Proc. do Juízo Central Cível de Lisboa – J4

              Sumário:

I. O poder vinculado atribuído pelo art. 526/1 do CPC só deve ser usado quando haja razões para presumir que determinada pessoa tem conhecimento de factos que sejam importantes para a decisão da causa e não de qualquer facto.

II. O não uso do poder vinculado que cabe ao juiz por força do art. 526 do CPC, consubstancia uma nulidade processual, a arguir pela parte na própria audiência em que se verifique. O despacho que se pronunciar sobre a arguição pode ser impugnado.

III. Não basta à parte alegar o desconhecimento de um documento até então, para o poder apresentar no prazo do art. 423/3 do CPC, pois que tem de provar esse desconhecimento; para além disso, a impossibilidade de apresentação do documento até esse momento, não se compadece com a negligência da parte na investigação do mesmo: se tinha acesso a ele e só não o leu porque não teve o cuidado de o fazer, tal não equivale à impossibilidade pressuposta pela norma em causa.

IV. As declarações de parte (art. 466 do CPC) são um meio de prova que as partes devem requerer no fim da produção de outra prova, para tentarem esclarecer aquilo que pensam não ter ficado esclarecido durante a produção de toda a outra prova. E isso apenas sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

              As autoras intentaram uma acção para, grosso modo, “invalidar” o testamento da sua mãe, porque os réus teriam, explorando a situação de dependência dela em relação a um deles, obtido da mesma benefícios excessivos ou porque o testamento teria sido outorgado numa situação de incapacidade acidental da testadora.

                                                                (I)

              No decurso do julgamento, a 25/11/2016, as autoras requereram o seguinte:

         Durante o depoimento da testemunha MF, esta afirmou peremptoriamente que no dia ou nos dias seguintes ao dia 23 ou 24/082011, nenhum dos netos da testadora, ou outra pessoa que os acompanhasse se dirigiu e esteve em casa da testadora.

         Tal afirmação é frontalmente contraditória com o afirmado pelas testemunhas TM e MR, que referiram igualmente peremptoriamente que estiveram em casa da testadora acompanhados dos restantes netos da mesma e da notária, com o objectivo de que a testadora assinasse documento relativo ao repúdio da herança da respectiva filha de nome MJ.

         O aludido acto material a que respeitam estas afirmações é o documento 3, junto pelos réus com a contestação, encontrando-se no mesmo documento devidamente identificada a notária que, nesse dia aí se deslocou, Dr.ª V.

         Em consequência, as autoras requerem nos termos dos arts. 523 e 524, do CPC, acareação da referida testemunha MF com a testemunha TM e com a testemunha MR.

         Mais sugerem, nos termos do art. 526/1 do CPC., a inquirição por iniciativa da notária identificada, a fim de depor sobre o mesmo facto já referido.»

              Os réus responderam o seguinte:

         Relativamente ao requerimento de acareação, os réus subscrevem o requerimento das autoras, não obstante a existência de um pressuposto incorrecto quanto à fundamentação, uma vez que a testemunha MF não disse, ao contrário do afirmado pelo mandatário das autoras, que o episódio em causa teria ocorrido nos dias seguintes a 23 ou 24/08/2011 mas, precisamente a 23 ou 24/08/2011.

         Aliás, a referida diligência deverá permitir esclarecer cabalmente as próprias contradições em que sobre o mesmo recaíram as testemunhas TM e MR, tendo a primeira referido terem estado presentes, um advogado e um notário, nunca uma notária, e que ambos os intervenientes terão questionado a testadora sobre se esta sabia o motivo pelo qual ali estavam, tendo esta respondido que sim, mas que não assinava nada. Já a testemunha MR, ao contrário da sua prima TM, refere não um notário, mas uma notária e, expressamente, que não se encontrava presente nenhum advogado. Além do mais, a testemunha MR, confrontada com o documento nº 3 junto com a contestação, referiu não o conhecer.

         Assim sendo, julga-se que a referida diligência tem interesse para esclarecer as próprias contradições em que incorreram as testemunhas das autoras, que supostamente participaram no referido episódio.

         Por fim e, quanto à sugestão de inquirição oficiosa, o tribunal fará uso dos seus poderes como entender ser a melhor maneira, não obstante se entender que a sugestão das autoras tem verdadeiramente em vista que seja o tribunal a realizar oficiosamente a prova cujo ónus lhes compete e, se a relevância desta questão tivesse sido verificada atempadamente, poderiam as autoras ter tempestivamente indicado a referida senhora notária como testemunha, o que não fizeram e, portanto parece aos réus que se por um lado esta diligência sugerida está fora dos temas da prova, por outro lado representa uma segunda tentativa de inquirir testemunhas para além do limite legal permitido.

         Nada tendo sido porém requerido, os réus também não podem requerer o indeferimento.

              Na sequência, foi proferido o seguinte despacho no dia 06/12/2016:

         Nesta acção declarativa, as autoras pedem que seja «declarada a invalidade do testamento lavrado em 06/12/2011, isto é, seja anulado por usura, uma vez que, na altura da sua celebração, a testadora se encontrava em estado de fragilidade, inferioridade e dependência física e psicológica em relação ao 1º réu que, aproveitando-se dessa situação da testadora, conscientemente a determinou a celebrar aquele testamento, do qual resulta para ele um benefício excessivo e injustificado.

         É este o objecto da acção, à luz do pedido formulado e da causa de pedir que o fundamenta».

         Os temas de prova são os seguintes:

         1 – As condições físicas e psíquicas em que se encontrava a testadora à data da outorga do testamento e o seu conhecimento pelos réus.

         2 – A ascendência do 1.º réu sobre a testadora.

         3 – A vontade expressa no testamento de 06/12/2011.

         4 – A escolha do testamenteiro e a relação entre os dois réus entre si e destes com a testadora.

         5 – O valor dos bens legados.

         6 – O valor da remuneração fixada ao testamenteiro [2.º réu]».

         […]

         Ora, pelo exposto e à luz dos citados preceitos legais, indefiro a acareação de testemunhas requerida pelas autoras […]

         E pelas mesmas razões, desatendo a sugestão das autoras no sentido de ser inquirida, como testemunha, a notária.

              As autoras recorreram do despacho a 11/01/2017, para que seja substituído por outro que admita a inquirição da mencionada testemunha, dizendo que:

              […]

              Os réus contra-alegam dizendo:

              […]

              Decidindo:

              Aquilo que está em causa, agora, é a dependência da testadora, em relação ao 1.º réu, quando fez o testamento.

              Um conjunto de factos instrumentais alegado para prova daquela dependência foi o de a testadora ter dito, primeiro, que iria renunciar à herança de uma sua filha, falecida há pouco, e, uns tempos depois, ter dito que afinal não ia renunciar (tudo entre fins de Agosto e princípios de Dez2011).

     No decurso do depoimento de duas netas, testemunhas das autoras, estas introduziram um outro facto instrumental para prova do último daqueles factos instrumentais: a ida de uma notária a casa da testadora a fim de formalizar a renúncia, acompanhada daquelas netas. Os réus, por sua vez, produziram prova, com uma testemunha, no sentido de que aquelas testemunhas não teriam estado no local com a notária, na data que estaria em causa.

              As autoras querem que seja ouvida a notária para dizer se esteve ou não no local, acompanhada das netas, para formalizar a renúncia da testadora à herança da filha.

              A questão é a de saber se deve ser chamada esta Srª notária para vir depor sobre se nos dias 23 ou 24/08/2011, ou nos dias seguintes, esteve ou não na casa da testadora, com as netas da testadora.

           O art. 526/1 do CPC, diz que “Quando, no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.”

              Não é, pois, qualquer facto que possa interessar à credibilidade de testemunhas para prova de factos instrumentais de factos instrumentais que está em causa na previsão daqueles poderes do juiz, mas sim algo que tenha particular relevo para a decisão da causa. Não sendo, pois, esse o caso, o juiz não tinha que usar daquele poder.

              Conscientes disto, as autoras, no recurso já invocam outras questões, que não aquela que colocaram como objecto da sugestão ao juiz: assim, agora sugerem, de forma indirecta, que a questão tem a ver com a influência do 1.º réu na testadora, por instruções que este lhe daria.

              Ora, de modo algum resulta do que era dito então ou é dito agora, que a notária se tenha podido aperceber de quaisquer instruções que o 1.º réu tivesse dado à testadora (para mais por telefone) ou que esta lhe tenha dito algo sobre o assunto, pelo que também por aqui não resultaria que o juiz se tivesse podido aperceber que o depoimento da notária teria algum relevo para factos importantes para a decisão da causa. Pelo que não teria razões para determinar a audição da testemunha.

              Em suma, não há razões para censurar o não uso, pelo juiz, do poder previsto no art. 526/1 do CPC.

                                                                 *

          O que antecede afasta a procedência do recurso, sem que tal implique dar razão aos réus quanto aos fundamentos por ele invocados para o efeito.

            E isto pelo que se segue:

           O poder que está em causa no art. 526 do CPC é um poder vinculado, não um poder discricionário.

           Assim, o não cumprimento, pelo juiz, do poder vinculado que resulta do art. 526 do CPC dá lugar a uma nulidade, a arguir na própria audiência (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, vol. 2.º. 2017, Almedina, pág. 415).

              Esta arguição é objecto de um despacho e este despacho é impugnável.

              No caso dos autos, a sugestão da audição da notária, pelas autoras, foi objecto de um despacho que a desatendeu. Assim, a nulidade do não uso do poder vinculado (a verificarem-se os requisitos) está coberta por um despacho e esse despacho é recorrível.

              É que o uso de um poder vinculado – e as alterações feitas pela revisão de 95/96 do CPC na norma equivalente hoje ao art. 526 do CPC foram claras no propósito de tornar tal poder vinculado, substituindo um ‘pode’ por um ‘deve’ (ver autores e obra acabada de citar, págs. 415/416) – não é o uso de um poder discricionário e só este é que seria irrecorrível (arts. 620 e 630 do CPC).

                                                                 *

        Aquilo que se podia dizer, agora, é que a impugnação do despacho só seria admissível com o recurso da decisão final, por força das normas do art. 644 do CPC, por argumento a contrario.

              Mas, tendo este recurso subido junto com o outro que se segue, que, esse sim, é recurso autónomo, entende-se que esta impugnação pode ser conhecida desde já, como se acabou de fazer.

                                                                (II)

              Após outra sessão de julgamento, as autoras vieram a 02/12/2016 requerer o seguinte:

1. A testemunha MF, arrolada pelos réus, prestou o seu depoimento na sessão de 25/11/2016.

2. Durante o seu depoimento, referiu, expressamente e por mais do que uma vez, que a testadora “anotava tudo nas agendas.”

3. No seguimento deste depoimento, as autoras foram verificar se entre o espólio da testadora que trouxeram da casa que foi a sua última residência, se encontravam as agendas mencionadas pela testemunha.

4. O facto de a testadora fazer constar o seu dia-a-dia em agendas trata-se de um facto instrumental novo, que surgiu apenas em fase de produção de prova e que era desconhecido das autoras.

5. Desconhecendo o teor das agendas, as autoras encontravam-se impossibilitadas de as juntar ao processo até à presente data.

6. Consultadas, agora, as agendas referentes aos anos de 2011 e 2012, ou seja, referentes ao período relevante para os temas da prova seleccionados, especialmente quanto aos temas de prova 1 e 2, entende-se que as mesmas são relevantes para a prova dos factos principais alegados na petição inicial.

7. De facto, as agendas contêm escritos da testadora, com notas dispersas sobre o seu dia-a-dia, sobressaltando as notas referentes às quantias que gastava quando saía de casa, sendo verdadeiramente imperceptível se tais quantias estão em euros ou em escudos, o que demonstra o estado de confusão em que se encontrava e a falta de noção do dinheiro.

8. Nas agendas consta ainda alguma das datas em que não saia, visitas que recebia (designadamente de uma “advogada, N, engenheiro”, cfr., por exemplo, dia 13 e 20 de Setembro de 2011), doações e aniversários de familiares (e outros).

9. Nos termos do disposto no art. 423/3 do CPC: “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

10. Em primeiro lugar, estas agendas são documentos “cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, dado que as autoras desconheciam a sua existência até ao momento do depoimento prestado por MF (neste sentido, Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum À Luz do CPC de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 250, nota 66).

11. Em segundo lugar, a junção destas agendas apenas se mostra relevante em virtude do depoimento prestado pela testemunha MF, que não só invocou a existência das agendas como o facto de a testadora ali anotar todos os dias.

12. Este facto das anotações feitas pela testadora – e as notas efectivamente escritas -, é um facto instrumental novo, que se mostra importante para prova dos factos principais alegados na PI (novamente neste sentido, autor, obra e local citados, nota 67).

13. Em face do supra exposto, considerando a existência de factos complementares posteriores trazidos por esta testemunha, a junção das agendas que suportam aqueles factos mostra-se essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.

14. Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art. 423/3 do CPC, requer-se se digne a admitir a junção aos autos de cópia das agendas da testadora referentes aos anos de 2011 e 2012, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos (cfr. docs. 1 e 2, ora juntos).

              O requerido foi alvo do seguinte despacho:

          Dispõe o art. 423 do CPC:

          «1 – Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

          2 – Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

          3 – Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior».

         A propósito dos nºs 2 e 3 do art. 423 do CPC, referem Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro, «no art. 423/2 o legislador estabelece como termo final para a apresentação de documentos o 20º dia que antecede a data em que se realize a audiência final, numa manifestação de efectividade do princípio da boa-fé processual a que alude o art. 8. Existe aqui um paralelismo com o limite temporal previsto para a alteração do rol de testemunhas (art. 598/2), assim se densificando uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do 20º dia que antecede a audiência final. No que respeita à primeira das ressalvas contidas no nº 3, importa referir que anteriormente, a impossibilidade de apresentação com os articulados implicava a não sujeição do apresentante à regra prevista no nº 1, podendo então apresentar o documento em qualquer altura até ao derradeiro momento previsto na norma de dilação (regra transposta para o nº 2); actualmente, na norma de dilação prevista no nº 3, esse impedimento (que se prolongou para além do prazo previsto no nº 2) apenas legitima a apresentação imediata, logo que cesse a impossibilidade de apresentação, não podendo a parte aguardar pelo derradeiro momento pressuposto pela norma de dilação (o encerramento da discussão em 1ª instância – art. 425). Trata-se da antecipação, para a fase anterior ao encerramento da discussão, da solução prevista no art. 425. A segunda ressalva estava abrangida pela norma constante do nº 2 do art. 524 do CPC/95-96. A apresentação torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso (expressamente previsto na lei antiga) de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no número anterior. A apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado (ou de um facto puramente probatório). A ocorrência que torna necessária a apresentação do meio de prova que é o documento é a pretérita alegação desta matéria, cabendo a situação no nº 1.» (Primeiras Notas ao nCPC, vol. I, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 340-341).

         Ainda a respeito dos nºs 2 e 3 do art. 423 do CPC, esclarece Lebre de Freitas [a Acção declarativa comum, à luz do CPC de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 249-250 e notas 66 e 67]: «Os documentos destinados a provar os fundamentos da acção e da defesa (factos principais), bem como os factos instrumentais que constituem a base de uma presunção legal ou facto contrário ao legalmente presumido (…) devem ser apresentados com o articulado em que sejam alegados os factos correspondentes. (art. 423-1). A violação deste dever dá lugar a multa, mas, não de um ónus (…), as partes continuam a poder apresentar os documentos que provem os factos principais da causa, tal como os que provem factos instrumentais, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (art. 423-2).

         Posteriormente, e até ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 604-3-c), são ainda admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento [exemplos: o documento encontrava-se em poder de terceiros, que só posteriormente o disponibilizou; a certidão do documento arquivado em notário ou noutra repartição pública atempadamente requerida, só posteriormente é emitida; a parte só posteriormente tem conhecimento da existência do documento. (…)], bem como os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior (art. 423-3) [«O facto (“ocorrência”) posterior a que se refere o nº 3 do art. 423 não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente, caso já coberto pela norma do nº 1 do artigo; a previsão do nº 3 respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais. Sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente, mas a esta situação há que assimilar os casos em que o facto (ainda que principal e como tal alegado) tenha ocorrido antes da preclusão do art. 423-2, fazendo já parte do processo, mas o documento que o prova (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial) só posteriormente se tenha formado. (…)»].

         Ora, as autoras não alegam que não lhes foi possível a apresentação dos documentos cuja junção aos autos agora requerem, até 20 dias antes da data em que se iniciou a audiência final.

         Na verdade, são as próprias a afirmar que no seguimento do depoimento da testemunha MF, «foram verificar se entre o espólio da testadora que trouxeram da casa que foi a sua última residência, se encontravam as agendas mencionadas pela testemunha», assim dando a entender que já antes se encontravam em poder das agendas cujas cópias agora pretendem juntar aos autos.

         O que elas alegam, isso sim, é que desconheciam «o teor das agendas» o que é coisa muito diferente se encontrarem «impossibilitadas de as juntar ao processo até à presente data».

         Além disso, a apresentação de tais documentos não se tornou necessária «em virtude de ocorrência posterior», uma vez que nada ocorreu que tornasse necessária a sua apresentação.

         Afirmam as autoras que «o facto de a testadora fazer constar o seu dia-a-dia em agendas trata-se de um facto instrumental novo, que surgiu apenas em fase de produção de prova e que era desconhecido das autoras» e ainda que «este facto das anotações feitas pela testadora – e as notas efectivamente escritas -, é um facto instrumental novo, que se mostra importante para prova dos factos principais alegados na PI.”

         Ora, não se percebe quais «os factos principais alegados na PI» dos quais seja instrumental o facto: – «de a testadora fazer constar o seu dia-a-dia em agendas»; – «das anotações feitas pela testadora – e as notas efectivamente escritas-.

         Estes factos (e são estes os factos que as autoras afirmam serem instrumentais) não são instrumentais de quaisquer factos:

         – essenciais, no sentido de nucleares (ou principais, na expressão de Lebre de Freitas), anteriormente alegado pelas autoras; ou

         – complementares ou concretizadores (também eles essenciais) anteriormente alegados pelas autoras, alegados na petição inicial e integradores da previsão normativa de direito substantivo convocada pelas autoras, da qual, em seu entender, decorre o seu alegado direito contra os réus, qual seja, a norma contida no art. 282/1 do CC, segundo a qual «é anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.».

         Termos em que, pelas razões expostas, além da sua irrelevância para a decisão da presente causa:

         – não admito a junção aos autos dos documentos apresentados pelas autoras a fls. 751 a 962;

    – determino, após trânsito em julgado deste despacho, o seu desentranhamento dos autos e a sua restituição ao seu apresentante.

         Custas do incidente a cargo das autoras, cujo quantitativo fixo em 1,5 UC.

              As autoras vêm recorrer deste despacho – para que seja revogado e substituído por outro que admita a junção aos autos dos documentos que estão a fls. 751 a 962 -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. As autoras discordam do despacho, e respectivos fundamentos, porque o que releva para efeitos de tempestividade da junção dos documentos, não é o conhecimento, ou não, da existência das agendas, enquanto mero suporte físico das declarações ali contidas, mas sim o conhecimento do respectivo conteúdo.

2. A junção das agendas escritas pela testadora foi, assim, tempestiva, nos termos do disposto no art. 423/3 do CPC, porque as autoras apenas tomaram conhecimento do teor daquelas agendas na sequência do depoimento prestado pela testemunha MF em sede de audiência de julgamento.

3. O teor das agendas da testadora, por conter factos instrumentais de onde se extraem os factos essenciais alegados pelas autoras – a fragilidade psíquica de testadora à data da outorga do testamento e a ascendência que o 1.º réu tinha sobre a testadora – temas da prova 1 e 2, assume extrema importância e pertinência para a decisão da causa, razão pela qual os documentos devem ser admitidos.

              Os réus defendem a improcedência do recurso, dizendo, para além do que já resulta do despacho recorrido, que (em síntese):

         As autoras sempre dispuseram da totalidade do espólio documental da testadora desde a sua morte, incluindo as agendas de que tinham conhecimento; mais precisamente, detiveram-nas durante dois anos, que foi o tempo que decorreu entre o falecimento da mesma e a propositura da acção, à beira da verificação da caducidade do direito de impugnar o testamento; não existiu, pois, nenhuma impossibilidade objectiva da junção do documento antes do prazo a que se refere o art. 423/1 do CPC.

         E se não fizeram delas uso porque as não leram, como alegam, isso só revela que não trataram da organização da prova com a diligência que seria a exigível; são as próprias autoras que referem nas alegações que nunca lhes ocorreu verificar o conteúdo das agendas; mesmo a admitir que tal corresponda à verdade, confessam, portanto, a sua própria negligência na propositura da acção; pretendendo, apesar disso, fazer aproveitamento do regime do art. 423/3 do CPC, significa que querem aproveitar-se da sua própria negligência, em manifesto venire contra factum proprium, que corresponde a uma modalidade de exercício inadmissível de um direito, que, a existir, lhes deve ser negado.

         O regime do art. 423/3 do CPC não pode interpretar-se no sentido de a admissibilidade da junção se bastar com a alegação do desconhecimento de um documento; se tal interpretação pudesse aceitar-se, a regra não conteria nenhuma real delimitação quanto ao tempo em que a junção é admissível, bastando alegar desconhecimento para que a parte contrária se visse constrangida a suportar novos elementos probatórios.

         O que as autoras alegam sobre o suposto conhecimento oficioso do juiz a quo sobre “o momento em que tomaram conhecimento da possível existência do conteúdo relevante das agendas […]” constitui um manifesto absurdo, que não tem qualquer cabimento.

         O depoimento da testemunha MF não fez surgir, na fase de produção de prova, nenhum facto instrumental novo; o que as autoras alegam não é mais do que um pretexto destinado a ultrapassar em seu benefício o regime da produção da prova.

              Decidindo:                               

       Por força do art. 423 do CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Após este limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

         Quer isto dizer que na audiência de julgamento só podem ser admitidos os documentos relativamente aos quais a parte que os apresente alegue, e prove se necessário (art. 342/1 do CC e acs. do TRL de 22/10/2014, 681/13.5TTLSB.L1-4, e do TRC de 24/03/2015, 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1, e de 16/12/2015, 1395/08.3TBLRA-B.C1), que não os pôde apresentar antes ou que a sua apresentação só se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.

              Ora, no caso dos autos, o facto de as autoras escreverem que até ao momento do depoimento da testemunha MF não tinham conhecimento do conteúdo das anotações que nelas foram feitas pela testadora, não é, só por si, prova suficiente de nada, mesmo que se admita que, de facto, a testemunha MF disse o que elas referem.

              Se bastasse a alegação de que se desconhecia até então determinado documento, para se entender que estava provado esse desconhecimento, então não valia de nada estabelecerem-se regras de prazos para apresentação da prova.

            Mas, para além disso, como dizem os réus, mesmo que as autoras desconhecessem as anotações em causa, tal ser-lhes-ia imputável a título de negligência: tendo elas em seu poder o espólio da testadora e considerando o que está em discussão nestes autos, o normal seria que eles procurassem nas agendas em causa a prova daquilo que alegavam. Se não o fizeram, deviam-no ter feito e não podem aproveitar o facto de não o terem feito na altura própria para o virem fazer agora. Ou seja, as próprias autoras alegam factos suficientes para se poder concluir que, mesmo aceitando-se o que elas dizem, não houve qualquer impossibilidade de apresentação das agendas – ou melhor, das anotações das mesmas – com os articulados ou, quando muito, até 20 dias antes da data em que se realizou a audiência final.

              De novo, se não fosse assim, de nada valiam as regras que estabelecem prazos para apresentação da prova. Bastava a parte só se dignar procurar os elementos de prova no momento em que julgasse oportuno.

             A impossibilidade da prova não decorre do simples facto de não ter conhecimento dela por não se ter procurado a mesma, apesar de as circunstâncias do caso aconselharem essa procura e a mesma se revelar de extrema facilidade. As partes têm o ónus de investigar os factos e as provas antes de intentarem as acções. As agendas são locais onde, por definição, se fazem anotações de factos pessoais (apontamentos, compromissos, lembranças…). Se a testadora tinha agendas – que as autoras admitem conhecer, pois que o que dizem desconhecer eram as anotações (embora mais à frente, esquecendo a distinção que fazem entre agendas e seu conteúdo, já sugiram que também desconheciam as agendas) – e se as autoras estavam a discutir o estado mental da testadora e outras situações pessoais dela e tinham acesso às agendas, naturalmente que deviam ter procurado nela indícios daquele estado mental e das outras situações. Se o não fizeram, tal é-lhes imputável.

              Como diz o ac. do TRP de 24/03/2015, proc. 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1: “[…] 3. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento.”

                                                               (III)

              A 19/12/2016, as autoras requereram (fl. 1011) a produção de prova por declarações de parte, de ambas as autoras, nos termos do disposto no artigo 466 do CPC, indicando, para o efeito, os seguintes factos:

         Da Petição Inicial: artigos 6.º, 10.º, 11.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 49.º, 56.º, 57.º, 58.º, 60.º, 62.º, 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º, 89.º, 92.º, 93.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º, 98.º, 100.º, 101.º, 102.º, 104.º, 105.º, 106.º, 115.º, 117.º, 119.º, 120.º, 121.º, 124.º, 130.º, 131.º, 136.º, 137.º, 138.º, 143.º, 145.º, 146.º, 150.º, 153.º e 166.º.

         Da Contestação: artigos 27.º, 28.º, 34.º, 36.º, 37.º, 43.º, 45.º, 50.º, 52.º, 59.º, 107.º, 110.º, 181.º, 197.º, 229.º, 230.º, 287.º.

              Este requerimento foi objecto do seguinte despacho:

         Dispõe o art. 466/1 do CPC, que «as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo».

         Lebre de Freitas, esclarece que a parte «pode, até ao início das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha tido intervenção pessoal ou de que tenha conhecimento directo (art. 466-1), isto é, sobre factos pessoais, na acepção que a esta expressão é dada nos arts. 454-1 e 574-3 […].» (A acção Declarativa Comum, Cit., p. 278).

         Paulo Pimenta afirma que «(…) importa reconhecer que que, no decurso da produção de prova em audiência, pode suceder que certos aspectos não fiquem suficientemente clarificados, havendo pertinência em esclarecer, precisar ou concretizar esses pontos, sob pena de escaparem à percepção do julgador ou tal percepção não ser a mais adequada. Às vezes, só mesmo as partes podem assegurar isso.

         […] estas declarações apenas podem recair sobre factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de tenha conhecimento directo (art. 466/1).

         […] Face ao sistema probatório instituído, o mais provável é que a prova por declarações de parte tenha uma natureza essencialmente supletiva, isto é, será um meio ao qual as partes recorrerão nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz. Nessas situações, embora não exclusivamente nessas, é natural que a parte seja levada a supor que o seu próprio depoimento terá a virtualidade de contribuir para que a convicção do juiz se forme em sentido favorável à sua pretensão.» (Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pp. 356-357).

         Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro salientam que «a experiência sugere que fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por essa razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente. Já integrado num acervo probatório mais vasto, poderá mesmo ser decisivo na prova desse facto, pois proporciona um material probatório necessário à prova do facto.

         (…) a consideração do depoimento sobre factos favoráveis ao depoente, enquanto meio de prova, está fortemente associada à inexistência de melhores meios de demonstração de tais factos – isto é, de meios mais fiáveis. A necessidade sentida pela parte de oferecer depoimento próprio como meio de prova pode resultar, quer da inexistência, quer do fracasso da produção de outros meios.

         Assim se explica que a prestação de declarações de parte possa ser requerida atá ao início das alegações orais em 1ª instância (…). Depois de ter tentado sem sucesso produzir a restante prova oferecida (…), ou, produzida esta, mas não depositando grande confiança na sua força – o conteúdo do depoimento das testemunhas que ofereceu não foi o esperado –, a parte tem ainda a possibilidade de convencer o juiz, prestando ela declarações. (…).

         O campo de aplicação deste instituto é limitado. Não só as declarações apenas podem incidir sobre factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, como o requerimento da sua prestação pode transmitir a ideia de que não tem total confiança na força da restante prova oferecida – pelo que, por essa razão será de evitar. A tipologia dos casos onde poderá surgir com mais frequência inclui as acções onde se discutem factos ocorridos na intimidade do lar, relações contratuais conhecidas apenas das partes e acidentes de viação presenciados apenas pelos intervenientes (…).» (Primeiras Notas, Cit., p. 364).

         Rui Pinto esclarece ainda que «(…) a declaração de parte faz-se em abono da verdade material e não em abono (exclusivo) da verdade pretendida pela parte. (…).

         Portanto, não estamos perante um livre direito da parte (um direito “anárquico”, com o devido respeito), sem limites, pelo contrário, a persistência objectiva e a duração da sua intervenção devem ser permanentemente escrutinadas pelo tribunal (…).» (notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 284).

         Postos estes considerandos, que se nos afiguram pertinentes no caso concreto, acerca do campo de aplicação das declarações de parte, tendo em conta, sobretudo, a abrangência com que tal meio de prova foi requerido pelas autoras, e reiterando, uma vez mais, que o objecto da presente acção é a anulação, por usura, do testamento de 06/12/2011, por, naquela data, a testadora, se encontrar em estado de fragilidade, inferioridade e dependência física e psicológica em relação ao 1.º réu, que, aproveitando-se dessa situação, conscientemente a determinou a celebrar aquele testamento, do qual resulta para ele um benefício excessivo e injustificado, importa decidir:

         Os artigos da petição inicial e da contestação, indicados pelas autoras no seu requerimento de fl. 1011, sobre cujos enunciados pretendem prestar declarações de parte, contêm, muitos deles, matéria:

         – que já se encontra provada por documentos ou que apenas por documentos é susceptível de ser provada;

         – que é conclusiva ou de direito;

         – que é irrelevante para a decisão da presente causa;

         – que é repetitiva;

         – em que não tiveram intervenção pessoal ou de que tenham conhecimento directo.

         Pelo exposto, e tendo presentes os temas da prova enunciados, admito a prestação de declarações de parte das autoras à matéria:

         – dos arts. 19, 24 a 26, 47, 49, 60, 62 a 65, 67, 72 a 74, 77 a 81, 89, 93, 94, 102, 104 a 106, 117, 131, 143 e 153, da PI e dos art. 27, 28, 34, 36 e 43 da contestação, consignando-se que quanto às requeridas declarações de parte das autoras à matéria dos arts. 37, 45 e 107, deste articulado, aquelas já prestaram depoimento de parte.

              As autoras vêm recorrer deste despacho – em conjunto com o anterior (analisado em (II)), para que seja revogado e substituído por outros que admita a prestação de declarações de parte aos artigos 22, 56, 58, 69, 70, 96, 97, 100, 145 e 146 da PI e ao artigo 110 da contestação -, com as seguintes conclusões:

1. A decisão que indeferiu parcialmente os factos sobre os quais as autoras requereram a prova por declarações de parte é nula, por não estar suficientemente fundamentada, violando o dever de fundamentação prevista no artigo 154 do CPC.

2. A decisão também errou de direito, porque não está na disponibilidade do tribunal a restrição ou rejeição da prova por declarações de parte, excepto quando incida sobre factos que já estejam plenamente provados, tratando-se de um direito à prova das partes.

3. Os factos correspondentes aos artigos 22, 56, 58, 69, 70, 96, 97, 100, 145 e 146 da PI e ao artigo 110 da contestação são relevantes para a decisão da causa, integram-se nos temas da prova e são do conhecimento pessoal e directo das autoras, pelo que o tribunal a quo não tinha fundamento legal para indeferir a prestação de declarações de parte a estes factos.

              Os réus contra-alegaram defendendo a improcedência do recurso, no essencial pelas mesmas razões já aduzidas no despacho recorrido.

              Decidindo:

              Antes de mais, veja-se o que está de facto em causa:

          As autoras indicam cinco “temas de prova” a que reconduzem os artigos a que pretendem que sejam prestadas declarações de parte, o que, dada a complexidade da formulação utilizada nos mesmos tem relevante efeito útil, delimitando o que, relativamente, a cada um deles, as autoras têm em vista declarar.    

              Assim:

              A) Sobre as capacidades psíquicas da testadora, as autoras indicam o art. 22 da pi.

              Este artigo, extenso, é composto por afirmações conclusivas, de facto e de direito, acompanhadas de descrições de documentos.

             As afirmações conclusivas em causa têm suporte na matéria dos artigos 60, 63, 64, 65, 73, 74, 143 e 153 da pi. Ou seja, estes artigos, alguns deles também complexos e extensos e outros repetitivos, dizem nalgumas par-tes respeito a factos que permitem, se provados, concluir, como consta de 22.

          Tendo o despacho referido que as declarações podiam recair sobre aqueles artigos, é evidente porque razão não incluiu também o 22: é, para além do mais, matéria conclusiva, e não tinha sentido permitir que as partes estivessem a prestar declarações sobre essa matéria, quando já lhes tinha sido permitido prestar declarações sobre os factos constantes doutros artigos.

                                                                 *

               B) Sobre a vontade da testadora, as autoras indica os arts. 56 e 58 da pi.

              Lendo os artigos em causa – também eles extensos, complexos e repetitivos – vê-se que as autoras contrapõem conclusivamente (em termos de facto e de direito) a vontade da testadora manifestada no testamento em causa, com aquilo que ela foi fazendo escrever como sua vontade nos cerca de 10 testamentos anteriores.

              Ou seja, a matéria de facto em causa, naquilo que tem a ver com o tema de prova e na parte aproveitável (tirando as conclusões e as repetições) resulta dos testamentos em causa, sendo por isso claro por que razão o despacho recorrido não incluiu os arts. 56 e 58 da pi entre a matéria sobre a qual deviam ser prestadas declarações: não se trata de factos em que as autoras tenham intervindo ou de que possam ter conhecimento directo.

                                                                 *

               C) Sobre a intenção de inabilitar a testadora, as autoras indicam os arts. 69 e 70 da pi e 100 da contestação. Dizem as autoras que a intenção da família interditar ou inabilitar a testadora assumiria especial relevância para o tema da prova 1 (As condições físicas e psíquicas em que se encontrava a testadora).

            Mas a intenção da família não é minimamente relevante para a questão das condições em que de facto a testadora se encontrava. Esta podia estar em perfeitas condições e apesar disso a família pretender interditá-la. Aquilo que se discute é as condições dela e não a intenção da família. É assim clara a razão pela qual o despacho recorrido não admitiu a prestação de declarações sobre estes artigos: a irrelevância da questão.

              Mas, para além disso, a questão era também irrelevante porque os próprios réus tinham assumido, como se vê do art. 110 sobre o qual as autoras também pretendiam prestar declarações, que a testadora teve conhecimento desta pretensão das suas filhas e netos de a interditar, tendo, por isso, feito verificar, a sua situação mental por relatório psiquiátrico (que juntaram como doc. 20), datado de 21/11/2011, e nos termos do qual se conclui que a testadora estava lúcida e com capacidade para se determinar de acordo com a sua própria vontade.

              Ou seja, não há dúvida de que a família a pretendia interditar. O que há dúvida é se havia razões para a interdição. Portanto, repete-se, aqueles artigos não têm qualquer relevo para a decisão da causa.

                                                                 *

      D) Sobre a renúncia à herança da filha – as autoras referem os arts. 96 (“efectivamente, imediatamente após a morte da filha, a testadora afirmou a toda a família, filhas e netos, que iria renunciar à herança”), 97 (“porém para surpresa de todos, mais tarde, a testadora, veio contradizer-se afirmando que, por desejo do 1.º réu, afinal não renunciaria à herança”) e 100 da pi (“note-se que, à data da morte da filha, a testadora, de 96 anos de idade, tinha uma situação económica bastante abastada, pelo que não necessitava seguramente da herança da filha”); dizem que estes três factos enquadram-se, em especial, no tema da prova 2 (a ascendência do 1.º réu sobre a testadora).

          Se se vir bem, no entanto, apenas um dos factos diz respeito a isso, que é o “afirmando que, por desejo do 1.º réu.” (parte do artigo 97) Ora, o despacho recorrido admitiu declarações de parte sobre o artigo 102, onde se diz: Ainda assim, a testadora disse em família que, apesar de não renunciar à herança da filha, iria cumprir a vontade da sua filha, deixando aos seus netos o que lhe viesse a caber na herança daquela. Ora, quando as autoras estiveram a prestar declarações sobre o artigo 102, é evidente que poderão falar sobre o que a testadora disse para explicar a não renúncia, embora fosse deixar aos netos o que lhe viesse a caber por morte da filha.

              Por outro lado, o despacho recorrido também admitiu as declarações de parte sobre o art. 19 da pi, no qual se diz “[o réu], em especial a partir da morte da referida filha, passou a assisti-la de forma muito assídua, controlando e intervindo em todos os aspectos do quotidiano, em especial, na gestão do património da testadora.”

              E admitiu, ainda, as declarações de parte sobre o art. 49 que diz: “Foi nesta altura que o 1.º réu, aproveitando-se da sua posição de especial proximidade e da fraqueza e dependência da testadora, foi exercendo um ascendente cada vez mais forte sobre ela, intervindo e controlando todos os aspectos do seu quotidiano e, progressivamente, a gestão do património.”

        Ora, a matéria deste dois artigos é suficientemente ampla para permitir as declarações de parte à matéria dos arts. 96, 97 e 100 da pi, pelo que é manifesto a razão pela qual o tribunal nada disse quanto a estes pontos: já estavam abrangidos nos arts. 19, 49 e 102.

              Mais ainda, e como dizem as autoras, “elas alegaram, [que a] testadora estava particularmente fragilizada no período após a morte da sua filha e, por isso, em condições psicológicas de grande permeabilidade à influência do 1.º réu, tendo sido precisamente neste período que faz o seu novo testamento a favor do 1.º réu.” Ora, várias afirmações feitas pelas autoras a este propósito, para além das já referidas, como as dos arts. 60, 62 a 65, 67, 72 a 74, 77 a 81, foram admitidas como objecto possível das declarações de parte, e a propósito de tudo isto as autoras poderão, a ser verdade, dizer, como exemplo, que a testadora até disse não renunciar à herança por desejo do réu.

                                                                 *

              E) Sobre o valor da remuneração fixada ao testamenteiro – as autoras referem os arts. 145 (“até porque, apesar de a herança ter efectivamente rendimentos e de existir património para gerir, a prática de tais actos não justifica a atribuição de uma remuneração mensal de 2000€, completamente desproporcionada, e ainda menos com a absurda e injustificada estipulação de um tecto mínimo total de 50.000€”) e 146 da pi (“Na verdade, o pagamento de tal remuneração é um encargo manifestamente excessivo da herança, já que os rendimentos da herança têm servido, praticamente, para o pagamento da remuneração do 2.º réu”) e diz que estes dois factos integram-se, sem margem para dúvida, no tema da prova 6 (O valor da remuneração fixada ao testamenteiro).

           A atribuição da remuneração, com o limite mínimo, está provada. O resto são afirmações conclusivas sem qualquer suporte factual: a prática de tais actos – quais actos em concreto? – não justifica (se não se sabe quais actos não se pode saber se se justifica ou não) a atribuição de uma remuneração mensal de 2000€, completamente desproporcionada (se não se sabe quais actos não se pode saber se é desproporcional ou não), e ainda menos com a absurda e injustificada estipulação de um tecto mínimo total de 50.000€” – se não se sabe qual o património, nem rendimentos, nem quais os actos em concreto que estão em causa, não se pode saber se é absurda e injustificada); nem se o encargo, por isso, é ou não excessivo; nem se os rendimentos da herança – que não se sabe quais são – têm servido, praticamente, para o pagamento da remuneração do 2.º réu”).

              Percebe-se, por isso, a razão de não permissão de declarações de parte sobre tais artigos: na parte restante é matéria conclusiva, não factos que elas pudessem esclarecer.

                                                                 *

               Dito isto, veja-se ainda o seguinte que já resulta do que antecede:

      Apesar da simplicidade das questões em causa neste processo, as autoras conseguiram escrever quase 200 artigos, extensos, densos, complexos e repetitivos, e depois indicaram-se a elas mesmas para prestar esclarecimentos sobre 80 desses artigos.

            As autoras não tiveram, claramente, em conta a natureza subsidiária da prova por declarações de parte. Como decorre da doutrina citada na decisão recorrida, as declarações de parte são um meio de prova que as partes devem requerer no fim da produção de prova, para tentarem esclarecer aquilo que pensam não ter ficado esclarecido durante a produção de toda a outra prova. E isso apenas sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo (mais elementos podem ser vistos, por exemplo, nos acs. do TRP de 10/09/2015, proc. 6615/11.4TBVNG.P1, publicado em https://outrosacordaostrp.com; no ac. do TRL de 09/11/2017, proc. 596-15.2T8TVD-D.L1-4: “ou seja, em causa está um meio de prova com uma função eminentemente integrativa, complementar e  supletiva”; e no ac. do TRL de 30/11/2017, proc. 12010/14.6T2SNT-K.L1-2). Não é um meio de prova que se destine a duplicar a prova já produzida, nem a repisar matéria já esclarecida.

              Por tudo isto, o tribunal recorrido esteve a fazer uma triagem de todos os factos a que as autoras se propunham prestar declarações de parte e disse que os artigos indicados pelas autoras, que ocupam cerca de 25 páginas – apesar, repita-se da extrema simplicidade das questões que se levantam no processo – continham, muitos deles, matéria que: já se encontra provada por documentos ou que apenas por documentos é susceptível de ser provada; é conclusiva ou de direito; é irrelevante para a decisão da presente causa; é repetitiva; em que não tiveram intervenção pessoal ou de que tenham conhecimento directo.

              E compreende-se que o tenha feito deste modo, dado a extrema dificuldade de, em mais de 500 artigos (petição inicial e contestação), com dezenas e dezenas de páginas, estar a explicar, um a um, quais deles eram repetitivos, conclusivos, irrelevantes, não pessoais nem de conhecimento directo e já provados por documentos ou só susceptíveis de serem provados por documentos. E também porque, no essencial, seria um despacho quase inútil, pois que abrangendo os temas de prova toda a matéria de facto que possa ter alguma pertinência com os temas, é em julgamento, durante a prestação das declarações de parte, que se irá ver em concreto se, perante uma dada matéria de facto ela tem pertinência para o tema de prova, não dirá respeito a matéria que só pode ser provada por documentos, não será conclusiva, não terá já sido repetida e não será impessoal ou insusceptível de conhecimento directo.

        Assim, perante isto, o despacho não é, seguramente nulo por falta de fundamentação, tanto mais que, depois, ainda admitiu expressamente que as autoras prestassem declarações de parte a 31 artigos da petição (e mais 5 da contestação), a maior parte deles extensos e com inúmera matéria de facto, que abrangia todos os temas de prova, tendo excluídos outros em que é claro que apenas continham, no que importa para agora, matéria conclusiva, de direito e de facto, ou factos que não eram pessoais nem susceptíveis de conhecimento directo, ou eram irrelevantes para a questão, ou repetitivos, ou diziam respeito a matéria que estava abrangida nos artigos a que autoras tinham sido admitidas a prestar declarações.

              Não há nada, por isso, a censurar ao despacho recorrido.

                                                                 *

       Regista-se que o presente processo apenas foi distribuído ao actual relator a 11/12/2017.

                                                                 *  

              Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos pelas autoras.

              Custas pelas autoras.

              Lisboa, 11/01/2018

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto