Expropriação – Juízo Local Cível de Lisboa
Sumário:
I. No processo de expropriação devem estar todos aqueles que possam ser tidos como interessados (art. 9/3 do CE), não importando a forma como se faça a prova da qualidade que estiver na base da legitimidade aparente para o efeito.
II. No processo de expropriação não são expropriados apenas os que constam como tal da DUP.
III. O processo de expropriação pode comportar a indagação da propriedade dos bens, embora por modos, fins e consequências diversos dos de uma acção declarativa de apreciação do direito da propriedade.
IV. Enquanto um processo de expropriação estiver suspenso, os interessados não podem fazer requerimentos que se traduzem em incidentes com natureza declarativa.
V. O juiz deve, oficiosamente, mandar proceder às diligências necessárias à notificação pessoal (como se fosse uma citação) de um interessado (como o teria de fazer em relação à citação de um réu), ou mesmo chamar ao processo de expropriação pessoas que não tenham sido assim consideradas pelo expropriante.
VI. São interessados a ser notificados no processo de expropriação, nos termos do art. 51/2 do CE, para além de outros, todos aqueles que constam do registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova como titulares do direito de propriedade sobre imóveis expropriados, bem como aqueles que os expropriantes tenham tratado como tal (provavelmente por como tal serem tidos pública e notoriamente).
VII. Os herdeiros de interessados falecidos não passam a ser desconhecidos para os efeitos do art. 41/2 do CE, apenas porque os outros interessados não os habilitam no lugar dos falecidos.
VIII. Enquanto houver diligências a fazer, necessárias à notificação pessoal de interessados, o processo de expropriação não pode ser julgado deserto, embora tenha estado suspenso por mais de 6 meses por negligência do expropriante e interessados em promover a habilitação de interessados falecidos na pendência do processo.
IX. As heranças, a terem de ser notificadas, têm de o ser numa pessoa em concreto e com a morada dessa pessoa, e não num “cabeça-de-casal dessa herança” com a morada do falecido.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
1. A 28/01/2016, o Município de L remeteu ao tribunal, nos termos do art. 51/1 do Código das Expropriações, o processo de expropriação da parcela 15 que faz parte dos prédios urbanos descritos sob os números 1111 e 2222 da freguesia de S e inscritos na matriz sob os artigos 333, 444 e 555 da agora freguesia de C, e que foi declarada de utilidade pública por despacho de 00/00/2014, proferido pelo Secretário de Estado da Administração Local, tendo tomado, depois de autorizada, posse administrativa dela em 07/10/2015. Junta a guia de depósito à ordem tribunal do montante arbitrado a título indemnizatório pela expropriação.
2. O doc. 2 (fls. 79 a 91 do processo) apresentado depois pelo expropriante são duas certidões prediais actualizadas em 18/01/2016 relativas aos prédios em causa da quais resulta que a propriedade desses prédios está inscrita a favor de CS e três certidões matriciais dos artigos em causa das quais resultam que os titulares inscritos na matriz são:
1. J
2. S
3. H
4. F
5. M
6. M
7. M
8. E
9. A – cabeça-de-casal da herança de
10. C – c-de-c da herança de
11. A – cabeça-de-casal da herança de
3. A expropriante diz que são presumíveis herdeiros de CS, já falecido, os indicados sob 1, 3, 5, 7, 8, 10, 11; sem indicar a respectiva qualidade, mas indicando-os como pessoas a notificar; refere ainda os supra indicados sob 4, 6, e 9; sem que se saiba porquê, indica ainda como presumível herdeiro de CS, AS (12). Não indica o interessado 2.
4. Na fase administrativa do processo de expropriação a interessada 5 foi sendo notificada (por exemplo a 29/10/2013 – fl. 201) através do envio de uma carta em que se notificavam também AS e SM (interessado 13 – fls. 201) ou só ela e AS (por exemplo, Set2015 – fl. 119)
5. Num anúncio público do expropriante de 09/07/2010 dão-se como proprietários do n.ºs de polícia 666 e 777, os interessados 5 e 12 (fl. 87)
6. A caderneta predial urbana em 04/09/2013 dava como titulares dos prédios todos os 11 indivíduos referidos acima, sendo que o 9 ainda não tinha a menção de “cabeça-de-casal de”. Mas numa outra versão, a fl. 79, consta ao lado do seu nome, uma anotação manuscrita como “falecido”.
7. A 24/10/2014, o expropriante dá conhecimento da DUP aos interessados 1, 2 (anota-se a manuscrito que faleceu) 3, 4, 5 (e os dois filhos desta: 12 e 13), 6, 7, 8, 9 (carta devolvida com indicação de falecido), 10 (cabeça-de-casal, sem qualquer identificação em concreto) e 11.
8. A 15/12/2014 são notificados, por carta, da data em que se ia realizar a vistoria ad perpetuam rei memoriam os interessados 1, 3, 4, 5 (e 12) 7, 8, 9 (c-d-c – fl. 50), 10 (c-d-c) e 11 (c-d-c).
9. A mandatária existente nos autos dizia representar os interessados 5 e 12. Foi aquela mandatária e este que estiveram presentes no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de Jan2015. Foi este que apresentou quesitos. O auto foi notificado aos interessados sob 1, 3, 5 (e 12), 7, 8, 10 (c-d-casal) e 11 (c-de-c).
10. Num e-mail de 20/01/2015, enviado por uma jurista do expropriante à alegada mandatária de 5 e 12, diz-se que a interessada 5 recebeu um total de 55.664,41€ relativo a rendas que deixou de receber (fl. 86).
11. Na guia de depósito por expropriação, de Agosto de 2015, os expropriados são os 1, 2 (herdeiros) 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 (estes três últimos sem sequer qualquer referência ao facto de terem falecido).
12. Numa carta de 23/09/2015 [mas escreve-se 2005 – fl 38], para os interessados 5 e 12, o expropriante fala do valor das rendas de habitação e comércio.
13. Os interessados notificados da cópia dos autos de posse administrativa, em Out2015, pelo expropriante, foram os sob 1, 3, 5, 7, 8,10 (c-d-c) 11 (c-d-c) e 12, que eram dados como os presumíveis herdeiros de CS nesse mesmo auto.
14. No acórdão arbitral de Dez2015, os expropriados são identificados como “herdeiros de CS: 5, 12 e 13”. É também assim que os proprietários estão identificados no DUP publicada no DRII2ª série de 00/00/2014.
15. A 12/02/2016, o tribunal proferiu o despacho previsto no art. 51/5 do CE, adjudicando ao Município de L a propriedade da parcela – a posse já a tinha – e ordenando a notificação do despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos 11 titulares para efeitos fiscais supra identificados nos termos e nas moradas aí referidos, com indicação, a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição do recurso a que se refere o art. 52 do CE.
16. O despacho judicial ainda acrescentou o seguinte: constando do processo […] informação do óbito de S (fl. 19), titular inscrito na caderneta predial urbana, notifique o expropriante para informar ou esclarecer o que tiver por conveniente e para juntar, sendo esse o caso, certidão do assento de óbito, em 15 dias.
17. O que o expropriante fez a fl. 123.
18. Por despacho de 26/04/2016 – fl. 147 e 148 – faz-se o resumo do estado do processo, dizendo quem tinha sido já citado, esclarecendo-se que se estava a tentar a citação dos expropriados 4 e 7 através de Agente de Execução, assinala-se a notícia do falecimento do expropriado S (2) e que o despacho de adjudicação da propriedade à expropriante já foi proferido e, perante isto, decide-se o seguinte:
Assim, nos termos dos artigos 41/1 do Código das Expropriações, 269/1-a, 270/1 e 351, todos do CPC, declaro suspensa a presente instância, até notificação da decisão de habilitação do sucessor do falecido (artigo 276/1-a do CPC), sem prejuízo do disposto no artigo 281/1 do CPC.
Notifique a entidade expropriante e os expropriados/ /interessados, sendo também para informarem os autos da identificação do cabeça de casal e/ou herdeiros de S, caso disponham dessa informação.
19. Este despacho foi cumprido, designadamente através da notificação do expropriante e interessados através de carta elaborada a 28/04/2016 (presumindo-se notificados a 02/05/2016).
20. A 05/05/2016, a AE veio informar não ter procedido à citação dos interessados 4 e 7 porque o expropriante não efectuou o pagamento do pedido de provisão para a referida diligência.
21. Esta resposta foi notificada ao mandatário do expropriante.
22. A 02/09/2016, a AE veio informar ter arquivado o processo em causa por não ter sido efectuado o pagamento do pedido de provisão, do que tinha dado notícia atempada ao mandatário do expropriante.
23. Até 04/01/2017, quer o expropriante quer os interessados notificados nada se dignaram dizer ao processo na sequência da notificação a 02/05/2016 do despacho de 26/04/2016.
24. A 04/01/2017 é proferido o seguinte despacho:
Pese embora tenha sido determinada a suspensão da instância por despacho de 26/04/2016, constatamos que não se procedeu à notificação do despacho de adjudicação, de fl. 93 e seguintes, a todos os expropriados/interessados, uma vez que se frustrou a notificação postal e a entidade expropriante não procedeu ao pagamento da provisão ao AE para proceder à notificação por contacto pessoal.
Cabendo, antes de mais, diligenciar pela notificação de todos os interessados do despacho de adjudicação e atentas as especificidades dos presentes autos, determino se diligencie pelas notificações em falta através de funcionário judicial.
25. Tentou-se a citação dos expropriados 4 e 7, sem sucesso (fls. 185, 186 e 190).
26. Feitas novas diligências para o efeito, na sequência de despacho de 27/03/2017 (fl. 191), teve-se notícia de que eles tinham falecido, o expropriado 4 em 08/06/2015 (fl. 192) e a expropriada 7 em 27/02/2015 (fl. 193).
27. A 30/03/2017 foi proferido o seguinte despacho (fl. 196)
Das pesquisas realizadas resultou a informação que os interessados 4 e 7 terão falecido, em 2015.
Não se vislumbram outras diligências a realizar.
Notifique a entidade expropriante e os expropriados/ /interessados, para querendo requererem o que tiverem por conveniente, em 10 dias.
Mais consigno que, atento o despacho proferido em Abril de 2016, a fls. 147 e 148, que determinou a suspensão da instância por óbito de S, sem que nada tenha sido requerido até à data, os autos aguardarão por 30 dias, sendo após, conclusos, a fim de aferir da deserção da instância, nos termos do art. 281/1 do CPC.
Notifique.
28. De novo quer o expropriante quer os expropriados notificados foram notificados de tal despacho, por cartas elaboradas a 31/03/2017.
29. A 24/04/2017, na primeira intervenção que teve no processo, a interessada 5, através de mandatário judicial, veio dizer o seguinte (notificando o expropriante):
1. Dos expropriados referenciados nos autos, apenas a ora requerente tem legitimidade passiva.
2. Tal decorre de uma situação de facto relacionada com a partilha extrajudicial dos imóveis objecto dos presentes autos, efectuada, consubstanciada e respeitada ao longo do tempo, mas ainda por formalizar.
3. Apenas no domingo passado a requerente conseguiu reunir todos os elementos necessários e essenciais à titulação da referida partilha, título que juntará aos autos assim que o consiga formalizar.
4. Tal documento, que a requerente tem diligenciado desde há muito obter, é essencial para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, nomeadamente para a boa aferição e prova da legitimidade passiva nos presentes autos.
5. Para tanto a requerente ainda necessita de algum tempo.
Nestes termos, requer:
A) Seja concedido prazo não inferior a 90 dias de molde a que a requerente possa juntar aos autos documento comprovativo da propriedade da requerente dos bens referenciados nos autos;
B) Seja dado sem efeito o prazo de 30 dias vertido no despacho de fl. de 30/03/2017 para aferição da deserção da instância.
Protesta juntar: procuração forense.
30. A 23/05/2017, depois de ter sido finalmente junta procuração a regularizar o processado, foi proferido o seguinte despacho, na parte que interessa:
O despacho de adjudicação previsto no artigo 51/5 do CE foi proferido em 12/02/2016 e a requerente foi notificada, na qualidade de expropriada/interessada, em 17/02/2016 (fl. 131).
Por despacho de 26/04/2016 foi declarada suspensa a instância [nos termos já transcritos acima].
Os interessados, incluindo a requerente, foram notificados, também para informarem da identificação do cabeça de casal e/ou herdeiros de S, sem que nada fosse requerido ou informado.
Por despacho de 30/03/2017, constatando-se que os expropriados 4 e 7 teriam falecido em 2015 e não se vislumbrando outras diligências a realizar, foi determinada a notificação de expropriante e expropriados/interessados para querendo requererem o que tivessem por conveniente, em 10 dias. Mais foi consignado, atento o despacho de suspensão proferido em Abril de 2016 sem que nada tivesse sido requerido, que os autos aguardassem por 30 dias, sendo, após, conclusos, a fim de aferir da deserção da instância.
Em 24/04/2017, a requerente vem solicitar a concessão de prazo não inferior a 90 dias para juntar aos autos documento comprovativo da propriedade do imóvel expropriado.
Como é manifesto, e atendendo também ao lapso de tempo decorrido sem qualquer intervenção nos autos, inexiste fundamento legal para concessão do pretendido prazo de 90 dias.
Por outro lado, a requerente não junta qualquer documento que sustente, ainda que de forma indiciária, o alegado no requerimento apresentado.
Acresce que nada obstava a que a requerente lançasse mão do disposto no artigo 37, n.ºs 3 e 4, ex vi do artigo 52/2 ou 53 do CE, o que não fez.
Os autos encontram-se suspensos desde Abril de 2016 por óbito do interessado S, constando também informação do óbito dos expropriados 4 e 7, inexistindo qualquer intervenção de qualquer dos interessados no sentido de fazer cessar a suspensão.
Nestes termos e pelo exposto, indefiro o requerido.
Notifique a requerente para em 10 dias juntar aos autos documento que demonstre ser a proprietária do imóvel expropriado, conforme alega, ou documento subscrito por todos os interessados (também os herdeiros dos interessados falecidos, juntando as respectivas habilitações), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 37, n.º 2 e 3 do CE.
31. Deste despacho foram notificados os dois mandatários.
32. A 09/06/2017 a expropriada 5 veio fazer o seguinte requerimento [que se transcreve com o mínimo de cortes]:
I. A expropriada 5 foi casada em primeiras e únicas núpcias de ambos com SMAS, sob o regime de bens da comunhão de adquiridos.
II. O referido marido da expropriada faleceu em 12/04/1995, como se verifica pelo assento de óbito que se protesta juntar.
III. Desse casamento nasceram os dois filhos: AS, casado […], residente na Av. […]; e SM, solteiro, […], residente na Rua […],
Tudo conforme doc. 1, que ora se junta e cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
IV. Na sequência do óbito dos titulares inscritos CS e mulher, SJSS, e na ausência de filhos (não os tiveram) ou ascendentes sobrevivos, sucederam-lhe os respectivos irmãos e sobrinhos, quando em representação de irmãos pré-falecidos, conforme resulta dos autos.
V. Foi o caso da expropriada, já identificada, e do seu irmão, F.
VI. O casal C e S deixou um património extenso, composto, para além de acções, dinheiro e móveis diversos, um grande número de bens imóveis.
VII. A parcela expropriada integra esta herança, que permaneceu indivisa durante alguns anos, sendo gerida por uma assembleia de todos os herdeiros interessados, que se reuniam com assiduidade e regularidade.
VIII. Os interessados foram gerindo o património indiviso durante anos, liquidando aos poucos e partilhando parcial e paulatinamente o património.
IX. Os diversos quinhões hereditários foram sendo preenchidos, quer com adjudicações directas, quer com distribuição do produto de vendas de imóveis.
X. Anualmente, os rendimentos prediais remanescentes foram partilhados, procedendo a universalidade dos herdeiros à aprovação das contas e distribuição de dividendos.
XI. Durante as referidas reuniões, a expropriada e o seu irmão foram representados pelo marido da expropriada.
XII. Durante o ano 1989 o marido da expropriada manifestou a intenção de comprar à herança a parcela objecto de expropriação, pelo preço e nas condições que infra se detalharão.
XIII. Todos os interessados concordaram vender ao referido Salvador as verbas em causa […]
XIV. Tudo conforme deliberado na assembleia geral de interessados celebrada em 03/05/1989, onde se declara e se lavrou em acta, que veio por todos a ser assinada, o seguinte:
“Aos 03 de Maio de 1989 reuniram-se na Rua […] os seguintes herdeiros de D. SJSS:
[…]. Foram tratados os seguintes assuntos:
a) Fica sem efeito o estipulado na acta precedente na parte que respeita à venda do B da L estar A, o qual concorda com a anulação do compromisso assumido na citada acta;
b) Concordam os presentes com excepção deste CSPA, em ceder ao SMAS a parte que a cada um pertence no referido B da L, pelo citado preço base de 9.000 contos, acrescido de 200 contos a pagar directamente ao Sr. A a título de perdas e danos.
O preço indicado será pago como segue:
1) 200 contos com cheque de hoje a pagar ao Sr. A;
2) Mil contos com cheque à ordem dos herdeiros F e J, como sinal e princípio de pagamento, cheque datado de 29 de Maio;
3) A parte restante será paga até final do mês em curso;
O adquirente Sr. SMAS, aceita os referidos imóveis no estado em que se encontram junto da Conservatória do Registo Predial e das Repartições de Finanças, sendo da sua conta e risco os encargos e as démarches necessárias à legalização do que não se encontrar em ordem junto das referidas repartições de modo a poder ser feita a escritura de compra e venda quando o Sr. SMAS.
A partir de um de junho próximo a cobrança das rendas reverterá a favor do comprador, ressalvando-se que fica devedor à herança, além do preço de mais cem contos que se pagou pela chave da casa n.º x do B da L também o valor das rendas atrasadas que cobrar dos inquilinos devidas até 31 de Maio.
Também se declara que ficam a cargo do comprador os encargos com a conservação dos prédios e bem assim de todas as responsabilidades civis que aos mesmos venham a ser cometidas.
Outrossim fica expresso que o Sr. SMAS e os seus representados M e F se comprometem a assinar todos os documentos necessários à escritura e demais documentação necessária para a venda e partilha de todos os outros bens da herança. Ficou ainda expresso que se a isso se recusarem fica sem validade o compromisso de venda do B da L por parte dos vendedores, objecto do n.º a) desta Acta.
(…)
(assinaturas)”.
Como se verifica pela acta de 03/05/1989 que se protesta juntar.
XV. Apesar de nunca formalizarem a venda, o marido da expropriada entregou aos interessados a referida quantia, a qual foi distribuída a todos os interessados na herança na proporção dos respectivos quinhões hereditários, como se verifica pela cópia certificada do documento assinado por todos os herdeiros à excepção de CSPA (doc. 3 e cfr. doc. 2)
XVI. Verifica-se assim que nos termos da acta ora junta como documento n.º 2, que o marido da expropriada adquiriu, por compra, para si (casado com a expropriada), as casas do B da L pertencentes à herança de SJSS.
XVII. O preço acordado e acima melhor detalhado foi inteiramente pago, como se verifica pela cópia certificada do documento que se protesta juntar.
XVIII. Como se verifica pela acta de 03/05/1989 cima transcrita, o interessado CSPA não vendeu o seu quinhão na referida ocasião, (cfr. doc. 2).
XIX. No entanto, veio a fazê-lo mais tarde.
XX. Na impossibilidade de formalizar naquela altura a escritura de compra e venda, ficou combinado entre SMAS e CSPA que a correspondência remetida pelas Finanças referente à quota parte de CSPA do B da L seria também reencaminhada para a morada de SMAS e da expropriada, na Rua […], nomeadamente as guias de liquidação da então contribuição autárquica, e posteriormente Imposto Municipal sobre Imóveis a fim de ser por estes liquidada por serem obrigações dos proprietários da quota parte dos imóveis que aquele entretanto vendeu, como se verifica pelos documentos que se protestam juntar.
XXI. Também, e durante todos estes anos, os demais herdeiros de C e de S; e posteriormente os respectivos herdeiros dos que entretanto faleceram, remetem anualmente à expropriada as guias de liquidação de IMI ou somente comunicam os códigos de pagamento, de molde a que a expropriada e os seus filhos AS e SM liquidem o Imposto que é, na verdade, da sua responsabilidade, o que sempre fizeram, como se verifica pelos documentos que se protestam juntar.
XXII. O marido da expropriada passou, desde 01.06.1989, a praticar todos os actos de proprietário e a assumir as correlativas responsabilidades, nomeadamente, a celebrar contratos de arrendamento; cobrar rendas, proceder a suas expensas a obras; pagar impostos, etc. (cfr. acta protestada juntar, de 03.05.1989; e documentos que se protestam juntar).
XXIII. Não foi possível, até hoje, obter o título aquisitivo da propriedade dos imóveis dos autos.
XXIV. A bem dizer, não sendo obrigatório o registo predial de transmissões, o marido da expropriada nunca sentiu necessidade de proceder ao registo ou diligenciar no sentido da sua regularização.
XXV. Entretanto, após o óbito do seu marido, a expropriada também não o fez, mas não porque não tivesse tentado.
XXVI. Outrossim, e com o decurso do tempo, toda a documentação existente sobre as disposições e liquidações da herança, datadas de há décadas, encontravam-se na posse de poucos dos então interessados, fechadas num armário, literalmente, num armário, e longe do alcance dos demais interessados, ao que a expropriada pensa, por convicções de zelo e conservação.
XXVII. O certo é que, apenas recentemente, no dia 09/05/2017, as mandatárias da expropriada tiveram acesso a toda esta documentação, por abertura do referido armário na sua presença e após muitas e incontáveis tentativas de acesso da expropriada, anteriormente e ao longo dos anos.
XXVIII. Tais documentos, que a expropriada tem diligenciado obter desde há muito obter, são essenciais para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, nomeadamente para a boa aferição e prova da legitimidade passiva sua e de seus dois filhos, com exclusão de quaisquer outros, nos presentes autos.
XXIX. A própria entidade expropriante reconhece a expropriada e seus filhos como únicas partes legítimas neste pleito, não obstante se encontrar obrigada ao procedimento da identificação de “titulares inscritos na matriz”.
XXX. Em consequência com o exposto, entende a expropriada que, para além da própria, deverão os seus filhos, com exclusão de outrem, constar como parte expropriadas nos presentes autos.
XXXI. Atento o que, deverão os mesmos ser notificados de todo o conteúdo do despacho de adjudicação, seguindo-se os demais termos até final.
Nestes termos, requer a V. Exa. se digne:
a) Reconhecer que SMAS, casado com a expropriada requerente adquiriu por compra em 03/05/1989 a propriedade dos imóveis objecto de expropriação nos presentes autos.
b) Reconhecer que a expropriada requerente; e os seus filhos AS e SM, adquirentes, sem distinção de parte ou direito, por via da sucessão aberta por óbito de SMAS;
c) Reconhecer que a expropriada requerente e os filhos ÁS e SM são os únicos que deverão constar como expropriados nos presentes autos;
d) Ordenar a notificação do despacho de adjudicação para efeitos do disposto no artigo 52 do CE, dos seus indicados filhos.
Da prova:
Por ser pertinente e indispensável à descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, requer nos termos do disposto no artigo 466 do CPC que sejam tomadas as declarações de parte das seguintes co-partes: interessados 1, 3, 8 e FF e LS. Todos a prestar declarações aos seguintes factos: 6 a 10, 12 a 22 e 26 e 27.
Junta: 1 documento.
Protesta juntar: todos os demais documentos.
33. A 03/07/2017 foi proferido o seguinte despacho (depois de se resumir o requerimento da expropriada 5):
Não só a interessada ignora ostensivamente o despacho proferido nos autos, uma vez que não procede à junção de qualquer dos elementos indicados no despacho e que permitiriam obviar ao impasse quanto ao recebimento do depósito, como olvida que nos encontramos no âmbito de processo de expropriação, com regras e tramitação próprias, não sendo de admitir um enxerto declarativo nos termos e com o âmbito pretendidos; aliás, os autos encontram-se suspensos há mais de um ano, sem que qualquer dos interessados tenha diligenciado por impulsionar os autos.
Com a declaração de utilidade pública da expropriação e sua publicação surge a relação jurídica de expropriação por utilidade pública, em que é sujeito activo a entidade expropriante e sujeito passivo os expropriados e os demais interessados.
Conforme determina o artigo 40/1 do CE, “têm legitimidade para intervir no processo a entidade expropriante, o expropriado e os demais interessados”.
O CE consagra o princípio da legitimidade aparente, dispondo o artigo 9/1 que “para os fins deste Código, consideram–se interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos”.
Nos termos do n.º 3 da mesma norma, “são tidos por interessados os que no registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova que exibam figurem como titulares dos direitos a que se referem os números anteriores ou, sempre que se trate de prédios omissos ou haja manifesta desactualização dos registos e das inscrições, aqueles que pública e notoriamente forem tidos como tais”.
A entidade expropriante indicou como expropriados os herdeiros de CS, proprietário inscrito no registo predial, e que constam identificados na caderneta predial urbana, que foram notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51/5 do CE.
A requerente pretende discutir nos presentes autos a propriedade do imóvel expropriado, o que não é admissível.
Conforme decidido no ac. do Tribunal da Relação do Porto de 05/02/2013 (proc. 894/12.7TBVLG.P1), “o processo de expropriação não comporta a indagação da propriedade do bem expropriado e, ressalvada a aparente legitimidade, a indagação da verdadeira titularidade do bem expropriado tem de ser aferida em acção própria.”
Tão pouco há lugar ao incidente previsto no artigo 53 do CE, que se reporta tão só à titularidade da indemnização, e não à propriedade do bem. A tramitação normal do processo expropriativo não permite nem abarca tal discussão, pelo que a questão da propriedade tem de ser disputada e decidida em sede própria, mediante a instauração, pelos alegados titulares do direito, de acção para reconhecimento da propriedade que alegam, sendo certo que os documentos que a interessada protesta juntar (e não foram juntos até à data) não se mostrariam suficientes para demonstrar a propriedade sobre o bem expropriado.
Nestes temos e pelo exposto, indefere-se o requerido pela interessada.
Custas pela interessada/requerente, que fixo em 1 e ½ UC, nos termos do artigo 7/4 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique, sendo os demais interessados com cópia do requerimento apresentado.
*
Por despacho de 26/04/2016, foram suspensos os presentes autos, atento o óbito de S, sem prejuízo do disposto no artigo 281/1 do CPC.
Decorridos mais de seis meses, nada foi requerido nos autos que determinasse a cessação da suspensão e o consequente prosseguimento dos autos.
Os requerimentos da interessada 5, de 24/04/2017 e 09/06/2017, não configuram impulso processual, uma vez que não têm por efeito o prosseguimento dos autos, tratando-se de incidente anómalo e inadmissível.
Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 281, n.ºs 1 e 4 do CPC, julgo deserta a presente instância.
Notifique.
*
A expropriada 5 vem recorrer destes despachos, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A requerente apresentou nos autos o requerimento de fl. mencionado na primeira parte da sentença recorrida.
O tribunal a quo não procedeu, como devia, à notificação dos demais intervenientes no processo do requerimento, para se pronunciarem, querendo, acerca dele.
Ao invés, o tribunal decidiu sem ouvir os intervenientes e ordena por fim a notificação dos mesmos com a decisão.
É completamente desprovida de sentido tal decisão, o que acarreta a nulidade da sentença, por obscuridade, o que desde já se argui, nos termos do disposto no artigo 615/1-c do CPC.
“2 – Uma sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes.”, neste sentido, ac. STJ de 11/04/2002, proc. 01P3821.
Mais se verifica que a decisão recorrida, na parte em que indefere o requerimento, não o podia fazer sem dar a exercer o direito ao contraditório às partes no processo.
O princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil.
“III – O cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.”, neste sentido, ac. TRC de 13.11.2012, proc. 572/11.4TBCND.C1.
Acresce que a não junção, até ao momento do decretamento da deserção, dos documentos protestados juntar pela interessada não obviava a que os demais interessados fossem notificados do requerimento apresentado pela Interessada.
A notificação do requerimento ora ordenada é, assim, manifestamente extemporânea.
Verifica-se que a sentença de fls. violou à evidência o disposto no n.º 3 do artigo 3º do CPC.
Tal violação influi necessariamente no exame e decisão da causa. A decisão consubstancia assim uma decisão surpresa a qual não é admissível.
Deve, pois, ser declarada a invocada nulidade processual o que desde já se requer e notificados os intervenientes a pronunciarem-se acerca do requerimento de fl.
Mais se lê na sentença recorrida que “[…] a interessada ignora ostensivamente o despacho proferido nos autos, uma vez que não procede à junção de qualquer dos elementos indicados no despacho e que permitiriam obviar ao impasse quanto ao recebimento do depósito […]”.
Ora a interessada não ignora o despacho proferido nos autos a fl. e tanto é assim que protesta juntar os documentos, os quais, efectivamente, ainda não juntou.
Tal não impedia, como se disse, que o tribunal ordenasse o exercício do contraditório com a competente notificação das partes acerca do teor do requerimento de fls. apresentado pela recorrente.
Andou mal o tribunal nesta parte também.
*
O art. 281/1 do CPC refere que a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Acontece que não existe nos autos nenhuma decisão a impor aos interessados a prática de determinado(s) acto(s) processual(ais).
Assim como também não resulta da lei qualquer imposição aos interessados a prática de determinado(s) acto(s) processual(ais) em face da suspensão dos autos por óbito de algum sujeito processual.
Termos em que não se verificam os requisitos nem de negligência das partes; nem de falta de impulso processual previstos no n.º 1 do citado 281 do CPC que acarretam como consequência o decretamento da deserção da instância.
Aliás, o despacho notificado à requerente para juntar aos autos prova da titularidade dos bens expropriados é que poderia, ao fim de seis meses de inércia desta, de negligência desta, levar à deserção da instância, e não a suspensão dos autos por óbito, quando o tribunal, oficiosamente, podia ter agido.
E sempre se dirá que tendo a instância sido suspensa, a contagem dos prazos também se encontra suspensa, termos em que o prazo de 6 meses fixado no n.º 2 do artigo 281 CPC, por maioria de razão, não corre durante a suspensão da Instância.
Com efeito, as situações de deserção podem aplicar-se aplicam-se em sede de interrupção da instância, realidade diferente da suspensão da instância, como é bom de ver.
Razões pelas quais não colhe a decisão de deserção da instância decretada pela sentença recorrida.
*
O processo de expropriação trata-se de um processo de natureza publicista, a qual não se compadece com uma postura de passividade do tribunal, mas antes impõe ao tribunal uma postura activa, de indagação e de busca da verdade material e de adequação formal e processual.
“O juiz deve participar activamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado”, neste sentido, ac. do TRL de 22/02/2008.
Verificado no processo em referência o óbito de um titular inscrito no registo predial e declarada a suspensão da instância, cabia ao tribunal a quo diligenciar no sentido de conhecer a quais os herdeiros ao de cujos que lhe pudessem suceder através da habilitação.
O tribunal a quo não diligenciou nem esgotou os recursos que a lei põe ao seu alcance para conhecer os herdeiros do falecido.
Deveria o tribunal questionar os restantes interessados no processo relativamente à identidade dos sucessores, diligenciando em função das informações recolhidas e se tais sucessores continuassem desconhecidos, teria lugar a nomeação de um curador provisório, prosseguindo assim a instância.
Não pode simplesmente o tribunal, decorridos seis meses sobre a suspensão da instância declarar, sem mais, a mesma deserta.
Neste sentido, o ac. do TRL de 09/07/2015, proc. 886/06.5TBMFR.L1-2 […]
No limite, caberia à entidade expropriante ou ao cabeça-de-casal o impulso relativo à identificação dos herdeiros de uma parte falecida.
O processo de expropriação é um processo especial ao qual se impõe especial atenção e acuidade no tratamento do interesse público.
É nesse sentido que vai a previsão do artigo 41/2 do CE, que prevê a nomeação de curador provisório a interessados desconhecidos.
E foi, nomeadamente, ao arrepio deste preceito que o tribunal a quo decretou a deserção da instância, tendo o 41/2 saído violado com a decisão recorrida.
O expropriante não apresentou contra-alegações.
O tribunal recorrido, quanto à arguida nulidade, diz o seguinte:
Não vislumbramos, nem a requerente alega, em que termos se verifica qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, sendo certo que a invocada preterição do contraditório (atenta a ausência de intervenção de qualquer interessado nos autos aplica-se, a nosso ver, o disposto no artigo 249, n.ºs 3 e 5, do CPC, sendo certo também que o artigo 3/3 do CPC ressalva os casos de manifesta desnecessidade de fazer cumprir o contraditório, como se afigura ser o caso, face à decisão de indeferimento liminar da pretensão da requerente) não implica, ao contrário do que pugna a requerente, ininteligibilidade da decisão, cujos fundamentos, de facto e de direito, estão devidamente expostos e articulados, bem como o raciocínio subjacente ao indeferimento da pretensão da requerente.
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Questões a decidir: se devia ter sido dado seguimento ao requerimento de 09/06/2017; se a instância não devia ter sido julgada deserta; todas as outras de conhecimento oficioso, o que, no caso, como se verá, tem interesse.
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Os factos que interessam a estas questões são os que constam do relatório deste acórdão.
(I)
Do requerimento de 09/06/2017
Em termos práticos, este requerimento da interessada 5 tem três objectivos: que a indemnização lhe seja atribuída a ela e aos dois filhos, que os seus filhos sejam considerados expropriados no processo, de modo a poderem intervir nele, e que os outros interessados sejam desconsiderados como expropriados, tornando-se desnecessária à sua notificação.
Quanto ao primeiro objectivo ele só terá sentido depois de ser fixada a indemnização e o meio próprio para o efeito será o previsto no art. 53 do CE, se entretanto o que se passar no processo não tornar desnecessário tal incidente.
Quanto ao segundo objectivo, ele seria conseguido através de prova bastante de que os dois filhos eram interessados na expropriação, o que, como decorre de tudo o que consta do relatório deste acórdão e se verá mais à frente, até já está feita (porque o expropriante já os considerou como tal e não existe nada no processo que demonstre o contrário).
Isto só por si demonstra que a discussão sobre a propriedade dos bens expropriados não é essencial para o processo de expropriação: na determinação do valor da indemnização pela expropriação não é relevante, por si, que no processo estejam outras pessoas para além dos expropriados. Isto é, a presença de outras pessoas que sejam tidos como expropriados ou interessados não prejudica os fins do processo. O valor da expropriação deve ser apurado objectivamente. Por isso, como sugere o despacho recorrido, não há, no processo de expropriação, a previsão da discussão, num incidente com natureza declarativa, da propriedade dos bens.
Assim sendo, o terceiro objectivo pretendido pela requerente, também não tem razão de ser, nem está previsto no processo de expropriação uma fase ou incidente para se discutir a matéria em causa. Como já se disse, o facto de estarem no processo de expropriação outros interessados para além dos expropriados, não deverá ter relevo na determinação do valor da indemnização. É a titularidade desta que tem interesse discutir, mas isso deve ocorrer depois da determinação do seu valor.
O que antecede seria só por si suficiente para concluir que não há razões para censurar o despacho recorrido ao ter indeferido um requerimento que consubstanciava, na prática, um enxerto declarativo de simples apreciação da propriedade dos bens expropriados a que não há lugar no processo de expropriação.
(II)
Da legitimidade aparente e da indagação da propriedade do bem
Não quer isto dizer que não haja lugar, no processo de expropriação, à indagação da propriedade do bem expropriado, ao contrário do que sugere o ac. do TRP de 05/02/2013, proc. 894/12.7TBVLG.P1, invocado pela decisão recorrida, ao dizer (o acórdão) que só podem ser considerados expropriados no processo de expropriação, os que constam como tal na declaração de utilidade pública (“entende-se que a legitimidade em processo expropriativo é aferida em função do despacho que dá início a esse processo”); e, por outro lado, que “o processo de expropriação não comporta a indagação da propriedade do bem expropriado […]”. Tudo isto a propósito do art. 53 do CE.
Acórdão este que vem na lógica de um outro, também do TRP, este de 21/09/2009, proc. 7437/07.2TBVNG-A.P1, que diz que: I – Em processo expropriativo vigora o princípio de legitimidade aparente […] II – Aquela afere-se pelos termos do processo expropriativo e pelos documentos a este atinentes: publicação da DUP, certidões de Finanças e Registo. III – No processo expropriativo não há lugar a averiguação da legitimidade substantiva e da propriedade ou não do bem expropriado que contrarie os titulares indicados na DUP.
Se assim fosse, por exemplo, no caso dos autos, só os interessados 5, 12 e 13 deviam ter sido notificados, pois que são eles os únicos que constam da DUP
Mas não é este o sentido com que a legitimidade aparente no processo de expropriações tem sido entendida e a posição destes dois acórdãos do TRP, de 2009 e 2013, é posta em causa por aquilo que resulta do art. 9/3 do CE: neste sentido, considerando pelo contrário irrelevante, por isso, aquilo que consta da DUP, veja-se o ac. do TRP de 12/02/1998, publicado na CJ, tomo I, pág. 213/214: No processo de expropriação por utilidade pública vigora o princípio da legitimidade aparente dos interessados [pelo que não interessa que um requerente não conste como tal da DUP]. Ainda neste sentido, veja-se o ac. do TRG de 25/06/2009, proc. 2359/06.7TBCVT-A.G2: “[…] A DUP não define quem é o interessado, vigorando no processo expropriativo o princípio da legitimidade aparente dos interessados. […]”
E ainda, por exemplo:
– o ac. do STJ de 20/12/1984, BMJ. 342/334 – 072583: I – O CE consagra o princípio da legitimidade aparente e, nesta conformidade, mesmo que algum interessado no processo de expropriação por utilidade pública não tenha sido convocado, ele passa a poder intervir no processo a qualquer momento, embora se não devam repetir quaisquer termos ou diligencias [….]
– o ac. do TRL de 26/06/1997, proc. 0013272: II – O juiz pode, oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, designadamente no que respeita à fixação da indemnização.
– o ac. do TRL de 22/02/2008, proc. 10390/2007-2: I – No processo de expropriação vigora o princípio da legitimidade aparente dos interessados, segundo o qual a entidade expropriante não está obrigada a averiguar exaustivamente quem são os autênticos titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar, podendo dirigir-se tão só a quem como tal figure nas inscrições predial e fiscal, sem prejuízo de, ao longo do processo expropriativo, se se constatar desconformidade com a realidade, se proceder à correspondente correcção.
– e Salvador da Costa, CE e estatuto dos peritos avaliadores, anotados e comentados, Almedina, 2010, págs. 64 a 64.
Quanto à questão da “indagação da propriedade”, o acórdão do TRP de 05/02/2013 também não tem razão: se a titularidade da indemnização estiver dependente da questão da propriedade dos bens expropriados, é evidente que a discussão desta pode ter lugar no processo de expropriação. O ponto saliente é a eficácia e os limites da decisão dessa questão (sobre o incidente, a natureza e os limites da decisão proferida no âmbito do art. 53 do CE, vejam-se, por exemplo, para além dos já citados, os acs. do TRP de 19/05/2010, proc. 275/09.0TBVPA-A.P1, que cita com extensão um outro do TRP de 03/04/2008, proc. 0830735; do TRP de 29/06/2010, proc. 274/09.1TBVPA-A.P1; e ainda o ac. do TRP de 07/04/2011, proc. 1089/08.0TBLSD.P1).
Assim, por exemplo, no ac. do STJ de 14/11/2006, proc. 06A3328, aquilo que esteve em causa foi precisamente a questão da propriedade dos bens / titularidade da indemnização:
I – O incidente previsto no art. 53 do CE é um incidente inovador, destinado a decidir provisoriamente quem tem legitimidade para receber a indemnização depositada no processo de expropriação. II – Pode ser usado para que o tribunal reconheça o requerente provisoriamente como titular do crédito indemnizatório, em substituição dos indicados no processo principal de expropriação como expropriados, sem necessidade daquele intervir no processo principal, designadamente para exigir aí o pagamento da indemnização depositada, a suspensão do pagamento aos referenciados como expropriados ou a exigência de prestação de caução prévia a esse pagamento. II – A legitimidade aparente invocada pelos indicados expropriados fundada na sua titularidade registral da parcela expropriada destina-se à protecção do expropriante, no sentido de evitar a anulação dos actos realizados entre este e o titular constante do registo, tendentes à fixação do quanto indemnizatório, mesmo que venha a reconhecer-se que o titular do crédito é pessoa distinta da que consta do registo. III – No entanto, como o registo não é constitutivo do direito e os actos sujeitos a registo e não registados podem ser invocados entre as próprias partes (art. 4/1 do CRP), o requerente do incidente em causa pode invocar a propriedade da parcela expropriada, adquirida validamente aos titulares registrais, embora não tenha registado essa aquisição. IV – Tendo sido invocada essa aquisição, não é possível no âmbito do mesmo incidente decidir da resolução ou anulação do negócio aquisitivo. [A legitimidade aparente invocada pelos recorrentes não passa de uma manifestação do princípio da ineficácia em relação a terceiros dos actos não registados (arts. 5 e 7 do CRP). Esta legitimidade aparente destina-se à protecção do expropriante, no sentido de evitar a anulação dos actos realizados entre este e o titular constante do registo, tendentes à fixação do quanto indemnizatório, mesmo que venha a reconhecer-se que o titular do crédito é pessoa distinta da que consta do registo. No entanto, os actos sujeitos a registo e não registados podem ser invocados entre as próprias partes (art. 4/1 do CRP)].
O que se passa pois é que a indagação da propriedade pode ser feita embora com modos e consequências diversos de uma acção declarativa: pode ser feita, por exemplo, indiciariamente apenas para efeitos da participação do alegado proprietário no processo (é o que aconteceu quanto aos dois filhos da interessada 5, que participaram no processo enquanto ele correu perante o expropriante, embora não haja quaisquer sinais escritos no processo de que eles sejam sequer interessados) ou também apenas para efeitos da atribuição provisória da indemnização nos termos do referido art. 53 do CE.
De qualquer modo, não foi esta, no essencial, a razão de decidir do despacho recorrido (impossibilidade de indagação da propriedade em processo de expropriação), pois que o tribunal recorrido já antes se tinha apercebido que se podia defender o contrário do que se dizia naqueles dois acórdãos do TRP de 2009 e 2013 e até tinha sugerido à requerente que fizesse prova do que afirmava no requerimento do ponto 29 (que aliás é diferente do que afirma agora no requerimento do ponto 32…), no sentido claro de que, se ela o fizesse, o processo passaria a correr apenas com ela, como única expropriada por ser a única proprietária. Mas isso desde que essa prova fosse feita, nos termos como o tribunal a definiu (veja-se o despacho do ponto 30). Dito de outro modo, o tribunal recorrido apercebeu-se perfeitamente que, se fosse como a requerente dizia, tudo se simplificaria e não valeria a pena estar a notificar inúmeros interessados, podendo o processo correr apenas contra um. Mas apenas o aceitou fazer se a requerente tivesse prova suficiente do que afirmava (o que, aliás, dificilmente poderia ocorrer também por aquilo que a seguir – IV – se dirá).
(III)
Ainda sobre aquele requerimento
Sob a forma daquele requerimento, a expropriada 5 queria enxertar uma acção declarativa de simples apreciação, sem identificação de réus, no âmbito de um processo de expropriação formalmente suspenso, sem antes cumprir ónus processuais necessários ao levantamento da suspensão.
Também por isso este requerimento tinha que ser indeferido, como foi e por isso não deve ser revogado.
Tinha de ser indeferido porque o processo estava suspenso e isto, só por si, justificava o indeferimento, porque enquanto durar a suspensão só podem validamente praticar-se actos urgentes (art. 275/1 do CPC).
E estava suspenso há mais de um ano, por negligência dela e dos outros interessados e também do expropriante, pois que só eles, e não o tribunal, podem promover a habilitação dos sucessores de falecido na pendência do processo (arts. 41/1 do CE, e 269/1, 270/1, 276/1-a e 351/1 do CPC).
(IV)
Da legitimidade aparente na expropriações
Na lógica não explicitada da requerente, esta habilitação seria desnecessária porque só ela e os dois filhos são expropriados.
Mas sem qualquer razão, porque o tribunal nunca poderia afastar a necessidade de notificar os herdeiros do falecido S (falecido que tinha legitimidade aparente por ser contitular inscrito) sem antes lhes dar a possibilidade de contradizerem as afirmações da requerente.
No processo de expropriação vigora o já muito falado princípio da legitimidade aparente, que se retira do art. 9/3 do CE, segundo o qual “São tidos por interessados os que no registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova que exibam figurem como titulares dos direitos a que se referem os números anteriores ou, sempre que se trate de prédios omissos ou haja manifesta desactualização dos registos e das inscrições, aqueles que pública e notoriamente forem tidos como tais.”
Ora, constando dos autos uma certidão fiscal que dá como titular do prédio o interessado S (2), não é pelo facto de a requerente vir dizer que ele não é interessado que o tribunal podia deixar de providenciar pela sua notificação para os termos do processo de expropriação (art. 51/5 do CE).
E havendo notícia de ele ter falecido, haveria, por força das normas já citadas, de se proceder à habilitação dos seus herdeiros.
(V)
Do princípio do contraditório e das nulidades
O princípio do contraditório pressupõe a identificação de uma parte contra a qual se deduz uma pretensão, para que ela a possa contradizer. A requerente não identifica, sequer, aqueles contra os quais a eficácia da sua pretensão poderia vir a produzir efeitos. O que daria azo, naturalmente, à violação do contraditório.
Por outro lado, estando o processo a aguardar a habilitação de herdeiros de interessados, a dedução de um incidente declarativo neste intervalo, seria só duplicar a necessidade de identificação daqueles herdeiros: para que eles fossem habilitados no processo e para que o fossem no incidente.
Pelo que também por aqui é um contra-senso pretender a prossecução do incidente sem antes se esclarecer quem são os herdeiros.
*
Por fim, um requerimento no âmbito de um processo declarativo a correr os seus termos, não pode ser tratado como uma acção declarativa autónoma.
No âmbito de um determinado processo têm lugar os actos processuais que nele devam ter lugar e não aqueles que os requerentes entendam, pelo que o tribunal não tem de dar seguimento a tudo aquilo que lhe for requerido e contra quem quer que o requerente queira dirigir o requerimento.
Por isso, antes de indeferir o requerido, no âmbito de um processo já pendente, o tribunal não tem que notificar aqueles que o requerente entenda terem a ver com o incidente.
Para mais, quando a requerente nem os identifica e se sabe que vários daqueles que teriam de ser notificados não estão identificados porque a requerente não forneceu a respectiva identificação.
Tudo isto demonstra que o tribunal não violou o princípio do contraditório e que a conduta da requerente é que levaria, se fosse dado seguimento ao incidente, à violação desse princípio.
*
Tendo o requerimento sido indeferido por algumas destas razões, embora não por todas elas, não há qualquer nulidade na decisão, nem obscuridade (art. 615/1-c do CPC).
Obscuridade existe da parte da requerente, quando não identifica os contra-interessados na sua pretensão e não diz como é que o incidente podia ter seguimento enquanto o processo estivesse a aguardar a habilitação de alguns deles.
Não havendo violação do contraditório pela decisão recorrida, não há também qualquer nulidade por se verificar uma decisão-surpresa (art. 3/3 do CPC). E a requerente não teria legitimidade para a arguir por não ser interessada na observância do contraditório, nem prejudicada com essa eventual violação, para além de, como se disse, ter sido ela que, nos termos em que o fez, daria azo à violação do contraditório (art. 197 do CPC).
(VI)
Acto omitido pelas partes
O processo foi suspenso nos termos legais e com referência às normas legais (já citadas acima), das quais decorre que eram os interessados já intervenientes no processo que teriam de promover a habilitação de um deles falecido na pendência do mesmo.
Assim sendo, ao contrário do que a requerente diz, no caso, resulta da lei a imposição aos interessados da prática de actos processuais. É mesmo um dos poucos casos em que a lei impõe aos interessados a prática de actos processuais, não podendo ser o juiz a praticá-los.
(VII)
A suspensão da instância da expropriação pode levar à deserção
A ideia de que “tendo a instância sido suspensa, a contagem dos prazos também se encontra suspensa, termos em que o prazo de 6 meses fixado no n.º 2 do artigo 281 CPC, por maioria de razão, não corre durante a suspensão da instância” é manifestamente errada (para além de estar errada a argumentação baseada na distinção entre interrupção e suspensão da instância, nem que mais não fosse por já não existir a figura da interrupção da instância) por contrariada, desde logo e expressamente pelo n.º 3 do art. 281 do CPC: “tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo [é o caso do falecimento de um interessado, seguido de despacho do juiz a suspender a instância] a instância considera[-se] deserta quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso há mais de 6 meses.”
Se um processo é suspenso e depois, negligentemente, os putativos interessados não lhe dão seguimento, praticando o que for necessário a isso, ocorrerá a deserção, pelo que também não é correcta a dúvida de que a deserção não seria aplicável (dúvida que a requerente invoca através do ac. do TRL de 2015 citado por ela: “IV – É duvidoso que no processo de expropriação, atento o seu carácter publicista, seja aplicável o instituto da deserção da instância com a correspectiva extinção”; pressupondo, sem reserva, a possibilidade da deserção da instância no processo expropriativo, veja-se o ac. do TRL de 13/12/2007, proc. 9978/2007-8; aceitando expressamente a possibilidade da deserção da instância, veja-se também o ac. do TRP de 07/07/2016, proc. 1058/08.0TBFLG.P1: I – A inércia das partes pode determinar a deserção da instância, o que ocorre quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses ou, tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, este se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, em qualquer caso por negligência das partes e carecendo de ser julgada por despacho do juiz. II – Na ponderação a fazer, o juiz não pode deixar de considerar o dever de gestão processual que recai sobre si próprio, nos termos enunciados no art. 6 do CPC. III – No âmbito da expropriação e relativamente aos intervenientes processuais, releva o denominado princípio da legitimidade aparente, perante o qual a expropriante pode dirigir-se às entidades constantes das respectivas inscrições prediais e fiscais, mesmo que estas não sejam as verdadeiras e atuais titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar e sem que tal determine ulteriores anulações do processo. IV – O juiz pode, oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, assim suprindo a inércia, erro ou negligência do expropriante e evitando que, por incompleta indicação por este dos interessados, a instância seja julgada extinta).
Aliás, a deserção da instância nada tem de especial, mesmo num processo de expropriação, desde que já esteja proferido o despacho de adjudicação da propriedade ao expropriante, como é o caso dos autos. Pois que, por um lado, a deserção da instância não tem a ver com o direito de acção, isto é, o direito substantivo, mas com a extinção do processo (Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. I, reimpressão da 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 399: “O efeito da deserção é a extinção da instância. O que se extingue é somente a instância que se instaurara; o direito de acção fica intacto, a não ser que, em consequência do efeito da interrupção da instância [voltar o correr o prazo para a propositura da acção ou o prazo de prescrição], algum desses prazos esteja findo.” – com desenvolvimento no Comentário ao CPC, vol. 3., Coimbra Editora, 1946, págs. 432 a 462, esp. 445 a 449), nada impedindo que, se a tal não se opuser, por outra razão, o direito substantivo, se abra um novo processo, dignando-se então os interessados a fornecer os elementos necessários ao andamento regular do processo. E, por outro lado, o que fica por decidir são questões que têm a ver com a indemnização devida pela expropriação, que já não têm nenhum carácter público. Quanto às complicações práticas que da deserção pudessem decorrer, o expropriante e os interessados só deles se podiam queixar.
Não é ainda correcta a invocação, para aplicação ao caso, do referido no ac. do TRL de 2015, isto é, de que “não devia ter sido declarada a deserção da instância sem que se alertassem os interessados relativamente à consequência da falta de impulso processual o que lhes teria permitido pronunciarem-se a respeito da negligência implicada na falta desse impulso.”, pois que as várias referências que o tribunal foi fazendo ao art. 281 do CPC e à deserção da instância, bem como a menção de que já não via que outras diligências podia fazer [vejam-se os despachos dos pontos 18, 27 e 30 do relatório deste acórdão], não podem deixar de ser suficientes advertências aos interessados de que tinham que vir ao processo informar quem eram os herdeiros de três dos interessados falecidos para que ele pudesse andar e não fosse julgado deserto/extinto. E o tribunal não tem que ouvir as partes sobre a existência ou não na negligência na omissão do acto. O que não pode é declarar a deserção sem apurar se houve ou não negligência e sem de algum modo as partes terem sido alertadas para o risco de deserção, o que são coisas distintas (neste sentido, por exemplo, o ac. do TRP de 05/05/2016, no proc. 779/14.2TBVFR.P1, e os acórdãos e doutrina neles referidos).
(VIII)
Da suposta passividade do tribunal
A observação feita no recurso de que “o processo de expropriação trata-se de um processo de natureza publicista, a qual não se compadece com uma postura de passividade do tribunal […]” é perfeitamente desadequada ao caso, em que o tribunal não assumiu, de forma alguma, uma atitude de passividade, mas antes fez o que as partes (interessados e expropriante) durante mais de um ano não fizeram, nem fizeram de forma sistemática durante vários anos da fase administrativa do processo.
Ou seja, o tribunal leu a certidão fiscal e tirou dela as devidas consequências, embora não todas, como se verá de seguida. Mas, pelo menos, fê-lo.
Nem a requerente pode censurar o tribunal por não ter questionado os interessados relativamente à identidade dos sucessores, entre o mais porque bastava-lhe ler as notificações que lhe foram feitas, para saber que o tribunal o fez, sem que os interessados se tenham dignado responder-lhe (vejam-se, de novo, os despachos dos pontos 18, 27 e 30 do relatório deste acórdão).
(IX)
Do art. 41/2 do CE
A pretendida (pela requerente) aplicação do disposto no art. 41/2 do CE depende do preenchimento de pressupostos que não estão verificados, entre o mais porque a interessada em causa não deu resposta ao tribunal. Os interessados não passam a ser desconhecidos apenas porque os outros interessados não respondem ao tribunal quando este lhes pergunta quem são eles, nem dão o impulso processual devido (art. 351/1 do CPC).
A negligência dos interessados em indicar os habilitandos não corresponde a desconhecimento processual de quem são esses habilitandos.
Como se diz no ac. do TRL de 22/02/2008, proc. 10390/2007-2: “[…] III – A nomeação de curador provisório pressupõe que se apure, com razoável certeza, a verificação dos respectivos pressupostos, nomeadamente a de que é efectivamente desconhecido o paradeiro de interessados conhecidos, e/ou que existem outros interessados cuja identificação é desconhecida. […]”
(X)
A instância não devia ter sido julgada deserta
Posto isto, veja-se agora:
Da oficiosidade das diligências para citação/notificação pessoal
Face a várias normas do CE (art. 9, 40, 41/2, etc) tem-se entendido que no processo de expropriações o juiz deve, oficiosamente, providenciar pela notificação de todos os interessados de que tenha conhecimento, mesmo que o expropriante não os tenha indicado como tal.
Assim, por exemplo, o muitas vezes citado ac. do TRE de 27/04/1995, publicado na CJ.95.2.270: VII – O juiz pode, oficiosamente, ordenar notificações para intervenção no processo, dos interessados ainda não chamados [“há sérios interesses do expropriado e demais interessados a proteger, que aconselham um papel activo, oficioso, do juiz, que este não tem noutras acções”. “Pode, de algum modo, dizer-se que, nesse processo, se esbate o papel de impulsionador e delimitador da acção que, em regra, cabe ao autor, não sendo este a definir, pelo menos nos termos absolutos em que comummente o faz, a relação jurídica controvertida, nos seus aspectos objectivos e subjectivos. O juiz pode, pois oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, designadamente no que respeita à fixação da indemnização […]
Mas, para além disso, sempre que haja interessados já conhecidos no processo, o juiz tem de determinar que se faça tudo o que for necessário para a sua notificação pessoal (e no caso trata-se, obviamente, de uma notificação pessoal, com as características, por isso, de uma citação; neste sentido, por exemplo, o estudo de Lebre de Freitas, A citação dos interessados como garantia da defesa no processo de expropriação, Estudos em memória de Castro Mendes, Lex, s/d, págs. 179 e segs, especialmente págs. 185 a 188 e 194 a 197; no mesmo sentido, Osvaldo Gomes, Expropriações por utilidade pública, Texto Editora, 1997, pág. 383; contra, sem fundamentação, Salvador Costa, obra citada, pág. 315/316). O que, aliás, foi cumprido pelo tribunal recorrido, já que os interessados foram notificados através de carta registada com a/r e, quando esta foi entregue a terceiro, enviou nova carta registada com essa indicação.
O que não é uma especialidade do processo de expropriações, mas uma simples decorrências das regras gerais da oficiosidade das diligências para citação/notificação pessoal das partes.
Neste sentido, o ac. do TRP de 30/01/2014, proc. 3907/10.3TBSTS, publicado em https://outrosacordaostrp.com: “a falta de citação (ou da notificação pessoal ‘quando a equiparação à citação visa garantir o direito de defesa’) é sempre de conhecimento oficioso (art. 194/195 e 202, todos do CPC61) e não podendo embora ser arguida por qualquer parte pode, no entanto, ser lembrada por qualquer parte ao juiz num recurso. Sendo que, como sugestivamente se diz no ac. do TRC de 29/10/2013 (737/08.6TMAVR-E.C1), ‘[as] nulidades que sejam de conhecimento oficioso e de que seja lícito conhecer em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas […] constituem objecto implícito do recurso, pelo que podem ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido […].’”
Bem como, por exemplo, o ac. do TRP de 05/05/2016, no proc. 779/14.2TBVFR.P1, também publicado naquele sítio: o art. 566 do CPC obriga o tribunal a averiguar a regularidade da citação dos réus, isto é, a verificar se a citação tinha sido feita com as formalidades legais e a ordenar a sua repetição se encontrasse irregularidades. Como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC anotado, vol.º 2.º, 3ª edição, Almedina, 2017, pág. 531, “[…] o juiz tem o dever de verificar se a citação foi regularmente feita, tendo-se nela respeitado todas as formalidades legais. […] Não se distingue aqui a falta […] e a nulidade […] da citação e, não obstante esta só ser, em regra, arguível pelo réu dentro do prazo indicado para a contestação […], o juiz pode, neste momento processual, dela conhecer oficiosamente, o que não deixa de representar alguma incongruência […], mas se impõe em salvaguarda do direito de defesa […].”
No caso, a certidão fiscal dá suficiente notícia de 11 pessoas que podem ser considerados contitulares de direito sobre os prédios e por isso expropriados.
Dessas 11 pessoas três delas foram, na fase administrativa, tratados como se tivessem falecido e em vez delas foram notificados os cabeças-de-casais da sua herança (são os interessados 9, 10 e 11), embora não de forma sistemática.
(XI)
Da notificação do cabeça-de-casal e dos herdeiros
Mas a notificação da herança não se faz na pessoa de um cabeça-de-casal abstracto, não identificado concretamente. E a notificação dos herdeiros dos interessados falecidos não se faz na pessoa de um cabeça-de-casal.
A notificação do “cabeça-de-casal da herança de fulano de tal” é um erro levado a cabo pelo expropriante ao longo do processo, provavelmente porque sempre considerou, em termos práticos, que tal notificação era irrelevante pois que apenas os interessados 5, 12 e 13 seriam os titulares do direito de propriedade sobre os imóveis (do que evidentemente terá sido convencido por estes interessados, com a possível exibição de documentos que eles invocaram mas nunca juntaram ao processo), mas que não tem qualquer efeito jurídico. E como esse erro foi depois seguido pelo tribunal, os herdeiros daqueles interessados 9, 10 e 11 não se podem considerar notificados nos termos do art. 51/2 do CE.
É que a carta para citação de uma herança, deve ir endereçada a uma pessoa física concreta, devidamente identificada e para a morada do mesmo e não para a morada do falecido (arts. 12, alínea a, 26, 223/1, 228/1, 246/1, todos do CPC – veja-se, para o caso paralelo do administrador do condomínio, o ac. do TRP de 28/11/2013, proc. 2181/12.1TBPVZ-A, em https://outrosacordaostrp.com e a doutrina e jurisprudência aí referidas).
Quanto aos herdeiros eles têm que ser notificados pessoalmente e não na pessoa de um cabeça-de-casal. E, de resto, são eles que têm de ser notificados e não a herança; assim, por exemplo, o ac. do TRL de 26/06/1997, proc. 0013272: De harmonia com o disposto no art. 2091/1 do CC, os direitos relativos à herança – salvo quanto às excepções contempladas no mesmo artigo, que não têm aqui aplicação – “só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”. E tudo aponta, no caso “sub judicio“, para a existência de outros herdeiros […]. Esses outros herdeiros – cuja existência, como decorre do exposto, a expropriante não ignora – são também expropriados, digo, são também interessados na expropriação e, como tal, deveriam ter sido identificados e terem sido desencadeados, também em relação a eles, os procedimentos legais que o CE determina se observem relativamente aos interessados. […].”
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Por outro lado, como se viu, enquanto o processo esteve a correr perante o expropriante, também se soube que o interessado 2 (S) tinha falecido, mas nada se fez quanto a isso, e aqui nem sequer se notificou o “cabeça-de-casal da herança” do mesmo.
E entretanto, soube-se, já no tribunal, que os interessados 4 e 7 tinham falecido na pendência do processo e também não se sabe quem são os seus herdeiros, o que é necessário para notificação dos mesmos nos termos do art. 51/2 do CE.
Tudo isto quer dizer, que das 11 pessoas que para efeitos fiscais são titulares dos prédios expropriados, e que, por isso, por força do art. 9/3 do CE são considerados expropriados, 6 deles faleceram (2, 4, 7, 9, 10 e 11) e ainda não se sabe quem são os seus herdeiros que, por isso, ainda não foram habilitados no seu lugar nem notificados nos termos do art. 51/2 do CE. E têm de o ser.
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Por fim, em relação a duas pessoas (12 e 13), o expropriante tratou–os como expropriados, embora nem sempre aos dois (o 13 era assim tratado só de vez em quando). Um deles foi mesmo o único de todos estes interessados que interveio realmente no processo, por exemplo, apresentando quesitos e estando presente no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam.
Tal só pode ter ocorrido por o expropriante os ter considerado como expropriados ao abrigo da parte final do art. 9/3 do CE.
Aqui houve um erro do tribunal recorrido, ao não os considerar como interessados no processo e não os notificar nos termos do art. 51/2 do CE. Provavelmente, tal aconteceu porque um deles nem sequer foi indicado no requerimento com que o expropriante enviou o processo para o tribunal (o filho da expropriada, SM, interessado 13) e por o outro ser indicado como presumível herdeiro de CS sem qualquer aparência de o ser (e não o será de facto, mas antes de seu pai).
Mas o expropriante podia, como se disse, considerá-los como interessados ao abrigo do art. 9/3 do CE, sendo que só ele podia ter os elementos de facto que lhe permitiam fazê-lo, não podendo o tribunal, ao menos neste momento do processo e com aquilo que tinha nos autos, contrariar tais elementos.
Assim sendo, também os interessados 12 e 13 tinham que ser notificados nos termos do art. 51/2 do CE.
E como ainda não o foram e o têm de ser oficiosamente, o tribunal não podia, ainda, julgar deserta a instância.
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Em suma: primeiro o tribunal terá de notificar os outros dois interessados aparentes, filhos da expropriada 5 (interessados 12 e 13), nos termos do art. 51/2 do CE, e de notificar os interessados sobrevivos (provavelmente os interessados 1, 3, 5, 6 e 8) e o expropriante para habilitarem os herdeiros dos interessados 2, 4, 7, 9, 10 e 11 (e de qualquer outro que entretanto tenha falecido); e se, depois, os notificados nada fizerem negligentemente no prazo de 6 meses, o tribunal deverá então julgar deserta a instância.
E o afastamento de todos estes interessados, presumíveis expropriados, nunca poderia resultar dos elementos referidos no requerimento da interessada 5 (o que também é referido no despacho recorrido) e muito menos sem possibilidade de os mesmos serem por eles contraditados.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso do despacho que indeferiu o requerimento de 09/06/2017 e, embora por fundamento muito diverso do invocado no recurso, procedente o recurso contra o despacho que julgou a instância deserta, revogando-se o mesmo para que sejam notificados pessoalmente os interessados que falta notificar (12 e 13) nos termos do art. 51/2 do CE e para que se notifiquem os interessados sobreviventes e o expropriante para promoverem a habilitação dos herdeiros dos interessados falecidos (pelo menos os interessados 2, 4, 7, 9, 10 e 11), sendo que só depois de notificados os primeiros (12 e 13) nos termos do art. 51/2 do CE é que se poderá considerar suspenso o processo enquanto não se proceder à habilitação dos últimos (2, 4, 7, 9, 10 e 11) e, nessa altura sim, sob cominação da deserção.
Custas do primeiro recurso pela expropriada 5.
Sem custas quanto ao segundo recurso.
Lisboa, 18/01/2018
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto