Execução do Juízo de execução de Almada
Sumário:
Tendo o recurso interposto para o tribunal da relação por objecto uma nulidade processual, o mesmo deve ser convolado em arguição de nulidade (art. 193/3 do CPC), cuja decisão é da competência da 1.ª instância, se tiver sido interposto no prazo de arguição da nulidade, como no caso ocorreu.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
1- Nesta execução movida por B-SA, foi penhorado, entre outros, um imóvel – a fracção E de um edifício sito em CC – propriedade de um dos vários executados – R.
2- Sobre essa fracção foi registada, depois daquela, uma outra penhora efectuada numa outra execução, a favor do D-SA, também credor daquele executado, que, depois de suspensa a execução respectiva [intentada em 10/09/2001 e que corria termos no 8º Juízo Cível de Lisboa sob o n.º 3690/01.3YXLB, pelo valor de 4302,75€ acrescidos dos juros devidos à taxa supletiva legal desde 05/06/2001 até integral pagamento], veio reclamar o seu crédito nesta execução, o que foi admitido; o crédito reclamado não foi impugnado.
3- Entretanto os executados pagaram a quantia exequenda e, por isso, o exequente veio requerer ao tribunal a 06/07/2015 a extinção da execução, bem como o cancelamento da penhora (sobre aquela fracção).
4- A 15/09/2015, a Sr.ª Agente da Execução consignou a extinção da execução com referência ao art. 849/2-b do CPC e notificou essa extinção ao exequente e aos executados, mas não a notificou ao credor reclamante.
5- A 20/10/2015 foi proferido despacho, com a referência nº 340182222, a determinar o cancelamento da penhora, despacho que foi notificado ao credor reclamante com carta elaborada a 22/10/2015.
6- Na mesma data, foi proferido despacho a julgar extinto, por inutilidade superveniente, o apenso de reclamação de créditos, também notificado a 22/10/2015.
7- A 10/11/2015 o credor reclamante vem recorrer daquele despacho com a referência 340182222, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Em 02/06/2014, o credor juntou aos presentes autos reclamação de créditos relativamente à fracção autónoma designada pela letra E do prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de A sob o n.º 000, freguesia de C, uma vez que havia procedido ao registo de penhora de referido imóvel, no âmbito do processo executivo por si intentado, tendo[-se] verificado a existência de penhora anterior registada nos presentes autos[;] o processo executivo por si intentado [foi] sustado nos termos do art. 794 do CPC, para que [o] exequente, ora credor reclamante, reclamasse os seus créditos nos presentes autos.
B) A referida reclamação de créditos foi notificada aos restantes intervenientes processuais em 09/06/2014, para que caso assim o entendessem fossem impugnados os créditos reclamados pelo ora impetrante, o que não aconteceu.
C) O credor reclamante apenas foi notificado agora, em 22/10/2015 [ou melhor, por carta então elaborada], na mesma data em que foi notificado do despacho que determinou o cancelamento da penhora, do despacho com a referência nº 340182189, o qual determinava a extinção do apenso da reclamação de créditos por inutilidade superveniente da lide (art. 277 do CPC), uma vez que os autos principais haviam sido extintos pelo pagamento.
D) Só agora o credor reclamante tomou conhecimento de que havia sido requerido pelo exequente a extinção da execução pelo pagamento, uma vez que, apesar da Sra. Agente de Execução ter expedido em 15/09/2015, notificações para os demais intervenientes processuais, nos termos do art. 849/2 do CPC, dando conta da extinção da execução, nos termos do art. 849/1-b do CPC, na verdade, para o credor reclamante, nenhuma comunicação foi remetida, motivo pelo qual o mesmo desconhecia em absoluto o pedido de extinção efectuado.
E) Assim, não foi concedido ao ora impetrante o direito de, caso assim o entendesse, requerer a renovação da instância extinta, nos termos do art. 850/2 do CPC, já que o crédito por si reclamado se encontra efectivamente vencido e foi reclamado para ser pago pelo produto dos bens penhorados, os quais não chegaram a ser vendidos uma vez que os executados efectuaram o pagamento ao exequente.
F) O credor reclamante pretendia, caso tivesse sido notificado para tal, requerer a renovação da instância nos termos do artigo supra mencionado, “para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito”.
G) Mas apesar de não ter sido notificado para o efeito, o credor mantém o seu interesse na renovação da instância, pelo que não poderá ser ordenado o cancelamento da penhora registada nos presentes autos, devendo ser ordenado à Sr.ª AE a notificação do credor reclamante, na pessoa do seu mandatário judicial constituído nos autos, nos termos e para os efeitos do 849/1-b e 2.
H) O exercício da faculdade prevista no art. 850/2 do CPC pressupõe a notificação exigida no art. 849/2 do CPC, uma vez que sem a mesma não poderia o credor exercer tal faculdade.
I) Tendo sido omitida tal formalidade, a irregularidade cometida influiu claramente na decisão da causa, constituindo nulidade, nos termos do art. 195/1 do CPC, o que determina a anulação dos termos subsequentes à referida omissão, de acordo com o que imperativamente dispõe o art. 195/2 do CPC.
J) Deve por isso ser declarada a nulidade da omissão da notificação prevista no art. 849/2 do CPC e, consequentemente, a anulação dos trâmites processuais subsequentes à referida omissão.
K) De igual modo, deverá ser determinada a realização da omitida notificação, de forma a viabilizar a faculdade que assiste ao recorrente, de requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, o prosseguimento desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
L) Por fim, deve, igualmente, ser revogado o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que determine a manutenção da penhora.
M) Razão pela qual o despacho recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts 849/2, 850/2 e 195/1 do CPC devendo ser revogado, o que a final se requer.
N) Atento o que se expos acima impõe-se que não seja cancelada a penhora sobre o imóvel indicado em A).
8- Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações, apesar de exequente e executados terem sido notificados das alegações.
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Apesar da existência de várias outras pretensões do recorrente, constantes das alíneas J a N das conclusões do recurso, o despacho recorrido é só aquele que tem a referência 340182222, como expressamente referido pelo credor reclamante.
Por outro lado, não se pode recorrer de situações de mora na prática de actos pelos agentes de execução.
Dos actos e omissões dos agentes dos agentes de execução reclama-se para o juiz, como resulta do art. 723/1-c do CPC (segundo Lebre de Freitas, A acção executiva; CPC anotado, vol. 3.º, 2003, Coimbra Editora, págs. 272 e 274), ou, noutros entendimentos, sendo um vício de procedimento, argúi-se uma nulidade processual do art. 195/1 do CPC [Henrique Delgado de Carvalho, O caso estabilizado dos actos e das decisões do agente de execução (Contributos para uma teoria geral dos actos e das decisões do agente de execução), publicado no blog do IPPC de 02/05/2017], ou reclama-se pela inacção ou mora do mesmo nos termos do art. 723/1-d do CPC [Rui Pinto, A reclamação de actos e decisões do agente de execução, Junho de 2017, págs. 4 a 6, publicado no blog do IPPC de 19/06/2017].
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Posto isto, importaria então conhecer do recurso contra o despacho de 20/10/2015, com a referência nº 340182222, a determinar o cancelamento da penhora, despacho que foi notificado ao credor reclamante com carta elaborada a 22/10/2015.
Os factos que importaria ter presentes para a decisão daquela questão, são os que constam dos cinco primeiros parágrafos do relatório deste acórdão e aqueles que constam das conclusões A a D do recurso e estão todos provados pelas próprias peças processuais respectivas, desta execução e do apenso de reclamação de créditos – que este tribunal de recurso consultou electronicamente depois de obtido o respectivo acesso -, isto é, estão provados pelo histórico do processo electrónico e pelos documentos 1 a 3 que o credor reclamante apresentou no referido apenso de reclamação de créditos.
Posto isto,
O art. 849/2 do CPC dispõe que “a extinção é notificada ao executado, ao exequente e aos credores reclamantes.” O art. 850/2 do CPC dispõe que “o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito”. E depois acrescenta que “3. O requerimento faz prosseguir a execução, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assume a posição de exequente.” e “4. Não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento.”
Decorre daqui que o que o credor reclamante aponta ao juiz é que não deveria ter proferido o despacho de cancelamento – ou melhor, de levantamento (veja-se, por exemplo, os termos usados pelo art. 763 do CPC) – da penhora, sem que o credor reclamante tivesse antes sido notificado da extinção da execução para poder requerer o prosseguimento da execução que, prosseguindo, prossegue com a penhora do bem em causa [neste sentido, o recorrente invoca inúmeros autores que explicam este jogo das normas: Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, Volume III, pág. 639; Lopes Cardoso, Manual da acção executiva, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, pg. 1024, o ac. do TRG, de 05/07/2007, proc. 1004/07-2; para um caso paralelo de nulidade por falta de notificação do credor reclamante, Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 383, lembra ainda o ac. do STA de 29/01/2014, proc. 01961/13].
Mas, sendo assim, este erro do despacho imputado é um erro de procedimento, do acto como parte de uma sequência processual, não do conteúdo do acto. Ou seja, não é um erro de julgamento do despacho ou uma nulidade desse despacho (art. 613 e 615 do CPC), que pudesse ser objecto de recurso, mas uma nulidade processual (art. 195 do CPC), por o despacho ter sido proferido em momento impróprio, sem que se tivesse praticado um acto que devia ter sido praticado antes dele, de acordo com a sequência legal. E não se pode dizer que o despacho esteja implicitamente a dar cobertura à infracção.
Ora, das nulidades processuais reclama-se, não se recorre.
Assim, o que o credor reclamante devia ter feito era arguir a nulidade processual por reclamação para o juiz, e não recorrer.
Mas o facto de ter interposto recurso, em vez de ter arguido a nulidade processual, deve ser corrigido pela via da convolação (art. 193/3 do CPC), se possível, ou seja, se o recurso tiver sido interposto dentro do prazo da arguição da nulidade.
Neste sentido, por exemplo, o entendimento, fixado por acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, n.º 3/2014, publicado no DI, Iª série, de 15/10/2014, para um caso paralelo e para uma situação semelhante àquela que se discutia já antes da reforma de 2013 do CPC: “[…] é possível a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.”
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O que, no caso, se pode considerar que ocorreu, pelo seguinte:
O credor reclamante foi notificado por carta elaborada a 22/10/2015 – com a qual teve conhecimento da nulidade em causa -, pelo que se considera notificado a 26/10/2015 (art. 248 do CPC – já que o dia 25/10/2015 é um domingo).
Assim sendo, o prazo de 10 dias terminava a 05/11/2015.
Mas o acto ainda podia ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes (art. 139, n.ºs 4 e 5 do CPC) que foram os dias 06, 09 e 10/11/2015 (6ª, 2ª e 3ª feiras).
Pelo que, tendo o credor reclamante apresentado o recurso no dia 10/11/2015, fê-lo no 3º dia útil.
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Assim, o recurso deverá ser convolado em arguição de nulidade processual, cuja validade, no entanto, está dependente do pagamento da penalização do art. 139/6 do CPC e da multa do art. 139/5-c do CPC.
Como o credor reclamante já pagou, pela interposição do recurso, 1224€, há apenas que, para possibilitar a convolação, descontar no valor pago aquilo que ele teria a pagar.
O valor que ele teria a pagar é igual a: 51€ de taxa de justiça pela reclamação (arts. 7/4 e 6/6 do RCP e rectângulo 13 da tabela II), mais 40% dessa taxa de justiça a título de multa (139/5-c do CPC), ou seja, 20,40€, mais 25% do valor da multa, a título de penalização (art. 139/6 do CPC), ou seja, 5,10€, com o total de 76,50€.
Assim, descontam-se estes 76,50€ naqueles 1224€ e considera-se que o credor reclamante já pagou o que devia ter pago pela reclamação da nulidade (sobrando 1147,50€).
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Assim sendo, convola-se o recurso para este TRL em arguição de nulidade por reclamação para o tribunal de 1.ª instância, a ser decidida por tal tribunal.
O credor reclamante vai condenado em 1UC de taxa de justiça pelo incidente anómalo (art. 7/4 do RCP e rectângulo 10 da tabela II) a que deu causa (UC que é de 102€ que se descontam naqueles 1147,50€, pelo que o credor reclamante tem direito à devolução de 1045,50€).
Lisboa, 04/10/2018
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto