Proc. nº 2151/18.6T8ALM do Juízo Local Cível de Almada – Juiz 1
Sumário:
O proprietário da fracção autónoma ao qual está afectado o uso exclusivo de um terraço de cobertura é quem deve pagar as despesas que têm a ver com obras de reposição ou reparação de alterações que foram feitas no terraço pelos proprietários da fracção, alterações que estavam a causar as infiltrações que provocaram danos nas fracções dos andares inferiores.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A Administração do Condomínio do edifício sito na Avenida P, em Almada, intentou a presente acção declarativa comum, contra J e A, casados entre si e residentes no 8º direito daquele edifício, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe 5417,84€, mais 159,90€ de despesas com apoio jurídico pré-judicial, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que é administradora eleita do condomínio, tendo, em razão dessa sua qualidade, legitimidade para agir em juízo, na execução das funções que lhe pertencem (cfr. artigos 1436 e 1437 do Código Civil), e daquelas para que é mandatada por deliberações tomadas em sede de assembleia de condóminos; o prédio urbano em causa foi constituído sob o regime de propriedade horizontal, por escritura pública de 23/01/1989; os réus são os proprietários da fracção autónoma correspondente ao 8º andar direito do prédio, por o terem adquirido por escritura pública de 16/01/1999; a fracção autónoma compõe-se, entre o mais, por um terraço e uma varanda, conforme estabelecido na escritura pública de constituição da propriedade horizontal; esta fracção mostra-se recuada em relação às fracções situadas nos andares subjacentes, por causa daquele terraço, que é de uso exclusivo da fracção e que serve de cobertura parcial das fracções autónomas dos andares que estão por baixo; sucede que, há já alguns anos atrás, foram detectadas humidades e manchas de escorrências no 7º andar direito, na parte situada por baixo do terraço do 8º andar direito, e que se apurou serem provenientes de infiltrações de águas a partir desse terraço; tal situação foi reportada à administração do condomínio, tendo levado a divergências de entendimentos entre os condóminos sobre de quem seria a responsabilidade de suportar o custo de tais obras, se do condomínio, se dos proprietários do 8º andar direito; entretanto, as humidades causadas no 7º andar direito, foram-se propagando para a fracção inferior; numa AG de condóminos foi deliberado que fosse solicitado junto da Câmara Municipal uma vistoria técnica a fim de se apurar a causa das infiltrações; mais tarde foi deliberado que a administração do condomínio avançasse com a execução das obras de reparação do terraço do 8º andar direito, e que, posteriormente, fosse instaurado um processo judicial para apurar a responsabilidade das mesmas para imputar as despesas respeitantes a tais obras; para se poder avançar com essas obras de reparação, foi deliberado criar uma quota extraordinária a ser repartida por todas as fracções autónomas em função da respectiva permilagem; as obras acabaram por ser adjudicadas e feitas, com alteração dos orçamentos por descoberta de novas alterações; todas as referidas alterações no terraço e varanda do 8º andar direito foram levadas a cabo pelos proprietários da dita fracção, e não foram autorizadas pela Câmara Municipal, nem foram autorizadas ou submetidas à aprovação dos restantes condóminos em qualquer assembleia geral do condomínio; de facto, até á intervenção levada a cabo, tais alterações construtivas não eram do conhecimento dos restantes condóminos; o preço total pago pelas obras que foram realizadas no terraço e varanda do 8º andar direito, para reposição desses espaços no seu estado inicial, foi de 5417,84€; todas as referidas despesas foram causadas pela acção dos proprietários do 8º andar direito, ao terem levado a cabo no terraço e varanda afectos ao uso exclusivo da respectiva fracção todas as alterações e obras relatadas, com as quais eliminaram inclusivamente elementos integrantes das partes comuns originárias e elementos de sustentação das mesmas; com as obras de reposição e reparação foi possível apurar a existência de todas as referidas alterações realizadas no terraço e varanda; muito embora o terraço do 8º andar direito seja de uso exclusivo dos proprietários da fracção, é um terraço de cobertura parcial do prédio, pelo que constitui uma parte comum (artigo 1421/1-b do CC), pelo que os proprietários daquela fracção não poderiam levar a cabo no mesmo as obras de alteração que nele efectuaram, sem aquelas autorizações; e não poderiam realizar quaisquer obras no mesmo, qualquer que fosse a sua natureza, se das mesmas pudesse resultar uma diminuição do gozo do direito de propriedade de qualquer outro condómino, situação que é aquela que aqui se verifica em relação aos proprietários do 7º andar e 6º andar direitos; as referidas obras apenas poderiam beneficiar os condóminos do 8º andar direito, que por isso mesmo as realizaram; como tal, quer a responsabilidade decorrente da realização de tais obras, quer a responsabilidade pela reposição de tais espaços devem ficar a cargo daquele que as realizou e ou provocou e daqueles que delas beneficiaram – no caso os aqui réus, nos termos do estabelecido nos artigos 1424/3 e 1426/1 do CC; mesmo que não tivessem sido os réus quem fez todas as referidas obras de alteração, ainda assim não deixam de ser eles os responsáveis pelo pagamento das obras de reposição/reparação, não sendo necessário recorrer à responsabilidade civil; invocam nesse sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/03/2011, proc. 1359/07.4TVLSB.L1-7, que assim o defende “uma vez que estamos perante obrigações propter rem, ou seja, obrigações impostas àquele que for o titular da fracção e, por inerência, utilizador do terraço, sem prejuízo de eventual direito de regresso do mesmo contra anterior proprietário”; os réus, interpelados para o efeito, não assumiram proceder a esse pagamento; em face disso, a AG de condóminos de 13/02/2017 deliberou instaurar acção judicial contra o proprietário do 8º andar direito, tendo para o efeito conferidos os necessários poderes à administração do condomínio.
Os réus contestaram, excepcionando a sua ilegitimidade processual; alegam que adquiriram a fracção em 1999 e que não realizaram qualquer obra e que a anterior proprietária também não lhes deu a conhecer que realizara alguma obra no terraço; e impugnaram o essencial dos factos alegados pela autora e a construção de direito por ela feita.
A autora replicou à excepção, impugnando-a, dizendo que parte das alterações foram feitas pelos réus e que eles conheciam as alterações pelo menos desde 15/03/2011; de qualquer modo, o fundamento da condenação será o invocado na petição inicial.
No saneador julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade, dizendo-se que os réus eram parte na relação processual tal como configurada pela autora, como autores das obras de alteração; questão diferente era a de saber se de facto as obras foram realizadas pelos réus, mas essa já é uma questão de procedência ou improcedência da acção.
Realizado a audiência final, foi depois proferida sentença, condenando os réus a pagar ao Condomínio 5417,84€, “ao qual deve ser deve ser subtraído o montante da quota extraordinária imputada aos réus, acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento”, absolvendo-os do resto.
Os réus interpuseram recurso desta sentença, impugnando parte da decisão da matéria de facto e concluindo, sobre a questão de direito, que o tribunal recorrido violou os dispositivos dos artigos 483 e 493 do CC quando imputou a prática de um acto ilícito aos réus, que estes não praticaram e do qual não lhes foi dado conhecimento e não podiam aperceber-se da sua existência, por se tratar de vício, anomalia ou defeito oculto em obra, não visível a olho nu.
A autora contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
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Questões a decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se os réus não deviam ter sido condenados a pagar o custo das obras de reposição.
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Foram dados como provados os seguintes factos provados que interessam à decisão daquelas questões:
- A autora é administradora eleita do condomínio do edifício sito na Avenida P, em Almada, concelho de Almada.
- Este prédio urbano, encontra-se descrito sob o número 000/19890127 da freguesia de Almada, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada.
- Tal prédio é composto de cave, rés-do-chão, 1.º a 8.º andar, sendo constituído de 18 fracções autónomas, designadas pelas letras A a R, respectivamente, sendo as fracções A e B destinadas a comércio, e as restantes fracções autónomas destinadas a habitação.
- O prédio foi constituído sob o regime de propriedade horizontal, por escritura pública celebrada em 23/01/1989.
- Os réus são os donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra Q, correspondente ao 8.º andar direito e arrecadação n.º 15 na cave daquele prédio urbano, por o terem adquirido por escritura pública de compra e venda celebrada em 16/01/1999.
- Os réus adquiriram o imóvel referido em 5 a MI.
- Aquela fracção autónoma Q é destinada a habitação, e compõe-se por duas divisões assoalhadas, uma cozinha, uma casa de banho, um corredor, um terraço, uma varanda e uma arrecadação na cave.
- Essa fracção mostra-se recuada em relação às fracções situadas nos andares subjacentes, por estar provida de um terraço amplo, que é de uso exclusivo da respectiva fracção e que serve de cobertura parcial das fracções autónomas dos andares que estão por baixo, isto é do 7º andar direito, 6º andar direito e assim sucessivamente.
- Originalmente o terraço tinha um pavimento em mosaico que terminava num murete sobre o qual existia uma pedra em mármore que fazia a separação entre o terraço e a varanda que era mais rebaixada, em relação ao terraço, também ela revestida a mosaico.
- A água da varanda escoava para a fachada exterior através de uma bica.
- Do terraço do 8.º andar direito são visíveis os terraços adjacentes.
- Em 2011 foram detectadas humidades e manchas de escorrências numa parte do tecto da sala, e também no tecto da varanda, do 7º andar direito, na parte situada por baixo do terraço do 8º andar direito e que se propagou para o 6.º andar direito, tendo-se apurado serem provenientes de infiltrações de águas a partir desse terraço.
- A Câmara Municipal de Almada a 29/07/2015 realizou uma vistoria técnica ao terraço do 8.º andar direito bem como ao interior das fracções do 7.º andar direito e do 6.º andar direito.
- Na assembleia geral ordinária de condóminos do prédio, realizada no dia 18/01/2016, foi deliberado por unanimidade dos condóminos presentes, adjudicar a obra de reparação do terraço/cobertura do 8º andar direito à TI, com o orçamento nº 457-14, no valor de 3360€ acrescido de IVA às respectivas taxas legais.
- Quando as infiltrações foram reclamadas pela proprietária do 7.º andar direito, o terraço e a varanda estavam ao mesmo nível, o murete tinha desaparecido e tinha um novo mosaico.
- Com a intervenção da TI foi possível apurar que o terraço do 8.º andar direito foi objecto de duas obras, em momentos distintos.
- Apurou-se que sobre o pavimento de origem tinham sido colocados mais dois pavimentos, existindo três diferentes camadas de pavimentos sobrepostos.
- Em momento não concretamente apurado, foi colocado sobre o mosaico original um novo mosaico.
- Num segundo momento também não concretamente apurado foi colocado sobre estes segundo mosaico um novo mosaico sem que os anteriores tivessem sido retirados.
- Nesta segunda obra, foi ainda anulada o rebaixo existente entre o terraço e a varanda que estava cerca de 18 cm abaixo do terraço, ficando nivelado num só pavimento o terraço e a varanda.
- O murete de betão que separava o terraço da varanda foi demolido com corte de ferro existente no interior do betão e retirada a pedra mármore existente.
- Para nivelar o terraço e a varanda foram usados uma camada de inertes numa altura de cerca de 15 cm e depois foi colocado um mosaico sobre toda a superfície.
- Na varanda foi colocada ao nível do novo mosaico uma bica de drenagem para o exterior sem que a bica anterior ao nível do primeiro pavimento fosse removido, mediando entre elas 20 cm.
- Na prospecção realizada pela TI ao terraço, constatou-se que no terraço as pendentes da betonilha tinham sido alteradas para que o escoamento principal fosse efectuado pelo tubo interior do terraço e que a colocação das diversas camadas de pavimento também tivesse tubos ladrões pelas bicas existentes.
- Também se constatou que com a demolição do murete foi cortada a tela de isolamento que o cobria, rompendo-se a continuidade do isolamento que existia anteriormente, o que originou a perda de estanquicidade da cobertura do terraço.
- Na referida prospecção constatou-se que entre o pavimento de origem e o segundo e o terceiro pavimento encontrava-se água retida em grande quantidade em toda a área do terraço e na varanda.
- Até à intervenção da TI os condóminos não tinha conhecimento das alterações construtivas realizadas para nivelar o terraço e a varanda.
- A alteração do terraço, quanto ao mosaico e quanto ao nivelamento do terraço com a varanda, era visível quando comparadas com o terraço do condomínio e com o terraço do outro lado.
- Para reposição do terraço e da varanda no estado original o condomínio pagou à TI 5417,84€.
- Actualmente a sala do 7.º andar direito não tem vestígios de humidades ou infiltrações.
(I)
Da impugnação de decisões da matéria de facto:
Os réus dizem o seguinte contra as seguintes decisões da matéria de facto:
A) O que se diz no ponto 16 – que o terraço do 8.° andar dt.º foi objecto de duas obras em momentos distintos – não corresponde à verdade pelo que não pode ser dado como provado.
B) O apuramento de que sobre o pavimento de origem do terraço tinham sido colocados mais dois pavimentos por existirem três diferentes camadas de pavimento sobrepostos resultou da observação visual que disseram ter feito os dois condóminos e testemunhas da autora, JT e JP, em 2016, quase 30 depois do prédio ter sido construído, quando o pavimento do terraço foi ultimado e alterado pelo construtor a pedido da 1.ª proprietária da fracção, MI, que a adquiriu nessa data e a vendeu 10 anos depois aos réus (confissão feita pela própria no seu depoimento).
C) Aquelas duas testemunhas da autora para além de serem pessoas interessadas no desfecho da causa, não são engenheiros civis nem técnicos especializados da legis artis de construção para, através do que dizem ter visto a partir de um simples furo/buraco feito no pavimento do terraço em 2016, quase 30 anos após a construção do prédio, pela TI contratada para a realização das obras de impermeabilização, o tribunal ter validado e credibilizado os seus depoimentos e com base neles decidir dar como provado o que consta dos pontos 17, 18 e 19.
D) A TI como empreiteiro aproveitou-se desse facto e do que viu a partir desse furo para vir apresentar ao condomínio um orçamento complementar para mais, mas em parte alguma do seu relatório constante dos autos afirma que no terraço “foram feitas duas obras em momentos diferentes”… “sobre o pavimento de origem tenham sido colocados mais dois pavimentos”, “existiam três diferentes camadas de pavimentos sobrepostos”, e que foi “colocado um novo mosaico sobre o mosaico original” (vide esse relatório);
E) Nem a autora sequer arrolou ou a TI apresentou qualquer engenheiro civil ou outro técnico especializado para que pudesse em juízo validar esses factos, os materiais ali encontrados, a data em que os mesmos foram aplicados, se logo na origem, há 30 anos ou em qualquer segunda obra posterior ali realizada como sem essa prova conclui a Srª juíza no ponto 16!
F) A sentença confunde e baralha “pavimentos” com “camadas” de materiais quando no ponto 17 diz que se apurou que sobre o pavimento de origem tinham sido colocados mais 2, o que significa que o terraço ficou com 3 pavimentos! É lá isso possível? Quando muito um pavimento com 3 camadas de materiais, mas não 3 pavimentos sobrepostos caso em que a altura do terraço não teria 15, 16 e 18 cm mas muito mais alto e situar-se-ia a um nível muito superior aos demais terraços de cobertura do prédio (8.° esquerdo por ex.) e não é esse o caso nem nenhuma prova se fez quanto a isso.
G) Vale o mesmo raciocínio e critério para os factos do nivelamento da varanda com o terraço e para a retirada do pequeno murete inicial coberto com a tal pedra mármore, pontos 19 a 22, em que o tribunal também errou na resposta que deu e na forma como a deu de provados.
H) Essa resposta da demolição do murete, ponto 20, da anulação da rebaixa dos 18 cm da varanda e do seu nivelamento com o terraço, pontos 19, 21 e 22, a Srª juíza voltou a atender em exclusivo ao que disseram as duas testemunhas, JT e JP, da autora e a não atender, a desvalorizar e a descredibilizar o depoimento calmo, sério, sereno e imparcial que sobre essa matéria fez a proprietária originária da fracção por um lado; e o que sobre as mesmas questões de facto afirmou a testemunha, AL, trabalhador do empreiteiro que construiu o prédio de raiz terminado nos anos de 1988/1989 no depoimento prestado, por outro.
I) A testemunha MI prestou um depoimento desinteressado e confessional quando afirmou em juízo que foi ela quem logo no início, por não gostar nem do desnível da varanda com o terraço, nem do mosaico que ia ser aplicado solicitou ao construtor essas inovações/alterações que ele aceitou e mandou executar aos seus trabalhadores in casu ao AL, vide seu depoimento aos minutos 2:36:53; 2:38:01; 2:39:29; 3:01:37; 3:02:51; 3:05:56; 0:25:23; 0:26:17; 0:26:43; 0:27:24; 0:27:41; 0:29:48; 0:32:02; 0:32:37; 0:33:47; 0:39:17; 0:41:32; 0:42:32.
J) O seu depoimento feito em juízo e sobre juramento constitui inequivocamente prova por confissão livre, consciente e espontânea a que a Srª juíza recusou credibilidade, sem justificar porquê.
K) De igual modo constitui essa modalidade de prova, o depoimento prestado pela testemunha, AL, em juízo, quando confessou o acto pessoal por si praticado quanto à realização das obras no terraço e na varanda daquela então proprietária e agora dos réus.
L) O tribunal a quo ao não ter atribuído credibilidade a estes dois depoimentos de prova por confissão por contraposição aos depoimentos das outras duas testemunhas da autora, apreciou de forma errada a prova produzida e violou de forma manifesta e flagrante o disposto nos artigos 352 e seguintes do CC e a força probatória das confissões.
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Decidindo:
Antes de mais, tendo em conta que o objecto dos recursos pode ser delimitado pelo teor das conclusões (arts. 635/2 a 4 do CPC), diga-se que as únicas decisões da matéria de facto que foram postas em causa nas conclusões foram as dos pontos 16 a 22 (havendo dois pontos 19).
O que é necessário dizer porque, no corpo das alegações, os réus também falam nos pontos 9, 10, 23 e 24. Mas, como não falam neles nas conclusões do recurso, essas decisões da matéria de facto não estão em causa.
De qualquer modo, diga-se que no corpo das alegações os réus só põem em causa aqueles pontos (9, 10, 23 e 24) porque o relatório, referido na fundamentação da decisão recorrida, não lhes faria referência; os réus esquecem que a fundamentação da decisão recorrida invoca, extensamente e com pormenorização, vários outros elementos de prova para dar esses factos como provados.
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Os réus anunciam ainda uma manifesta contradição entre o facto 26 e a decisão condenatória relativamente à imputação da responsabilidade aos réus. Mas depois não desenvolvem o assunto (como também se esqueceram do ponto 23 cuja decisão diziam ir impugnar). Ora, o decidido quanto a 26 é perfeitamente coerente com tudo o decidido a nível de facto e de direito e também com respectiva fundamentação, como decorrerá do que se for dizendo.
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Depois, nas conclusões, os réus sugerem que os pontos 16 a 22 dos factos provados deviam ter outro conteúdo, não que deviam ser eliminados; ora, no corpo das alegações, o que os réus dizem é que o que consta desses pontos não devia ter ficado provado. Esta variação de posições dá bem a ideia da incapacidade dos réus dizerem que o que consta desses pontos como provado não devia ter ficado provado, por ser evidente o contrário.
Aliás, no corpo das alegações, os réus falam apenas na matéria dos pontos 16 a 20 e nada dizem de concreto dos pontos 21 e 22. Pois que apenas dizem, conclusivamente, depois de se referirem àquela matéria (16 a 20), que “donde resulta que a resposta dada à matéria de facto constante dos pontos 16 a 23 tem forçosamente que ser alterada e dá-los como não provados.” Assim, também esta matéria (21 e 22) fica de fora do objecto do recurso.
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Com grande boa vontade, pode-se entender que os réus, com o que consta das conclusões L a K também põem em causa o que consta das alíneas (a) e (b) das alegações de facto não provadas, embora não as refiram nominalmente. Boa vontade apoiada no que consta do “pedido” do recurso, com a proposta de alterar o teor do que constava de quatro alíneas daquelas alegações de facto não provadas.
O que se irá ver de seguida, deixando-se desde já o registo da matéria que não foi dada como provada correspondente às alegações de facto feitas, assumindo a forma de temas de prova:
(a) Qual o proprietário que procedeu às intervenções no terraço.
(b) Em que data se realizaram as obras no terraço e na varanda.
(c) As obras realizadas no terraço não foram autorizadas ou submetidas à aprovação dos restantes condóminos em qualquer assembleia geral de condomínio.
(e) A elevada sobrecarga colocada na varanda (pala) do 8º andar direito, com os inertes aí colocados mais a água retida por perda de escoamento, originou uma elevada carga sobre a varanda (pala), que provocou fissuras na sua estrutura de sustentação.
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Por fim, diga-se que os réus incorrem num evidente equívoco: eles discutem a decisão de dar aqueles factos como provados e de não dar aquelas alegações de facto como provadas, porque entendem que a sua condenação se baseou no facto de terem sido eles a fazer a sua intervenção no terraço e na varanda.
Ora, basta ler a sentença, ou simplesmente as alíneas (a) e (b) da matéria das alegações de facto que não foram dadas como provadas (que se acabaram de transcrever), para se ver que a sentença não condenou – nem podia ter condenado – os réus por terem sido eles a fazerem a segunda intervenção, porque a sentença nem sequer sabia, como o disse expressamente, quem é que fez essa intervenção. Os réus ao dizerem o contrário [por exemplo, no primeiro § do verso da folha 131: “que duma qualquer outra eventual segunda intervenção (…) tivesse existido após os réus terem adquirido a fracção é que de forma alguma pode aceitar-se (…); ou no último § do verso da mesma folha: “Para desfazer todas as dúvidas, transcrevem-se a seguir os excertos dos depoimentos dessas duas testemunhas, quando se pronunciam sobre estas questões onde fazem a afirmação de que não souberam e não se aperceberam que os réus tenham realizado qualquer intervenção e colocado, as tais 3 camadas ou pavimentos sobrepostos bem como as 2 bicas de escoamento das águas, no terraço e na varanda da sua fracção, após a terem adquirido e que infirma a conclusão e a decisão da Sr.ª Juíza que julgou provada esta matéria de facto sob os pontos 16 a 22”], distorcem os factos para poderem ter algo para tentarem impugnar.
Registe-se que os réus gastam 16 páginas do seu recurso com a transcrição referida acima, sem qualquer interesse porque, repete-se, a fundamentação da decisão recorrida nunca diz – antes pelo contrário – que foram os réus a fazer a segunda intervenção. Como depois gastam mais 14 páginas com transcrição, perfeitamente escusada, dos depoimentos das testemunhas MI e AL para tentarem demonstrar o indemonstrável (entre o mais porque as testemunhas não podem confessar factos – art. 352 do CC: confissão é o reconhecimento que a parte faz […] -, ao contrário do que eles sistematicamente dizem). Isto num recurso com um corpo de alegações de 53 páginas.
Posto isto,
Dos depoimentos das testemunhas JT e JP (condóminos praticamente desde o início e membros da comissão de acompanhamento da obra de reparação/reposição realizada pela TI), conjugado com o relatório da vistoria da Câmara Municipal, com o da TI e com as fotografias deste relatório e das tiradas por aquelas testemunhas (que também elaboraram um relatório), bem como com a lógica e as regras da experiência comum das coisas, resulta de forma claríssima tudo o que consta dado como provado de 16 a 22 (como aliás também o que consta de 23 e 24 e 9 e 10).
É certo que aquelas testemunhas têm a qualidade de condóminos e por isso são indirectamente [indirectamente, porque a autora da acção é a administração, não o condomínio] interessadas no resultado da acção, mas o seu depoimento é apenas uma pequena parte dos elementos de prova que apontam decisivamente para o que antecede.
Pretender, como pretendem os réus, que não é possível, a duas testemunhas, que acompanharam a realização das obras de reparação/reposição feitas pela TI, aperceberem-se que no terraço e na varanda foram colocados dois pavimentos diferentes por cima de um primeiro, é ir contra toda a evidência das coisas, documentada também pelas fotografias tiradas pelas duas testemunhas.
E imaginar que os dois pavimentos a mais, colocados sobre o primeiro, foram feitos no mesmo momento é um absurdo evidente: ninguém põe mosaico sobre um pavimento, para logo a seguir ir colocar novo pavimento sobre aquele mosaico. O contrário é ir contra as regras da lógica e da experiência comum das coisas.
As obras foram, pois, feitas em dois momentos distintos, como se deu como provado naqueles pontos de facto.
E as testemunhas contrárias, que os réus pretendem aproveitar contra isto, nada dizem que minimamente aponte em sentido diverso. Pois que a anterior dona da fracção o que diz é que não gostava do pavimento que lá estava e que pediu que lá fosse colocado um mosaico diferente; e a testemunha empregado do construtor o que conta foi que colocou esse novo pavimento (embora o faça de forma ambígua, tentando adaptar-se ao teor do que lhe é perguntado, pelo que as respostas vão saindo contraditórias e incoerentes, tanto mais que as perguntas do advogado dos réus se referem a três pavimentos e a testemunha tenta inventar matéria para dar uma correspondência a três pavimentos, quando o é que ela diz ter feito foi pôr um novo pavimento por cima do anterior; esta testemunha é amigo do réu, a casa de quem foi há uns 6 ou 7 anos – a testemunha está a depor em 2019 -, tendo dito que fez as obras logo depois da compra, portanto em 1989). Pelo que, como é evidente, nenhuma delas pode desmentir ter havido uma segunda intervenção – antes pelo contrário, pois que, se eles dizem só ter sido feito um segundo pavimento por cima do primeiro, é porque teve que ter havido uma segunda intervenção em momento posterior -, desta vez com a colocação de um novo pavimento, ou seja, teve que ter ocorrido tudo aquilo que consta dos dois pontos 19 e dos pontos 20 a 23 dos factos provados.
Para argumentar contra a fundamentação da decisão de facto, os réus dizem que o tribunal disse que as versões destas testemunhas (MI e AL) eram diferentes. O que vão repetindo. Ora, também aqui, isto é uma fundamentação criada pelos réus, já que a fundamentação real não contém tal argumentação. A única vez que a fundamentação recorrida se refere a versões diferentes está-se a referir ao conjunto de todas as versões que foram apresentadas (por todos os intervenientes), o que a leva a dizer que: “relativamente aos factos não provados, e quanto à identificação do proprietário que procedeu às intervenções no terraço, foram apresentadas diferentes versões que não são sustentadas umas nas outras ou então simplesmente não merecem credibilidade.” A fundamentação não está a dizer que a versão da testemunha MI é diferente da da testemunha AL. Pelo contrário.
Assim, estes pontos de facto devem manter-se.
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Quanto às alegações de facto não provadas:
Os réus querem – em relação a (a) e (b) – que seja dado como provado que quem fez a alteração – que para os réus foi apenas uma -, foi a empresa construtora, por intermédio do seu empregado, a pedido da primeira proprietária.
Ora, demonstrado acima – deste modo se acompanhando a extensa e pormenorizada fundamentação das decisões de facto recorridas – que foram feitas duas intervenções em momentos distintos, não pode ficar provado que foi feita só uma.
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Quanto a (c), os réus querem que fica a constar que as obras da primeira intervenção [sic] não careciam de ser submetidas à aprovação dos restantes condomínios, porque o imóvel ainda pertencia na totalidade ao construtor.
Esquecendo a primeira parte, que é uma questão de direito – porque dependente da aplicação de normas jurídicas que determinem em que casos é necessária ou não uma aprovação -, fica a segunda parte, isto é, que a primeira intervenção foi feita ainda antes da primeira compra. Note-se que os próprios réus falam em 1.ª intervenção…
Ora, no meio das extensas passagens transcritas do depoimento da primeira compradora, o que consta é que quando para lá foi viver ainda estavam a fazer os últimos acabamentos, o que não indicia que as obras tenham sido feitas antes da compra, pelo contrário. E logo a seguir diz que já tinha feito a escritura, o que aponta no mesmo sentido. Embora logo depois diga: ou ia fazer a escritura… e mais à frente acrescente, agora já sem dúvidas: “no dia em que fiz a escritura e entrei no meu apartamento, as obras estavam feitas.” Assim, este depoimento – não confissão, repete-se, porque uma testemunha não é uma parte e não pode confessar nada… – aponta maioritariamente no sentido de a obra ter sido posterior e não anterior à compra. Embora, com toda a razão (como se vê pela constante mudança de versões), o tribunal recorrido não lhe tenha dado credibilidade (o que fundamentou; entretanto, anote-se que a testemunha foi convidada pelo réu a visitar o local, uns dias antes do julgamento, o que fez…).
Quanto ao depoimento do Sr. AL, ele diz que “aquilo devia ter sido feito logo após a Srª ter comprado…” [utiliza-se, também aqui, a transcrição feita pelos próprios réus]. Assim, também este depoimento – não confissão repete-se, porque uma testemunha não é uma parte… – aponta no sentido de a obra ter sido posterior e não anterior à compra.
Assim sendo, não é possível dar esta alegação de facto feita agora pelos réus como provada.
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Quanto à alínea (e) em que, em síntese, não se dá como provado que uma sobrecarga tenha provocado uma elevada carga que tenha provocado fissuras, os réus querem que se dê como não provada qualquer sobrecarga.
Mas como uma alegação de facto não provada não corresponde a qualquer facto provado, não tem qualquer sentido substituir uma alegação de facto não provada de sobrecarga por uma outra alegação de facto não provada de sobrecarga.
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Em suma, improcede, total e manifestamente, a impugnação das decisões da matéria de facto 16 a 22 e alíneas (a) a (c) e (e).
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença começa por explicar que o terraço em causa nos autos é um terraço de cobertura, parte comum do prédio embora afecta a uso exclusivo da fracção que é actualmente dos réus (art. 1421/1-b do CC, e Jorge Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição, 2001, pág. 74) e que às obras de inovação realizadas sobre as partes comuns é aplicável o disposto no artigo 1425 do CC (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/02/2017, processo 2064/10.0TVLSB.L1.S1 e, no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. III, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1987, págs 433-434; Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no CC português, RDES Ano XXIII, pág. 139, nota 3; Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Baptista Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág. 192; Jorge Aragão Seia, obra citada, pág. 131; ac. do STJ de 17/02/2011, proc. 881/09.2TVLSB.L1.S1) dependentes da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
Depois justifica a conclusão de que a 2.ª intervenção no terraço – já não a primeira – dada como provada nos autos configura uma inovação em parte comum (com referência ao já citado ac. do STJ de 22/02/2017 e a Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, 3.ª ed., págs. 282/3, Pires de Lima e Antunes Varela, obra e local citados e Aragão Seia obra citada, pág. 135), pelo que carecia de autorização do condomínio, que não foi obtida [ou melhor, que não se provou que tivesse sido obtida].
Quanto à varanda, esta já não é uma parte comum; não sendo uma parte comum, chama à colação o previsto no artigo 1422/3 do CC, face ao qual o condómino só pode, na sua fracção, fazer obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio.
Depois de explicar o que se entende por “linha arquitectónica” e “arranjo estético”, com recurso à obra já citada de Abílio Neto, pág. 183, conclui que a subida do terraço da varanda, com a colocação de inertes, de forma a ficar nivelada com o terraço e a colocação de uma nova bica de drenagem sem se ter retirado a anterior (que se situava junto do pavimento de origem), consiste numa modificação da linha arquitectónica e que, por isso, para a realização desta obra era necessário a obtenção da aprovação da assembleia de condomínio, não tendo ficado provado que tivesse sido obtida essa autorização.
E depois a sentença continua assim:
Os condóminos só se aperceberam que foram realizadas obras no terraço e na varanda quando começaram a surgir infiltrações na sala do 7.º andar direito a qual se situava por baixo do terraço.
Ora, nos termos do artigo 1427 do CC, as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns podem ser realizadas, na falta ou no impedimento do administrador, por qualquer condómino. Nos presentes autos, a assembleia de condomínio decidiu avançar com a obra para assim estancar os problemas de infiltrações nos andares inferiores.
Resulta dos factos provados que o condomínio realizou as obras necessárias à reposição do terraço e da varanda no seu estado original, sendo que depois destas a fracção do 7 dtº, deixou de ter na sala manchas de humidade e infiltrações.
O condomínio vem agora pedir ao actual proprietário o pagamento dos montantes despendidos pela colocação do terraço e varanda no seu estado original.
Em primeiro lugar, refira-se sendo as obras realizadas ilícitas os condóminos podem exigir a sua eliminação.
Considerando que as obras realizadas eram ilícitas e teriam de ser demolidas, o condomínio substitui-se ao responsável pela sua demolição.
Os réus alegaram que não foram eles a realizar as obras na fracção e, na verdade, não ficou provado em que período e com que proprietário é que as obras aqui em causa foram realizadas.
Mas uma coisa é certa foram realizadas obras em dois momentos no terraço do 8.º andar direito, embora não se tendo provado quem realizou tais obras.
Cumpre assim analisar se esta falta de prova faz cair o direito do condomínio de ser ressarcido dos montantes que realizou para demolir as obras que haviam sido realizadas ilicitamente e ainda colocar o terraço e a varanda no seu estado original.
“No vasto leque dos vínculos jurídicos a doutrina vem descortinando um certo tipo de obrigação, de características algo híbridas, que se designam por obrigações reais ou obrigações propter rem. Do que principalmente aí se trata é de vínculos jurídicos, como as demais obrigações, por virtude dos quais alguém está adstrito para com outrem à realização de uma prestação (artigo 397 do CC); mas com a especificidade de o devedor, aquele que se encontra adstrito ao vínculo, ser encontrado por remissão, indirectamente, por inerência do facto de ser titular de um certo direito real.
A lei não cura autonomamente deste tipo de obrigação. E a doutrina, a seu respeito, afigura-se flutuante; e até, algumas das vezes, algo desencontrada.” – cfr. ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/11/2011, proc. 6760/04.2TJLSB.L1-7.
E continuando a citar este ac. do TRL de 21/11/2011, a sentença diz:
Para Luís Menezes Leitão, as situações jurídicas propter rem são aquelas em que o sujeito é determinado mediatamente pela titularidade de um direito real (cfr. Direitos Reais, 2009, págs. 373). E, no geral, a doutrina exclui do tipo da obrigação real aquela que se constitua em dever autónomo de indemnização, porventura emergente de violação culposa de algum direito alheio (autor e obra citadas, páginas 87 a 88).
À parte daquela obrigação, acolhe no tipo certas obrigações impostas ao titular de um direito real em face de comportamentos por ele adoptados, e actuando na qualidade de titular de um direito real, de que resultem danos para outrem (Santos Justo, Direitos reais, 2007, pág. 84).
Escreve Luís Carvalho Fernandes que se a violação se traduzir numa actuação para além dos limites objectivos do direito real, e dela resultar uma inovação e a obrigação imposta ao seu titular for tomada objectivamente, independentemente da culpa do agente, vinculando-o à repristinação da situação anterior à violação, estamos perante uma obrigação propter rem (Lições de direitos reais, págs. 168 a 169).
Precisamente, no caso dos autos, a obrigação em causa teve origem na limitação ao exercício de direitos, no regime da propriedade horizontal, pois foram realizadas obras sem que se seguisse o regime de autorizações da assembleia de condomínio previsto nos artigos 1422 e 1425 do CC.
No quadro do apontado critério, tendemos a considerar estar aqui em causa uma obrigação real; já que estritamente ligada à situação jurídica real do agente, e independente de culpa.
Cumpre agora analisar se é ou não ambulatória essa obrigação.
Segundo Manuel Henrique Mesquita a resposta é afirmativa. Para este autor, nessa característica os vínculos que consistam em prestação de facere, ou seja, na medida em que imponham ao sujeito passivo a prática de actos materiais sobre a coisa que é objecto do direito real do qual são acessórias; e explica: o alienante do ius in re, em virtude de ter cessado a sua soberania sobre a coisa, fica impossibilitado de realizar a prestação debitória. Por isso, há-de ser quem tiver o domínio da coisa (a que a obrigação propter rem se encontra ligada) e, ao abrigo dessa posição jurídica, legitimidade para nele interferir, que deverá naturalmente realizar a prestação debitória (cfr. Obrigações reais e ónus reais, páginas 330 a 331 e 333 a 335, e, na jurisprudência, acerca da natureza ambulatória das obrigações propter rem, acórdãos do TR de Guimarães de 17/09/2009, proc. 836/04.3TBVCT.G1, e do TRL de 15/03/2011, proc. 1359/07.4TVLSB.L1-7).
Os réus têm uma obrigação real, propter rem, de conteúdo positivo, que acompanha o direito real de que são titulares, no caso o direito de propriedade da sua casa e que confere à autora, sujeito activo de tal obrigação, o direito de lhes exigir a realização das ditas obras e reparações. Tal obrigação deriva do próprio estatuto legal do direito de propriedade.
Nos presentes autos não se apurou qual dos proprietários da fracção realizou as obras no terraço, mas se se tivesse provado que teria sido a condómina anterior, com a venda que teve lugar entre si e os agora réus, aquele liberou-se da posição de condómina que transmitiu aos réus, e acompanhou esse movimento translativo toda a situação jurídica concernente. Quer dizer que com a venda e a transmissão da propriedade são os réus que ficam responsáveis pelo imóvel e pelas obras que tivessem sido realizadas pela anterior proprietária.
Como afirma José de Oliveira Ascensão “As relações jurídicas reais estão sujeitas a um regime muito particular que lhe confere individualidade marcada, nomeadamente o caracter propter rem caracteriza qualquer das suas posições, elas transmitem-se com a transmissão do direito real a que se referem e extinguem-se com a extinção deste” (Direitos Reais, p. 182).
O ac. do TRL de 21/11/2011, proc. 6760/04.2TJLSB.L1-7. equaciona uma hipótese académica mas que considerarmos ter uma aplicação prática nos presentes autos.
Tal hipótese é a seguinte “a (primitiva) ré não realizara a prestação, como o seu adquirente (autor na acção) também o não fizera; este entretanto (re)vendia a fracção – querendo o condomínio executar a sentença condenatória, de que dispunha, quem devia demandar nessa execução? A resposta a esta pergunta permite, porventura, compreender melhor o alcance do caso concreto; o executado seria ali, segundo cremos, o proprietário que comprara e era agora o dono da fracção; não porque houvesse sido réu na acção de condenação que gerara a sentença exequenda, mas por entretanto ter havido sucessão na obrigação por esta estabelecida (artigo 56/1 do Código de Processo Civil); a intervenção da ré, que na acção fôra condenada, já sem estatuto que a autorizasse a interferir na res, não nos parece de razoável compreensão.
Em suma, o que nos parece é que a obrigação que a sentença definiu à ré tem natureza propter rem; e, por outro lado, características ambulatórias.”
Ora, seguindo este entendimento os réus seriam sempre os responsáveis por colocar o terraço no seu estado de origem, independentemente de terem sido eles a realizar essas obras, pois são eles que agora têm a propriedade do imóvel.
A sentença recorrida termina aqui a citação parcial e adaptada do acórdão do TRL de 21/11/2011 e continua:
No caso de realização de obras em parte comum do prédio a obrigação de reparação de tal espaço, com a consequente colocação do mesmo de acordo com o seu estado inicial recai sobre o proprietário da fracção, tenha ou não sido ele o autor de tais obras. Enquanto proprietário, este tem o dever de realizar as obras de reposição e/ou reparação do seu espaço uma vez que estamos perante obrigações propter rem, ou seja, obrigações impostas àquele que for o titular da fracção e, por inerência, o utilizador do terraço. E isto, é claro, sem prejuízo de eventuais direitos de regresso que este entenda accionar contra o autor de tais obras (cfr. ac. do TRL datado de 15/03/2011, proc. 1359/07.4TVLSB.L1-7).
[…] tendo o condomínio procedido à demolição das obras realizadas, que eram da responsabilidade dos réus, tem agora direito a ser ressarcido em relação aos montantes despendidos, sendo que desse montante deverá ser subtraído a quota extraordinária já paga pelos réus.”
Os réus, contra tudo isto, limitam-se a dizer o que já acima se transcreveu e que agora se repete, por ser tão exíguo e para facilitar a leitura: o tribunal recorrido violou os dispositivos dos artigos 483 e 493 do CC quando imputou a prática de um acto ilícito aos réus, que estes não praticaram e do qual não lhes foi dado conhecimento e não podiam aperceber-se da sua existência, por se tratar de vício, anomalia ou defeito oculto em obra, não visível a olho nu.
A autora, no essencial, adere à fundamentação da sentença, que transcreve na íntegra.
Decidindo:
A sentença está correcta, pelo que apenas se vão reforçar alguns pontos:
A questão que está em causa nos autos é a de saber se são os réus que devem pagar as obras de reposição/reparação que foram feitas, no terraço de cobertura do 8.º andar direito do edifício de que a autora é administradora, por uma empresa contratada por esta.
O terraço de cobertura em causa, apesar de constar da escritura de constituição da propriedade horizontal como sendo parte da fracção correspondente ao 8.º andar direito, é parte comum do edifício, por força do art. 1421/1-b do CC.
(assim, por exemplo, e com inúmeras referências no mesmo sentido que demonstram um entendimento praticamente reiterado e uniforme sobre a questão, o acórdão do STJ de 12/10/2017, proc. 1989/09.0TVPRT.P2.S1: III – A inclusão dos terraços de cobertura no elenco das partes comuns justifica-se por os mesmos integrarem a estrutura do edificado, sendo, consequentemente, do interesse de todos os condóminos que a conservação daqueles não fique dependente da diligência de apenas alguns deles e que nesses espaços não sejam introduzidas inovações à revelia dos condóminos. IV – Na medida em que os terraços intermédios servem de cobertura, ainda que parcial, a fracções de pisos inferiores ao último pavimento e integram, também eles, o núcleo estrutural do edifício, é de sufragar a doutrina mais recente deste STJ, segundo a qual tais terraços integram a previsão do art. 1421/1-b do CC (em qualquer uma das suas versões), independentemente do piso em que se situam e de o seu uso estar, em exclusivo, afecto a algum dos condóminos; V – A conclusão de que um terraço intermédio é parte imperativamente comum do edifício não impõe a necessidade de declarar a nulidade parcial do título constitutivo que o incluiu numa fracção autónoma)
O art. 1424/3 do CC dispõe que as despesas relativas […] às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
Isto naturalmente no pressuposto de que tais despesas têm a ver com o desgaste ou deterioração provocados pelo uso dessa parte comum pelo proprietário da fracção que dela se serve em exclusivo, ou com obras que nela foram feitas por ele, e não com elementos da estrutura do edifício em que ele não mexeu, pois que, neste outro caso, as mesmas já correm por conta de todos os condóminos proprietários dessa parte comum.
[assim, por exemplo, os acórdãos do STJ
– de 09/06/2016, proc. 211/12.6TVLSB.L2.S1: I – O art. 1424/1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação de os condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício. II – O art. 1424/3 do CC contém uma excepção ao referido princípio ao estabelecer que as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, i.e., dos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns (como sucede com um terraço que serve de cobertura a parte do prédio). III – Há, porém, que distinguir, dentro dessas despesas, as chamadas despesas de manutenção das despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção de espaços exteriores a essas partes comuns que não são utilizados por aqueles condóminos: as primeiras são a cargo dos condóminos que usam e fruem do terraço por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles que deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais desse terraço; já as segundas são a cargo de todos os condóminos por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles.
– de 12/10/2017, proc. 1989/09.0TVPRT.P2.S1: VI – A previsão do art. 1424/3 do CC apenas abarca as despesas que se relacionem com a afectação exclusiva da parte comum, pelo que aquelas que não derivem da sua utilização privativa (como seja, vg. a sua impermeabilização) devem ser pagas segundo a regra do art. 1424/1. VII – Incumbindo a todos os condóminos o dever de conservação da partes comuns, recai sobre todos eles o dever de suportar as despesas correspondentes à correcção de vícios de manutenção [….].
– e de 14/03/2019, proc. 2446/15.0T8BRG.G2.S1: I. Tendo sido provado que “começaram a verificar-se infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do prédio, designadamente da fachada voltada ao quadrante sul, na fracção referida em 1”, nos termos do art. 1421/1 do CC, tal fachada exterior, enquanto elemento da estrutura do prédio, constitui uma parte comum deste, sendo que, de acordo com o nº 1 do art. 1424 do CC, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”. II. Assim, no caso dos autos, o que está em causa é o (in)cumprimento de uma obrigação do réu condomínio, composto pelo conjunto dos condóminos, de custear as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns, como as obras de reparação necessárias para garantir a fruição das mesmas.
Bem como o acórdão do TRP de 11/10/2018, proc. 449/15.4T8ILH.P1 (seguido pelo ac. do TRP de 10/07/2019, proc. 25518/17.2T8PRT.P1): I – Os terraços de cobertura constituem parte comum do prédio de que fazem parte mesmo quando afetos ao uso exclusivo de uma fracção. II – em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, que é desempenhada pelo mesmo, impõe-se distinguir entre: obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, que serão da responsabilidade do proprietário da fracção autónoma que tem o uso exclusivo do referido terraço – no art. 1424/3 do CC; as obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a função dos terraços enquanto cobertura as quais serão da responsabilidade do condomínio. III – Só não será assim quando neste último caso esteja comprovado que se devem a uso anormal por parte do proprietário da fracção autónoma.
E ainda o ac. do TRL citado pela decisão recorrida, o qual respeita à seguinte situação:
A acção foi proposta pelo proprietário da fracção do andar de baixo, contra a administração do condomínio e a proprietária da fracção do andar de cima, que estava a provocar danos no andar debaixo, por infiltrações de águas pelo terraço de cobertura, bem comum, afecto ao uso exclusivo da fracção do andar de cima. Ambas as rés foram condenadas: a administração, por se ter provado a deficiente impermeabilização do terraço, parte comum do edifício, causa concorrente da produção dos danos; a ré proprietária da fracção por ter feito obras no terraço que também foram causa dos danos subsequentes à infiltração (outras obras podem ter sido feitas não por ela mas pela anterior proprietária, mas a obrigação desta transmite-se à nova).
Ambas as rés foram condenadas e a sentença recorrida foi confirmada pelo referido ac. do TRL 15/03/2011, proc. 1359/07.4TVLSB.L1-7, dizendo: […] II – Nos casos em que o terraço de um prédio, que é uma parte comum, embora afecto à utilização de apenas um dos condóminos, tenha também uma função de protecção desse mesmo prédio, assim beneficiando todos os demais condóminos, deve ficar a cargo destes últimos as despesas decorrentes pela manutenção de tal espaço, responsabilidade essa decorrente da regra geral prevista pelo art. 1421/1 do CC. III – Consideram-se como inovações as obras realizadas nas partes comuns do prédio, por parte de um dos condóminos e para seu próprio benefício, sem autorização da assembleia de condóminos e da Câmara Municipal, obras essas que causaram alterações no terraço, em desconformidade com as telas finais, e que foram causa directa, necessária e concorrencial das humidades provocadas no andar de um outro condómino, devendo, assim, serem suportadas pelo autor das mesmas, na respectiva proporção dos danos causados, nos termos dos artigos 1424/3 e 1426/1 do CC. IV -Incumbe ao proprietário do andar e do terraço por si utilizado, a realização das obras de reposição e/ou reparação daquele espaço, independentemente de ter sido ele o seu autor, uma vez que estamos perante obrigações propter rem, ou seja, obrigações impostas àquele que for o titular da fracção e, por inerência, utilizador do terraço, sem prejuízo de eventual direito de regresso do mesmo contra anterior proprietário.
A sentença da 1.ª instância, objecto do ac. do TRL, segue muito de perto, o ac. do TRL, de 13/03/2008, proc. 1353/2007-6, que diz respeito a este outro caso:
A acção foi intentada pela proprietária da fracção de um andar inferior contra os antigos e novos proprietários da fracção do andar de cima; os antigos proprietários fizeram buracos no terraço de cobertura (que foi apresentado pela autora como se fosse bem da fracção e não bem comum), por onde ocorrem infiltrações que provocaram danos no andar de baixo; a autora quer ser indemnizada dos danos e que o terraço seja reparado para evitar infiltrações; quando a esta reparação entende que devem responder solidariamente ambos os réus, porque a obrigação dos antigos donos se comunica aos novos donos; quanto à indemnização dos danos na sua fracção quer a condenação dos antigos donos da fracção superior; os novos proprietários pediram a intervenção de todos os condóminos (por o terraço ser bem comum); a autora aceitou a intervenção e pediu, subsidiariamente a condenação deles nos pedidos já formulados; os restantes condóminos vieram dizer, entre o mais, que o terraço estava afectado ao uso exclusivo da fracção do andar de cima; a sentença da 1.ª instância condenou todos os condóminos a pagarem a indemnização pelos danos provados na fracção do andar de baixo e a realizarem as obras necessárias no terraço a evitar as infiltrações; os antigos donos foram absolvidos. Os restantes condóminos recorreram da sua condenação (queriam que apenas os novos donos da fracção fossem condenados).
O TRL entendeu que se justificava a condenação de todos os condóminos, na proporção do valor das respectivas fracções, e não só da actual dona da fracção, por entender que as infiltrações que estiveram subjacentes aos prejuízos invocados pela autora e verificados na sua fracção não se prendem com a falta de conservação ou uso anormal do terraço da fracção dos réus, mas sim com os seus elementos estruturais e com a sua finalidade enquanto elemento de cobertura do prédio ou de parte dele.
O acórdão invoca no mesmo sentido o decidido pelo ac. do TRL de 29/06/1989, CJ.89.III, pág.159 a 161, citado por Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2.ª ed, Almedina, págs. 146-147 [138 a 142 da 1.ª edição, 2000], que considerou que o encargo com as obras de impermeabilização de um terraço de cobertura, ainda que afectado a uso exclusivo de algum dos condóminos, cabe a todos na proporção das respectivas quotas. E comentando aquele acórdão refere-se na obra citada: “Isto, apesar de as despesas relativas às partes comuns do edifício que sirvam algum condómino ficarem a cargo dos que delas se servem, já que o terraço, na sua função de cobertura, serve todos os condóminos, (…), do mesmo modo que um telhado não serve só o último andar, mas todos quantos protege, directa ou indirectamente. O que estava em causa, no caso concreto, não era o simples arranjo do terraço, mas antes o arranjo da própria placa, enquanto elemento da estrutura essencial do prédio e elemento protector de todo o bloco interior.”
No mesmo sentido, também o parecer já antigo de Raul Guichard, que também faz uma interpretação restritiva do disposto no art. 1424/3 do CC mas logo adverte “que tudo isto [o resultado daquela interpretação] supõe que se trate de reparar ou obstar a danos ou deteriorações fortuitas ou provenientes da natural usura do edifício associada ao decorrer do tempo. Mas já não de sanear os danos resultantes da negligência do titular da fracção ou que sejam de algum modo imputáveis à utilização que ele daquela faz ou retira. Tal circunstância, que logo em termos gerais interviria, ganha neste contexto particular acuidade, atendendo a que a parte em causa do edifício […] está afectada a determinado condómino (Propriedade horizontal. Despesas com a conservação de um “terraço intermédio”, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 3 (2005), pág. 244, consultado online)]
Por sua vez, o art. 1422/2 do CC dispõe que é especialmente vedados aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança […] do edifício.
Por fim, quando se façam obras sem os consentimentos necessários (ou sem se provarem os consentimentos necessários), por isso ilícitas, as coisas devem ser repostas no estado anterior, naturalmente com as despesas a cargo dos condóminos que deram origem à necessidade de as fazer.
(neste sentido, por exemplo, o ac. do TRC de 05/11/2019, proc. 2012/15.0T8CBR.C1: 8.-Tendo as inovações sido introduzidas sem a aprovação prévia da assembleia de condóminos e lesando o direito do autor à utilização da sua fracção, a consequência será a remoção e a reposição do prédio no estado anterior (reconstituição natural) (cf. art. 1422/2-a do CC); que invoca no mesmo sentido o ac. do TRC de 02/02/2016, proc. 309/07.2TBLMG.C1: VI – A sanção natural para a execução de obras ilícitas é, conforme também vem sendo entendido, a sua demolição).
Assim sendo, resultando dos factos provados que foram as alterações introduzidas na fracção do 8.º andar direito pelos proprietários dela (actuais ou antigos não importa) que provocaram as infiltrações nos andares de baixo – tanto que depois de terem sido repostas as coisas no estado anterior as infiltrações deixaram de ocorrer –, sendo que essas infiltrações põem em causa a segurança do edifício porque vão provocando estragos no mesmo, as obras de reposição do terraço de cobertura no estado original têm que ficar a cargo dos réus, proprietários da fracção em causa, e não dos restantes condóminos, que nada têm a ver com as alterações efectuadas e que não beneficiaram do facto de elas terem sido feitas.
E como se trata de uma obrigação decorrente de terem sido feitas alterações na fracção e não de quem as fez, não importa que não se tenha provado quem é que as fez (se os antigos, se o actual proprietário). Daí a ampla referência à ambulatoriedade da obrigação feita na sentença recorrida, com suporte no ac. do TRL de 22/11/2011, proc. 6760/04.2TJLSB.L1-7, de que cita largos excertos, este por sua vez amplamente sustentado doutrinariamente e jurisprudencialmente; para além das citações já feitas daquele acórdão e por isso também da obra de Manuel Henrique Mesquita, refira-se que este autor, na pág. 333, ainda explica que a transmissão da obrigação ocorre embora o subadquirente do direito real não disponha de elementos objectivos que denunciem a existência da obrigação propter rem; e na nota 68 da pág. 339 ainda explica que, por força do estatuto da comunhão e do condomínio, o adquirente tem o dever de contribuir para as despesas a que se referem os arts. 1411 e 1424, podendo este regime conduzir a uma solução praticamente idêntica à que resultaria da ambulatoriedade da obrigação propter rem, o que concretiza com um exemplo nos dois últimos §§ de tal nota). Os actuais proprietários da fracção adquiriram-na tal como ela se encontrava, com os estragos que tivesse ou que produzisse, pelo que são eles que têm de colocar a coisa em condições de não os produzir mais, independentemente do direito a indemnização que tenham/tivessem contra o vendedor (antigo proprietário) se foi ele que colocou a fracção no estado em que ela se encontra e não lhe deu conhecimento disso [a ressalva deste direito também consta da obra citada de Henrique Mesquita: nota 55 pág. 332]
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Note-se, entretanto, que não está em causa uma questão de indemnização de danos provocados nos andares inferiores, mas sim de imputação das despesas para colocar o terraço de cobertura em condições de não provocar mais danos, eliminando as alterações feitas pelos proprietários da fracção que o terraço de cobertura serve.
Mas, porque na petição são feitas várias referências àqueles danos, de tal forma que dá a ideia de que as reparações efectuadas também têm a ver com eles – embora não seja isso que decorre dos factos provados -, diga-se que, tendo em conta o disposto no art. 493/1 do CC, caberia aos réus a indemnização deles, por serem eles os proprietários da fracção com obrigação de vigilância da mesma, tendo ficado provado que foram as alterações que foram feitas no terraço pelos proprietários da fracção que criaram as condições (das infiltrações) que provocaram tais danos e que eles não fizeram a prova dos factos que excluiriam a sua culpa presumida por aqueles factos [não se verificaria, pois, aqui, a razão de ser de não aplicação desta regra ao caso, invocada pelo ac. do STJ de 12/10/2017: II – Num contexto em que apenas o autor tem possibilidade de constatar a existência de infiltrações, humidades e quedas de água (porque as mesmas ocorrem na fracção autónoma de que é proprietário), seria contrário à razão de ser da inversão do ónus da prova a aplicação do disposto no art. 493/1 do CC, sem prejuízo de impender sobre os réus, proprietários de fracção autónoma adjacente, o dever de vigilância sobre a sua fracção e sobre as partes comuns afectas ao seu uso exclusivo].
[neste sentido, por exemplo, e para a situação inversa, em que a responsabilidade era do condomínio – do conjunto de condóminos – por não ter feito as obras de reparação que tinham a ver com a estrutura do edifício, os acórdãos do STJ de 12/10/2017, proc. 1989/09.0TVPRT.P2.S1: VII – Incumbindo a todos os condóminos o dever de conservação da partes comuns, recai sobre todos eles o dever de suportar as despesas correspondentes à correcção de vícios de manutenção, bem como, verificados que estejam os pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, a obrigação de indemnizar os prejuízos que advenham da falta de reparação; e de 14/03/2019: IV. A questão da eventual prescrição do direito do autor a exigir a reparação/indemnização pelos danos provados coloca-se em termos inteiramente distintos daqueles que foram considerados em I, II e III quanto aos demais pedidos do autor: pedido de realização de obras de reparação dos danos que as infiltrações de água causaram dentro da sua fracção; pedido de indemnização por diversos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor. V. Com efeito, quanto a estes diferentes pedidos, não está em causa o incumprimento da obrigação legal de o réu condomínio assegurar e custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, mas antes uma situação susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual, subsumível ao regime geral dos artigos 483 e segs. do CC; VI. Convocando o regime do n.º 1 do art. 493 do CC – e independentemente do entendimento quanto ao âmbito da presunção nele consagrada – constata-se que a tarefa do julgador se encontra simplificada pelo facto de, tendo sido provado que o réu condomínio não levou a cabo obras de conservação ou reparação da fachada em causa, a ilicitude da conduta se encontrar efectivamente provada, sendo a culpa de presumir, salvo se o réu tivesse feito prova de que “nenhuma culpa houve da sua parte” ou de que “os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”, o que não sucedeu; e, para um caso paralelo, também o acórdão do TRP de 20/02/2003, proc. 0232481 (citado por Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, Almedina, Abril de 2015, ponto 49.2, pág. 411): Os detentores de uma fracção de um prédio em propriedade horizontal são responsáveis pela reparação dos danos produzidos na fracção inferior, a título de culpa presumida, uma vez que sendo os danos provocados por uma inundação de águas provindas do andar de cima, sempre se tem que considerar portadoras de intrínseca eficiência danosa, as canalizações, tubagens e peças sanitárias que equipam esse andar.]
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), pelos réus (por terem sido eles a decair no recurso).
Lisboa, 05/03/2020
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto