Voto o acórdão – reconhecendo também legitimidade à requerente – pelo seguinte:

              A partir da maioridade do filho, a pensão é dele e só ele deveria poder dispor dela e, por isso, compreende-se a decisão recorrida.

              No entanto, se tiver sido o progenitor convivente a pagar a educação do filho durante a maioridade, é ele o materialmente prejudicado com o facto de o progenitor não convivente não ter pago a pensão, compreendendo-se, por isso, que, verificando-se os pressupostos da sub-rogação, se lhe reconheça o direito de exigir esse pagamento (art. 589 e 593, ambos do CC).

              Outra hipótese, que é a seguida pela jurisprudência francesa [o que não quer dizer que seja aplicável em Portugal], é a de considerar que a obrigação dos pais é única em relação aos filhos e que, deixando um de pagar, terá o outro de a pagar, pelo que, fazendo-o, fica com o direito de regresso contra o outro (art. 524 do CC).

              [Si chacun des père et mère, naturels comme légitimes, est tenu pour le tout de l’obligation de nourrir, entretenir et élever les enfants communs, cette obligation, unique au regard des enfants, qui en sont les créanciers en dehors de toute décision judiciaire consacrant leurs droits, ne s’en divise pas moins entre les parents, qui, dans leurs rapports entre eux, doivent en supporter le poids proportionnellement à leurs ressources; il suit de là que si l’un d’eux s’est soustrait à l’exécution de ce devoir, à la fois légal et moral, vis-à-vis des enfants hors d’état de se protéger eux-mêmes, celui qui en a forcément assumé la charge a un recours contre le défaillant […]  Civ. 27 nov. 1935, Épx Gibeaux: GAJC, 12e éd., nº 56-57 (II); DP 1936. 25, note Rouast; Paris, 3 nov. 1960: D. 1961. 32. La personne tenue en vertu de l’art. 203 à une obligation alimentaire dispose d’un recours contre son coobligé pour les sommes qu’elle a payées excédant sa part contributive, compte tenu des facultés respectives des débiteurs. Civ. 2e, 28 avr. 1980, nº 78-15.716; 6 mars 2003, nº 01-14.664  […]) (acórdãos retirados do Code Civil anotado pela Dalloz (2019, 118e édition): Se cada um dos pais, naturais como legítimos, está obrigado pela totalidade da obrigação de alimentar, manter e educar os filhos comuns, esta obrigação, única em relação às crianças, que são os credores, independentemente de qualquer decisão judicial consagrando os seus direitos, divide-se pelos pais que, nas suas relações entre si, a devem suportar em proporção aos seus recursos; segue-se daqui que, se um deles se subtraiu à execução deste dever, legal e moral, perante crianças incapazes de se proteger a si próprias, aquele que necessariamente assumiu as despesas, tem regresso contra o inadimplente […] A pessoa obrigada em virtude do art. 203 a uma obrigação alimentar tem regresso contra o seu co-devedor pelas somas que ela pagou excedendo a sua parte, tida em conta as possibilidades respectivas dos devedores).

            Posto é que estes factos sejam, de algum modo, alegados ou, no caso de alimentos de filhos maiores, decorram do processado.

            E a necessidade de prova destes factos é já garantia suficiente de que o filho não é ultrapassado pela situação, ou seja, que o progenitor convivente não actua como se fosse ele o titular da pensão e como se pudesse dispor dela, contra a vontade daquele e em benefício próprio.

            Sendo que a presença do filho no processo melhor acautela ainda esse fim (como ele também seria acautelado, quando se admitir a figura da substituição processual invocada por alguns acórdãos, com a citação do filho: veja-se a anotação 9 ao art. 12 do CPC anotado de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 43/44).

         Ora, no caso dos autos, os factos indiciam que o filho, desde a maioridade, teve mesmo uma educação paga pelo progenitor convivente, em substituição do progenitor não convivente; e o filho intervém no processo, embora num dos seus apensos, tendo já manifestado (num outro) a vontade de que o progenitor não convivente tenha de pagar a pensão, por não o ter feito durante toda a sua formação universitária.

      Assim sendo, no caso dos autos, considero que o progenitor convivente tem legitimidade substantiva e processual para demandar o progenitor não convivente pelas pensões de alimentos não pagas desde a maioridade do filho (tendo em consideração as circunstâncias concretas do caso, considero que a situação é diferente daquela a que respeita o meu voto de vencido no acórdão do TRP de 16/06/2016, proc. 422/03.5TMMTS-E.P1).

             Mas isto não se retira directamente do art. 989/3 do CPC que, apesar de constar do CPC é, manifestamente, uma norma substantiva, que atribui um direito substantivo ao progenitor convivente que suporta a educação do filho e não um direito do filho maior que pudesse ser discutido e definido pelos progenitores entre si (neste sentido, já aquele meu voto).

              Aliás, é isso que resulta claramente do facto de o art. 989/3 do CPC ser uma cópia do art. 373-2-5 do Code Civil (CC francês; veja-se: Le parent qui assume à titre principal la charge d’un enfant majeur qui ne peut lui-même subvenir à ses besoins peut demander à l’autre parent de lui verser une contribution à son entretien et à son éducation. Le juge peut décider ou les parents convenir que cette contribution sera versée en tout ou partie entre les mains de l’enfant.), norma substantiva e não processual.

        É certo, entretanto, que o legislador português, da Lei 122/2015, ao alterar a redacção dos arts. 1905 do CC e 989 do CPC, copiou integralmente o regime jurídico francês (o resultante da lei e da jurisprudência, sendo que os acórdãos franceses citados acima não se reportavam ao art. 373-2-5, mas sim ao art. 371-2) no que a estas questões se refere e com isso quis atribuir legitimidade processual ao progenitor convivente para exigir as pensões do progenitor não convivente, mesmo no que se refere às vencidas na maioridade do filho e terá tentado fazê-lo com a colocação da norma correspondente ao art. 373-2-5 do CC no art. 989 do CPC. Mas isso não poderá dispensar nunca que o progenitor convivente demonstre, nomeadamente através da sub-rogação (Paulo Olavo Cunha reconduz “ao cumprimento por sub-rogação, o caso em que o devedor solidário satisfaz o credor, pagando a totalidade da dívida e ficando sub-rogado nos seus direitos, assumindo o direito de regresso contra os demais devedores, pela parte proporcional deles na importância despendidas para a remissão” – pág. 640 do Comentário ao CC, Dtº das obrigações, UCP/FD, Dez2018), que adquiriu o direito a elas.

          Ao aditar o art. 989/3 do CPC e ao associá-lo à legitimidade processual do progenitor convivente na exposição de motivos do projecto de lei, o legislador veio criar uma confusão, prejudicando a leitura do art. 989/3 do CPC no que ele tem de relevante – que é atribuir ao progenitor convivente um direito próprio contra o não convivente – e fazendo esquecer que a legitimidade processual do progenitor convivente que tivesse pago a educação do filho já resultava da sub-rogação, pois que, tendo legitimidade material para o efeito, desta derivava aquela.

          Pedro Martins