Processo do Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 14

 

            Sumário:

           O dano da perda de chance “é indemnizável se se tratar de uma chance consistente, designadamente, se se puder concluir ‘com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança’ que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida”, o que não foi o caso dos autos.

 

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

       E intentou a presente ação declarativa comum contra L e P pedindo a condenação solidaria destes no pagamento 250.095,73€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais 5000€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora legais desde a citação até efectivo pagamento.

              Alega, para tanto, e em síntese, que outorgou procuração a favor dos réus para a representarem no âmbito de uma acção de prestação de contas, pedida por uma irmã, relativa à administração da herança de seus pais, de que era cabeça-de-casal; depois da notificação para o efeito, fez chegar as contas aos réus, como pedido por estes (docs. 8 a 17, que são: uma carta dirigida ao réu, uma procuração ao réu e 8 balanços); o réu apresentou a procuração no processo, mas não os balanços; por isso, foi devolvido à irmã o direito de prestar contas, o que ela fez, não tendo os réus dado conhecimento das mesmas à autora; depois de notificado o despacho de condensação, o réu limitou-se apresentar rol de testemunhas, não tendo apresentado qualquer documento (apesar de caber à aqui autora a prova dos factos que constavam da base instrutória) nem reclamado dos factos assentes; em 23/05/2013, a autora teve uma reunião com o réu, e, apercebendo-se que algo não estava correcto e que os documentos que tinha enviado não tinham sido juntos ao processo, revogou a procuração e constituiu nova advogada que a representou no julgamento que ocorreu 3 dias depois; os réus nunca pediram à autora quaisquer outros comprovativos de despesas tidas enquanto cabeça-de-casal para que fossem juntos ao processo; posteriormente a autora veio a saber que a ré estava suspensa pela Ordem dos Advogados por edital publicado a 00/09/2011, não podendo exercer a advocacia, o que a ré nunca informou à autora, nem ao processo; em consequência de tudo isto foi considerado na sentença, que foi proferida nesse processo, um saldo positivo muito superior ao que teria resultado das contas que ela enviou ao réu, o qual foi condenada a distribuir (e que corresponde ao valor pedido pela autora depois de deduzido do saldo que ela considera correcto); verifica-se nexo de causalidade entre a violação dos deveres dos réus e a angústia e sofrimento da autora e daí os 5000€ pedidos a título de danos não patrimoniais.

              A ré contestou, impugnando parte dos factos, dizendo que: desde 00/09/2011 estava com a inscrição suspensa na OA; a partir da procuração datada de 29/02/2012 a favor do réu passou a ser só este o mandatário da autora o que esta sempre soube; foi o réu que omitiu os factos de que a autora se queixa que deviam ter sido praticados; a apresentação das contas da autora não significava que fossem aprovadas, até porque seriam ainda objecto de contraditório pela irmã; de qualquer modo, os factos alegados não dão à autora o direito de ser indemnizada por danos patrimoniais, já que o que o único prejuízo é o da perda da chance e este não é tutelado juridicamente só por si, nem por danos não patrimoniais porque estes não são indemnizáveis na responsabilidade contratual; concluiu pela sua absolvição do pedido.                          

              O réu, citado editalmente, não apresentou contestação, nem o fez o Ministério Público depois de cumprido o art. 21 do CPC.

              Realizada a audiência final, foi depois proferida sentença julgando a acção procedente apenas quanto a parte do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, que foram fixados em 2500€, condenando-se solidariamente os réus a pagá-los à autora com juros.

            A autora recorre desta sentença, impugnando parcialmente a decisão da matéria de facto, a absolvição do pedido por danos patrimoniais e o valor da indemnização por danos não patrimoniais quanto ao réu.

              Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                                 *

              Questões a decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada, se deve ser dada indemnização por danos patrimoniais e se se deve ser aumentada a indemnização por danos não patrimoniais.

                                                                 *

              Os factos provados que importa à decisão daquelas questões são os seguintes:

         1- A autora era cabeça-de-casal da herança aberta por óbito dos seus pais, DA e de DM.

         2- Na sequência da propositura de acção de prestação de contas – 3012/08.2TVLSB [antes 104/07.9TJLSB-A, isto é, o apenso A do inventário respectivo] – por uma sua irmã, a autora procurou advogado que a pudesse representar, tendo reunido com o Dr. R que reencaminhou o seu caso para a Drª. L, para dar andamento ao processo, nomeadamente elaboração de procuração [a parte entre parenteses recto foi colocada por este acórdão, para melhor clarificação dos factos].

         3- Em 05/12/2011 a autora outorgou uma procuração a favor da ré e do réu, para a representarem naquele processo.

         4- Essa procuração deu entrada naquele processo em 21/12/2011.

         5- No dia 17/02/2012 [ou melhor, por carta elaborada a 16/02/2012], a ré foi notificada, via citius, do despacho proferido naquele processo, onde é dado um prazo de 30 dias para que a cabeça-de-casal apresentasse as contas relativas aos anos civis em falta e solicitadas pela irmã [a parte entre parenteses recto foi colocada por este acórdão, para melhor clarificação dos factos].

         6- No dia 29/02/2012, a ré enviou uma carta à autora, onde remete cópia do despacho e solicita que a autora apresente as contas e ainda que proceda à assinatura de uma procuração, a favor do réu, “para que passem ambos a ter acesso aos processos”.

         7- A autora assinou a procuração e, no dia 07/03/2012, enviou-a para a morada indicada na carta anterior com os “balanços” relativos aos anos de 2006 a 2010 [ou melhor, de Julho de 2005 a Maio de 2012, sempre inclusive] e informando que os “recibos dos gastos” relativos ao ano de 2005 (6 meses) e 2006 estavam na posse da antiga advogada [a parte entre parenteses foi aditada por este acórdão com base nos balanços invocados no próprio facto que fez uma leitura errada dos mesmos]

         8- A carta enviada pela autora foi recebida pela ré no dia 09/03/2012.

         9- Por requerimento entrado no dia 20/03/2012, o réu juntou a procuração e informou que ratificava todo o processado anteriormente elaborado pela ré, inclusive o praticado até ao dia 26/09/2011.

         10- Contudo, o réu não apresentou as contas enviadas pela autora.

         11- Em 12/04/2012, o tribunal notificou o réu do despacho onde se consigna que a aqui autora, devidamente notificada, não apresentou as contas relativas aos anos civis em falta, notificando a irmã para querendo proceder à sua apresentação em 30 dias.

         12- Em 23/05/2012, a irmã apresentou as respectivas contas.

         13- Quando o réu foi notificado do despacho saneador e para apresentar rol de testemunhas ou requerer outras provas, em 07/01/2013, limitou-se a apresentar o rol de testemunhas, não tendo junto qualquer documento nem reclamado contra a matéria de facto assente.

         14- A autora, após reunião em maio de 2013 com o réu percebeu que os documentos que tinha enviado não tinham sido junto aos autos.

         15- O julgamento estava marcado para o dia 13/05/2013.

         16- No dia do julgamento, a autora revogou a procuração a favor dos réus e constituiu nova mandatária para que a mesma a representasse na audiência discussão e julgamento.

         17- A autora foi notificada, através da sua mandatária, em 29/10/2013, da sentença, nos termos da qual foi apurado um saldo positivo a favor da herança de 285.429,30€ [ou melhor: 284.239,42€], que a ora autora foi condenada a distribuir [a correcção entre parenteses rectos foi colocada por este acórdão, tendo em conta a sentença referida].

         18- O único elemento probatório considerado relevante foi a prova documental, naquilo que foi comprovado e na ausência de documentos comprovativos ou da sua insuficiência, relativamente a alegadas despesas.

         19- A ré estava com a inscrição suspensa na OA desde o dia 00/09/2011.

         20- Em momento algum a ré informou a autora de que estava suspensa pela OA.

         21- A autora sentiu-se enganada e angustiada quando se apercebeu da falta de junção das “suas” contas e se apercebeu que a ré estava suspensa.

                                                                 *

Da impugnação da decisão da matéria de facto

              O tribunal não deu como provada a afirmação de facto feita pela autora de que, caso as contas apresentadas e enviadas pela autora aos réus tivessem sido enviadas para o processo, o saldo a favor da herança seria apenas de 34.143,69€; e fê-lo, segundo diz, por não ter sido feita prova suficiente da mesma.

           Contra isto a autora entende que [passa-se a transcrever, na parte minimamente útil, a respectiva argumentação, isto é, quase todo o corpo das alegações do recurso, evitando-se apenas algumas das muitas repetições e fazendo-se algumas simplificações]:

         Dada a matéria de facto provada, toda a documentação trazida pela autora e ainda a informação da acção de prestação de contas, impunha-se decisão diferente.

         O tribunal a quo tinha em seu poder toda a documentação e matéria necessária a uma decisão diferente, porquanto a autora juntou aos autos os balanços referentes aos anos 2005 a 2012, com todo o activo e passivo (documentos juntos com a PI sob docs 10 a 17).

         Tal facto consubstanciaria uma prova cabal da gestão do activo da herança por parte da autora.

         Que por se tratar de prova documental, devidamente suportada, suporte esse a que o tribunal a quo teve acesso, seria inabalável, consolidando assim a posição da autora face às suas pretensões.

         No decurso da acção de prestação de contas não foi impugnado qualquer documento junto pela aqui autora.

        Os factos carreados para os autos por prova documental transformar-se-iam em matéria assente e, portanto, matéria dada como provada, por ausência manifesta de oposição e, portanto, não seriam matéria controvertida, como facilmente se depreenderia de uma simples análise e consequente validação dos mesmos.

         Há uma relação directa e necessária entre os documentos a identificar e os factos cuja prova se pretende fazer através deles, mas o tribunal a quo entendeu não os validar.

         Também não resulta da prova testemunhal produzida qualquer matéria referente à prestação de contas ad substantia.

         O tribunal considerou que não foi feita prova suficiente daquele facto.

         A autora não entende que prova adicional pretendia o tribunal a quo que fosse produzida.

         Assim, a decisão está repleta de obscuridade no que toca ao desajustamento entre o que se passou durante a fase dos articulados, o julgamento, e a sentença.

         Os únicos elementos que existem são os documentos que a autora tem e os documentos que a sua irmã juntou à acção de prestação de contas, os quais o tribunal a quo também teve acesso por consulta, e, portanto, obrigação de os validar.

         Pelo que toda a convicção do julgador seria com base na prova documental, sendo que se impunha ao julgador, pelo princípio da equidade e proporcionalidade, tendo em conta todo o ensejo caricato de todo o desenrolar do processo da prestação de contas, dar pelo menos como provado que o saldo a favor da herança seria de 34.143,69€.

              Decidindo:

              A autora não tem razão.

              Antes de mais assinale-se que a autora não juntou a esta acção, ao contrário do que sugere, quaisquer documentos de suporte das contas que apresentou (neste processo). E as contas que apresentou são apenas folhas por ela intituladas de balanço activo e balanço passivo dos anos de 2005 a 2012, sem, repete-se, qualquer documento de suporte, sendo que os próprios balanços não têm qualquer referência a documentos, nem, aliás, qualquer assinatura ou rubrica.

              Ora, estes documentos – folhas elaboradas pela autora – não são prova de nada, já que documentos em que a autora expõe a sua versão da sua administração de facto das heranças dos inventariados não fazem, naturalmente, prova dessa mesma versão (arts. 373 e 376/2, ambos do Código Civil, apenas por exemplo).

              Por outro lado, não é verdade que “no decurso da acção de prestação de contas não tenha sido impugnado qualquer documento junto pela aqui autora.” Pois que alguns dos documentos juntos pela autora nessa acção – aliás, apenas relativos ao período de Julho de 2005 a Dezembro de 2006 – foram impugnados, nem que seja apenas quanto ao seu valor probatório – pela sua irmã.

              Mas, para além de não corresponder à verdade, a alegação não tem qualquer pertinência: se os documentos apresentados pela autora na acção de prestação de contas não tivessem sido impugnados e pudessem ter levado à prova de factos nessa acção, então era aí que a autora tinha que ter levantado a questão e não aqui. Dito de outro modo, se as despesas invocadas pela autora tivessem podido ficar provadas na acção de prestação de contas, de que é que a autora se estava a queixar nesta acção? Mais, se elas tivessem podido ficar provadas nessa acção, com base nos documentos ali juntos pela autora, esta não se poderia queixar dos réus, seus advogados naquela acção, mas sim da advogada que já então a estava a acompanhar naquela acção e que não tinha recorrido da sentença nela proferida, apesar de ela, segundo a autora, estar necessariamente em desconformidade com os factos, já que os documentos não teriam sido impugnados.

              Para além disso, aquela afirmação não faz ainda sentido ao pretender confundir aquilo que aconteceu, ou não, naquela acção, com o que aconteceu nesta. É que, para além do mais, aqueles documentos apresentados pela autora na acção de prestação de contas, não foram apresentados aqui, nesta acção, aos réus e eles não eram réus naquela acção, pelo que os mesmos não têm valor para provar factos nesta acção (art. 421/1 do CPC).

              Assim sendo, trata-se de um evidente salto lógico dado pela autora, o facto de ela invocar a não impugnação de documentos na acção de prestação de contas e, de seguida, sugerir que o facto dado como não provado nesta acção está provado por força daquela não impugnação.

             Sendo ainda completamente errado dizer, como faz a autora, que “Há uma relação directa e necessária entre os documentos a identificar [sic] e os factos cuja prova se pretende fazer através deles, mas o tribunal a quo entendeu não os validar [sic].”

              Por fim, o facto de a autora não ter entendido a decisão, não torna obscura a decisão. A decisão é clara em dizer que a prova produzida nesta acção – que foi só, realmente, a prova documental, já que as testemunhas ouvidas neste processo foram só as da ré (que obviamente nada disseram que favorecesse a autora), já que a autora não apresentou nenhumas (registe-se desde já este facto – a autora não apresentou testemunhas neste processo) – não foi suficiente para provar a afirmação de facto não provada, e isso é absolutamente claro e, para além disso, certo, como se verá melhor de seguida.

                                                                 *

              De qualquer modo, veja-se então melhor – notando-se que nada do que se segue é sequer aflorado nas alegações do recurso.

           Nesta acção a autora não arrolou testemunhas nem juntou documentos para prova das receitas e despesas que fez constar dos balanços que juntou. Balanços de que já se falou e que por isso já se sabe que não fazem prova de nada.

            Assim sendo, desde logo, a autora não podia estar à espera de conseguir fazer prova fosse do que fosse do que importa, ou seja, principalmente, da afirmação de facto dada como não provada na decisão que ela está a impugnar.

                Seja como for…

              Na acção de prestação de contas, a autora apresentou as contas de Julho a Dez 2005 e as de 2006, instruídas com os documentos justificativos, que ocuparam as págs. 35 a 83 relativamente às de 2005 e as págs. 84 a 216 relativamente às de 2006.

              A irmã analisou essas contas e documentos e, em relação a grande parte das despesas que tinham documentos de suporte aceitou-as, tal como, no essencial, aceitou as receitas.

                                                                 *

              Assim, em relação a 2005, as receitas invocadas pela autora eram de 10.876,74€ e dizem respeito apenas às rendas de um prédio de S [da Rua X – segundo se vê de fl. 85 do vol. 1, da acção de prestação de contas], embora a autora indicasse dois outros prédios, um na T [L – segundo se vê do assento de fl. 17 daquele vol. 1] e outro em Y, mas as rendas não lhes são referenciadas.

              Mais tarde, já se sabe, é a irmã que vem apresentar as receitas e, em relação às de 2005, o valor que apresenta é quase o mesmo, ou seja, 11.029,18€. Apesar desta diminuta diferença (152,44€), nota-se que a irmã refere o arrendamento também de uma vivenda em C que não tinha sido referido pela autora.

            Em relação às despesas, a autora invocava [na prestação de contas] o valor de 23.526,71€, com inúmeros documentos justificativos [mas nesta acção de indemnização dá um valor superior em quase mais 2000€, aqui sem qualquer justificativos; a alteração não abona muito à sua versão dos factos] e a irmã aceita quase 17.486,09€ (que foi o valor que o tribunal depois de produzida prova, aceitou). A diferença de 6040,62€ advém, quase toda, de despesas não documentadas, no valor de 5562,78€, ditas ‘despesas da mãe’. Para além disso e de outras despesas não documentadas, a irmã não aceitou também aquelas que tinham suporte aparente no doc. 2.

           Em consequência disto, parte das despesas aceites foram logo dadas como assentes, e foram levados à base instrutória o valor da diferença das receitas invocadas pela autora e pela irmã e quase todas as despesas que não foram aceites pela irmã e que tinham sido invocadas pela autora, ou seja, as chamadas despesas da mãe (quesitos 1 e 3 a 7).

              A autora tinha arrolado testemunhas e ambas foram ao julgamento. Uma delas não quis prestar depoimento – era irmã da autora e da irmã – e a outra prestou depoimento mas disse não saber nada, segundo se lê na respectiva fundamentação de facto (na acção de prestação de contas). A autora já estava então representada por advogada diferente dos advogados réus neste processo.

              O tribunal teve o cuidado de, em facto à parte, dar como provadas outras despesas que não tinham sido levadas à base instrutória mas que estavam provadas por documentos e deu também como provado o valor de receitas invocadas pela irmã, superior em cerca de 400€ ao invocado pela autora.

             Em suma: em relação a 2005 as receitas dadas como provadas foram, no essencial, as invocadas pela autora e aceites pela irmã – sendo que, curiosamente, no balanço de 2005 apresentado nesta acção, o valor das receitas invocado pela autora é até superior ao referido pela irmã: 13.226,74€ – e as despesas dadas como provadas estavam todas as documentadas. A autora pôde produzir prova testemunhal sobre as despesas que não tinham documentos justificativos, mas as testemunhas não ajudaram a isso, sendo que nessa altura a autora estava representada por advogado que não era nenhum dos réus neste processo.

                                                                 *

              Em relação a 2006 a autora invocou receitas de 22.691,30€, de novo apenas como rendas do prédio de S. Aqui, para além dos prédios de T e Y, é também referido um prédio de Ca, mas todas as rendas são reportadas unicamente ao prédio de S.

              A irmã vem a apresentar um valor de receitas de 27.028,98€, cuja diferença em relação às da autora justifica em parte com o facto de actualizar as rendas com o índice legal de 2,1%.

              Fica por explicar uma diferença de cerca de 4000€, o que podia ser feito a propósito do quesito 2. Já agora nota-se que o valor desta diferença é quase igual ao valor do arrendamento da vivenda em C (4288,20€).

              Quanto a despesas:

              A autora tinha invocado o valor de 14.960,78€.

              A irmã veio apresentar despesas no valor de 10.869,10€. Nelas aproveitou quase todas as despesas para as quais a autora tinha apresentado documentos. E quase todas elas foram levadas aos factos assentes. Isto embora inicialmente tivesse posto em causa a despesas de 7036,15€ que estavam documentadas (doc. 13).

              A diferença, também de cerca de 4000€, foi reflectida nos quesitos 8 a 13.

              Foram dadas como provadas despesas no valor de 12.058,71€ (alíneas c a p dos factos assentes e quesito 8), ou seja, mais do que as que irmã aceitava. O que ficou por provar foi o valor de 2900€ (correspondente quase à soma dos valores dos quesitos 9 a 13, ou seja, 2526,57€) que não tinha suporte documental.

                                                                 *

              Em relação a 2007, já se sabe que a autora não apresentou contas na acção de prestação de contas.

              A irmã fê-lo. As receitas, segundo esta, advêm dos mesmos arrendamentos de S e de C e ainda de quatro novos arrendamentos, agora de um prédio no CS. Têm o valor total de 51.256,04€ (sendo que as rendas de S e de C têm o valor actualizado, sendo as de C de 4421,13€ e as rendas de CS têm o valor de 23.400€).

              Neste processo de indemnização, o “balanço” de receitas apresentas pela autora é de 22.899,12€, sem qualquer discriminação ou referências, ou seja, a diferença em relação às da irmã é de 28.356,92€ (que se pode imaginar ser igual ao valor de 27.821,13€ das rendas de C e CS + a actualização de 3,1% das rendas de S).

              Em relação às despesas de 2007, a irmã apresenta as despesas de (i) taxa de conservação de esgotos de L – 168,43€ -, (ii) condomínio de um prédio de Ca, (iii) EDP de M, (iv) IMI – 1670€ – e (v) seguros, nos três últimos casos com actualizações anuais, no valor de 2201,63€.

              A autora, nesta acção de indemnização, refere um valor total de despesas de 7399,15€, sem qualquer documento justificativo e sem uma única referência concreta a qualquer documento de justificação. Tem uma única referência genérica, a meio desse “balanço” com o seguinte teor: “nota: para os que não têm factura, deve-se cruzar os dados com extracto do banco CGD.” As despesas mais significativas são as seguintes: técnico oficial de contas (349,60€), limpezas de terrenos (484€), prestação de contas (1644€), obras (284€), contribuições finanças (2039,83€), deslocações (1515,71€), contribuições esgotos (200,13€). Descontando as despesas com contribuições, que a irmã também refere, em valores mais ou menos aproximados, ficam 4277,31€ com gastos não correntes.

              As receitas e despesas invocadas pela irmã foram parar aos factos assentes.

              As diferenças entre as versões têm, por isso, a seguinte justificação: em relação às receitas (uma diferença de cerca de 28.000€), a irmã entende que os prédios de C e CS estão arrendados e a autora entenderá que não. Em relação às despesas (uma diferença de cerca de 5200€), a irmã apenas “aceitou” algumas despesas e a autora reclama muitas outras (sendo que 4277,31€ dos cerca de 7400€ têm a ver com despesas cuja necessidade teria que ser explicada).

                                                                 *

              O referido em relação às contas de 2007, verifica-se também nas contas de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012.

              Ou seja, a autora, neste processo de indemnização, invoca receitas diminuídas (de arrendamentos, aparentemente, de apenas um prédio de S e que vão cessando nalguns casos – embora em 2011 surjam outros e nesse ano as receitas aumentam) e despesas não correntes elevadas cuja necessidade teria que ser explicada (obras, dividas, deslocações), sem qualquer prova documental nem testemunhal.

              A irmã, no processo de prestação de contas invoca arrendamentos de outros prédios (C e CS), valores de rendas actualizados (de todos os contratos) e como se todos os arrendamentos se mantivessem sempre. E as despesas que refere são apenas as correntes, no essencial de esgotos, condomínios, EDP, contribuições e seguros, e com valores mais baixos que os da irmã.

                                                                 *

              Posto isto,

              Nesta acção de indemnização a autora, para provar um saldo positivo a favor das heranças muito inferior ao que foi apurado na acção de prestação de contas, teria que, em concreto, explicar (alegar e provar) que, ao contrário do que a irmã tinha dito na acção de prestação de contas, os prédios de C e CS não estavam arrendados, que as rendas dos contratos em vigor (do prédio de S) nunca foram actualizadas e que muitos desses contratos foram cessando.

              A autora não disse uma palavra que fosse sobre isto. Dito de outro modo, nesta acção a autora não tentou demonstrar, minimamente que fosse, que as receitas invocadas pela irmã na acção de prestação de contas não correspondiam à realidade.

              Por outro lado, a autora teria que provar todas as despesas por ela invocadas agora, nas folhas de balanço, relativamente aos anos de 2007 a 2012. Sendo que quase todas elas diziam respeito a despesas não correntes que teriam que ser explicadas e que, por isso, nunca poderiam ser provadas apenas com documentos que, de qualquer modo, a autora não juntou, mas com a ajuda de testemunhas que a autora não arrolou, anotando-se entretanto que as que a autora arrolou na acção de prestação de contas, relativamente às despesas de 2005 e 2006, não esclareceram absolutamente nada. Quanto às outras despesas, a autora teria que provar que tinham um valor superior àquele pelo qual elas foram arroladas pela irmã na acção de prestação de contas e pelo qual foram dadas como provadas e para isso teria que ter juntado documentos.

                                                                 *

              Tudo isto demonstra que a autora não fez, claramente, a mínima prova de que “caso as contas [que são meras folhas de balanço elaboradas pela própria] apresentadas e enviadas pela autora aos réus tivessem sido enviadas para o processo, o saldo a favor da herança seria apenas de 34.143,69€.”

              É, assim, totalmente improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto que já se revelava logo de início manifestamente improcedente.

                                                                 *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              Diz a autora nas conclusões do recurso (praticamente iguais ao corpo das alegações e aqui sintetizadas por este acórdão):

         Estão provadas violações dos deveres dos réus como advogados (a ré no início), previstos entre o mais nos arts. 95/1-a-b e 92/2 do EOA, e, ao contrário do decidido, os factos provados revelam a existência de um dano na esfera jurídica patrimonial da autora;

         Aplica-se inteiramente ao caso o conceito de “perda de chance” ou de oportunidade, como um dano (actual) autónomo consubstanciado numa frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer não fosse essa omissão.

         Existe uma corrente maioritária do STJ e dos tribunais da relação favorável à ressarciblidade, em determinadas circunstâncias, da perda de chance, como um dano autónomo em casos de violação da obrigação de meios, decorrente da responsabilidade civil profissional dos advogados. Esta tendência verifica-se também nos tribunais da relação (como se pode ver-se no ac. do STJ de 28/09/2010, proc. 171/2002.S1, e no ac. do TRP de 28/5/2013, proc. 672/08.8TVPRT.P1).

         O réu não apresentou os balanços das contas referentes aos anos de 2005 até 2012, que estavam em sua posse atempadamente e que seriam da maior importância para a causa; tal como não impugnou os documentos apresentados pela irmã e não reclamou do despacho saneador; caso, em vez disso, tivesse feito agido como devido, existe uma probabilidade séria e efectiva de a autora não ter sido condenada a distribuir o saldo de 284.239,42€ mas antes um valor muito inferior, mesmo que não fosse só o de 34.143,69€.

              Decidindo:

              Esta acção e as alegações de recurso foram construídas como se as “contas” aqui apresentadas pela autora fizessem prova suficiente de que todas as receitas das heranças no período em causa fossem só as que a aqui autora diz que foram e como se a autora tivesse feito todas as despesas que nessas “contas” diz ter feito.

              Ora, essas contas, que, como resulta dos factos provados, são consubstanciadas apenas pelas folhas dos balanços feitas pela autora, não fazem prova de nada, como já teve que ser explicado na discussão sobre a decisão da matéria de facto.

            Daqui resulta uma primeira conclusão: é que o prejuízo invocado não se provou minimamente: é que não fazendo as “contas” prova de nada, não é possível dizer que a autora teve um prejuízo de 250.095,73€, que é a diferença entre o saldo apurado na acção de prestação de contas (art. 284.239,42€) e o saldo (de 34.143,69€) que a autora diz que teria sido apurado com base nas contas que enviou aos réus (note-se entretanto que o prejuízo não podia ser calculado da forma como a autora o fez; sendo ela uma das 5 irmãs, a distribuição do saldo apurado seria uma distribuição igual pelas 5 irmãs, entre elas a própria autora; pelo que o prejuízo seria de 4/5 da diferença de saldos e não toda a diferença; mas mesmo este prejuízo, como apenas decorrência da acção de prestação de contas, não se poderia dizer certo, já que nela não intervieram as outras três irmãs, com preterição de litisconsórcio necessário activo natural – art. 33/2 do CPC [João Pedro Pinto-Ferreira, Litisconsórcio Necessário Legal e Litisconsórcio Necessário Natural. A Necessidade ou não da Distinção. Themis – Ano X – n.º 19 – 2010, págs. 99 a 102] -, o que, pelo menos em relação às irmãs, é certo que não permitiria a formação de caso julgado).

              Mas impõe-se uma segunda conclusão: como aquelas “contas” não têm qualquer valor – por não estarem munidas dos necessários suportes justificativos – o facto de a autora ter enviado essas “contas” aos réus e estes não as terem apresentado no processo de prestação de contas não provocou, só por si, nenhum prejuízo, pois que essas contas não provariam nada. 

              Quer isto dizer que, para que autora conseguisse provar algum prejuízo concreto sofrido com a actuação dos réus, ela teria que ter alegado e provado, nesta acção, que, para além de ter feito e enviado as contas, já então (na pendência da acção de prestação) tinha documentos justificativos de ter feito as despesas que aí dizia ter feito e de que elas diziam respeito à administração daquelas heranças, bem como que as únicas receitas que tinha tido eram aquelas que referia e que tinha testemunhas que completavam aquela prova na medida do necessário e que tinha dito isso tudo aos réus. Mas a autora não alegou nada disto e portanto nada disto ficou provado, não havendo, por isso, prova de que a autora pudesse vir a provar, na acção de prestação de contas, nada do que consta dos balanços em causa, na parte em que estão em desacordo com as contas apresentadas pela irmã nessa acção, a competente para o efeito.

                                                                 *

              Não deixa, entretanto, de ser verdade que o réu, à cautela, fossem quais fossem as circunstâncias e fosse o que fosse que lhe tivesse sido dito ou deixado de dizer pela autora, tinha obrigação de ter apresentado as contas (arts. 944 do CPC – ou 1016 na redacção anterior à reforma de 2013 – , 1157 e 1161 do CC e 95/1-a-b e 92/2 do Estatuto da Ordem dos Advogados na versão então em vigor, a de 2005), por imperfeitas que estivessem, pois que, de seguida, o juiz, perante a insuficiência delas, as deveria ter mandado aperfeiçoar com a instrução com os documentos justificativos (art. 944/2 do CPC = 1016/1 na redacção anterior).

              E mesmo que então a autora – que era ré naquela acção – não tivesse cumprido o despacho, ainda teria oportunidade para o fazer mais tarde, como decorre das várias hipóteses e estatuições do art. 945 do CPC (ou 1017 na redacção anterior).

              Mas não havendo qualquer notícia da existência de provas daqueles factos – de que aquelas eram as únicas receitas e de que a autora tinha feito todas aquelas despesas relacionadas com a administração das heranças dos inventariados -, tanto mais que nem agora a autora produziu tal prova, não se pode dizer que seja minimamente certo que, se o réu tivesse cumprido aquele dever, a autora teria conseguido fazer prova da sua versão da administração dos bens das heranças. 

                                                                 *

            Não tendo a autora, então ré, apresentado as contas de 2007 a 2012, a apresentação delas ficou por conta da irmã, autora naquela acção, e a autora, então ré, não as podia contestar (art. 943/2, parte inicial, do CPC = 1015/2 do CPC na redacção anterior à reforma de 2013).

              Talvez por isso, no processo de prestação de contas, as verbas das receitas e das despesas de 2007 a 2012 foram logo levadas aos factos assentes. 

              Sugere a autora, na petição inicial, que o réu devia ter reclamado dos factos dados por assentes depois da prestação de contas apresentadas pela irmã. Não explica porquê, nem a relevância disto, nem tira disto quaisquer consequências, muito menos neste recurso. Apesar disso, a verdade é que a autora tem razão e o relevo da questão decorre do que vem sendo dito.

              Com efeito, o facto de a autora, então ré, se ter colocado numa situação de não poder contestar as contas apresentadas de 2007 a 2012 pela sua irmã, por não as ter apresentado ela, não implica a admissão pela autora de todas as receitas invocadas pela irmã relativamente a 2007 a 2012 nem que as despesas desses anos foram só as por esta referidas. É que para o caso rege a norma do art. 943/2 do CPC (= 1015/2 na redacção anterior), ou seja, “as contas são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.” Pelo que, como já explicava Alberto dos Reis, perante iguais normas do CPC39, não obstante a revelia do réu e a inibição de este contestar as contas do autor, o juiz pode deixar de aprovar as verbas de receita e de despes e portanto o saldo acusado por essas contas.” (pág. 322, Processos Especiais, vol. I, reimpressão, Coimbra Editora, 1982).

              Quer isso dizer que as verbas das receitas e de despesas dos anos de 2007 a 2012 não deviam ter sido levadas aos factos assentes, devendo, sim, ser objecto de prova. E, assim sendo, o réu podia e devia ter reclamado do despacho de condensação em que se davam como assentes daquelas verbas.

              Não o tendo feito, aqueles factos ficaram provados, mesmo sem produção de prova sobre eles. 

              Mas aqui volta-se ao início. É que isto só corresponderia a um prejuízo se se pudesse dizer que, com um elevado grau de probabilidade, a aqui autora conseguiria provar, naquele processo, que as receitas não tinham sido tantas e as despesas não tinham sido tão poucas. Ou seja, a autora teria que ter alegado e provado aqui que podia ter provado ali que as receitas só abrangiam as rendas do prédio de S e que as despesas tinham sido muitas outras para além das que a irmã tinha relacionado. O que já se sabe que a autora não fez (e sabe-se também que em relação a 2005 e 2006 não tinha conseguido provar isso, apesar de ter produzido a prova documental e testemunhal que quis).

              Mais ainda, se se pudesse dizer que tal corresponderia, só por si, a um prejuízo concreto, o mesmo nem sequer poderia ser imputado, em última instância, aos réus, já que a autora estava representada por outra advogada no julgamento da acção de prestação de contas e aquando da notificação da sentença, podendo, por isso, no julgamento ter sugerido que eles passassem para a base instrutória (então art. 650/2-f do CPC antes da reforma de 2013), tal como aquando da notificação da sentença podia ter impugnado a decisão da matéria de facto na parte em que dava indevidamente como assentes factos que não deviam ser tidos como tal (neste sentido, por exemplo, isto é, de que os factos assentes não fazem caso julgado positivo, veja-se Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. 2.º, 2.ª edição, 2008, Coimbra Editora, págs. 412 a 414, em posição que, em 2013, já era absolutamente pacífica). Ou seja, aquele prejuízo concreto não teria sido então provocado pelo réu, mas sim pela nova advogada que com a sua actuação teria interrompido o nexo causal que pudesse ligar o prejuízo à conduta do réu.

              A autora diz também que os réus nunca lhe pediram quaisquer outros comprovativos de despesas tidas enquanto cabeça-de-casal, para que fossem juntos ao processo. Isto pode ser visto como tendo a ver com o que se disse acima (embora não seja certo, porque a autora fala de outros comprovativos, o que sugere que apenas está a dizer que seriam só aqueles que os réus julgassem necessários, e não todos, como se entende neste acórdão, pois a autora não apresentou nenhuns; aliás, repare-se, a autora nunca disse que tinha outros documentos). E, realmente, como já decorre do que antecede, entende-se que o réu devia ter feito esse pedido à autora. Mas, primeiro, não está dado como provado que não o tenha feito e a autora não impugnou a decisão da matéria de facto por ela não se ter referido àquela afirmação de facto. E, segundo, a questão volta ao início: a autora teria de demonstrar que tinha os comprovativos em causa e que por isso podia satisfazer o pedido que os réus lhe fizessem. O que, já se sabe, não fez.

              O mesmo vale em relação ao facto, que a autora também não discutiu em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, de o réu não lhe ter dado conhecimento das contas apresentadas pela irmã. Se isto tivesse ficado provado, sempre se poderia dizer que a autora teria sido alertada mais cedo para toda a situação e poderia ter agido mais cedo contra ela. Mas mesmo aqui não deixaria de ser verdade que tudo isto só teria relevo se pelo menos a autora tivesse feito prova nesta acção de que teria, noutras circunstâncias, apresentado, naquela acção, elementos de prova suficientes das receitas e despesas mencionadas nos seus balanços.

              E o mesmo é particularmente verdade no que se refere à censura que a autora faz de o réu não ter apresentado documentos para prova da base instrutória, já que, por um lado, os documentos que se sabem existir – de Julho de 2005 a Dezembro de 2006 – estavam no processo e, quanto aos outros, não se sabe sequer se existem (os balanços, como se viu acima, não contam como tal), porque a autora nunca o alegou nem provou (nem há indícios de que existam – para além daqueles que correspondiam a despesas correntes normais, sendo que em relação a estas a irmã as relacionou).

              Assim sendo, não se pode dizer que a clara violação dos deveres contratuais e deontológicos do réu – consubstanciada, em vários momentos, por não ter agido como devia em defesa dos interesses da sua cliente: não apresentando no processo os balanços que a autora lhe enviou, não dando conhecimento à autora das contas apresentadas pela irmã, não reclamando dos factos assentes, não apresentando documentos para prova dos quesitos – seja causa de um prejuízo certo, isto é, de um dano que os réus tivessem que indemnizar (arts. 798, 563, 564 e 566/3 do CC).

                                                                 *

              É certo, entretanto, face ao que antecede, que se pode afirmar que, face àquelas omissões do réu, a autora perdeu a oportunidade de fazer prova das receitas e despesas que entende serem as correctas.

              Mas a simples perda dessa oportunidade, sem prova minimamente segura de que, caso tivesse podido fazer uso dessa oportunidade, teria conseguido fazer prova daquelas receitas e despesas, não é aquele prejuízo certo exigível.

              Dito de outro modo, não se está a recusar que fosse indemnizável a diferença entre o valor que a autora foi condenada a distribuir naquela acção de prestação de contas, e aquele que a autora tivesse conseguido provar que, muito provavelmente (com um elevado grau de probabilidade) seria condenada a distribuir se o réu tivesse agido da forma devida. Mas a simples violação de deveres, sem aquela prova, não é suficiente.

              Ou seja, segue-se o entendimento corrente da jurisprudência do STJ (revelada em três acórdãos do STJ de 2017/2018 citados abaixo) de que “o dano daí [da perda de chance] resultante é indemnizável se se tratar de uma chance consistente, designadamente, se se puder concluir “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.”

              É tudo isto que, no essencial, foi dito pela sentença recorrida, com referência ao acórdão do STJ de 22/10/2009 [proc. 409/09.4YFLSB]: 5. Quanto à perda de chance, para efeito de apreciação judicial, há que distinguir entre as vertentes jurídica e factual. 6. No âmbito daquela, a figura não releva entre nós, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada. 7. Não se justificando mesmo, em qualquer caso, face à nossa lei, a redução indemnizatória acolhida noutros países, nem a inversão do ónus de prova.  8. Porém, no âmbito factual, nada impede que, se a prova o justificar, o juiz ficcione e fixe categoricamente os factos relativos ao resultado da chance. 9. Tendo sido considerado não provado que a autora obteria a menção de “Excelente” (não fora o impedimento de apreciação da sua candidatura), não pode ela obter indemnização pela diferença entre os vencimentos que auferiu e que auferiria, se obtida tal menção.

              No mesmo sentido, a ré invocava ainda, na contestação, os acs. do STJ [os sublinhados que constam a seguir, tal como os anteriores, foram colocados por este acórdão do TRL]:

              – de 29/04/2010, proc. 2622/07.0TBPNF.P1.S1 [9. Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. 10. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida. 11. Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa],

              de 26/10/2010, proc. 1410/04.OTVLSB.L1.S1 [VI – A mera perda de uma “chance” não terá, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória. VII – Só em situações pontuais ou residuais pode ser atendida, tais como em situações em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso, ou do atraso de um diagnóstico médico que diminuiu substancialmente as possibilidades de cura de um doente. VIII- A “perda de chance” não releva, no caso concreto, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada.  IX- Não tendo resultado provado que o despedimento colectivo fosse ilícito e não apontando os factos apurados para que haja forte probabilidade de assim ser considerado, não está verificado o nexo de causalidade adequada entre a omissão do réu, consistente na falta de impugnação do despedimento, e o dano invocado],

              – de 29/05/2012, proc. 8972/06.5TBBRG.G1.S1 [I – Os danos futuros só são indemnizáveis quando forem previsíveis. II- A doutrina da perda de chance ou de oportunidade, em geral, não tem apoio na nossa lei civil. III – Os danos decorrentes de uma conduta negligente de um advogado no desempenho de um mandato forense ou no exercício de apoio judiciário concedido a uma parte processual, para serem ressarcíveis exigem que se prove que sem essa conduta negligente os lesados teriam uma vantagem ou evitariam uma desvantagem que se consubstancia nos danos peticionados], e

              – de 30/05/2013, proc. 2531/05.7TBBRG.G1.S1 [10. Em sede de deserção do recurso, por falta de alegação do mandatário da parte vencida, a chamada perda de chance, não estando devidamente densificada, pondo-se até em causa que entre nós haja base jurídico-positiva para fundar, com base nela, direito a indemnização, só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou.].

              No mesmo sentido, entretanto, entre muitos outros e por mais recentes, revelando o sentido actual da jurisprudência do STJ sobre a questão, os seguintes (todos com múltiplos referências doutrinárias e jurisprudenciais no mesmo sentido):

            – o ac. do STJ de 24/03/2017, proc. 389/14.4T8EVR.E1.S1: V – A indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado.

            – o ac. do STJ de 30/11/2017, proc. 12198/14.6T8LSB.L1.S1: I. No domínio da perda de chances processuais […] a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual decorrente do recurso que o 1.º réu deixou de interpor assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.  II. Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adoptada pelo tribunal da acção sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da acção em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir. […] IV. O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art. 342/1 do CC).

              o ac. do STJ de 05/07/2018, proc. 2011/15.2T8PNF.P1.S1: III.  No caso de perdas de chances processuais é “razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado” (cfr. acórdão do STJ 30/11/2017, proc. nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1). IV. […] devendo[-se] seguir uma metodologia que comece por averiguar da existência ou não de uma probabilidade, consistente e séria, do sucesso do recurso que deixou de ser interposto e, caso se venha a concluir afirmativamente, determinar o respectivo quantum indemnizatório de acordo com as circunstâncias do caso concreto.]

            – o ac. do STJ de 17/05/2018, proc. nº 236/14.7TBLMG.C1.S1: II. A reparabilidade do dano de perda de chance encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência do STJ, que, em matéria de chance processual, tem seguido a orientação de que o dano daí resultante é indemnizável se se tratar de uma chance consistente, designadamente, se se puder concluir “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida. III. Assim, “desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo” (cfr. ac. do STJ de 30/11/2017, proc. 12198/14.6T8LSB.L1.S1).  IV. Ocorre a verificação de uma conduta ilícita e culposa do réu, mandatário da autora, no caso em que, notificado de que a p.i. por si apresentada, no âmbito de uma reclamação de créditos numa execução fiscal, havia sido recusada por estar endereçada a outro tribunal e não terem sido identificados os documentos que acompanhavam a petição, não veio apresentar nova petição corrigida, nem reclamar/recorrer da decisão da recusa da p.i., uma vez que tal configura uma violação dos deveres de diligência a que o réu se encontrava adstrito, violação que, por aplicação do art. 799/1 do CC, se presume culposa. V. Sabendo-se que a ora autora, enquanto credora hipotecária teria direito a ver satisfeito o seu crédito pelo produto da venda do bem objecto da garantia, com preferência sobre os demais credores (salvo quanto ao crédito de IMI, assistido de privilégio creditório), não merece censura o juízo da Relação segundo o qual a autora, “com grande probabilidade veria satisfeito, pelo menos em parte, o seu crédito” pelo que, no caso, se pode concluir pela verificação do dano de perda de chance processual, assim como do nexo de causalidade entre a conduta do réu e tal dano, havendo lugar a indemnização pelo valor correspondente à quantia pelo qual o imóvel foi adjudicado, deduzido do crédito de IMI e do montante das custas da execução.

              É este o sentido actual da jurisprudência corrente do STJ, não tendo sido seguida a posição inicial revelada no acórdão do STJ invocado pela autora (de 28/09/2010, proc. 171/2002.S1: entendeu-se que, pelo simples facto de o réu não ter contestado, por culpa do advogado constituído, o cliente devia ser indemnizado, independentemente de saber se o resultado da acção seria diferente; de qualquer modo, note-se que no caso deste acórdão do STJ a falta de contestação implicou a confissão dos factos e por isso a condenação, o que, como se viu acima, não era o caso da acção de prestação de contas; já o ac. do TRP de 2013, também invocado pela autora, não afasta a necessidade de um juízo de probabilidade elevada de vencer a acção).

              Como foi assim que a sentença recorrida decidiu, conclui-se que está certa.     

                                                                 *

              Quanto aos danos não patrimoniais

              A sentença recorrida ligou causalmente os ‘danos’ revelados no ponto 21 dos factos provados com a actuação, entre o mais, do réu, que considerou ilícita e, por isso, condenou os réus na indemnização destes danos cujo valor fixou em 2500€.

              A autora vem dizer que:

         Não concorda com a condenação do réu apenas a pagar 2500€ por danos não patrimoniais, quando o devia ter sido em 5000€, atendendo ao elevado grau de culpa e elevado grau de irresponsabilidade por parte dos deveres a que o réu estava obrigado; tal valor não é justo nem equitativo, pelo facto da autora ter perdido a chance, com probabilidade, de ter um prejuízo muito inferior ao que foi condenada.

              Decidindo:

              Dado o conteúdo desta conclusão e aquilo que já se disse acima – no relatório deste acórdão – quanto ao recurso, vê-se a autora restringiu o recurso à condenação do réu, não também da ré. E visto que foi só a autora que recorreu, a questão é só a de saber se a indemnização por estes danos deve ou não ser aumentada dos 2500€ para os 5000€.

              A jurisprudência do STJ tem sido no sentido, mesmo quando não se verificam os danos patrimoniais invocados, de confirmar a condenação daqueles que não fizeram aquilo que deviam ter feito, provocando com isso nos demandantes os mesmos tipos de danos que aqui foram dados como provados, em indemnização por danos não patrimoniais. 

              Assim sucedeu, apenas por exemplo, nos acs. do STJ de 22/10/2009, proc. 409/09.4YFLSB, de 29/04/2010, proc. 2622/07.0TBPNF.P1.S1 (para uma situação em que também estava em causa o mesmo tipo de danos provocado por uma conduta ilícita de um advogado; atribuiu 2000€, baixando o valor de 3000€ que tinha sido confirmado pelo acórdão do TRP) e de 29/05/2012, proc. 8972/06.5TBBRG.G1.S1.

              Considera-se, por isso, que a indemnização se justifica, tal como se justifica o valor atribuído, não devendo ser aumentado. A pretensão contrária da autora tem a ver, no fundo, com a consideração dos danos patrimoniais que diz ter sofrido (perda de chance), não com os não patrimoniais (vítima de engano e angústia).

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              A autora perde as suas custas de parte por ter decaído no recurso. (os réus não têm custas de parte no recurso por não terem alegado).

              Lisboa, 20/09/2018

              Pedro Martins                          

              1.º Ajdunto

              2.º Adjunto