Processo do Juízo de Execução de Lisboa

              Sumário:

           I- Os honorários e as despesas do Agente de Execução não são, na relação deste com o exequente, custas de parte ou da execução; apenas o são na relação do exequente com o executado.

              II- O título executivo do art. 721/5 do CPC, composto das notas de honorários e despesas e sua notificação ao exequente, é, para efeitos do art. 709 do CPC, por regra, um título extrajudicial e não um título de formação processual.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

             

              T veio requerer uma execução contra a V-SA, com sede em Lisboa, com o fim de obter o pagamento por esta de 3951,41€, mais juros vencidos e vincendos, de várias notas de honorários e despesas pelos e com os serviços que a exequente prestou à V-SA como Agente de Execução nomeada por esta, devidas no âmbito de vários processos judiciais, incluído um do 3º juízo de execução de Lisboa [sendo que a Nota que tem o valor mais elevado é a do tribunal da Póvoa do Varzim], notas de que a V-SA alegadamente não reclamou e que vêm acompanhadas da sua notificação à V-SA, tudo apresentado como título executivo nos termos do art. 721/5 do Código de Processo Civil.

        A V-SA veio deduzir uma oposição à execução junto com uma oposição à penhora, desde logo excepcionando a incompetência territorial do tribunal, excepção dilatória prevista no art. 577/-a do CPC, obstando ao conhecimento do mérito da causa, com a consequente absolvição da executada da instância, alegando para o efeito, em síntese, que:

         – resulta da leitura conjunta do disposto nos arts. 533/1-2-c e 541 do CPC, 3/1 e 25 do Regulamento das Custas Processuais e 45/1 da Portaria 282/2013, de 29/08, os honorários e as despesas do AE constituem custas da execução, integrando-se no conceito de custas de parte para efeitos de ressarcimento pela parte vencida à parte vencedora das custas suportadas pela parte vencedora.

         – face ao exposto, a execução fundada no título executivo previsto art. 721/5 do CPC, dado à execução, trata-se de uma execução por custas, sujeita à tramitação prevista no art. 87 do CPC.

         – o art. 87 do CPC, sob a epígrafe “Execução por custas, multas e indemnizações”, dispõe o seguinte: 1 – Para a execução por custas, por multas ou pelas indemnizações referidas no artigo 542 e preceitos análogos, é competente o tribunal em que haja ocorrido o processo no qual tenha tido lugar a notificação da respectiva conta ou liquidação. 2 – A execução por custas, por multas ou pelas indemnizações corre por apenso ao respectivo processo”

         [o artigo 87 foi entretanto alterado pelo art. 4 da Lei 27/2019, de 28/03, mas esta alteração não se aplica ao caso dos autos – parenteses introduzido por este TRL]

         – tal implica que a execução de cada um dos títulos executivos cumulados pela exequente na presente execução deveria ter sido instaurada por apenso à respectiva execução onde ocorreu a notificação da nota discriminativa de honorários e despesas do AE, o que não sucedeu.

         – enquadrando-se assim na excepção decorrente do regime constante do art. 206 do CPC no que concerne à admissibilidade da cumulação de títulos executivos, e, consequentemente, obriga a exequente a intentar as respectivas execuções por apenso aos processos em que as notas discriminativas de honorários e despesas foram apresentadas.

         – neste sentido também se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 25/09/2014, no âmbito do Proc. 86/14.0YDLSB.L1-6: “Desde a entrada em vigor do CPC na versão introduzida pela Lei 41/2013, de 26/06, é aplicável o regime emergente do respectivo art. 87 que estatui, de forma clara e insofismável e sem gerar intoleráveis contradições sistemáticas nem colisão insanável com o regime de organização judiciária então vigente, que «para a execução por custas, (…) é competente o tribunal em que haja corrido o processo no qual tenha tido lugar a notificação da respectiva conta ou liquidação»; tal execução corre por apenso ao respectivo processo”.

              A exequente contestou, impugnando as conclusões de direito que a executada tira da conjugação dos factos com as normas jurídicas que invoca, entre o muito mais dizendo que:

“[…]

4. […A] figura do AE tem um carácter híbrido, que encerra em si características de oficial de justiça e de profissional liberal.

5. Sucede que, na sua faceta de oficial de justiça, chamemos lhe assim, as remunerações do AE, integram efectivamente as custas de parte (533/1 do CPC).

6/7. No entanto, as custas de parte são suportadas pela parte vencida, que em processo executivo é o executado (533/1 do CPC). Nos processos dos quais resultaram as Notas, a V-SA, não era executada, nem foi parte vencida.

8. Mais, os honorários e despesas devidos ao AE, saem precípuos do produto da venda dos bens penhorados… do executado (artigo 541 CPC).

9/10/11. […] nos termos dos artigos 533 e 541 do CPC, resulta que em processo executivo, a parte vencida/executada, suporta as custas da execução. Ora, a V-SA, como já se referiu, nos processos originários, nos quais se formaram os títulos executivos, não detinha aquela posição de executada ou parte vencida. Nem a ora embargada veio aos autos, requerer o pagamento das custas de execução.

12. Assim não sendo a V-SA, parte vencida, nos processos, sobre quem recairia o ónus de pagamento das custas, por maioria de razão, não estamos perante uma execução por custas, sujeita à tramitação do artigo 87 do CPC.

13. Nem tão pouco aqui têm aqui aplicação os artigos 25 e 3/1 do RCP, pois estes artigos mais uma vez se aplicam à parte vencida/executado.

[…]

17. A execução por custas é uma acção especial, nos termos do artigo 35 e 36 RCP, daí que seja atribuída competência ao Ministério Público, que goza ainda de isenção de pagamento de custas, nos termos do artigo 4/1-a do RCP

[…]

19. Isenção de que não goza a reclamante.

20. Não podemos tratar como igual o que é diferente.

21. Se tal isenção fosse concedida à reclamante, com certeza, em termos da microeconomia desta, seria indiferente executar, processo a processo, ou economizar cumulando as execuções.

22. Acresce ainda que até nas execuções por custas é admitida a cumulação, reza o RCP, art. 36, cumulação de execuções […]

[…]

27. Por maioria de razão, não se aplicam os artigos 206/2 e 87 do CPC.

[…]

29. Por outro lado, dispõe o artigo 720 do CPC que o AE é designado pelo exequente (foi-o pela V-SA).

30. Dispõe ainda o art. 721/1 do CPC que “Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efectuadas, (…), são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541”.

[…]

32/33. O n.º 2 do artigo 721 refere “A execução não prossegue se o exequente não efectuar o pagamento ao agente de execução de quantias que sejam devidas a título de honorários e despesas.” O seu n.º 3 dispõe que “A instância extingue-se logo que decorrido o prazo de 30 dias após a notificação do exequente para pagamento das quantias em dívida, sem que este o tenha efectuado, aplicando-se o disposto no n.º 3 do artigo 849.”

37. […N]o espírito do legislador, o responsável pela designação do AE, é o responsável pelos honorários daquele, caso não seja possível o reembolso coercivo na pessoa do executado.

[…]

38/39. Pelo exposto tem aqui aplicação o artigo 709/4 do CPC “Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82, com as necessárias adaptações”, pois que as notas são um título extrajudicial, com força executiva, atribuída pela lei.

40. No entanto, a ser considerado título de formação judicial, sempre seria aplicável o disposto no art. 709/4 do CPC, que remete para o art. 82/2 do CPC.

41. Critério este, utilizado pela ora reclamante, ao escolher a secção de execução da Comarca de Lisboa.

                                                                 *

      A 27/11/2018 foi proferida a seguinte decisão: “ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 99/1, 100, 577/-a, 578, 726/2-b e 734, todos do CPC, decido julgar verificada a excepção dilatória da incompetência material deste Tribunal, em razão da matéria, para preparar e julgar os presentes autos de execução e respectivo apenso, e, em consequência, absolvo a executada da instância, declarando extinta a instância executiva, bem como a instância do respectivo apenso, por impossibilidade superveniente da lide.”

               A fundamentação desta decisão segue, no essencial, a argumentação da V-SA, com o seguinte erro: diz-se que ela arguiu a incompetência material do tribunal.

         A exequente vem recorrer desta sentença, no essencial repetindo a argumentação da contestação à oposição, acrescentando – para além de uma referência ao art. 89 do CPC, a propósito do qual lembra que escolheu o tribunal do domicílio da executada – ainda uma série de razões práticas para que a solução deva ser a que defende, que sintetiza assim:

31. A acrescer a tudo isto, questiona-se: a Nota prevista nos termos do artigo 721/4 como título executivo, é título judicial ou extrajudicial?

32. A questão, é da máxima importância, para o próprio tráfego jurídico e para o dia-a-dia, isto porque, para se poder executar nos próprios autos (ou seja, por apenso, como pretende o tribunal a quo) o citius e a lei exigem, para os particulares, como a recorrente, um título judicial (vide imagem 1, infra).

33. Para além desta opção, os particulares (não sabemos como funciona para o MP), apenas tem a opção de cumular (que não é um apenso) ou de iniciar novo processo (que também não corre por apenso).

34. Portanto, a apensação, da Nota é realisticamente impossível de se fazer.

[…]

37. Portanto, para poderem executar as suas Notas os AE, têm sempre de escolher a opção de iniciar novo processo e não podem nunca cumular… porque não são partes no processo executivo original e… não podem apensar porque não têm ao seu dispor uma sentença, porque não são assistentes, não são intervenientes principais.

38. Mais, a escolha das Notas, como título executivo, apenas está disponível na opção “iniciar novo processo” (vide imagem 2 e 3- infra)

39. De referir ainda, para além da impossibilidade técnica, que se denuncia, em muitos outros Tribunais deste país, correm execuções de Notas, que não correm por apenso, nem sequer correm nos juízos originais.

40. Posto isto, é admissível a organização de um único processo, quando estejam em causa vários títulos executivos, tal como configurado pela reclamante, nos termos conjugados dos artigos 720, 721, 709 e 89, todos do CPC.

41. Sendo competente o tribunal a quo, para a tramitação da execução e seus apensos, pois por remissão para o artigo 82/2, de entre os juízos competentes por neles terem corrido termos as várias execuções referidas em 2, deste recurso, pode recorrente escolher qualquer um deles, sendo que escolheu o tribunal da comarca de Lisboa, que é simultaneamente o domicílio da embargante.

42. Portanto, deve ser revogada a sentença onde é declarada a incompetência em razão da matéria, prosseguindo os autos os seus trâmites legais e normais.

43. Até porque não se vê onde a competência ratione materiae, foi violada uma vez que o Tribunal é competente para decidir a causa e a sua matéria, em razão de ser um juízo de execução e, de ser um Tribunal onde correu uma das acções que deu causa a uma das Notas de AE.

[…]”

              A V-SA não contra-alegou.

                                                                 *

              Questão a decidir: se o tribunal é competente para esta execução.

                                                                 *

            Os factos são os que constam do relatório deste acórdão, com a seguinte precisão: a exequente no requerimento executivo diz que executa 21 documentos de notas; na oposição, a V-SA diz que são 24, sem levantar nenhuma questão quanto à discrepância; na contestação, a exequente não se refere a esta discrepância; nas contra-alegações de recurso, descrimina 24 Notas, 2 como de Lisboa/Loures, 2 de Lisboa/Sintra e 1 de Lisboa/Lisboa; nesta lista, a Nota mais elevada é do tribunal do Porto/Porto.

                                                                 *

              Decidindo:

              O AE presta exercícios ao exequente e como tal tem direito a honorários a pagar por este, para o que lhe envia a respectiva Nota. Se o exequente paga os honorários ao AE no decurso de um processo, trata-se de um custo processual que ele suporta para conseguir executar o seu direito contra o executado. Pelo que tem direito ao seu reembolso pelo executado. Temos assim (i) as Notas de honorários do AE contra o exequente e, depois deste as ter pago, (ii) as custas de parte (do exequente, na execução) contra o executado. Assim, o direito do AE contra o exequente não tem nada a ver com custas de parte ou com as custas da execução. As normas – e os acórdãos – que se referem a estas nada têm a ver com o seu direito aos honorários e despesas.

              Basta ter isto presente para se poderem ler, com este sentido, todas as normas invocadas, sentido contrário ao que a exequente e a decisão recorrida lhes dão.

          Em suma, a pretensão do AE obter, contra o exequente, o pagamento dos honorários e o reembolso das despesas que fez, não tem nada a ver com custas de parte ou custas da execução e, por isso, nenhuma das normas que se refiram a estas têm algo a ver com o caso.

                                                                 *

              O AE pode, claramente, por tal resultar do art. 709/1 do CPC, cumular, contra o mesmo devedor, várias Notas, não se verificando nenhuma das excepções previstas naquele artigo e muito menos no art. 206/2 do CPC que não tem nada a ver com excepções à possibilidade de cumulação.

              A questão que se põe é a de saber qual a norma que regula a competência do tribunal para essa execução com cumulação de títulos: a do art. 709/2 do CPC, a considerar-se que a Nota é um título de formação judicial ou a do art. 709/4 do CPC, a considerar-se que a Nota é um título extrajudicial (nesta parte, pois, a recorrente não tem razão ao pretender que, se se considerar que a Nota é um título de formação judicial, então se aplicará o art. 709/4 do CPC).

              Rui Pinto inclui estas Notas nos títulos administrativos (Manual da execução e despejo, Agosto 2013, Coimbra Editora, págs. 222-223). Marco Carvalho Gonçalves inclui-as nos títulos extrajudiciais (Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, 2.6.4.6, pág. 126 – mas também as tinha incluído nos títulos de formação processual, isto é, título formado na pendência de um processo judicial – 2.6.3, págs. 112-113…), o que aponta para o entendimento de que as Notas são um título extrajudicial.

              Tendo em conta que o título executivo é composto das notas e da sua notificação, ambos resultantes de comunicações feitas pelo AE ao exequente (art. 721/4 do CPC – em casos como os dos autos em que a função não é desempenhada por funcionário judicial, nem houve qualquer decisão do tribunal sobre elas) num processo que está a correr fora do tribunal (art. 551/1 do CPC: O processo de execução corre em tribunal quando seja requerida ou decorra da lei a prática de ato da competência da secretaria ou do juiz e até à prática do mesmo), não resultando pois de qualquer acto da secretaria ou do juiz do processo (art. 719/1 do CPC), o título executivo em causa é um título extrajudicial.

              Se se considerar a razão de ser da norma do art. 709/2 do CPC – com o seguinte teor: Quando as execuções se fundem em títulos de formação judicial diferentes da sentença, a acção executiva corre no tribunal do lugar onde correu o procedimento de valor mais elevado -, ou seja, a ligação do título com um processo que correu num tribunal, o facto de se considerar que o título se forma num processo que não corre, por norma, no tribunal, nem precisa de passar a correr no tribunal para se formar, mais se reforça a ideia de que o título será extrajudicial, tanto mais que assim não há nenhuma dependência das Notas ao processo judicial (em princípio, o tribunal da execução não precisará de consultar o processo a que elas respeitam para esclarecimento do teor do título executivo; as comunicações que constituem o título executivo fazem parte dele, sendo este, por isso, auto-suficiente).

              Em suma, considera-se que o título executivo em causa é um título extrajudicial e não um de formação processual judicial, pelo que a norma a aplicar é a do art. 709/4 do CPC.

       Diz o art. 709/4 do CPC: Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82, com as necessárias adaptações.

           Por sua vez, dispõe o art. 82/2: Se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, pode escolher qualquer deles para a propositura da acção [a norma tem uma ressalva que manifestamente não se aplica ao caso e por isso não vale a pena transcrevê-la].

         Assim, a exequente podia escolher os juízos de execução de Lisboa para esta execução com cumulação de títulos.

           Pelo que não se verifica a incompetência territorial do tribunal escolhido, nem muito menos a incompetência material dele, devendo ter sido um manifesto lapso a referência a esta pelo tribunal recorrido, já que ele, obviamente, tem competência para o conhecimento da matéria em causa.

                                                                 *

          Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, pelo que se revoga a sentença recorrida que é substituída por esta decisão a declarar competente o tribunal recorrido que, assim deverá conhecer das oposições deduzidas à execução e à penhora.

              Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não há outras), pela V-SA.

              Lisboa, 24/04/2019

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

             2.º Adjunto