H e M intentaram a presente acção especial pedindo que seja revista e confirmada a sua decisão de se divorciarem um do outro, declarada a 29/07/2017 em requerimento de registo civil e aceite pelo Presidente da Câmara Municipal de Suginami-Ku, Tóquio, Japão, e por isso registada e com efeitos naquela mesma data (tudo como consta do certificado do registo do divórcio e da sua tradução, ambos juntos aos autos – o casamento está transcrito em Portugal, conforme certidão também junta aos autos).
O Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer favorável ao pedido.
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Fez-se a leitura do pedido (pretensão prático-jurídica) formulado, reconfigurando-o ao abrigo do art. 5/3 do CPC, tendo em conta o seguinte:
Segundo se informa em http://nippobrasil.com.br/especial/552.shtml (consultado em 12/02/2019), “[no Japão] na grande maioria dos casos (90%) a dissolução do casamento é feita por meio de acordo mútuo entre o casal, chamado kyoogi rikon (divórcio por consulta). Nesse tipo de processo, as partes preenchem o registro de divórcio, que é entregue na prefeitura ou administração regional e, após a aceitação do documento, a união está desfeita.”
Num livro de João Pedro Corrêa Costa, De decasségui a emigrante, Brasília, 2007, pág. 163 [consultado em https://books.google.pt/books – a 12/02/2019], diz-se que no Japão, “[p]ara a confirmação do divórcio, basta, a exemplo do casamento, a simples notificação por escrito das partes à prefeitura de domicílio, chamado ‘divórcio por mútuo consentimento’ (kyôgi rikon). Salvo a questão da guarda de filhos, nenhuma outra condição material do divórcio (divisão de bens, indemnizações ou pensões) é comunicada, presumindo-se que as partes tenham chegado a um entendimento a respeito. Tão informal é este procedimento que pode até mesmo ser enviado pelo correio. ”
Cláudia Lima Marques, no artigo ‘O Direito Internacional Privado solucionando ‘conflitos de cultura:· os divórcios no Japão e seu reconhecimento: no Brasil’, diz que “[p]erante a cultura japonesa, de resolver de forma interna e discreta os problemas familiares (Fromont, 1994, p. 134-135), não é de espantar que existam no país duas “formas” privadas consensuais ou mediadas de dissolução do casamento, sem qualquer presença do Estado no que se refere à declaração de vontade, que é apenas comunicada por meio do registro a posteriori no cadastro administrativo do prefeito ou do distrito ou vila rural (Arts. 1 e 16 do Kosekihô).” E continua: “Em sua palestra de 2001, a professora Nishitani resumiu as regras sobre o Divórcio no Direito Japonês da seguinte forma: “O Código Civil Japonês (CC], Kasai Geppô) prevê o divórcio privado e o divórcio judicial. A lei sobre Decisões em Matéria Familiar (LDMF, kaji shinpanhô) prevê o divórcio arbitral (administrativo) voluntário e o divórcio arbitral imperativo. Assim temos: (I) Divórcio privado (§§ 764 e 739 CC]) => Deve ser registrado no “registro familiar” (koseki) conforme a Lei sobre o Registro Familiar (kosekihô) […].” (http://www2.senado.leg.br/ consultado a 12/02/2019).
A Embaixada de Portugal em Tóquio, no Japão, informa [em http://embaixadadeportugal.jp/pt/consular/divorcio/, consultada em 12/02/2019] que existem quatro tipos de registo de divórcio no Japão: Divórcio por mútuo consentimento (Kyogi rikon) na Câmara Municipal […]”
Francisco Cláudio de Almeida Santos [Ministro (≈ Juiz Conselheiro) aposentado do Superior Tribunal de Justiça [do Brasil], advogado] em artigo intitulado Homologação de “sentenças” estrangeiras de divórcio consensual, publicado em B12 – BDjur, consultado em https://core.ac.uk/download/pdf/79074622.pdf, a 12/02/2019], dá conta de uma sentença estrangeira brasileira (SE 1.312) em que o curador (≈ MP português) resumia assim [nessa parte sem discussão] o regime deste tipo de divórcio no Japão: “O oficial chamado Prefeito, no Japão, exerce funções semelhantes ao do oficial do Registro Civil, registra, mas não intervém na elaboração do acto. Estamos, pois, em face um divórcio decretado pela vontade livre dos cônjuges e apenas registrado – não homologado – por uma autoridade.” (pág. 5).
E depois, o autor, escreve (págs. 9 e 10):
“O divórcio japonês por acordo (divorce by agreement) está previsto no art. 763 de seu Código Civil, como antes mencionado, que, consultado em sua versão em inglês, tem esta singela redação: “Husband and wife may effect divorce by agreement.” (Application mutatis mutandis of the provisions on marriage).
E este acordo é apresentado para registro ao ward office, que é o “ofício do distrito”, ou seja, perante o oficial do registro e que, entre nós, vem sendo chamado de “prefeito”. Não há, na verdade, um pedido de divórcio, nem uma homologação ou deferimento de pleito. Há um simples registro do divórcio e nisso se identifica bastante com o nosso, o divórcio por escritura pública de casais sem filhos menores (“A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis”, é o que dispõe o § 1º do art. 1.124-A do CPC, dispositivo acrescido pela Lei 11.441/2007, já citada).
Em suma, estamos perante um divórcio privado, resultante apenas das declarações dos cônjuges, não de uma sentença, mesmo que apenas homologatória.
Mas a revisão pedida é necessária e é hoje aceite sem dúvidas que o conteúdo do art. 978 do CPC tem amplitude suficiente para abranger decisões ou situações que resultem de declarações juridicamente previstas para o efeito, ainda que não provindas do tribunal, quando tal seja admissível no país estrangeiro, o que no caso resulta dos arts. 763 e 764 do CC japonês e 1 e 16 da Lei do Registo Familiar.
Posto isto,
Os factos relevantes para a decisão são os acima consignados e estão provados pelos documentos referidos.
A revisão pedida é, como já se disse, necessária (art. 978 do CPC).
Este tribunal é o competente para o efeito (art. 979 do CPC).
Não existem dúvidas sobre a autenticidade do documento do qual resulta a decisão em causa nem sobre a inteligência da decisão, nem o seu reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (o que se declara tendo em vista o disposto nas alíneas a e f do art. 980 do CC).
Não existem dados que sequer indiciem que, no “processo” donde resultou a decisão não tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, pois que ela resulta das declarações dos dois cônjuges, nem que a sua possibilidade tenha sido provocada em fraude à lei, ou que esteja pendente ou já tenha sido proferida outra decisão em Portugal (o que se declara tendo em vista o disposto nas alíneas b a e do art. 980 do CC).
Pelo que, nada obsta à revisão e confirmação da decisão em causa.
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Pelo exposto, julga-se procedente a pretensão dos requerentes e, em consequência, decide-se rever e confirmar a sua decisão de se divorciarem, declarada ao registo civil japonês e aí já registada depois de aceite, considerando-se por isso divorciados com o registo daquela decisão a 29/07/2017, decisão que assim passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Valor da causa: 30.000,01€.
Tendo em conta o disposto no art. 14-A/1c) do RCP, não há lugar ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça. Isto é, tudo o que havia a pagar por este processo são os 306€, já pagos.
Oportunamente, dê-se cumprimento ao disposto nos arts 78 e 79/4 do Código de Registo Civil.
Lisboa, 14/02/2019
Pedro Martins