processo do Juízo de Comércio de Sintra

                 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

     Em 27/07/2012 [na sentença recorrida refere-se a data 03/10/2016, mas o lapso é evidente], a S-SA, intentou, no juízo local de Lagos, uma acção contra a J-Lda, pedindo “a fixação judicial dos limites dos prédios da autora e da ré, descritos […], para demarcação dos limites dos prédios em questão e fixação das respectivas estremas, com as legais consequências.”

         A 04/03/2015, foi agendada audiência de discussão e julgamento para 10/09/2015.

        A 06/03/2015 iniciou-se, no juízo de comércio de Sintra, um processo de insolvência da J-Lda, tendo a mesma sido declarada insolvente a 18/05/2015, decisão transitada em julgado em 17/06/2015, facto de que a ré foi dar conhecimento ao processo de Lagos em 30/06/2015.

         Em 08/09/2015, o juízo local de Lagos notificou as partes para que se pronunciassem acerca dos efeitos da declaração de insolvência da ré na acção em curso.

          Com o impulso insistente do juízo local de Lagos, a 13/04/2016, a Administradora de Insolvência remeteu requerimento ao processo, a informar que na mesma data requereu a apensação do processo ao processo de insolvência.

        Em 06/06/2016, o juízo local de Lagos considerando que o processo “aprecia questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente […] que podem influenciar o valor da massa insolvente e que a AI requereu a respectiva apensação”, determinou a remessa do processo para apensação à insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 85/1 do CIRE”, o que foi concretizado em 03/10/2016.

     Em 29/09/2017, decidiu-se, na acção, já como apenso E da insolvência, que “a insolvente apesar de regularmente citada não deduziu contestação [isto porque a acção, era, na ponderação do seu valor, de patrocínio obrigatório – art. 40/1-a do CPC – e a AI tinha sido tinha sido notificada para constituir mandatário, em 10 dias, sob pena de ficar sem efeito a defesa da insolvente nos autos principais, o que ela não teria feito. E, assim sendo, de harmonia com o previsto no art. 41 do CPC, a defesa da insolvente teria ficado sem efeito]. Assim sendo, julgo confessados os factos articulados pela autora – art. 567/1 do CPC. Notifique nos termos e para os efeitos do art. 567/2 do CPC.”

        Em 06/12/2017, numa conclusão aberta a 08/11/2017, o tribunal decidiu declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277/-e do CPC, com base no facto de os prédios da insolvente terem sido vendidos em 08/01/2016 [neste apenso electrónico não há prova disso – parenteses deste TRL] deixando com isso a insolvente de ser a titular dos mesmos.

              A autora recorre desta sentença – para que seja declarada nula ou revogada -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que este TRL sintetiza agora na parte minimamente útil:

A decisão em análise enferma de erro de julgamento, porquanto a pretensão da autora mantém-se inabalada, mantendo todo o interesse no prosseguimento da acção; a pretensão da autora mantem-se válida, sendo necessário definir quais os limites dos prédios da autora e do novo titular dos prédios, devendo a autora ter oportunidade de habilitar os novos adquirentes;

O tribunal depois de considerar provados os factos e de notificar a autora para as alegações de direito, declarou a inutilidade da lide sem notificar a autora para se pronunciar sobre a mesma, pelo que a sentença é nula (arts. 195 e 199 do CPC): por violação da proibição das decisões-surpresa (art. 3/3 do CPC) e por desconsideração do disposto no art. 567/2 do CPC.

Segundo consta da sentença, os imóveis objecto da presente acção foram vendidos em 08/01/2016, ou seja, previamente à apensação dos autos ao processo de insolvência, não tendo a autora sido notificada da apreensão e venda dos imóveis sobre os quais peticiona a fixação judicial dos seus limites, nem tão pouco se pôde pronunciar, requerendo designadamente a necessária habilitação dos adquirentes, pelo que, também por aqui a sentença seria nula.

              Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                                 *

             Questões que importa decidir: se a instância não devia ter sido declarada extinta por inutilidade superveniente; e se se verificam as nulidades invocadas (isto se a decisão da primeira questão não retirar interesse à apreciação destas, já que elas não são de conhecimento oficioso e a autora só as invocou a título subsidiário).

                                                                 *  

          Os factos que interessam à decisão destas questões são os que resultam do relatório que antecede.

                                                                 *

              Decidindo:

              O art. 263 do CPC (igual, excepto em pormenores de redacção, ao art. 272 antes da reforma de 2013) diz que:

1 — No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.

2 — A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efectuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.

3 — A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção.

          Ou seja, o art. 263 do CPC torna claro, só por si, que a transmissão da coisa ou direito litigioso, no decurso do processo, não acarreta a inutilidade da lide.

            Mesmo no caso em que possa estar em causa a eficácia da sentença contra terceiro que não tenha sido habilitado, por a acção estar sujeita a registo e o registo não ter sido efectuado ou o registo da transmissão ser anterior ao registo da acção, o que está em causa é apenas isso mesmo, ou seja, a eficácia da sentença contra terceiro, não a utilidade ou possibilidade da lide. Pelo que se pressupõe que a acção termine à mesma com uma sentença de mérito.

          De qualquer modo, tem-se vindo a entender que as acções de demarcação não estão sujeitas a registo (vejam-se os acórdãos e a doutrina citados por Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial anotado, 8.ª edição, 1996, Almedina, pág. 65) pelo que a excepção da norma em causa não se aplica ao caso dos autos (que é, no essencial, uma acção de demarcação e que não foi registada).

              A apreciação das nulidades fica prejudicada.

                                                                 *

        Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, devendo a acção prosseguir os seus normais termos.

              As custas de parte da autora, neste recurso, ficam a cargo da massa insolvente.

              Lisboa, 05/07/2018

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto