Oposição à execução do Juízo de Execução de Sintra – J2

                  Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

           Em 20/10/2016, a C requereu uma execução contra os herdeiros de uma mutuária e os fiadores desta, N e MCMSC, relativamente a 5617,39€ de capital em dívida, mais 4682,97€ de juros vencidos entre 02/01/2012 a 17/10/2016, mais juros vincendos a partir de então, à taxa de 11,95% que inclui a sobretaxa de 3% ao ano nos termos do DL 58/2013, de 08/05, mais 638,99€ de comissões, tudo na decorrência do incumprimento de um contrato de mútuo de 12.852,77€ celebrado a 28/11/2008, que apresenta como título executivo junto com a nota de débito (tem-se em conta o requerimento executivo, com o título, agrafado à contracapa do processo…).

           Os fiadores opuseram-se à execução, pedindo a anulação dela porque não teriam sido interpelados para o pagamento e por isso a dívida não estaria vencida; ou, subsidiariamente, querem que a execução prossiga apenas por 1917,39€, que é a diferença entre o capital pedido (5617,39€) e aquilo que já pagaram (3700€), isto é, sem juros; e a condenação da exequente em multa e indemnização como litigante de má fé (por ter omitido a falta de interpelação e a existência de pagamentos) e ainda em indemnização por danos causados com a execução.

              A exequente contestou, excepcionando que os fiadores a contactaram para acordar o pagamento da dívida e depois foram informados do valor dela (de 7770,05€ de capital em dívida em 18/07/2014) e por isso se têm de ter como interpelados para o seu pagamento, tendo aliás realizado entregas para o efeito, que foram tomadas em conta nos juros e no capital em divida no requerimento executivo; concluem no sentido da improcedência da oposição e dos pedidos de multa e de indemnizações.

            Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente a oposição, determinando “o prosseguimento da execução pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, à data da propositura da execução, sem prejuízo do valor já pago por conta de tal quantia, no valor de 3700€, a imputar nos termos do disposto no artigo 785 do Código Civil. Custas pelo exequente e pela executada/opoente na proporção dos respectivos decaimentos. Registe e notifique – sendo a exequente para, no prazo de 10 dias contado do trânsito em julgado da presente sentença, proceder a nova liquidação da obrigação exequenda em conformidade com o supra decidido – e comunique ao AE”.

             Os fiadores recorrem desta sentença – para que seja “anulada” e substituída por outra que julgue procedente a oposição -, com alegações em que o corpo das alegações é complementado em vez de sintetizado nas conclusões e em que não impugnam a decisão da matéria de facto, embora no relato que fazem da situação incluam inúmeros factos que não constam dos factos dados como provados na sentença; entendem, em síntese feita por este acórdão, que:

         i- não devem juros por não terem sido formalmente interpelados para o cumprimento da dívida, o que tinha de acontecer por terem renunciado ao benefício do prazo estipulado no art. 782 do CC, como dizem os acórdãos do TRL de 19/11/2009, proc. 701/06.0YXLSB.L1-6; e do TRP de 23/06/2015, proc. 6559/13.6TBVNG-A.P1.

         ii- deixaram de pagar os valores que estavam a pagar durante as negociações com a exequente porque esta queria que celebrassem um novo contrato de mútuo, capitalizando os juros, ficando em dívida um valor na ordem de 14.000€, quase o dobro da quantia em dívida à data do óbito da mutuária;

         iii- não faz sentido que a sentença ordene que a execução prossiga pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas quando todas as prestações já se tinham vencido antes da execução ter sido requerida;

         iv- a sentença não tem conta que, para além dos 3700€ já pagos, foram ainda penhorados aos executados 3761,57€, o que perfaz 7461,57€;

         v- foi a exequente que com a sua inércia, falta de transparência e de rigor originou esta situação, pois na data em que lhe foi comunicada a decisão do seguro de vida, deveria ter interpelado os fiadores para regularizarem a situação;

         vi- o tribunal recorrido não podia esquecer que a mutuária faleceu e que o seu incumprimento deriva do seu óbito;

         vii- tendo sido accionado o seguro de vida e decorridos mais de 3 anos desde essa data sem que a exequente nada tenha dito, era mais do que lícito os fiadores estarem seguros de que a situação tinha ficado resolvida;

         viii- a exequente, pelo menos desde o dia 05/03/2012, tinha conhecimento da decisão da companhia de seguros, sem que nada tenha feito;

         ix- os fiadores nunca foram informados da recusa da companhia de seguros.

         x- no final, já depois das conclusões, os executados voltam ao pedido da condenação da exequente em multa e indemnização, como litigante de má fé e por danos causados pela execução, nos mesmos termos deduzidos na oposição à execução, sem que, no corpo ou nas conclusões das alegações conste qualquer referência a esta matéria.

              A exequente contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso.

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              Questões que importa decidir: se a execução não devia prosseguir, no todo ou pelo menos em parte.

                                                                 *

              Os factos provados com relevo para a decisão da causa são os seguintes:

             1- A C (na qualidade de mutuante), A (solteira, na qualidade de mutuária) e os executados/opoentes (na qualidade de fiadores), celebraram o “contrato de mútuo”, cuja cópia se mostra junta a fls.6 a 11 da execução e o teor se dá por reproduzido

[entre o mais constam do contrato as seguintes cláusulas:

3. Finalidade: o empréstimo destina-se à aquisição de bens ou serviços vários, para uso ou consumo dos clientes, de modo a satisfazer as suas necessidades pessoais ou familiares.

8. Taxa de juros: O capital em dívida vence juros a uma taxa fixa de 8,95% ao ano […]

10. Pagamento dos juros e do capital:

10.1- O empréstimo será reembolsado em 60 prestações mensais, de capital e juros, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da data da perfeição do contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

20.1-a A C poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de […] incumprimento pelos clientes ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato – cfr. cláusula 20.1, alínea a).

21.1- Fiança:

a- As pessoas identificadas para o efeito no início do contrato constituem-se fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à C pelos clientes no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos […]”

b- Os fiadores renunciam ao benefício do prazo estipulado no art. 782 do CC […]

Data da perfeição do contrato: o presente contrato considera-se perfeito na data que for abaixo aposta na zona de assinaturas dos representantes da C enquanto contratante que assina em último lugar

[…]

Data considerada para perfeição do presente contrato: 28/11/2008

o conteúdo deste parenteses foi introduzido por este acórdão]

               2. A mutuária celebrou com a Seguros o contrato de seguro ramo vida, associado ao contrato de mútuo, com o número de apólice 1.

               3. A mutuária A faleceu em 20/03/2011.

      4. A seguradora recusou o pagamento da indemnização por “omissões ou inexactidões negligentes”.

           5. A seguradora remeteu ao cônjuge sobrevivo [da mutuária], JCMS, por correio registado com aviso de recepção, a carta cuja cópia se mostra junta a fl.80v cujo teor se dá por reproduzido [a carta data de 05/03/2012 e o assunto é o que consta de 4 – conteúdo deste parenteses introduzido por este acórdão].

              6. A seguradora remeteu à C, por correio registado com aviso de recepção, a carta cuja cópia se mostra junta a fl.81v cujo teor se dá por reproduzido, a qual foi recepcionada [a carta data de 05/03/2012 e limita-se a remeter cópia da carta referida em 5 – conteúdo deste parenteses introduzido por este acórdão].

         7. Por e-mail de 18/07/2014, remetido por empregada da C à mandatária dos fiadores, foi informado que o valor em dívida à data de 30/07/2014 era de 12.736,93€, sendo que para um acordo a 60 meses a prestação seria de 270€ e a 72 meses seria de 235€.

            8. Por e-mail de 23/10/2014, a mandatária dos fiadores escreveu àquela empregada o seguinte:

         Após conversações com os meus clientes fui incumbida de apresentar a seguinte proposta:

         – Pagamento do capital em dívida de 7770,05€ em 16 prestações mensais e sucessivas de 500€ x 15 e uma última prestação de 270,05€.

         – Perdão dos juros vencidos e vincendos.

         – Início de pagamento em Março de 2015.

              9. À referida proposta foi respondido por e-mail, pela gestora do processo, CL, em 17/03/2015 que:

         Face há ausência de depósitos o processo foi distribuído a escritório de advogados para instaurar acção executiva.

         Contacto de escritório: Dra. […]

         Actualmente para dar início a uma possível negociação é necessário uma entrega inicial de 1100€.

         Ao dispor para qualquer esclarecimento adicional.

               10. O referido depósito de 1100€ foi efectuado pelos fiadores em 25/03/2015, e foi-lhes informado, por CL, por e-mail de 31/03/2015, o valor do remanescente em dívida, após a aplicação daquele valor, que era de 12.159,64€.

          11. Na sequência deste pagamento, e face a diversas simulações efectuadas, e comunicadas entre CL e a mandatária dos fiadores, foi informado que o mútuo poderia ser pago em 5 anos, com o pagamento de uma prestação mensal de 200€.

            12. Os fiadores fizeram os seguintes pagamentos: 08/05/2015: 200€, 15/06/2015: 200€, 02/07/2015: 200€, 04/08/2015: 200€, 14/09/2015: 200€, 02/10/2015: 200€, 10/11/2015: 200€, 10/12/2015: 200€, 21/02/2016: 200€, 12/03/2016: 200€, 30/04/2016: 200€, 05/06/2016: 200€, 30/09/2016: 50€, 20/10/2016: 50€, 10/11/2016: 100€, no total de 2600€.

                                                                 *

                                 Do recurso sobre a matéria de direito

     A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação, que se sintetiza minimamente, mas mantendo na íntegra a construção da mesma:

         O contrato de mútuo dado à execução prevê que a exequente podia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento pelos “clientes ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente” do contrato – cfr. cláusula 20.1-a.

         E que “as pessoas identificadas para o efeito no início do contrato constituem-se fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à C pelos Clientes no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos (…)” – cláusula 21.1-a.

         Bem como que “os fiadores renunciam ao benefício do prazo estipulado no art. 782 do CC (…)” – cláusula 21.1-b.

         No caso em apreço, a mutuária obrigou-se a restituir o capital mutuado em 60 prestações mensais, de capital e juros, sucessivas e iguais, tendo, no entanto, entrado em incumprimento em Janeiro de 2012.

         Estamos perante uma dívida fraccionada, liquidada em prestações, que convoca o regime do art. 781 do CC, nos termos do qual, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

         A doutrina tem maioritariamente entendido que, no caso de dívida fraccionada em prestações, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma das prestações, nos termos do art. 781 CC, constitui um benefício que a lei concede ao credor e que deve ser exercido mediante interpelação do devedor. Em síntese, o regime consagrado no art. 781 do CC não dispensa a interpelação do devedor para desencadear o vencimento imediato das prestações vincendas.

         Este regime não se aplica aos fiadores, por força do que diz o art. 782 do CC: a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia. Isto a não ser que tenha sido convencionado entre eles o afastamento do regime constante do art. 782 CC. Para a eventualidade de se ter convencionado o afastamento da regra constante do art. 782 do CC, o fiador teria de ser interpelado para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações, não podendo tal interpelação ser substituída pela citação, já que esta não seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor. Nesse contexto, à falta de interpelação, o credor teria direito apenas às prestações vencidas e não pagas até à data da instauração da execução, acrescida de juros, sem prejuízo da cumulação sucessiva de execuções (artigo 711 do CPC).

         Veja-se, por todos, o ac. do TRL de 17/11/2011, proc. 1156/09.2TBCLD-D.L1.

         Estabelecido o quadro legal da responsabilidade do fiador, e retornando a caso concreto, conclui-se que a cláusula prevista no contrato dado à execução quanto à exigibilidade imediata aos fiadores, por renúncia do prazo estipulado no art. 782 do CC, da totalidade do valor em dívida em caso de incumprimento, não exclui a obrigatoriedade da interpelação àqueles.

         A exequente não logrou provar que tivesse remetido carta de interpelação aos fiadores.

         Porém, a posição manifestada pela exequente quanto a esta questão assenta na circunstância de os fiadores terem sido informados do valor da quantia em dívida em 18/07/2014, data a partir da qual encetaram conversações com a exequente no sentido do pagamento do valor em dívida, com o que “têm de se ter considerados interpelados para os seu pagamento” (cfr. artigo 6 da contestação).

         Mais alega – e resultou provado – que os executados, na sequência da troca de correspondência entre as partes, procederam ao pagamento de 1100€, tendo-lhes sido informado que, nesse pressuposto, o mútuo poderia ser pago em 5 anos, com o pagamento de uma prestação mensal de 200€.

         Nessa conformidade, os fiadores chegaram a fazer pagamentos entre 08/05/2015 e 10/11/2016, num total de 2600€, acrescidos do montante de 1100€.

         Ora, nada impedia a exequente de permitir a regularização do incumprimento nos termos em que o fez. Porém, a partir do momento em que o contrato regressou à sua estrutura inicial, a suposta interpelação que tinha sido feita para desencadear a exigibilidade das prestações vincendas – assente no contacto de e-mail que a exequente invoca – sempre perderia a sua eficácia, passando as prestações vincendas ao regime de vencimento normal, mês a mês.

         No sentido de que quando o credor receba prestação posterior a uma prestação em mora não pode exigir o vencimento antecipado das demais, fundando-se na mora no pagamento, veja-se Vasco da Gama Lobo Xavier, Revista de Direito e Estudos Sociais, XXI, pg. 251.

         Não tendo havido afastamento da regra constante do artigo 782 do CC, os opoentes não perderam o benefício do prazo, razão por que apenas lhes podem ser exigidas as prestações que se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, acrescidas de juros, sem prejuízo do valor já pago por conta de tal dívida, no valor 3700€, a imputar nos termos do disposto no art. 785 do CC.

         Assim, a execução deverá seguir pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, à data da propositura da execução – ver, neste sentido, ac. do TRP de 23/06/2015, proc. 6559/13.5TBVNG-A.P1.

                                                                  *

                 Posto isto,

           O caso dos autos respeita a um mútuo contratado em 28/11/2008, devendo a quantia emprestada ser restituída em 60 prestações mensais, isto é, até 28/12/2013.

          A mutuária faleceu em 20/03/2011 e, segundo o que consta do requerimento executivo, antes de 02/01/2012 as prestações deixaram de ser pagas, o que não foi posto em causa pelos fiadores.

              A exequente exige dos herdeiros da mutuária e dos fiadores 5617,39€ de capital em dívida, mais 4682,97€ de juros vencidos entre 02/01/2012 a 17/10/2016, mais juros vincendos a partir de então e comissões, o que pressupõe o vencimento de todas as obrigações antes de 02/01/2012, o que também não foi posto em dúvida pelos fiadores.

              O que eles dizem é que, quanto a si, por falta da sua interpelação, a dívida não se venceu e não vence juros. Eles não põem em causa a existência de interpelação da mutuária ou dos seus herdeiros para o vencimento imediato de todas as obrigações depois do incumprimento delas, ou, simplesmente, o vencimento antecipado da dívida principal.

              Assim, o que importa discutir é se é necessária a interpelação do fiador para que a sua dívida se considere vencida.

                                                                  I

                                   Da desnecessidade da interpelação

              Como regra geral, na descrição do regime legal da fiança, a doutrina defende que, para o vencimento da obrigação do fiador, não é necessária a sua interpelação.

              Assim, por exemplo, Antunes Varela, pois que, mesmo em relação às obrigações puras defende a desnecessidade da interpelação do fiador: “Em consequência ainda do disposto neste artigo [634], para que a obrigação se tenha por não cumprida e se vençam os juros moratórios contra o fiador, não é necessária a interpelação deste; basta que tenha sido interpelado o devedor, nos termos do art. 805” (CC anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 621).

              Manuel Januário Costa Gomes, Assunção fidejussória de dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, 2000, informa que também Raul Ventura, para além de Antunes Varela, defende a desnecessidade da interpelação. No mesmo sentido, ainda, veja-se a anotação da Joana Farrajota, no CC anotado, Almedina, 2017, I vol., pág. 818.

              Para as obrigações com prazo certo é essa também a posição do Prof. Januário Costa Gomes; nos termos da conclusão 234 da sua tese, pág. 1251: “A possibilidade de o credor escolher livremente entre o devedor e o fiador, uma vez ocorrido o vencimento da obrigação a termo certo, resulta recta via da acessoriedade da fiança, não sendo necessária a interpelação do fiador pelo credor, como requisito para v.g. despoletar a aplicação plena do regime do art. 634 CC.”

              No mesmo sentido deste autor, agora, veja-se também Evaristo Mendes, nas anotações I a IV do Comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCP/FD, Dez2018, págs. 792 a 795, que diz: “se do negócio de fiança não resultar qualquer limitação (art. 631/1), uma vez vencida a obrigação principal e desencadeadas as consequências da mora ou de outro comportamento culposo do devedor, em princípio, também se vence a obrigação do fiador, com iguais consequências” (obra citada, págs. 794 e 795).

              Isto, como se vê, como decorrência da acessoriedade da fiança (arts. 627/2 e 634 do CC, este, sob a epígrafe ‘obrigação do fiador’, diz que: A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor), conjugada com o facto de o dador da garantia ter conhecimento efectivo do momento do vencimento da obrigação (Manuel Januário Costa Gomes, obra citada, págs. 941 a 943).

                                                                 *

Das prestações fraccionadas e da exigibilidade antecipada

              Naturalmente que isto tem que ser conjugado com as normas do art. 781 do CC, no caso das obrigações de prestações fraccionadas. Na interpretação que é feita de tal artigo pela quase unanimidade dos autores (todos referidos nos vários acórdãos citados pela sentença recorrida, e dada essa quase unanimidade não se desenvolve aqui a questão), o que aí está em causa não é o vencimento antecipado automático das restantes prestações, mas sim a sua exigibilidade antecipada. Assim, quando a dívida for liquidável em prestações e o devedor principal falta à realização de uma delas, perde com isso o benefício do prazo, ficando o credor com a possibilidade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações, fazendo uma interpelação do devedor.

                                                                 *

Da imunidade dos fiadores por força do art. 782 do CC e da sua renúncia

              E tal implicaria que também a dívida dos fiadores se vencesse de imediato, se não fosse o caso da norma excepcional do art. 782 do CC, que diz que essa perda do benefício do prazo não se lhes estende. Sendo que esta imunidade subsiste quando o credor provoca o vencimento imediato: Januário Costa Gomes, sobre os poderes dos credores contra os fiadores no âmbito de aplicação do CIRE. Breves notas, III Congresso de direito da insolvência, 2015, Almedina, págs. 328 a 330 e 338 a 341, lembrado por Evaristo Mendes, obra citada, pág. 794).

              Só que, por sua vez, os fiadores podem renunciar a esta regra (sobre o carácter não imperativo da mesma, veja-se Januário Gomes, obra citada, págs. 619, 620, 716 e 717 e as páginas acabadas de citar do outro estudo) que foi o que os fiadores destes autos fizeram.

              Assim, por força dessa renúncia, vencida a obrigação principal, também a dívida dos fiadores se venceu.

                                                                 *

No caso das obrigações puras ou sem prazo

              Note-se que o que se disse acima vale sem reserva para as obrigações com prazo certo. Já não vale, segundo a posição do Prof. Januário da Costa Gomes (obra citada, referidas págs. 941 a 951, seguido nos acórdãos do TRL de 28/06/2018, proc. 74/14.7TCLRS-A, do TRL de 14/09/2017, proc. 818/15.0T8AGH-A, e do TRP de 16/06/2016, 1187/06.4TBVNG-A), em relação às obrigações puras, sem prazo, e em relação a outras situações que devam merecer o mesmo tratamento, pois que nestes casos o credor tem o ónus de dar conhecimento ao devedor de que o vencimento da obrigação já ocorreu e operou os seus efeitos na esfera do devedor principal, abrindo caminho para o seu reflexo, por relação (a determinação dita per relationem), no âmbito da obrigação do fiador (no mesmo sentido, Evaristo Mendes, obra citada, pág. 795/-b, falando em deve ou ónus de aviso).

              Trata-se, assim, de exigir ao credor que dê conhecimento ao fiador do vencimento da obrigação do devedor principal, sob pena de este ser ineficaz quanto ao fiador e de por isso não lhe poder exigir a cobertura da garantia para todo o crédito. Assim sendo, se não for informado pelo credor do vencimento da obrigação, isto é, se não for colocado em condições de poder cumprir nos mesmos termos em que o pode fazer o devedor principal, daí não poderá resultar um aumento do risco do fiador. Ou seja: o fiador, quando for, mais tarde, intimado para cumprir, não estará vinculado a mais do que aquilo que estaria se fosse esse o momento do vencimento da obrigação.

*

Da necessidade do conhecimento da vencimento

              Ora, um desses casos será normalmente o de certos fiadores de dívidas de prestações fraccionadas, mesmo que ele tenha renunciado à imunidade que lhe é conferida pelo art. 782 do CC.

              Neste sentido, veja-se o Prof. Januário da Costa Gomes, obra citada, págs. 961 a 936:

         “Frequentemente, os bancos exigem fianças para garantia de cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor principal. Como é sabido, pelo menos nos empréstimos concedidos a particulares, as fianças exigidas são prestadas, na esmagadora maioria dos casos, como um “favor”, e quase como um “pró-forma”, para efeitos de o parente ou amigo obter crédito. Nestes casos, é frequente a seguinte “prática”: se o devedor paga pontualmente, ao longo de todo o tempo clausulado para o pagamento ao banco, o fiador nunca mais é “recordado” de que prestou uma fiança; se, ao invés, o devedor deixa de cumprir, o fiador vem, de facto, a ter conhecimento da situação de incumprimento, mas só meses ou anos após o início do desrespeito pelo programa prestacional traçado, quando, entretanto, e graças também à prática de capitalização de juros, a dívida subiu em espiral As consequências de uma tal situação para a esfera patrimonial do fiador são óbvias: por não ter sido informado logo após – ou um tempo razoável após – o incumprimento do devedor, a eventual garantia hipotecária existente já não é suficiente para “cobrir” toda a dívida; por outro lado, o fiador, que se fosse avisado e intimado para pagar ‘em tempo” teria suportado o sacrifício económico, não está já em condições de o fazer, sem eventualmente arruinar a sua vida e a dos seus familiares.

         O credor, por ser parte numa relação contratual com o fiador, está vinculado à adopção de determinados comportamentos, entre os quais se inclui o de informar este, em tempo, das vicissitudes relevantes da relação principal. Ora, não há dúvida do carácter relevantíssimo que uma quebra ou interrupção de pagamentos da parte do devedor tem na vinculação do fiador, sobretudo quando o contrato de mútuo ou de abertura de crédito contém uma cláusula derrogadora do regime estabelecido no art. 782. Mas ainda que se entenda que o regime do art. 782 é imperativo, o fiador acaba por “sofrer” as consequências da progressiva formação duma “torre de dívida” ou até ao expirar do prazo ou até à efectiva resolução do contrato, cuja “velocidade” de efectivação depende do credor.

         No nosso entender, uma vez iniciada a quebra de pagamentos por parte do devedor, desde que, pela sua frequência, seja objectivamente indiciadora da dificuldade ou impossibilidade económica do devedor cumprir – ou do propósito de não cumprir – o credor tem o ónus de informar o fiador. Se o não fizer, este, quando instado para pagar, já eventualmente em processo executivo, pode opor ao credor a excepção da inexigibilidade (parcial) da obrigação exequenda (art. 813/-e CPC) argumentando com o facto de não lhe ser eficaz o agravamento da dívida posterior ao momento em que razoavelmente deveria ter sido informado da quebra de pagamentos. É evidente que, também neste caso, deve ser equacionada a posição do devedor: se este não avisou o fiador de que deixou de cumprir, incorre em responsabilidade, devendo indemnizá-lo pelos danos derivados dessa omissão.”

              E acrescenta:

         “As considerações expostas têm em vista as situações em que o fiador presta fiança de amigo ou de parente. Elas não valem, nesses termos, para os casos de fianças prestadas por fiadores profissionais (v.g. bancos), por empresários para garantia de dívidas comerciais, por sócios maioritários ou dirigentes de empresas por dívidas relacionadas com as mesmas, ou por outras pessoas colocadas em situações similares. Não deixa de haver nesses casos também, note-se, um ónus de informação por parte do credor (e um dever do devedor); simplesmente, os contornos desses deveres devem também ser delineados em função da “figura” do fiador, conhecida e como tal valorada pelo banco.”

              Ora, no caso dos autos, embora os fiadores não tenham alegado serem amigos ou parentes da mutuária e daquele que veio a ser seu marido, tendo em conta a finalidade do empréstimo, o nome do marido da mutuária (ponto 5 dos factos provados) e o nome da fiadora, pode-se aceitar que, para além de ser quase certo que ela será cunhada da mutuária (por ser irmã do marido), eles não serão, por certo, fiadores profissionais (v.g. bancos), empresários para garantia de dívidas comerciais, sócios maioritários ou dirigentes de empresas por dívidas relacionadas com as mesmas, ou outras pessoas colocadas em situações similares, valendo pois, em termos irrestritos, aquilo que diz Januário Gomes para o ónus de informação em causa.

          Ou seja, em suma, a C tinha o ónus de dar conhecimento aos fiadores do vencimento da obrigação principal, sob pena de não lhes poder exigir os juros que se vencessem até aí. Pelo que os juros, quanto a eles, só passam a vencer-se a partir do momento em que tenham conhecimento do vencimento da obrigação.

              Esse conhecimento, no caso, advém-lhes, pelo menos, do e-mail de 18/07/2014, pelo que a partir daí os juros se vencem. Ora, foi isto que a decisão recorrida disse. Pelo que os fiadores não têm razão no que dizem contra ela, nas conclusões i, e contra ela também não valem contra as conclusões v a ix, pois que os juros só se começam a contar, por força da sentença, quando os fiadores já têm conhecimento do vencimento da dívida.

II

O comportamento posterior

              O comportamento posterior das partes não muda nada ao resultado a que se chegou acima.

Das entregas de dinheiro

              Antes de mais esclareça-se o seguinte: o primeiro contacto expresso entre a C e os fiadores, que consta dos factos provados, foi em 18/07/2014, dando-se aí notícia de que o valor em dívida (naturalmente com juros) era de 12.736,93€ (ponto 7). Pela resposta dos fiadores, que consta do ponto 8, sabe-se que estes aceitam que o valor do capital em dívida era, à data, de 7770,05€ (é este também o valor que a C diz estar em dívida de capital, naquela data, na contestação à oposição).

              Ou seja, a quantia em dívida em 18/07/2014 era de 12.736,93€, incluindo 7770,05€ de capital, pelo que os juros seriam de 4966,88€; entretanto, até à data do requerimento executivo, e segundo a posição da C, continuaram a vencer-se juros; neste requerimento quer-se o pagamento de 5617,39€ de capital em dívida, mais 4682,97€ de juros vencidos até 17/10/2016; assim, houve um abatimento à dívida de 2152,66€ de capital e 283,91€ de juros, num total de 2436,57€.

             Ora, isto corresponde aos 3600€ que até 17/10/2016 tinham sido entregues pelos fiadores, sendo a diferença, de 1163,43€, correspondente aos juros que se venceram de 18/07/2014 a 17/10/2016, isto é, mais de 2 anos de juros, sabido que a taxa de juros era de 8,95% anuais; quer isto dizer que as quantias entregues até 17/10/2016, 3600€, foram consideradas no requerimento executivo. Isto segundo a posição da C de que teria direito a juros vencidos desde o início mesmo quanto aos fiadores.

              Posto isto,

          Os pagamentos que os fiadores foram fazendo (pontos 10 e 12) não podem ser vistos como algo mais do que meras entregas para pagamento da dívida, a imputar nos termos do art. 785 do CC.

              Esses pagamentos não são a realização das prestações do contrato de mútuo, pois que, recorde-se todas elas já se tinham vencido desde 02/01/2012 e os fiadores tinham disso conhecimento desde pelo menos 18/07/2014. Está-se a dizer isto porque a sentença recorrida faz referência à posição defendida por Vasco da Gama Lobo Xavier, “de que quando o credor receba prestação posterior a uma prestação em mora não pode exigir o vencimento antecipado das demais fundando-se na mora no pagamento” (Revista de direito e de estudos sociais – Jan/Dez1974, Ano XXI – n.ºs 1-4). Pressupõe-se, como se vê, que ainda existam prestações em dívida, pressuposto que não se verifica no caso dos autos.

              Nem tais pagamentos são o cumprimento de um novo contrato, tácito (art. 217/1 do CC) que se quisesse ver celebrado pelo que consta dos pontos 7 a 11 dos factos provados.

              Veja-se:

              No ponto 7, poderia ver-se uma proposta para esse acordo, querendo a exequente pelo menos o pagamento de 16.200€ (60 x 270€), o que foi rejeitado pelos fiadores com a resposta do ponto 8, em que eles contrapuseram o pagamento de apenas 7770,05€, com o início de pagamentos em Março de 2015.

              No ponto 9, parece que a exequente ficou à espera desses pagamentos até Março de 2015, mas do seu teor decorre que ainda não tinham chegado a nenhum acordo, tanto mais que exige uma entrega inicial para dar início a uma possível negociação. Ou, pelo menos, estes factos não revelam, com toda a probabilidade, que a exequente teria prescindido/perdoado os mais de 5000€ de juros que considerava em dívida (art. 217 do CC). O que deles decorre, antes, é que a exequente entendia deixar correr a situação, pois que, com as entregas que fossem feitas, a dívida estaria a ser paga (e com juros elevados). O que, aliás, também decorre claramente dos subsequentes contactos de que dão conta os pontos 10 e 11.

*

Da boa fé ou do abuso de direito

              Face ao que antecede, foi afastada a possibilidade da C obter dos fiadores quaisquer juros vencidos até 18/07/2014. E, por outro lado, ficou esclarecido que o capital em dívida, nessa data, era de 7770,05€, nele não estando incluídos quaisquer juros que tivessem sido capitalizados.

              Assim, fica afastada a necessidade de considerar a existência de qualquer comportamento de má fé ou de abuso de direito da C até àquela data (18/07/2014).

              Depois dela, nada indicia um comportamento que assim possa ser qualificado: depois dos contactos de Julho de 2014, foram os fiadores que demoraram cerca de 3 meses para dar uma resposta; após, só se propuseram iniciar o cumprimento decorridos quase 5 meses da contraproposta; e, pouco depois de deixarem de fazer pagamentos, a exequente requereu esta execução. Isto é, desde que se mostra a existência de contactos da exequente com os fiadores, dos cerca de 10 meses que decorreram até ao começo dos depósitos, cerca de 8 deles são imputáveis aos fiadores e não à exequente.

              Ou seja, não se pode dizer que, durante este período a exequente tenha estado a negligenciar a cobrança do crédito, para obter o pagamento de mais juros (juros a que de outro modo não tivesse direito), nem que alguma vez tenha criado uma expectativa nos fiadores de que não lhe cobraria juros e com o requerimento da execução estivesse a agir contraditoriamente com o que seria de esperar.

              Por último, diga-se que não existem, nem a questão foi levantada, elementos para considerar que a taxa de juro em causa é usurária (art. 1146 do CC).

                                                                 III

                                     Outros argumentos dos fiadores

              A matéria das restantes conclusões do recurso dos fiadores encontra resposta explícita ou implícita no que antecede, mas, de qualquer modo, diga-se ainda o seguinte em relação a:

         ii- é irrelevante a razão de ser de os fiadores terem deixado de fazer os pagamentos referidos em 12; se as razões aí invocadas para o terem deixado de fazer fossem verdadeiras, o que não se provou, sempre poderiam ter feito uma consignação em depósito (arts. 841 e 846 do CC);

         iii- o facto de a sentença se referir à “quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas” quando todas as prestações já se tinham vencido antes da execução ter sido requerida, foi a forma de a sentença aderir aos acórdãos que invocou, querendo com isso dizer que a exequente não tinha direito, em relação aos fiadores, a juros vencidos antes de lhes dar conhecimento do vencimento das prestações;  

         iv- os valores que estiverem penhorados sempre seriam (serão) tidos em conta na execução, quando esta prosseguisse (prosseguir) e não tinham que ser referidos na sentença dos embargos; tal como terão de ser tidos em conta os 3700€ entregues pelos fiadores depois de 18/07/2014 como a sentença decidiu, isto é, imputando-se os mesmos nos termos do art. 785 do CC, tendo em conta que o capital em divida em 18/07/2014 e que os juros só se passam a vencer a partir de então;

         x- não constando do corpo das alegações, a matéria da con-denação da exequente em multa e indemnização, como litigante de má fé e por danos causados pela execução, que é autónoma da decisão dos embargos propriamente ditos, não é objecto deste recurso; de qualquer modo, diga-se que o facto de a C ter considerado que tinha direito a juros vencidos antes de 18/07/2014, representa uma sua interpretação do Direito que não se pode dizer, só por si, que represente uma litigância de má fé.

                                                                 *

             Pelo exposto, mantém-se a decisão recorrida, julgando-se o recurso improcedente.

       Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não existem outras), pelos embargantes.

              Lisboa, 21/03/2019

              Pedro Martins (consigno que mudei de posição depois da discussão do projecto, entre outros pontos no sentido de passar a considerar necessário que fosse dado conhecimento do vencimento da dívida aos fiadores para que, contra eles, se vencessem juros, apesar de estes não terem alegado serem amigos ou parentes da mutuária)

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto