termos dos ares. 38° e seguintes do CIMI, sendo por isso também totalmente irrelevante o documento n° 2 que Vas. Exas. juntam;
O regime resultante das alterações à Lei 6/2006, introduzidas pela Lei 31/2012 não faz depender a matéria da transição param NRAU e actualização da renda de quaisquer obras que o inquilino se ache no direito de reclamar, sendo, por isso, igualmente irrelevante o documento junto sob o n° 3;
Em qualquer caso, sempre chamo a atenção de Vªs Exas para o teor das cláusulas quinta e sexta do contrato de arrendamento, plenamente em vigor, por cujos termos “o inquilino obriga-se a não realizar no andar arrendado quaisquer obras ou benfeitorias, sem expresso consentimento das senhorias, ou do seu procurador, dado por escrito”, e “o inquilino não terá direito de retenção ou de indemnização por obras ou benfeitorias, as quais uma vez feitas, considerar-se-ão pertença do prédio e não poderão ser levantadas ou demolidas.”
Face à posição por Vªs Exas assumida na v/ carta de 06./11/2014, está plenamente justificada a posição que vos comuniquei nos pontos 3 e 4 da minha carta de 19/11/2014, com expressa aplicação, entre outras disposições legais, do disposto no art. 33/5-b da Lei 6/2006, na redacção que lhe foi dada pela Lei no 31/2012;
Quanto ao sótão, resulta da mera contradição flagrante entre o que agora alegam e o que consta dos pontos 3 a 6 da vossa anterior carta de 06/11/2014, a total falta de fundamento para o absurdo direito que se arrogam.
***
Em face do exposto, comunico-vos que, na falta de regularização das rendas nos termos devidos, já dei expressas instruções ao meu Advogado para dar entrada imediata ao procedimento de despejo.
Com os meus melhores cumprimentos,
- A ré continuou, até ao presente, a transferir mensalmente para a conta bancária da autora o montante mensal de 98,73€.
- A autora dirigiu à ré carta registada com aviso de recepção, datada de 13/02/2015, na qual lhe comunicou expressamente a cessação do arrendamento por falta de pagamento das rendas devidas nos meses de Dezembro de 2014 e Janeiro e Fevereiro de 2015, e que, encontrando-se então em dívida o diferencial entre o valor mensal da renda antiga e o valor da renda actualizada num total de 2961,90€ iria diligenciar pelo imediato despejo do locado nos termos do disposto no art. 9 da Lei 6/2006 de 27/02 com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08 (cfr. doc. de fls. 43 a 43V cujo teor aqui se dá por reproduzido).
- Por carta datada de 02/03/2015 a ré acusou expressamente a recepção da carta da autora (cfr. doc. de fl. 44 cujo teor aqui se dá por reproduzido).
- No mês de Março de 2015 a ré transferiu para a conta da autora o valor da renda no valor de 98,73€.
17. Desde o início do arrendamento que o sótão foi utilizado pela ré como utente exclusiva, com chave.
18. O prédio referido em 1 é de construção pombalina, sendo o seu interior formado pela gaiola de Santo André e as divisões secundárias por tabique.
20. A autora autorizou, a pedido da ré, em 16/08/1979, a abertura de uma janela interior entre as duas salas contíguas à cozinha e a reparação do telhado, desde que efectuados no período dos dois meses seguintes, sendo a reparação do telhado a expensas da ré (cfr. doc. de fls. 415 a 417 cujo teor aqui se dá por reproduzido).
21. A autora autorizou, a pedido da ré, em 08/05/1995, a conclusão da limpeza do sótão, a reparação e limpeza do beirado do telhado, a reparação e impermeabilização de uma chaminé anexa à varanda de tardoz, a substituição do lava-louça da cozinha, e a remodelação da casa de banho das senhoras, desde que executadas e concluídas no prazo de um ano (cfr. doc. de fls. 418 e 419 cujo teor aqui se dá por reproduzido).
22. A autora autorizou, a pedido da ré, em 17/01/2000, e desde que executadas num prazo de 90 dias, conforme orçamento e aditamento de F de 17/11/1999 e de 14/12/1999:
– no telhado: levantamento na zona da cumeada sobre a sala da retaguarda onde se verificava a infiltração que danificou o tecto da mesma, reparação dos barrotes e vigamento na mesma área com correcção da inclinação necessária para a reconstrução do algeroz, igual procedimento na zona envolvente da chaminé, limpeza de todo o telhado e substituição das telhas partidas, reparação e isolamento do beirado do telhado que dá para retaguarda, a colocação de tela ao longo da parede e aplicação de tinta de areia, o reboco e pintura da chaminé – a expensas da autora;
– na sala de jogos: o revestimento do tecto a pladur, o reboco e pintura das paredes e a reparação e pintura das janelas;
– na cozinha e bar: o picamento dos rebocos apodrecidos, novo reboco e pintura;
– no corredor, três gabinetes, e casas de banho: reparação e pintura a tinta plástica dos tectos e paredes, reparação e retoque de portas e guarnecimentos com uma demão de tinta de esmalte;
– no salão: reparação e pintura a tinta plástica dos tectos e paredes, reparação e pintura por carpinteiro a tinta de esmalte das caixilharias, fornecimento e colocação de corrimão em ferro na varanda da frente, pintura do mesmo e respectivas grades (cfr. doc. de fls. 420 a 423 cujo teor aqui se dá por reproduzido).
- A autora autorizou, a pedido da ré, em 25/03/2004, cfr. descrição em orçamento de G de 15/02/2004, a demolição das duas casas de banho existentes, demolição do esgoto da cozinha, refazer as duas casas de banho, incluindo a construção de uma parede de alvenaria na casa de banho dos homens para separação da sanita e outra na casa de banho das senhoras para criar dois gabinetes de sanita, fornecimento de azulejo e mosaico de cor clara, loiças sanitárias e torneiras, execução das redes de água em tubagem inox, exterior, e de esgotos em PVC, e pintura dos tectos das casas de banho, a expensas da ré.
- A ré vem utilizando um sótão existente no edifício, com entrada no 3º andar.
- O óbito de C e a transmissão da qualidade de proprietária e senhoria à autora no ano de 1972 foi comunicado à ré.
- A partir dessa data a ré passou a pagar a renda à autora.
- Em 1984, junto das finanças, a ré respondeu ao pedido de avaliação fiscal da autora, tendo referido que esta “nunca fez quaisquer obras ou benfeitorias”; “as canalizações estavam podres”; “o soalho e as paredes estavam em péssimo estado de conservação”; “a construção não tinha o mínimo de condições”; “na data do contrato de arrendamento a senhoria recebeu uma quantia e foi acordado que não actualizaria a renda enquanto se mantivesse a actual inquilina” e que “as instalações primitivas eram autênticos pardieiros, tendo a casa feito obras.”
- No sótão estão instalados alguns serviços da ré.
- A autora sempre soube que a ré ocupava o sótão.
- Tal ocupação era pública e sem oposição de ninguém.
- Pelo menos, desde o momento em que a autora passou a ser senhoria que os familiares desta e seus colaboradores tiveram acesso ao sótão para fazerem reparações pontuais no telhado.
- No prédio referido em 1 o coeficiente de vetustez do 3º andar é de 0,55 e o do r/c e andares inferiores é de 0,40.
- Antes de 2001 a ré efectuou obras no locado, designadamente de pinturas de paredes interiores, tectos (incluindo reparação de fendas, fissuras e superfícies existentes, fornecimento de materiais) no que despendeu quantia não apurada.
- Em 2004 a ré, com a autorização da autora, procedeu à renovação total das instalações sanitárias (incluindo revestimentos, loiças, torneiras) e redes de águas e esgotos e demolição de esgoto da cozinha, no que despendeu quantia que não foi possível apurar.
- Entre 2008 e 2009 a ré procedeu à reparação total do tecto do salão (nascente) com forra em madeira envernizada e à pintura total de paredes interiores, tectos, pintura final (incluindo reparação de fendas, fissuras e superfícies existentes, fornecimento de materiais), no que despendeu quantia que não foi possível apurar.
- Entre 2010 e 2011 procedeu a uma reparação de emergência de parte da cobertura (incluindo aplicação de telas asfálticas e selantes aquosos) tendo gasto quantia que não foi possível apurar.
- O sótão é um espaço independente que dá directamente para as escadas.
- A autora nunca se fez representar por qualquer procurador, sendo apenas coadjuvada pelo marido e filhos.
- Em 2001 a autora liquidou uma reparação do telhado que importou em 400.000$.
- A revisão do sistema eléctrico do 3º andar foi efectuada em inícios de 1988 pela H-Lda, juntamente com outros trabalhos eléctricos em todo o edifício, que importaram em 198.000$, que a autora suportou e liquidou.
- As reparações nas escadas, foram efectuadas no ano de 2002 pela I-SA, e importaram em 1171,18€, que a autora suportou e liquidou.
- Na data da celebração do contrato de arrendamento o locado era novo a estrear tendo resultado de obras de ampliação do prédio acabadas de fazer.
- A p.i. deu entrada em 24/03/2015.
- Em 08/05/2015 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 802,54€ com a menção “remanescente rendas Novembro a Dezembro.”
- Em 08/05/2015 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 802,54€ com a menção “remanescente rendas janeiro a fevereiro”.
- Em 09/05/15 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 802,54€ com a menção “remanescente rendas março a abril”.
- Em 08/05/2015 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 401,27€ com a menção “remanescente renda maio”.
*
Da impugnação da decisão da matéria de facto
(I)
A ré entende que o ponto 11 (conteúdo de uma carta enviada pela autora à ré) “tem de ser substituído com a seguinte redacção”: a ré invocou o art. 50/4 do NRAU, tendo a casa interesse municipal.
A sentença diz o seguinte sobre a questão do ‘interesse’:
[A ré] invocou a circunstância prevista no art. 51/4-b do NRAU, mas não juntou documento comprovativo.
Embora o nº 6 desse preceito refira que a não junção de tal documento tem como consequência não poder o arrendatário prevalecer-se de tal circunstância, esta disposição afigura-se-nos inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (num sentido similar, no que concerne aos art. 30 a 32 do NRAU, vide ac. TC. 277/2016, DR de 14/06/2016).
De qualquer modo, se no decurso dos autos, com a junção dos seus estatutos e publicação no DR (a fls. 73 a 98), se pode concluir que a ré é uma associação privada (art. 167 do CC) sem fins lucrativos regularmente constituída que se dedica à vida cultural e recreativa, já não logrou a ré demonstrar que a mesma tenha sido declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal.
Com efeito, exige a lei a declaração de interesse público (necessariamente nos termos do DL 460/77 de 07/11 e legislação complementar, i.e., pela entidade competente, a publicação no DR e inserção numa base de dados, etc.) ou de interesse nacional ou municipal, prova que não foi efectuada no caso em apreço uma vez que as simples declarações emitidas pelos municípios juntas aos autos não obedecem a tal formalismo.
A ré diz o seguinte para defender a sua pretensão [alterou-se, aqui, a forma como a ré se refere a si própria, ou seja, como ‘casa’, por esta palavra, ainda por cima em minúsculas, em nada ajudar à compreensão das alegações]:
O facto 11 é falso para efeitos da invocação do art. 50 do NRAU.
A sentença não fez qualquer apreciação da documentação que a ré juntou como doc. n.º 1.
A ré na sua contestação e por carta anterior invocou a circunstância de que no locado funcionava uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, regularmente constituída, que se dedica a actividade cultural, recreativa, de solidariedade social ou desportiva não profissional, declarada de interesse público ou de interesse nacional, municipal ou uma pessoa colectiva de direito privado que prossegue uma actividade declarada de interesse nacional.
A ré é anterior à legislação invocada pela autora. A constituição da ré é de 1946. [A ré f]oi legalmente constituída pelo alvará nº 22 de 1946, emitido pelo Governo Civil de Lisboa. O art. 2 dos estatutos a fl. 74 descreve a natureza da associação. A fl. 75, o art. 3 descreve os seus fins. Por Diário da Republica de 09/04/2001 foram os seus estatutos objecto de escritura pública, e publicados, mantendo a mesma natureza e fins. O n.º 6 do art. 50, exige documento comprovativo da circunstância invocada. A ré cumpriu e[stes] requisitos.
A autora responde (em síntese feita por este acórdão, aqui como a seguir, sem manter a construção da autora, por ser impossível dada a extensão da resposta dela) que: a entender-se que, de facto, a ré impugnou a decisão deste ponto, diga–se que a decisão corresponde a deixar transcrito o envio de uma carta não impugnada pela ré, pelo que o que lá consta não pode deixar de estar provado e, aliás, já não era matéria dos temas de prova e correspondia a matéria dada como assente sem reclamação da ré; quanto à questão do ‘interesse’ os documentos invocados pela ré não provam, ao contrário do que a ré pretende fazer crer, que ela tenha sido declarada de interesse público, nacional ou municipal, prova que só poderia ter sido feita nos termos dos arts. 6/2 e 8 do DL 460/77, com a redacção que lhe foi dada pleo DL 391/2007, de 13/12, o que não aconteceu; para além disso, a ré não invoca os elementos de prova que imporiam decisão diversa sobre aquela alegação de facto, não cumprindo o ónus previsto no art. 640/1-b do CPC.
Decidindo:
Esta impugnação traduz-se em dizer que o que está dado como provado em 11 devia ser dado como não provado e, por outro lado, que está provado que a ré invocou o art. 50/4 do NRAU, tendo a casa interesse municipal.
Quanto a não estar provado que a autora escreveu a carta que a própria ré não põe em causa ter recebido e com o conteúdo que dela consta, trata-se, pelo menos, de um manifesto erro da ré. É evidente que o que consta do ponto 11 está provado.
Quanto à questão de estar provado, ou não, que a ré invocou o art. 50/4 do NRAU, a ré esquece que tal já consta dos factos provados, sem o erro do número (que é 51 e não 50): veja-se o ponto 10 dos factos provados.
Resta assim a questão de saber se está provado que a Casa tem interesse municipal.
Ora, ao contrário do que diz a ré, e como se vê da transcrição efectuada, a sentença apreciou o doc. 1 junto pela ré… e concluiu, bem, que o mesmo não provava o alegado, como claramente não prova. Em lado algum dele se declara o interesse municipal da ré.
Pelo que se mantém o ponto 11.
(II)
[…]
*
Do recurso sobre matéria de direito
O tribunal deu razão à autora quanto à pretensão desta em que o contrato de arrendamento fosse resolvido, com a consequência, entre o mais, do despejo da ré, isto por falta do pagamento do valor das rendas com a actualização feita pela autora.
O tribunal explica que:
(i) o 3º andar foi dado de arrendamento à ré mediante contrato escrito de 25/02/1956, com o fim misto (sede da ré e habitação do contínuo) com uma renda que, em Out2014, tinha o valor actualizado de 98,73€; (ii) uma vez que se trata de contrato habitacional celebrado antes da vigência do RAU e não habitacional celebrado antes do DL 257/95, de 30/09, são aplicáveis ao caso as normas transitórias previstas nos art. 27 a 29 do NRAU aprovado pela Lei 6/2006 de 27/02, com a rectificação 24/2006 de 17/04, alterado pela Lei 31/2012, de 14/08, e, a partir da sua entrada em vigor, pela Lei 79/2014 de 19/12];
(ii) não obstante o fim misto do contrato, da matéria de facto dada como provada resulta que, pelo menos há largos anos, o locado tem um fim não habitacional, de apenas abrigar a sede da ré, pelo que apenas se atenderá aos preceitos relacionados com este fim, os quais aliás não são muito diferentes dos demais;
(iii) a autora seguiu as regras transitórias em causa, actualizando a renda nos termos devidos através da carta de 14/10/2014 (pontos 8 e 9 dos factos provados) dirigida à ré, tendo dado cumprimento ao disposto no art. 50 do NRAU (ou art. 30 do NRAU) uma vez que a autora comunicou o valor da renda (1016,70€), o tipo do contrato (fim misto), duração do mesmo (5 anos); indicou o valor patrimonial tributário do mesmo (183.000€) e juntou cópia da caderneta o predial urbana (a qual se mostra junta aos autos a fls. 23 a 27).
(iv) À resposta da ré, com a carta do ponto 10 dos factos provados, respondeu a autora por carta de 20/11/2014 (ponto 11 dos factos provados), nos termos dos arts. 52 e 33 do NRAU, pronunciando-se, no prazo legal, quanto às posições tomadas pela ré e não aceitando a proposta de renda feita pela ré.
(v) Assim, nos termos do art. 33/5-b e 35/2-b, ex vi art. 52 do NRAU, a autora procedeu validamente à actualização da renda mensal para 1016,70€ (1/15 do VPT de 183.000€: 12 meses) e o contrato passou a ter o prazo certo de 5 anos com efeitos a partir do mês seguinte.
Contra isto diz a ré:
- O teor da carta do ponto 10 dos factos provados é falso material e intelectualmente.
- Não é idónea para a senhoria proceder à actualização da renda, nos termos do artigo 50 do NRAU.
- A senhoria não pretendeu a actualização da renda, mas a resolução do contrato, bem sabendo que a redução do objecto tornaria impossível a manutenção do arrendado.
- A carta da senhoria insere-se na estratégia prevista nos artigos 240 e 244 e segs do CC – simulação que expressamente se invoca.
- Nulidade que afecta todo o processo, tornando nula a iniciativa da senhoria, incluindo o pedido e a causa de pedir.
- A senhoria sabia sobejamente desse facto [que o sótão fazia parte do locado] desde o início do arrendamento – 1956 – como resulta de toda a prova testemunhal carreada para os autos, cujos depoimentos, de algumas testemunhas, a ré reproduz, na íntegra, nos anexos I a III.
- O sótão sempre fez parte do espaço que a ré utilizou como objecto do arrendado, globalmente considerado, durante mais de 60 anos.
- A retirada do sótão por iniciativa unilateral da senhoria é impor uma condição sem a qual o contrato não teria sido celebrado ou sê-lo-ia em moldes completamente diferentes.
- A senhoria violou gravemente os termos e condições do contrato ao reduzir drasticamente o gozo da coisa locada, tornando insustentável as relações contratuais.
- A senhoria introduziu uma verdadeira e grave condição resolutiva, impossibilitando, só por si, qualquer actualização de renda. Agora duplamente agravado (o aumento) pela subida do valor e redução do objecto.
- A sentença ao não apreciar a conduta da senhoria como denunciadora do contrato, violou entre outras normas, os artigos 437 e 790 do CC.
- O sótão é e sempre foi um espaço essencial para as actividades da ré.
- A sentença não apreciou, como devia o conteúdo daquela carta.
- Esta carta denuncia imediatamente o contrato, sendo a actualização da renda, um mero pretexto, para esbulhar a inquilina de todo ou parte do arrendado, alterando unilateral e substancialmente o seu objecto, cuja ocupação do sótão, arrendado ou não, se mantém na posse da ré, inalterada desde o início do contrato.
*
Decidindo:
O regime aplicável, para já sem particularidades, consideradas mais tarde se for caso disso, é o seguinte [vai-se utilizar a 3ª versão do NRAU, tal como publicada no sítio da internet da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa; a Lei de 2014 para já, não interessa]:
A transição para o NRAU e a actualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando: a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38 e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana; c) Cópia da caderneta predial urbana. (art. 50 do NRAU, na 3ª versão, como já se referiu).
Segue-se a resposta do arrendatário que pode (art. 51/3 do NRAU):
a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio [pronunciando-se também quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio – al. c], caso em que o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da recepção da resposta: a) De acordo com o tipo e a duração acordados; b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos. (arts. 51/7 e 31/7 do NRAU).
b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio [pronunciando-se também quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio – al. c], propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 52.º; ou seja, por força da remissão deste, nos termos dos seguintes normas do art. 33: 1 – […] caso o arrendatário se oponha ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio, propondo outros, o senhorio, no prazo de 30 dias contados da recepção da resposta daquele, deve comunicar ao arrendatário se aceita ou não a proposta. 2 – A oposição do arrendatário ao valor da renda proposto pelo senhorio não acompanhada de proposta de um novo valor vale como proposta de manutenção do valor da renda em vigor à data da comunicação do senhorio. 3 – A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário. 4 – Se o senhorio aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário ou verificando-se o disposto no número anterior, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da recepção, pelo arrendatário, da comunicação prevista no n.º 1 ou do termo do prazo aí previsto: a) De acordo com o tipo e a duração acordados; b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos. 5 – Se o senhorio não aceitar o valor de renda proposto pelo arrendatário, pode, na comunicação a que se refere o n.º 1: a) Denunciar o contrato de arrendamento, pagando ao arrendatário uma indemnização equivalente a cinco anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e pelo arrendatário; b) Actualizar a renda de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º, considerando-se o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos a contar da referida comunicação. 6 – A indemnização a que se refere a alínea a) do número anterior é agravada para o dobro ou em 50 % se a renda oferecida pelo arrendatário não for inferior à proposta pelo senhorio em mais de 10 % ou de 20 %, respectivamente. 7 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a denúncia prevista na alínea a) do n.º 5 produz efeitos no prazo de seis meses a contar da recepção da correspondente comunicação, devendo então o arrendatário desocupar o locado e entregá-lo ao senhorio no prazo de 30 dias. […] 9 – A indemnização prevista na alínea a) do n.º 5 e no n.º 6 é paga no momento da entrega do locado ao senhorio. 10 – No período compreendido entre a recepção da comunicação pela qual o senhorio denuncia o contrato e a produção de efeitos da denúncia, nos termos dos n.ºs 7 e 8, vigora a renda antiga ou a renda proposta pelo arrendatário, consoante a que for mais elevada.
d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 53.º, ou seja, aplicando-se o disposto no art. 34: 1 – Caso o arrendatário denuncie o contrato, a denúncia produz efeitos no prazo de dois meses a contar da recepção pelo senhorio da resposta prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 31.º, devendo então o arrendatário desocupar o locado e entregá-lo ao senhorio no prazo de 30 dias. 2 – No caso previsto no número anterior não há lugar a actualização da renda.
A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao do termo do prazo previsto nos n.os 1 e 2. (arts. 51/7 e 31/6 do NRAU).
*
Da ineficácia da comunicação para actualização
Destas normas decorre que a comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário, tem por fim pô-lo em condições de, com conhecimento de causa, tomar uma série de decisões que vão ter um relevo decisivo para a relação contratual em causa.
Ora, se nessa comunicação, se põe em causa aquilo que é o objecto do contrato, dizendo-se que uma determinada parte do imóvel não faz parte do mesmo, o que pode ter reflexos na valor da renda (se se pagava x por 100, provavelmente não se pagará o mesmo por 2/3 de 100) e na susceptibilidade de satisfazer as finalidades do arrendatário, e afinal essa parte faz parte do locado (tal como o arrendatário defendia), então tem que se aceitar que, para o arrendatário, aquela comunicação não lhe dá, minimamente que seja, o conhecimento dos elementos necessários para a tomada conscienciosa daquelas decisões.
Não se trata de o arrendatário não poder pôr em causa o entendimento do senhorio quanto ao objecto do locado, porque esse direito não lhe poderia ser retirado, nem a carta o retira, mas de ele não poder saber, por força da comunicação feita naqueles termos, apenas por exemplo, qual o valor da renda que teria de passar a pagar pela parte que era posta em causa pelo senhorio, nem qual o valor da renda que deveria propor pelo conjunto, pois que a comunicação lhe diz que a autora entendia que aquela parte não estava englobada no locado e aquelas contas dependeriam do valor que a autora tivesse dado à renda, pelo locado, no seu todo e não só em parte.
Neste sentido, o ac. do TRL de 27/06/2017, proc. 2058/16.1YLPRT:L1-7, lembra que os elementos que a comunicação prevista no art. 50 do NRAU deve conter “destinam-se a facultar ao arrendatário as informações que lhe permitirão avaliar a correcção e a razoabilidade do aumento comunicado, a fim de que possa formar uma vontade esclarecida sobre a manutenção do arrendamento”; por isso, “sendo objecto do arrendamento o lado esquerdo de um determinado 2º andar, não satisfaz a exigência legal o envio, pelo senhorio, de caderneta predial de onde conste a referência única a todo esse 2º andar”; pelo que, “feita nestes termos a comunicação da nova renda para o 2º esquerdo, a mesma não tem valor vinculativo e o seu não pagamento pelo arrendatário não é fundamento de resolução do contrato pelo senhorio, sendo ineficaz a declaração feita nesse sentido.” (outro caso de ineficácia pode ver-se no ac. do TRP de 15/02/2016, proc. 8535/14.1T8PRT.P1: IV – A comunicação não se considera eficaz quando se indica o valor patrimonial tributário e se junta caderneta predial, ambos atribuídos a prédio distinto daquele que vem descrito no contrato de arrendamento; no corpo do acórdão lembra-se: para efeitos de actualização da renda teria que se ponderar o valor patrimonial tributário deste espaço que está arrendado).
Assim,
(i) embora não haja factos que permitam dar razão à ré nalgumas das acusações que faz à comunicação (por exemplo, 1ª parte da conclusão 3 do recurso),
(ii) sendo também claro que não tem razão noutras dessas acusações (redução do objecto por força da carta, simulação, imposição de condição, denúncia ou alteração do contrato, alteração de circunstâncias, impossibilidade de cumprimento: conclusões 2ª parte de 3, 4, 8, 9, 10, 11 e 14; neste sentido – da falta de razão destes argumentos – vão as contra-alegações da autora, com argumentos múltiplos dispersos por várias partes das mesmas, que demonstra que estes argumentos da ré não têm nenhuma razão de ser; mas, por tal ser óbvio, não se vai perder tempo com os mesmos: é que da carta/comunicação da autora, só por si, não resultaram, nem nunca resultariam, as consequências invocadas pela ré; por exemplo, mesmo que a ré não reagisse, a autora não poderia obter, só pela carta, a restituição daquela parte do imóvel, pois que o teria de fazer através de uma acção de reivindicação [e esta só procederia se o tribunal não fosse convencido de que o contrato de arrendamento abrangia essa parte], a não ser que a ré a restituísse voluntariamente, mas ai, à carta da ré, ter-se-ia juntada a actuação concordante da ré).
(iii) ela já tem razão em considerar que a carta da autora (que, em parte conforme à conclusão 1 do recurso da ré, não deixa de faltar à verdade, já que tendo a autora tido sempre conhecimento que a ré ocupava o sótão – ponto 30 dos factos provados -, não podia escrever o que escreveu no início do parágrafo final de tal carta; e isto, se necessário, não deixaria de ter relevo na acção; neste sentido, veja-se por exemplo, o ac. do TRL de 15/12/2016, proc. 14629/15.9T8SNT-A.L1-7, que num caso em que a inquilina veio dizer que a senhoria tinha perfeito e seguro conhecimento de que ela contava mais de 65 anos quando lhe efectuou a comunicação previsto no art. 30 do NRAU, se considerou que a provar-se esse conhecimento – traduzido em factos alegados e susceptíveis de prova – poderá mesmo questionar-se a licitude da actuação da senhoria que, consciente de não existir fundamento legal para operar a convolação como contrato de arrendamento ao abrigo do NRAU (respectivo art. 30), envereda mesmo assim por essa via, na censurável tentativa de obtenção de um efeito automático e formal, decorrente da eventual ausência de apresentação do comprovativo da idade do inquilino (inferior a 65 anos), que sabia perfeitamente não ter correspondência alguma com a… idade, sendo certo que a sua eventual e hipotética má fé neste domínio, paralisaria necessariamente o efeito jurídico que buscou, nos termos gerais do art. 334 do CC, tendo, por isso, determinado que o processo prosseguisse para julgamento)
(iv) é ineficaz (melhor do que o ‘idónea’ utilizado na conclusão 2 ou ‘nulidade’ utilizada na conclusão 5) para desencadear a transição do contrato para o novo regime e para actualização da renda.
A esta argumentação, que é nela que se concretiza o bom entendimento das conclusões da ré, quer a sentença recorrida, quer a autora, não dão resposta, desconsiderando-a. As razões da autora são boas para afastar tudo o mais que, formalmente, era dito pela ré, mas não para afastar o essencial, que era o facto de a comunicação, nos termos que foi feita, ser ‘inidónea’ à actualização da renda para todo o espaço realmente arrendado.
E não importa ao caso, ao contrário do que pretende a autora, que a ré tenha respondido à comunicação da autora, nos termos previstos nas normas citadas acima, pois que isso não transforma a comunicação da autora numa comunicação com todos os elementos necessários à tomada de decisões conscientes da ré. A resposta que esta dê, com base em elementos incompletos, ficará sempre sujeita à sua ineficácia por arrastamento da ineficácia da proposta inicial da autora.
E sendo o problema o da falta de elementos necessários na comunicação – qual o valor da renda para todo o espaço locado e não só de parte dele -, não é possível a aproveitamento só da primeira parte da carta da autora, com exclusão da segunda, pois que as duas partes existem e a segunda altera o sentido da primeira, não podendo, agora, dizer-se que a ré ou este tribunal a devem ler ou considerar sem o parágrafo final, como é isso que, no fundo, a sentença recorrida faz e a autora sugere seja agora feito.
*
Do objecto do locado
Isto tudo no pressuposto de que realmente o sótão fazia parte do locado, como fazia, tal como o demonstra a sentença (sem a concordância, agora, da autora): “atendendo à letra do contrato de arrendamento que, por um lado, refere que o locado corresponde ao 3º andar e tendo-se apurado que a porta de entrada para o sótão está ao nível desse terceiro andar e que, por outro lado, alude a um fim de ‘habitação do contínuo’ parecendo razoável que, a ter existido, esta se situasse num espaço distinto da sede propriamente dita, concluímos que o sótão faz parte integrante do locado.”
Só isto, aliás, torna compreensível que desde o início do arrendamento (de 1956 – há quase 50 anos à data da comunicação da autora) o sótão tenha sido utilizado pela ré como utente exclusiva, com chave (pontos 2, 17 e 24), entretanto com os seus serviços lá instalados (ponto 29) e que a autora (proprietária desde 1972 – ponto 25) e, tendo sempre sabido que a ré ocupava o sótão (ponto 30 dos factos provados) tenha autorizado, a pedido da ré, em 08/05/1995, a conclusão da limpeza do sótão […] desde que executada[…] e concluída[…] no prazo de um ano (ponto 22, este como os anteriores, dos factos provados).
*
Assim sendo, conclui-se que a comunicação da autora para actualizar a renda é ineficaz e não a actualizou. A renda, por isso, continuou a ser a antiga e, como a ré nunca a deixou de pagar (ponto 12 dos factos provados), não se verifica o fundamento resolutivo invocado pela autora, pelo que a resolução não pode ser decretada, nem pode ser ordenado o despejo, nem a ré condenada a pagar o diferencial de rendas, de Dez2014 a Abril2015 ou de outras entretanto vencidas, nem na indemnização pedida do dobro das rendas em falta ou em qualquer sanção pecuniária compulsória; ou seja, deviam ter sido julgados improcedentes todos os pedidos deduzidos.
*
A ré tem uma conclusão – 15 – a defender que adquiriu a propriedade do sótão por usucapião.
Independentemente de a sentença e a autora terem toda a razão em dizer que esta afirmação não tem qualquer sentido, a verdade é que, por um lado, a questão da usucapião nem sequer é objecto do processo e, por outro, é contraditório defender que o sótão faz parte do locado e, ao mesmo tempo, que foi adquirido por usucapião (ou até por doação como a ré chega a invocar).
*
Na conclusão 22 a ré dá conta que passou a transferir para a conta da senhoria 500€ mensais, valor igual à contraproposta que fez. Não diz que propósito tem esta conclusão.
*
Nas conclusões 23 e 24, a ré vem invocar o direito de retenção [presume-se que do locado…], nos termos do art. 738 do CC [que se refere a privilégios creditórios e não a direitos de retenção…] pelas obras que a autora foi condenada a liquidar, o que não faz qualquer sentido nas alegações de um recurso contra uma decisão que não teve por objecto tal questão.
E, se se trata de um anúncio de um comportamento futuro, menos ainda tem razão de ser num recurso.
*
Quanto aos pedidos reconvencionais
Decorre da conclusão 14 do recurso da ré que esta entende que com a comunicação dos pontos 8 e 9 dos factos provados, a autora denuncia imediatamente o contrato.
Já se viu acima que a ré não tem qualquer razão nesta tese, que, aliás, nem tenta fundamentar. A carta expressa o entendimento da autora sobre a ocupação que a ré está a fazer do sótão, mas não diz denunciar o contrato, nem isso decorre do facto de considerar que essa parte do imóvel não faz parte do locado.
Essa denúncia também não decorre, claramente, das cartas da autora dos pontos 11 e 13 dos factos provados, sendo esta última uma carta de resolução do contrato, não de denúncia do contrato.
De resto, a pretensão da ré tem a ver com a denúncia prevista no art. 33/5-a, por força do art. 52, ambos do NRAU, de onde lhe derivaria o direito à indemnização pedida a esse título, sendo evidente que a autora não optou pela denúncia aí prevista (art. 33/5-a do NRAU) mas pela actualização da renda (art. 33/5-b do NRAU).
Pelo exposto, e como diz a autora, a sentença está correcta quanto à decisão deste pedido reconvencional, tendo ela (a sentença) dito o mesmo, no essencial, do que se acabou de dizer agora.
*
Devido às pretendidas alterações da matéria de facto, poderia ainda, se fossem atendidas, pôr-se em causa o decidido quanto aos pedidos reconvencionais relativos aos 40.000$ (a que corresponderiam hoje 15.458€, segundo se diz na contestação) e aos pedidos de pagamento de obras (60.300€), embora a ré não lhes tenha dedicado uma conclusão que fosse do recurso.
No entanto, como não se alterou a decisão da matéria de facto, não há que conhecer de tais pedidos (ou, dito de outro modo, não há razão para alterar o decidido na sentença recorrida quanto a eles).
*
Quanto ao pedido reconvencional julgado procedente
Lembra a sentença que a ré pedia, no caso de denúncia do contrato, a condenação da autora numa série de valores indemnizatórios.
Depois diz que:
Antes de mais, conforme vimos supra, a autora, em momento algum, denunciou o contrato de arrendamento tendo, antes, num primeiro momento, desencadeado o processo de transição do contrato do RAU para o NRAU e actualizado as rendas e, num segundo momento, em face do não pagamento da renda actualizada, procedido à resolução do contrato.
E termina assim, na parte que agora interessa:
No que concerne à obra referida em 37 – reparação de emergência de parte da cobertura entre 2010 e 2011 -, que foi efectuada e paga pela ré a mesma é da responsabilidade da locadora nos termos dos arts. 1031-b e 1036 do CC. Uma vez que a ré não logrou provar o valor despendido nesta obra, impõe-se relegar para execução de sentença a sua quantificação.
*
A procedência do recurso da ré, com a revogação da sentença no que se refere à procedência parcial da acção, põe em causa a condenação neste pedido reconvencional.
Com efeito, a sentença implicitamente leu, no pedido formulado pela ré, não aquilo que ela formalmente dizia – para o caso da denúncia do contrato, deduz reconvenção – mas sim aquilo que materialmente a ré queria, isto é, para o caso da acção ser procedente, aceitando-se a resolução [a que a ré chamou denúncia] do contrato feita pela autora, então a ré só deveria ser condenada a entregar as chaves contra a entrega daquilo que pedia (121.259€ – de indemnização pela denúncia, por valores que entregou e pelas obras que fez – no momento da entrega das chaves).
Por isso, apesar de considerar que não havia qualquer denúncia, condenou na mesma a autora naquele pedido reconvencional porque tinha havido resolução do contrato e a ré tinha que entregar o locado.
Ora, julgando-se agora a acção improcedente, considerando-se, por isso, que afinal não há resolução do contrato e que, por isso, a ré não tem de entregar o locado, cai o pressuposto que estava na base daquela condenação da autora, condenação que, por isso, cai por arrastamento. Ou seja, por deixar de se verificar a condição de que dependia a apreciação do pedido reconvencional.
*
Do recurso da autora
Caindo a condenação da autora no pedido reconvencional, o recurso dela contra esta condenação fica prejudicado e não há que conhecer do mesmo, nos seus vários aspectos (erro de julgamento, nulidade da sentença, erro na decisão da matéria de facto).
*
Custas
As custas da reconvenção subsidiária, que não é apreciada (que deixa de ser apreciada) por não se verificar a condição dessa apreciação, devem ficar a cargo da ré.
E o mesmo vale para as custas do recurso subsidiário da autora, mas a cargo desta.
Isto pelas razões dadas por Miguel Teixeira de Sousa, Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas, Cadernos de Direito Privado, nº. 7 Julho/Setembro 2004, págs. 15 a 17, que se parafraseiam assim, na parte que importa aos autos: entender que a autora seria responsável pelas custas relativas a uma reconvenção ou a ré pelas custas de um recurso da autora, que, por serem subsidiários, não chegaram a ser conhecidos, seria colocá-las exactamente na situação que se verificaria se o pedido reconvencional e o recurso tivessem sido julgados procedentes contra elas. Ora, não parece admissível entender que basta que seja formulado um pedido reconvencional subsidiário ou que a autora interponha um recurso subsidiário para que a autora ou a ré fiquem responsável pelas custas respectivas, quer esse pedido e recurso venham a ser julgados procedentes, quer não cheguem a ser apreciados. Essa responsabilidade seria uma responsabilidade objectiva e contrária à regra do art. 527º/1 do CPC. Se o pedido reconvencional subsidiário da ré ou o recurso subsidiário da autora não chegaram a ser conhecidos pelo tribunal, porque não se cumpriu a condição (de procedência do pedido da autora ou do recurso da ré) da qual dependia a sua apreciação pelo tribunal, não se pode dizer que a autora ou a ré tenham ficado vencidas no pedido reconvencional ou no recurso subsidiário e devam, por isso, responder pelas custas relativas à reconvenção ou ao recurso subsidiário. É a ré reconvinte ou a autora recorrente subsidiária que, ao assumirem o risco inerente à dedução de uma reconvenção ou recurso subsidiário (isto é, de um reconvenção ou recurso que só serão apreciados se o pedido formulado pela ré ou o recurso deduzido pela autora forem julgados procedentes), devem suportar as respectivas custas no caso de a reconvenção ou o recurso não chegarem a ser apreciados por não se preencher aquela condição. Por fim, a solução defendida favorece a rectidão da conduta na dedução da reconvenção ou recurso subsidiários, pois que permite combater qualquer propósito de dedução de uma reconvenção ou recurso com o exclusivo intuito de vir a imputar ao autor da acção ou do recurso as respectivas custas, mesmo que o tribunal não venha a pronunciar-se sobre esse pedido ou recurso). Seguindo esta posição, veja-se o ac. do TRL de 16/02/2012, proc. 1699/10.5YXLSB.L1-2.
*
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso quanto à decisão da acção, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que julgou procedente parcialmente a acção e substituiu-se a mesma por esta que agora julga a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados pela autora.
Esta revogação da sentença faz cair, por arrastamento, a condenação da autora em parte do pedido reconvencional que agora se julga também totalmente improcedente, indo a autora absolvida de todos os pedidos reconvencionais, revogando-se por isso, também nesta parte, a sentença.
O recurso da autora fica prejudicado, ficando as custas de parte da ré a cargo da autora.
As custas de parte da ré, quanto à acção e quanto ao seu recurso, são a suportar pela autora em 22,44%.
As custas de parte da autora, quanto à acção e quanto ao recurso da ré, seriam a suportar pela autora em 77,56%, mas a ré está dispensada do pagamento de custas, por ter apoio judiciário.
Lisboa, 06/12/2017
Pedro Martins
1.º Adjunto
2-º Adjunto