Embargos de executado do Juízo de Execução de Almada
Sumário:
I. Os embargos de executado não podem ser deduzidos por quem não é executado.
II. Nuns embargos de executado, não se pode absolver da instância executiva aquele que não é executado.
III. As custas de uns embargos, deduzidos por quem não é executado e que por isso não os podia ter deduzido, devem ficar a cargo do embargante.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Do pouco que compõe este apenso de embargos de executado, decorrem os seguintes dados de facto que, para os efeitos da decisão deste recurso, podem ser tomados como certos, embora não estejam suficientemente documentados em qualquer certidão junta ao processo/ /recurso:
A C-SA, requereu, em 15/10/2015, uma execução contra O-Lda, Lda, M, C, F e R.
A 18/05/2017, E veio deduzir oposição mediante embargos de executado, dizendo, em síntese, ter sido surpreendida com a presente execução, referente a uma livrança subscrita pela sociedade O; diz que nunca exerceu as funções de gerente na sociedade em causa, conforme resulta da certidão da conservatória do registo comercial que apresenta, nem avalizou a livrança que serve de título executivo à execução; conforme resulta daquela certidão, a sociedade é representada pelo seu gerente fulano de tal; pelo que, a citação prévia que recebeu na qualidade de legal representante da sociedade, lhe foi enviada por lapso; diz que a oposição tem como fundamento a apreciação e decisão da sua ilegitimidade na execução; quem deveria ter sido citado enquanto legal representante da sociedade deveria ter sido aquele gerente; pelo que, os embargos devem ser recebidos e julgados procedentes, e, em consequência, ser extinta a execução quanto a si, com base no facto da oponente ser parte ilegítima na execução e não ser a legal representante da sociedade executada.
Os embargos foram liminarmente admitidos.
Citada para os contestar, a exequente veio dizer e requerer o seguinte (em síntese): não requereu execução, nem qualquer diligência executiva, contra a embargante; esta não é executada; consultados os autos principais, bem como o documento n.°1 junto pela embargante, verifica-se que foi a mesma citada na qualidade de legal representante da sociedade; a exequente desconhece a razão pela qual o AE procedeu à citação da embargante na qualidade de legal representante da sociedade executada, uma vez que, conforme se pode verificar da certidão permanente, ela nunca foi sócia e/ou gerente da sociedade, ou melhor, se o foi, o que a exequente desconhece, tal facto não foi averbado ao registo comercial; acredita-se, assim, que a citação operada pelo AE terá consistido num mero lapso, ao qual a exequente é naturalmente alheia; sem prejuízo do exposto, a verdade é que tendo a referida citação sido dirigida à Srª E na qualidade de legal representante da sociedade executada, apenas esta última poderia vir deduzir embargos de executado e não ela; assim, atento o supra exposto, os presentes embargos de executado revelam-se inúteis, devendo ser indeferidos, o que desde já, se requer. Este requerimento foi notificado à embargante.
A seguir, foi proferida a seguinte sentença (em síntese, mas mantendo a construção da sentença, na qual não se faz qualquer referência à posição tomada pela exequente):
É manifesta a falta de legitimidade da embargante para a presente acção, uma vez que não figura no título executivo como devedora do exequente, não resultando tal qualidade (de devedora/ /executada) de qualquer outra circunstância alegada nos autos.
Ora, não tendo a embargante, no título, a posição de devedora há que reconhecer a ilegitimidade (passiva) daquela.
A ilegitimidade singular é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e sempre insanável, pelo que, se for detectada no momento do despacho liminar […], conduz ao indeferimento do requerimento executivo.
Se tal não tiver acontecido, o tribunal pode rejeitar oficiosamente a execução – art. 820 do CPC – e o executado pode alegar, nos respectivos embargos, a sua ilegitimidade ou a do exequente (Teixeira de Sousa, A acção executiva singular, pág. 143).
Em face de todo o exposto e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 726 e 734 do CPC, decido absolver a requerida [sic] da presente instância executiva.
Custas a cargo do exequente.
Registe e notifique.
A exequente vem recorrer desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que reconheça e declare a excepção dilatória da ilegitimidade singular da embargante para deduzir os embargos de executado, absolvendo, em consequência, a exequente dos embargos e condenando a embargante nas custas deste processo – terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões (em síntese):
A embargante não é executada na execução objecto dos presentes embargos de executado; ela foi citada apenas na qualidade de legal representante da sociedade executada e não a título pessoal, pelo que, ainda que possa ter ocorrido um lapso do AE ao considerar que a embargante é legal represente da executada, competia-lhe a ela, embargante, tão-somente, se assim entendesse, informar os autos que não é legal representante da referida executada, através de simples requerimento, mas nunca de embargos de executado;
A exequente desconhece a razão pela qual o AE procedeu à citação da embargante na qualidade de legal representante da sociedade executada, no entanto, para além de ser totalmente alheia aos actos e lapsos praticados pelo AE, tal facto não tem qualquer relevância para o caso em apreço, na medida em que o mesmo não legitima a apresentação de embargos de executado pela embargante;
O tribunal a quo terá partido de um pressuposto errado, ou seja o de execução ter sido instaurada também contra a embargante; ora, sendo certo que não o foi, o tribunal deveria ter, desde logo, indeferido liminarmente os presentes embargos de executado, ou, só tendo detectado esta realidade mais tarde – quanto mais não seja, perante o referido requerimento apresentado pela exequente -, deveria ter conhecido a excepção dilatória da ilegitimidade singular da embargante no âmbito dos embargos de executado e absolvido a exequente dos mesmos (cfr artigos 577-e e 578, ambos do CPC).
A condenação da exequente no pagamento das custas destes embargos está errada, devendo ser a embargante a condenada no pagamento das custas, nos termos previstos no artigo 527, n.°s 1 e 2 do CPC.
A embargante não apresentou contra-alegações.
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Questões que importa decidir: se a embargante devia ter sido declarada parte ilegítima para deduzir os embargos e a exequente absolvida da instância dos embargos, com custas destes pela embargante.
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Os factos que interessam a esta decisão são os que constam do relatório que antecede e ainda o seguinte: da certidão do registo comercial da sociedade executada não consta qualquer registo da embargante como gerente ou sequer sócia ou mulher ou filha ou mãe de sócio da sociedade executada.
Posto isto,
Os embargos são um meio de oposição à execução pelos executados (art. 728/1 do CPC). Não podem, por isso, ser usados por quem não é executado. A embargante não é executada, visto que a execução não foi requerida contra ela. Como tal não tinha legitimidade para deduzir embargos de executado (art. 30/3, 1ª parte, a contrario, do CPC). Assim, os embargos nem sequer deviam ter sido admitidos.
Tendo sido admitidos, logo no despacho saneador se devia ter decidido a absolvição da instância da exequente, devido à verificação da excepção dilatória de falta de legitimidade da embargante (art. 576/2, 577-e, 578, 595/1-a, todos do CPC).
E as custas tinham que ficar a cargo da embargante, por ter ficado vencida (art. 527/1 do CPC).
É certo que, provavelmente, a embargante se pode queixar de ter sido mal citada pelo AE. Diz-se provavelmente, porque não se sabe o que de facto aconteceu. No entanto, dando-se ela como citada na qualidade de legal representante da sociedade executada e nunca tendo sido legal representante da mesma, é muito provavel que, realmente, tenha ocorido um erro na citação, que é coisa, no entanto, de que não trata este recurso (tal como não é neste recurso que se tem de apurar se os executados foram ou não citados para a execução e em que termos; ou se, os embargos de executado não podiam ter sido convolados ou considerados como uma oposição por simples requerimento, no próprio processo executivo: art. 193/3 do CPC).
Mas, esse erro, a ter existido, não justifica que ela tenha deduzido embargos de executado:
1º, porque tendo sido citada na qualidade de legal representante da sociedade executada, nunca podia ter embargado em nome próprio e não o podia fazer como legal representante da sociedade por não ter essa qualidade;
2º, porque lhe bastaria não fazer nada: tendo sido citada como legal representante de uma sociedade executada, com a qual nada tinha a ver, ela, a embargante, não seria prejudicada com o prosseguimento da execução; e não sendo, ela própria, executada, não corria o risco da execução se volver contra ela;
3º, porque tendo dúvidas sobre o que havia de fazer – o que se aceita como possível e natural, pois que se as coisas corressem sempre como deviam correr, ela nunca teria sido citada como provavelmente o foi -, mais natural seria que fizesse como diz a exequente, ou seja, que viesse aos autos, num simples requerimento (possbilidade que resulta do disposto no art. 723, n.ºs 1-d e 2, do CPC), dizer que nada tinha a ver com a sociedade executada, em vez de se meter nuns embargos de executado, meio processual muito mais complicado;
O que antecede, demonstra por si que a sentença está errada e tem de ser revogada.
Mas o erro da sentença decorre ainda do seguinte: ela absolve da instância executiva quem não é executado.
Posto isto, fica a dúvida se a decisão recorrida não é, simplesmente, a rejeição oficiosa da execução de que falam Lebre de Freitas (A acção executiva, 6ª edição, 2014, Coimbra Editora, págs. 188-190) e Miguel Teixeira de Sousa (obra citada na decisão recorrida, edição de 1998; ou em A reforma da acção executiva, Lex, 2004, págs. 103/104, com referência ao então art. 820 do CPC na redacção em vigor à data), possível ao abrigo dos arts. 726, n.ºs 2 a 5, e 734, do CPC, no âmbito do processo executivo, artigos que, aliás, foram invocadas na decisão recorrida [a decisão recorrida refere ainda o art. 820 do CPC, sem precisar que se trata de uma versão antiga do CPC]. Só que a decisão foi proferida nos embargos de executado e reporta-se a alguém que não é executado, pelo que, por aí, também estaria errada. E, por outro lado, se fosse o caso, então não haveria sequer decisão dos embargos de executado, o que agravaria o erro. E, de resto, o tribunal admitiu o recurso, como se se tratasse de um recurso de sentença de embargos de executado (entre outro, invocando o art. 853/1 do CPC).
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Pelo exposto, revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição, julga-se verificada a excepção dilatória da falta de legitimidade activa da embargante para poder deduzir embargos de executado, absolvendo a exequente da instância destes embargos, com custas dos mesmos pela embargante.
Custas do recurso também pela embargante.
Lisboa, 20/12/2017
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto