Execução do Juízo de Execução de Sintra

              Sumário:

              I- Por força do artigo 20/1 do DL 133/2009, em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias previstas naquele artigo.

              II- Não se verificando essas circunstâncias, o credor não pode invocar a perda ou a resolução, pelo que não se podem dar por verificados todos os factos constitutivos do direito que decorre dessa perda ou da resolução, e por isso da correspondente obrigação exequenda.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              Em 28/09/2012, o Banco-SA requereu uma execução contra V, residente em Co, e N, residente em Al, para obter o pagamento de 22.560,01€ a título de capital e de 2246,02€ a título de juros de mora, à taxa em vigor na data do incumprimento, 15,08%, acrescida da sobretaxa de 4%, contados desde 25/03/2012 a 28/09/2012 e 89,84€, de imposto de selo dos juros.

          Alegava para o efeito ter celebrado com os executados, em 29/09/2009, um contrato de empréstimo, no montante total de 31.650€, ao qual foi atribuído o número 2450235532 (cfr. o doc. nº 1, que se junta e se dá por reproduzido). O referido contrato prevê, entre outras, as seguintes condições: (i) Reembolso em 72 prestações mensais; (ii) Taxa de juro nominal anual fixa de 14,5%; (iii) Em caso de incumprimento no pagamento de qualquer das prestações do contrato, pode o Banco aplicar, a título de cláusula penal, uma sobretaxa de 4%, a acrescer à taxa de juro que estiver a vigorar no momento do incumprimento (clª 12.2); (iv) O Banco tem o direito de pôr termo imediato ao contrato, e de considerar imediatamente vencida a totalidade do capital em dívida, no caso de falta de cumprimento pontual das prestações mensais do contrato, sendo que, nesse caso, o pagamento se tornará imediatamente exigível (cláusula 12.5); Em 25/03/2012 os executados deixaram de proceder ao pagamento das prestações mensais do contrato de empréstimo. Em face do exposto, o exequente procedeu à resolução do contrato de empréstimo acima indicado. A dívida é assim exigível e encontra-se vencida. O documento apresentado à execução constitui título executivo, nos termos do disposto da alínea c do artigo 46 do CPC.

              A 05/02/2013 é registado no histórico do processo electrónico a elaboração, a 20/12/2012, pela Agente de Execução, de um auto de penhora de 1/3 do vencimento da executada e a 12/02/2013 é registado o envio de uma carta para citação da executada, elaborada aparentemente a 04/02/2013, para a morada indicada pelo exequente, embora a AE já tivesse apurado, nas bases de dados consultadas, uma outra morada, coincidente com a morada em que a executada se dá como residente no § que se segue. Depois, como a carta vem devolvida, a AE envia nova carta, agora para a sede da entidade patronal da executada, desta vez aparentemente elaborada a 30/05/2013 e registada no histórico do PE a 04/06/2013. 

              Em 23/06/2013, a executada N, residente CA, deduziu oposição à execução (para que seja julgada extinta quanto a si, com a devolução imediata dos montantes que lhe foram penhorados), com os seguintes fundamentos:

         1- A executada foi casada com o executado entre Setembro de 2005 e Novembro de 2011.

     2- O executado não se encontra a residir em Portugal, sabendo a executada apenas que o mesmo se encontra no Brasil, na região de BH.

         3- Tal qual como aconteceu noutras situações, nas quais a executada foi apanhada no meio de negócios efectuados pelo seu ex-marido, sem que a mesma tivesse qualquer conhecimento dos mesmos,

        4- o presente contrato é mais um deles, desconhecendo a executada como a exequente aceitou a outorga do mesmo, pelas razões a seguir enunciadas.

         5- A executada não conhece o contrato dado à execução, porque não o conhece,

         6- nem conscientemente o assinou,

         7- podendo tê-lo feito ignorando do que se tratava.

        8- A executada lembra-se de o seu ex-marido lhe ter levado para casa uns documentos do Banco para assinar,

       9- mas que lhe referiu tratarem-se de documentos necessários para pedirem cartões de multibanco.

    10- O que a executada não duvidou, porque nem tinha, na altura, motivos para desconfiar do ex-marido,

   11- nem, achava a executada, poderia tratar-se de alguma coisa importante, visto que não era necessária a sua comparência pessoal.

   12- Foram, ao longo da relação conjugal, e de que a executada se lembre, os únicos documentos bancários que assinou.

    13- Razão pela qual a executada reafirma que, em consciência, o contrato dado à execução não foi assinado por si.

      14- Pode tê-lo sido inconscientemente, e na sala da sua casa de então.

      15- Ou seja, se este contrato foi o documento que lhe deu para assinar o executado, facto é que tal contrato foi aceite pelo exequente sem que um dos outorgantes procedesse à sua outorga nas instalações do banco, e na presença de qualquer funcionário seu.

     16- Da mesma forma, se algum empregado do exequente conferiu a sua assinatura, fê-lo com base numa fotocópia, e, repete-se, sem ser na presença da executada, uma vez que a mesma nunca se deslocou ao Banco para outorgar qualquer contrato de crédito.

     17- Pelo que nunca foi, como deveria ter sido, informada por um empregado do exequente, do que estava a assinar, quais os seus direitos e obrigações.

      18- Aliás, é de referir que a executada apenas movimentou a conta adstrita a este contrato poucas vezes, para adquirir bens alimentares para casa e sempre através de multibanco.

      19- Daí que desconhece, para além dos termos deste contrato, para que fim foi usado o montante mutuado, sendo certo que para a executada não foi certamente, uma vez que desconhecia sequer a existência de tal dinheiro.

      20- Valendo no alegado no requerimento executivo [sic], já que o contrato dado à execução não está datado, pelo que, por esse simples facto também não vale como título executivo, o que se requer ser declarado,

        21- O contrato teria sido outorgado em 2009. Em 2009, a executada sabe que o executado efectuou obras nuns imóveis que julga serem dos pais do mesmo, na zona de L, pelo que terá sido esse o destino dado ao dinheiro do mútuo.

         22- Conforme já se referiu anteriormente, a executada, num período de tempo de poucos meses, acabou por tomar conhecimento de diversos problemas do seu marido com credores, nomeadamente em situações em que o seu nome aparecia envolvido, mas, mais uma vez, sem que a executada fizesse sequer ideia do que se tratava.

         23- Com esse avolumar de situações, a executada resolveu divorciar-se, facto que não teve oposição do executado, tendo o divorcio corrido por acordo.

        24- Em data que não se pode concretamente precisar nesta altura, mas que rondará o mês de Dezembro de 2011 ou o mais tardar, Janeiro de 2012, nas semanas imediatamente a seguir ao divórcio, a executada, já a residir na sua morada actual, indicada no intróito desta oposição, deslocou-se à agência do exequente de Ca, e deu conta da sua nova morada.

        25- Foi-lhe entregue um recibo do pedido (que a executada ainda não logrou encontrar, mas que protesta juntar logo que disponível).

      26- E, até à presente data, nunca recebeu qualquer notificação ou informação do exequente.

        27- Se o seu ex-marido deixou de pagar as prestações em Março de 2012, tal situação nunca lhe foi, a ela, notificada.

         28- Se o contrato foi resolvido, tal resolução também nunca lhe foi notificada.

         29- E, mesmo desconhecendo em absoluto a existência do contrato dado à execução, se tivesse tido a oportunidade de saber desses factos na altura em que deveria ter tido conhecimento, ainda poderia ter feito alguma coisa, porque o executado ainda se encontrava em Portugal, e tinha bens que poderiam responder pela dívida.

      30- Agora, certamente já não tem, razão pela qual o exequente penhorou o seu parco ordenado.

        31- Pelo que ficou supra exposto, o título dado à execução não é título executivo oponível à executada sendo-o apenas contra o executado.

              Só a 19/03/2015 – quase dois anos depois – é dado seguimento ao processo, vindo o exequente, a 27/04/2015, contestar, impugnando os factos alegados pela executada, principalmente tendo em conta que a executada não impugnou a assinatura do contrato; reconhece que o contrato não está datado, o que diz ter ocorrido por lapso, tanto mais que (i) um documento interno confirma a data alegada, (ii) 6 dias antes tinha sido assinado pelos executados um contrato para seguro do crédito do empréstimo; (iii) do extracto bancário da conta é creditado o valor emprestado com referência ao contrato de empréstimo em causa (identificado pelo número); por fim, quanto ao que consta de 26 a 31 do articulado de oposição, diz que a cláusula 12.5 do contrato de empréstimo atribui ao exequente o direito de proceder à resolução do mesmo no caso de não serem pagas duas ou mais prestações depois de ter sido concedido um prazo para pagamento das prestações em atraso. Ora, tal cláusula não proíbe que a resolução opere tacitamente, ou seja, não exige que a resolução contenha forma escrita, nem sequer a concessão de prazo suplementar para cumprimento dos montantes em atraso necessita, em termos contratuais, dessa forma. Pelo facto de o incumprimento contratual ser datado de 25/03/2012 e o requerimento executivo datar de 29/09/2012, sendo o incumprimento superior a 6 meses à data de instauração da acção, o exequente, antes de instaurar a acção, ainda procedeu ao envio de cartas aos executados para efeitos de regularização do incumprimento, nos termos de doc.4, que protesta juntar.

              Só a 23/05/2017 – quase dois anos depois – é dado seguimento ao processo com despacho saneador tabelar e a 06/06/2017, a executada requer que (b) a exequente seja notificada para juntar aos autos cópia dos documentos comprovativos entregues para identificação da executada, na data da outorga do contrato de mútuo; e (c) informe os autos sobre a indicação de quais os funcionários presentes na outorga do mesmo contrato, pretendendo a executada arrolar os mesmos como testemunhas.” Junta também certidão da decisão de divórcio de 28/11/2011 em que a executada é dada como residente na morada dada por ela na oposição (e o marido na morada que era a da executada no requerimento executivo).

              A seguir, a 05/02/2018 – quase 9 meses depois -, quando se marca julgamento, é proferido o seguinte despacho: “O requerido pela opoente, a 06/06/2017, alíneas b e c, será oportunamente tido em consideração, mormente no decurso da audiência de discussão e julgamento.”

              Depois de realizada a audiência final (a 14 e 24/05/2018 – em cuja acta consta o seguinte: “Seguidamente, pelo Sr. juiz foi perguntado aos Srs. advogados se pretendiam requerer a realização de outras diligências de prova, os quais disseram nada mais ter a requerer”), foi proferida, a 23/10/2018, sentença, julgando improcedente a oposição e determinando-se o prosseguimento da execução.

           A executada recorre desta sentença, arguindo nulidades e impugnando a decisão de não dar como provados os factos por ela alegados de 1 a 29 da sua oposição; para além de pretender, em consequência da alteração dessa decisão, a procedência da oposição.

              O exequente contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: das nulidades; se deve ser alterada a decisão da matéria de facto; se a oposição devia ter sido julgada procedente.

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              Foram dados como provados os seguintes factos:

1. A execução que corresponde aos autos principais ao presente apenso tem por base o contrato de crédito pessoal, a que foi atribuído o n.º 0000000000, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (fls. 5 a 9 dos autos principais)

[valor da prestação 670,62€; 72 prestações/meses; data da prestação dia 25; morada dos proponentes: Al; nas cláusulas do contrato são feitas inúmeras referências ao DL 133/2009, de 02/06; cláusula 12.5: Sem prejuízo do disposto nas cláusulas precedentes, o Banco tem o direito de pôr termo imediato ao presente contrato, e de considerar imediatamente vencida a totalidade do capital em dívida, cujo pagamento se tornará, então, consequente e imediatamente exigível, acrescido dos juros remuneratórios e moratórios devidos, bem como dos demais encargos ou despesas legal ou contratualmente exigíveis, se cumulativamente ocorrerem as circunstâncias: a) A falta de pagamento de duas ou mais prestações sucessivas que exceda 10 % do montante total do presente crédito; e b) Ter o Banco, sem sucesso, concedido ao(s) Mutuário(s) um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas dos juros convencionados agravados com a sobretaxa de mora, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo e resolução do presente contrato; cláusula 13: (Domicilio Convencionado). 13.1. Fica expressamente convencionado que o(s) Mutuário(s) identificados na frente deste Contrato se têm por domiciliados nas respectivas moradas ali indicadas, para efeitos de citação em caso de litígio. 13.2. Enquanto não se extinguirem as relações emergentes deste Contrato, é          inoponível ao Banco qualquer alteração do domicílio ora convencionado do(s) Mutuários, salvo se, respectivamente, houverem notificado o Banco dessa alteração, mediante carta registada com aviso de recepção.  – este TRL fez aqui a transcrição de alguns elementos do referido contrato que serão utilizados à frente]

2. A importância respeitante ao acima referido contrato, no montante de 31.650€, foi disponibilizada pelo Banco-SA.

3. Associado ao acima referido contrato de crédito pessoal está o denominado “Seguro de Vida Crédito Pessoal – Financiado”.

4. Os executados casaram um com o outro no dia 09/9/2005, tendo-se divorciado no dia 28/11/2011.

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Das nulidades

              Diz a executada que o tribunal não se pronunciou os sobre os factos por ela alegados em 20, 26, 27 e 28 e que não deu seguimento ao requerimento de 06/06/2017, apesar do que disse no despacho de 05/12/2018, nem o exequente o fez. Pretende, também, tirar disto consequências a nível da prova das alegações de facto.

            O exequente e o tribunal recorrido dizem que não se verificam nulidades na sentença e o exequente diz que não se verifica a nulidade processual e nega a possibilidade de tirar consequências a nível dos factos.

                Decidindo:

             Quanto à falta de pronúncia sobre as alegações daqueles factos, entendendo-se que a executada se quer antes referir à falta de pronúncia sobre o efeito jurídico que deles pretendia retirar, embora não diga qual seja, considera-se que realmente se verifica a nulidade em causa, como nulidade da sentença, por não se ter pronunciado sobre questão que lhe era colocada embora apenas implicitamente (arts 615/1-d, 1.ª parte, e 608/2, ambos do CPC). A questão será concretizada e decidida mais à frente, ao abrigo do art. 665/1 do CPC.

              Já se tal arguição de nulidade tiver em vista a falta de pronúncia sobre as alegações de factos, a executada não tem razão, pois que se tivesse havido falta dessa pronúncia sobre factos relevantes para a decisão da questão de direito, o que ela tinha de fazer era socorrer-se das soluções do art. 662 do CPC (o que aliás parcialmente faz e isso será apreciado mais à frente) e não das nulidades da sentença previstas no art. 615/1-d do CPC.

              Quanto à falta de seguimento do requerimento probatório, se a executada entende que isso era uma irregularidade que provocaria nulidade processual, devia tê-la arguido em tempo, isto é, no momento em que teve conhecimento da mesma (arts. 195 e 199, todos do CPC), ou seja, quando soube que não ia ser dado seguimento ao requerido, o que aconteceu no dia 24/05/2018, dia da última sessão da audiência, pelo que à data do recurso, já não estava em tempo para o fazer. Mas, para além disso, dado o que consta dessa acta, não tinha legitimidade para o fazer (art. 197 do CPC). Ora, não tendo sido dado seguimento ao requerido, não se podem tirar consequências a nível dos factos, pois que para isso o exequente teria que ter sido notificado para dar cumprimento ao requerido e, logicamente, não o foi.

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A fundamentação da decisão da matéria de facto foi a seguinte:

         G e S não evidenciaram conhecimento directo acerca da factualidade nuclear ora em apreciação. Em concreto, as razões do conhecimento expresso por ambas as testemunhas residiram nas alegadas confidências de N de que as mesmas foram beneficiárias. Além do mais, não mereceu credibilidade o momento em que a testemunha G referiu que a opoente nunca se deslocou à agência do Banco para assinar contratos.

         Na mesma decorrência, C é o actual marido da opoente; tendo o mesmo evidenciado não conhecer, de forma directa, os factos em apreciação.

         Ao invés, apresentou suficiente concretização o depoimento de P, o qual realçou que N se deslocou e esteve na agência situada na zona de Am do Banco. A testemunha foi peremptória ao afirmar que os contratos de financiamento do Banco – instituição para a qual trabalha há cerca de 20 ou 21 anos – são assinados presencialmente. Em concreto, evidenciou recordar-se de, nos momentos que antecederam a celebração do contrato dado à execução, ter dito, por diversas vezes, a V que a então Srª sua mulher teria de se deslocar ao Banco, para assinar o mesmo contrato.

         Por sua vez, J exerceu funções para o Banco no período compreendido entre 1999 e Dezembro de 2017, inclusive como director de sucursal. Tendo sido confrontado com o teor de fls. 17 e seguintes deste apenso (“seguro de vida crédito pessoal – financiado”) e com o teor do título executivo (fls. 5 e seguintes dos autos principais), a testemunha não evidenciou conhecimento directo e concreto acerca da contratação específica em causa, não tendo, assim, acrescentado e/ou reiterado outros aspectos ao testemunho de P. Não obstante, realçou que todas as concessões de crédito tinham por base a confirmação pessoal das respectivas assinaturas dos contraentes.

         A demais matéria alegada e acima não constante consubstancia matéria de impugnação, de Direito, integrante da factualidade já considerada ou sem relevância para a boa decisão da causa atentas todas as soluções plausíveis em Direito.

           A executada, depois de uma longa transcrição dos depoimentos das testemunhas, põe em causa a decisão do tribunal de dar como não provada a verdade das alegações feita pela executada e constantes dos artigos 2, 5, 6, 8, 9, 15, 16, 18, 19 e 24 da oposição à execução (a que o tribunal deu uma redacção própria com mínimas diferenças de pormenor, absolutamente irrelevantes, embora a executada perca muito tempo com duas delas, relativa aos arts. 15 e 18/19).

          Em relação ao que consta do art. 2 invoca o que foi dito pelas suas três testemunhas e ainda por uma testemunha do exequente.

         Estas três testemunhas da executada são as duas amigas e o actual marido (que, no essencial, disseram tudo o que a executada disse na oposição à execução e como ela o disse, sendo a única razão de ciência delas o que lhes foi contado pela executada, sendo que o marido da executada só a conheceu depois da data da assinatura do contrato), referidas pelo tribunal recorrido, que afastou o valor probatório desses depoimentos pelas razões transcritas acima (com particular razão de ser no caso, dada a natureza dos factos em causa, quase todos eles baseados em especulações ou construções feitas pela executada, que não passam a ser factos apenas por ela os ter contado às amigas ou ao actual marido) e que a executada nem se preocupou em rebater.

           É certo que, para este ponto, uma das amigas já invoca como razão de ciência o que lhe foi dito por outra pessoa, e o marido invoca também aquilo que ele próprio fez junto com a executada para tentar apurar o paradeiro do executado. Mas, dado que revelaram, quanto ao resto, que estavam a servir apenas de correia de transmissão do que lhes tinha sido dito pela executada, em nítido depoimento de favor à mesma, que se percebe devido às relações que têm com ela, não convenceram que soubessem, de facto, do que foi dito quanto a este ponto, tendo para mais em conta o que se diz já a seguir.

         Já quanto à passagem transcrita do depoimento do empregado bancário, ela não aponta para o que a executada pretende, já que a testemunha se limita a dizer que o ex-marido da executada lhe disse que tinha estado no Brasil e regressou, isto quando passou por lá (na agência), o que quer dizer que quando o executado lhe disse isso já estava cá em Portugal de novo, e não no Brasil como a executada e as suas testemunhas pretendem.

                                                                 *

           Em relação ao que consta dos arts. 5 e 6, a executada invoca o depoimento das suas duas amigas, sem valor como já se viu. E depois refere que nenhuma das testemunhas do exequente se referiu ao conhecimento do contrato e à consciência da assinatura. O que é certo. Mas isso não quer dizer que dessa falta de referência pelas testemunhas do exequente possa resultar provado o que é alegado pela executada.

           Em relação ao que consta de 8 e 9, a executada invoca o depoimento das suas três testemunhas, também sem valor pelo que já se viu acima.

          Acrescente-se o seguinte: o depoimento das três testemunhas da executada é tão artificial, tão apenas confirmativo da construção feita pela executada, que a executada, nas alegações de recurso, quando transcreve aquilo que alegou na oposição, nem sequer refere o que consta dos arts. 4, 10 a 14, 22 e 23, que demonstram a artificialidade dessa construção.

            Por outro lado, aquilo que a executada diz – repetido pelas testemunhas – não tem a ver com a falta de consciência de se estar a assinar um contrato, mas sim com o facto de elas assinarem tudo o que lhes é dado para assinar por alguém em quem elas têm, ou entendem dever demonstrar, inteira confiança. Veja-se, por exemplo, o que é dito pela testemunha S (utilizando-se a transcrição feita pela executada): “Num casal que se confiam um no outro, nós assinamos e fazemos com toda a confiança, não é? Ou assinar um papel ou fazer seja o que for, se confiamos não vamos questionar.” Mas assinar confiando, sem questionar, não é o mesmo que não saber o que se está a assinar. Tinha que se acrescentar mais alguma coisa para se chegar à falta de consciência de se estar a assinar um contrato e as testemunhas, naturalmente, nada poderiam realmente saber quanto a isso dada a razão de ciência que invocaram.

                                                                 *

             Em relação ao que consta de 15 e 16, a executada começa, de novo, por invocar o depoimento das suas três testemunhas (2 amigas e actual marido), o que é irrelevante como se disse já.

              E depois diz:

            “[…] veja-se o corpo do próprio doc.2 junto com a contestação do exequente. No local onde deverão ser feitas as assinaturas, estão feitas cruzes dentro de círculos, para que os outorgantes soubessem onde assinar.

       Se o contrato tivesse sido assinado presencialmente por todos, in casu pela executada, na presença dos empregados, para que seria necessário fazer tal indicação? Seria suficiente ao empregado apontar com o dedo o local.

            Nenhuma das testemunhas arroladas pelo exequente esteve presente na outorga do contrato, nem o exequente quis informar os autos sobre a identificação dos empregados que lá estiveram, pese embora a executada o tenha requerido conforme vimos supra. A pessoa que a testemunha P, empregado do Banco, disse ter presenciado o acto, J, veio apenas dizer que: (“Adv1: No caso, não foi o senhor que fez o reconhecimento das assinaturas? Test: Não, terá sido alguém que recebeu os senhores, as pessoas lá na sucursal. Não terá sido eventualmente o Dr. P, poderá ter sido outro colega que estava na altura na sucursal. […] Isto é tudo validado pelos procuradores do banco à posteriori, ou seja, nós não temos que estar presencialmente com os clientes todos. Nós depois recebemos a documentação assinada pelos clientes, confirmada por quem recebeu a documentação assinada e a seguir validamos como procuradores. No fim do dia tinha uma pilha de contratos e situações para validar. Umas recusava e outras não recusava.”

            Ou seja, o exequente não logrou provar, como lhe competia, o que alegou sobre a presença da executada pessoalmente. As testemunhas por si arroladas limitaram-se a dizer que era obrigatória a presença dos outorgantes, sendo essa a prática seguida pelo banco. E o Sr. juiz a quo valeu-se com essa prática. Como bem sabemos, basta muitas vezes haver algum grau de confiança entre o empregado e o cliente, para se facilitar nesse sentido. E V era visita assídua naquele balcão. Chegando inclusive a deslocar-se lá para cumprimentar os empregados, conforme disse a própria testemunha P (“Mas lembro-me perfeitamente quem era o Sr. V… inclusive de ele ter lá ido depois disto. Disse que tinha estado no Brasil e regressou. Passou lá para cumprimentar mas não me falou mais nada… a mim e a outros colegas compreenda-se.”).

            E se foi cometida uma irregularidade, iriam os intervenientes reconhecê-la?”

           Por fim, conclui: [a alegação de] facto deveria ter sido dado como provada.

          O exequente diz que o tribunal decidiu bem e que as transcrições dos depoimentos feitas pela executada até o confirmam e depois diz que a questão é, de qualquer modo, irrelevante já que a executada não nega a celebração do contrato.

          Decidindo.

         Dado que o tribunal recorrido sugeriu, na fundamentação da decisão, ter acreditado que o contrato foi assinado pela executada no banco, compreende-se que a executada gaste muito tempo com a questão. E a análise que faz da prova produzida convence que nesse ponto a convicção do tribunal está errada: principalmente, nenhuma das duas testemunhas do exequente, seus empregados, disseram ter lá visto a executada a assinar o contrato e aquilo que dizem para convencer que ela lá foi não convence. Aquilo que eles dizem ser norma, costume ou dever ser feito não convence que realmente tenha acontecido no caso. Por outro lado, o empregado bancário P diz que os colegas L e o J lhe disseram que a executada já lá tinha ido, mas o J foi ouvido e não confirmou isso e o exequente não indicou o L como testemunha…

              O facto de o contrato de mútuo (a executada refere-se ao contrato de seguro junto com a contestação, mas o mesmo acontece com o próprio contrato de mútuo e este tem mais valor do que aquele para a argumentação), ter cruzes dentro de círculos, aponta em sentido contrário à assinatura presencial, pois que neste caso não seria necessário, como diz a executada, estar a assinalar por escrito o espaço onde devia ser assinado; mas isto não é absolutamente certo, tanto mais que a executada aceita que o executado possa, ele, ter assinado o contrato no banco e o espaço para ele assinar também está assinalado com a cruz.

              Aponta ainda no sentido da não presença o facto de no contrato de seguro estar aposto um carimbo a dizer que as assinaturas conferem por semelhança com as existentes nos nossos arquivos. Se ela fosse aposta presencialmente não seria lógico que dissesse aquilo. A exequente poderia responder que o contrato de mútuo, que é o que importa ao caso, não contém esse carimbo e pode ter sido assinado uns dias depois. E assim é, mas não deixa de ser um ponto em sentido contrário.

              E ainda há um terceiro indício de que o contrato não foi assinado no banco, que é o facto de o contrato ter sido assinado sem data. O que sugere que o contrato foi entregue para as mãos do executado, para o levar para casa, para ser assinado aí pela executada, não se sabe quando, no espaço aí assinalado com as cruzes metidas no círculo. E que, mais tarde, ele foi devolvido ao banco, já assinado, mas sem data.

              Em suma, este tribunal de recurso não se convence, com o depoimento dos dois empregados bancários, que o contrato tenha sido assinado presencialmente no banco pela executada e que a assinatura tenha sido conferida por fotocópia.

              Mas isto não quer dizer que a executada esteja certa na sua pretensão em análise neste recurso (isto é, que fique provado que o contrato não foi assinado no banco, que ela nunca se deslocou lá, que a assinatura foi conferida, quando muito, por fotocópia, etc.).

              O facto de o exequente não ter conseguido provar que o contrato foi assinado no banco, não quer dizer que o contrário seja verdade. A executada tinha que indicar prova positiva ou de que o contrato foi assinado em casa ou de que não o foi no banco, como alegou. Mas não fez essa prova, porque as três testemunhas que indicou não demonstraram saber nada do local onde a assinatura foi feita e os indícios referidos acima no sentido de que a assinatura não foi feita no banco não são inequívocos nem suficientes para se dizer o contrário.

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              Em relação ao que consta de 18 e 19, a executada, depois de dizer que o tribunal também se devia ter referido ao que consta de 21, volta a invocar, apenas, o depoimento das suas duas amigas e actual marido, sem valor probatório para o efeito, como foi dito pelo tribunal recorrido e já foi repetido aqui por este tribunal.

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              Em relação ao que consta de 24, a executada invoca apenas o depoimento do seu actual marido. O depoimento deste baseia-se novamente no que lhe foi dito pela executada, como ele o esclarece. É certo, entretanto, que com os elementos de prova que constam do relatório deste acórdão (diligências da AE, certidão da decisão de divórcio), apesar de a eles a executada não se referir, se pode aceitar como muito provável, que a executada já em Outubro de 2011 residiria com o actual marido, na morada que identifica como sua no articulado de oposição. E por isso aceita-se como possível a hipótese de ter ido mudar a morada no banco onde tinha a conta. Mas apenas como possível, já que o mais natural, até, fosse tentar acabar com a conta solidária com o ex-marido em vez de mudar só a morada, tanto mais tendo presentes os motivos que ela invocou para se divorciar. Por outro lado, se ela tivesse feito a mudança de morada no banco, teria certamente ficado com prova documental do facto, como aliás alegou ter ficado mas acabou por não a juntar como disse ir fazer. Note-se que a execução não foi proposta muito tempo depois da alegada mudança de morada, nem a sua citação para a execução ocorreu muito depois, pelo que não é muito natural que a executada tenha perdido essa prova no entretanto. Fica a dúvida se a mudança de morada não terá ocorrido muito depois do que ela alega e, por isso, é que não terá junto o documento em causa. Seja como for, a verdade é que não há prova de que a executada tenha ido ao banco mudar a sua morada e muito menos a data em que o teria feito.

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              Finalmente, a executada diz que deviam ter sido dados como provadas as suas alegações de facto constantes dos arts. 26, 27 e 28. Invoca para o efeito o depoimento das suas três testemunhas e o do empregado bancário P. Quanto ao depoimento daquelas três testemunhas nenhuma delas revela saber nada sobre os factos para além daquilo que a executada lhes contou e isso, só por si, é insuficiente, porque naturalmente que é no interesse da executada a prova desses factos e as testemunhas, amigos e actual marido, estão naturalmente dispostos a depor favoravelmente aos interesses dela. Já quanto ao depoimento do empregado bancário do exequente, com as passagens transcritas a executada pretenderá sugerir que, como o exequente, na ficha de clientes, tinha a antiga morada da executada, não a actual, as comunicações nunca teriam ido para esta, que assim não teria sido notificada do que consta naqueles artigos.

              Com isto, se bem se vir, fica à vista que a questão, nos termos expostos, não é de facto mas sim de direito: para onde é que a carta de notificação devia ter sido enviada e em que condições é que uma carta enviada para uma certa morada pode ser tomada como notificação do seu destinatário, mesmo que ele já lá não more. Neste mesmo sentido, aponta a existência da cláusula 13.2 do contrato, transcrita acima, que estabelece regras para o efeito e que teriam de ser aplicadas ao caso com base em factos que teriam de ser alegados e provados e que não foram.

              Em suma, não foi produzida prova do que consta dos artigos 26 a 28 da oposição, isto se o que aí consta for tomado como alegações de facto. Como questão de direito, ela será tratada mais à frente.

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                                        Da falta de data do contrato

              A executada diz que a falta de data do contrato invalida o mesmo, sem dizer porquê. O exequente diz que se tratou de um simples lapso sem explicar porque é que entende que tal não provoca a invalidade do mesmo. O tribunal recorrido não se pronuncia sobre o assunto, provocando a nulidade já referida, que agora se supre.

              A verdade é que o facto de faltar a data num documento onde se formaliza um contrato não produz a nulidade dele. Não há nenhuma norma que diga que a data do contrato de empréstimo é um elemento essencial do seu conteúdo ou da sua forma e que, por isso, se verifique a nulidade quando ela não consta. Como decorre, por exemplo, dos arts. 217, 219 e 220, todos do Código Civil, e também dos arts. 221 a 223, também do CC, na medida em que uma data não é uma estipulação do contrato. Essa falta poderá ter outras consequências, principalmente quando não for possível suprir a ausência dela no documento, designadamente quando isso puder ter relevância para a contagem do tempo ou se à data em que se diz que o contrato foi feito não era exigida alguma formalidade que não foi observada, mas numa outra data já era, ou vice-versa, etc.. Mas isto não tem a ver com a nulidade do contrato decorrente, sem mais, do facto de a data não ter sido escrita no documento.

              Sendo certo que, com o facto dado como provado, relativo ao contrato de seguro, se poderia concluir que o empréstimo coberto pelo seguro foi celebrado pelo menos na semana em causa (utiliza-se a expressão no condicional porque, embora o contrato de seguro tenha sido invocado pelo exequente para este efeito, a verdade é que nos factos dados como provados o contrato de seguro, apesar de ter sido dado como provado, não foi dado por reproduzido na íntegra e, por isso, só com o que consta do facto não é possível a conclusão referida; como se concluiu acima, que, no caso, a questão da data não tem relevo, não se considerou necessário estar a desenvolver a questão, o que seria possível porque esses factos constam de documento junto e não impugnado pela executada que até se aproveita dele nas alegações).

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              Da falta de notificação do incumprimento ou da resolução do contrato 

              O exequente, no requerimento executivo, dizia que, depois do incumprimento do contrato, tinha resolvido o mesmo.

              A executada dizia não ter sido notificada nem de uma coisa ou da outra.

              Na contestação, o exequente diz que a resolução não tem de ser feita por escrito – o que afinal sugere que não fez nenhuma comunicação de resolução ao contrário do que dizia – e que antes de instaurar a acção (melhor: de requerer a execução), procedeu ao envio de cartas aos executados para efeitos de regularização do incumprimento, nos termos doc.4, que protesta juntar, mas não juntou.

              Nenhum das partes invoca quaisquer normas jurídicas.

              A decisão recorrida não tratou da questão, o que deve ser suprido agora por este tribunal.

              Decidindo:

              O contrato, de crédito pessoal, que está em causa nestes autos é um contrato de crédito para consumo sujeito ao regime jurídico do DL 133/2009, de 02/06, já que foi celebrado depois da sua entrada em vigor (art. 37 do DL – 01/07/2009), está incluído no seu âmbito (tal como definido no art. 1, lido tendo em conta as definições do seu artigo 4/1-a-b-c) e não está abrangido por nenhuma das suas exclusões (arts. 2 e 3 do DL). Aliás, o próprio formulário do contrato se refere naturalmente a este Dec-Lei.

              O art. 20 desse DL dispõe, no seu n.º 1, que: Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes: a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito; b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.

              Aliás, esta norma é decalcada na cláusula 12.5 do contrato dos autos, com o erro, na parte final, de se escrever ‘e’ em vez do ‘ou’ que consta da lei (e que foi sublinhado acima para o efeito), ou seja, como se o banco entendesse que as duas coisas são compatíveis e se verificam ao mesmo tempo. O que não é o caso: a resolução do contrato provoca a sua extinção, tendencialmente retroactiva (arts. 432 a 434 e 285 e seguintes, todos do CC). Já a perda do benefício do prazo (arts. 780 e 781 do CC), é a consequência da manutenção do contrato com a eliminação do prazo para o cumprimento da obrigação (subsistente) por parte do mutuário.

              São duas hipóteses de uma alternativa decorrente do incumprimento do contrato (para além de, naturalmente, de o credor poder não fazer nada, esperando pelo reatamento do cumprimento): ou o mutuante escolhe a via do cumprimento do contrato (pedindo as prestações já vencidas e o capital das prestações ainda não realizadas), sem o prazo de que o devedor beneficiava até aí (e por isso sem ter direito aos juros remuneratórios correspondentes ao período respectivo, embora com juros moratórios legais), ou segue a via da resolução do contrato, acabando com ele, com o consequente estabelecimento de uma relação de liquidação da relação contratual extinta (e apenas terá direito à restituição do capital, descontado daquilo que já lhe foi pago, também sem juros remuneratórios e com juros moratórios legais).

              Note-se que em termos práticos esta solução difere da anterior porque, naquela, o mutuante mantém as prestações já recebidas, que incluem capital e juros remuneratórios, enquanto na da resolução ele perde ainda os juros remuneratórios já recebidos. E sendo isto assim, diga-se, por um lado e em termos gerais, que não se vê qual o interesse que poderá ter o mutuante em resolver o contrato e, por outro, que tendo em conta o que antecede, o valor da quantia exequenda, no caso dos autos, não tem correspondência com o valor que poderia resultar do exercício do direito à resolução (mas esta divergência, não tem relevo no caso dos autos, pois que, como se verá a seguir, nem sequer se prova que o direito à resolução tenha sido exercido).

              (no sentido do que antecede, veja-se, Fernando de Gravato Morais, Crédito aos consumidores, Almedina, 2009, pág. 99, “estão em causa os requisitos de aplicabilidade de dois institutos, de alcance diverso”; e no estudo publicado sob Protecção do consumidor a crédito na celebração e na execução do contrato, no e-book do CEJ, Direito do consumo, Dez2014, pág. 124, diz: “Nestes termos, o credor só pode socorrer-se – indistintamente – dos mecanismos enunciados se: […] se verificou a expressa advertência da consequência aplicável no caso (ou a perda do benefício do prazo ou a resolução)”; Ou como diz Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito de Consumo, 2016, 3.ª edição, págs. 333 e 334, “O credor só tem a possibilidade de invocar um destes institutos […e] só após o decurso do prazo aí definido pode[] ser invocada a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato”; ou como diz Ana Patrícia do Rosário Pereira, O incumprimento do contrato de crédito ao consumo pelo consumidor, Universidade Nova de Lisboa, Junho 2015, págs. 64 e 66, consultado on-line: “O artigo 20 veio estabelecer especificamente a possibilidade de accionamento de duas consequências distintas de que o credor se pode socorrer em caso de ocorrência de incumprimento contratual: a promoção da perda de benefício do prazo do devedor, em relação às prestações vincendas, e a resolução do contrato. […] [nota 121: Importa salientar a impossibilidade de cumulação dos regimes, cfr. acórdão do STJ de 18/05/1995, proc. 086742 [CJ.95STJ/II, págs. 94 a 97 – acrescentado por este TRL], que dispõe que “resolvido que tenha sido o contrato, e por isso extinto, não tem cabimento a aplicação da cláusula 12/3, enquanto prevê a antecipação do vencimento das rendas vincendas não cumulável com a resolução (…)”; sobre os efeitos da resolução e a perda do benefício do prazo, em termos gerais, José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2.ª edição, UCE/Porto 2017, especialmente págs. 371 a 384, 162 a 164 e 106 a 112; e Daniela Farto Baptista e Ana Afonso, Comentário ao CC, Dtº das obrigações, UCE/Lisboa 2018, págs. 141 a 145 e 1068 a 1071; note-se que um empréstimo concretizado e reembolsável em prestações fraccionadas não é um contrato de execução continuada ou periódica, ou seja não dá origem a prestações duradouras ou periódicas compostas por dívidas autónomas]. 

             Ora, no caso dos autos, não consta, dos factos provados, o necessário para se poder concluir que, à data em que a execução foi requerida (tendo em conta o prazo suplementar de 15 dias referido a seguir, que se segue a uma comunicação que ainda tem de ser feita), se verificava já o requisito da falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito, nem, muito menos, a prova da referida interpelação com a concessão da prazo suplementar de 15 dias. 

              Assim sendo, o banco, mesmo existindo incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor (à executada cabia o ónus de alegação e prova de que o tinha cumprido), não podia invocar, qualquer dos dois institutos, por não se verificar nenhum dos requisitos exigidos por lei para o efeito.

              Ou seja, o banco não podia pretender executar obrigações que não se prova que já existissem: as derivadas de uma resolução porque dependentes de requisitos que não se tinham verificado. O que é um outro modo de dizer que não prova a verificação de factos constitutivos da obrigação que diz pretender executar, o que é fundamento suficiente de oposição à execução baseada num título de crédito particular (art. 816 do CPC na redacção anterior à reforma de 2013, já que a oposição foi deduzida antes da entrada em vigor desta).

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              Apesar do que antecede, que já implica a procedência da oposição, importa ainda dizer (porque a anulação da obrigação teria mais relevo que a falta de verificação dos requisitos do artigo 20/1 do DL 133/2009) que, face à improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, não se provaram os factos necessários à conclusão de que a executada, ao assinar o contrato em causa nos autos, o tivesse feito sem consciência daquilo que estava a fazer. Ou seja, não se pode concluir pela verificação da previsão da primeira parte do artigo 246 do CC, pelo que não se pode concluir pela anulabilidade da declaração negocial da executada, parte do contrato de mútuo celebrado e cuja violação teria dado origem às obrigações exequendas.

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              Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e em consequência revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta decisão que julga agora procedente a oposição, com a consequente extinção da execução contra a executada (as consequências, na execução, por exemplo quanto a bens penhorados à executada e quanto a custas, terão de ser tiradas pelo tribunal recorrido).

              Custas do recurso e da oposição, na vertente de custas de parte (não existem outras), pelo exequente (que foi quem os perdeu).

              Lisboa, 27/06/2019

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto