Oposição à execução e à penhora do Juízo de Execução de Loures – Juiz 3
Sumário:
I – Como o executado embargante não é o proprietário do prédio hipotecado, não pode, em embargos de executado, levantar questões relacionadas com inexactidões do registo da hipoteca como causa de nulidade do registo da mesma.
II – Tendo sido ele próprio que constituiu a hipoteca quando era proprietário do prédio, para garantia do crédito exequendo, não podendo deixar de saber da inexactidão que aponta, também não podia levantar agora a questão, sob pena de abuso de direito por venire contra factum próprio.
III – A inexactidão invocada, de qualquer modo, não era causa da nulidade do registo da hipoteca (o que não deve obstar a que, no processo de execução se tenha de ter o cuidado de – para além de se fazer o necessário para converter em definitivo o registo da penhora -, tratar o prédio conforme ele é realmente, para evitar nulidades das transmissões que se venham a fazer: arts 838 e 839 do CPC; mas isso é questão a tratar na execução e não nestes embargos).
IV – Tudo o que antecede chama a atenção, entretanto, para que se verifica uma ilegitimidade passiva na execução, já que o exequente está a tentar executar uma hipoteca sobre um prédio registado a favor de um terceiro, sem ter requerido a execução contra ele (arts. 54/2 e 735/2, ambos do CPC), mas também isso é questão [de sanação da ilegitimidade, que, a ocorrer, permitirá, também, converter o registo da penhora em definitivo] que não cabe decidir neste recurso de embargos.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados
A C requereu, em 20/04/2018, execução com garantia real, contra M-Lda, H e J, para pagamento da quantia, liquidada no requerimento executivo, de 134.005,67€.
Apresentou como título executivo um contrato de mútuo, exarado em 29/09/2010 [alegando que a quantia emprestada, referida no aludido título, foi efectivamente entregue à sociedade executada, mediante crédito processado na sua conta de depósitos à ordem, domiciliada na agência da C, que a movimentou, e utilizou em proveito próprio, confessando-se devedora da quantia recebida perante a C]; um aditamento a esse contrato, exarado a 27/12/2012, uma escritura pública de 03/06/2008 de constituição de hipoteca e uma outra de 27/09/2010 com uma rectificação da anterior e invoca o incumprimento do mútuo a partir de 28/02/2013, quando o capital que estava em dívida era 84.524,30€; a que diz acrescerem juros de mora desde aquela data, a variadas taxas de juros, mais uma cláusula penal de 3% desde 2013/02/28, no valor de 13.207,44€; mais mutuários conta despesas: 7110,57€; mais juros moratórios sobre mutuários conta despesas: 295,84€; mais imposto sobre despesas: 194,75€ e imposto de selo: 1889,32€.
O executado J deduziu, segundo ele, uma ‘oposição à penhora’, invocando, em síntese, a prescrição dos juros de mora vencidos nos cinco anos anteriores à citação, bem como, na parte que ainda importa, a nulidade da hipoteca constituída em garantia do crédito exequendo, porquanto incidiria sobre bem imóvel inexistente, ou, como diz mais à frente, a descrição predial constante do registo não correspondia à do imóvel sobre o qual se pretendia constituir hipoteca, pois que não era um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão destinada a habitação, mas sim um prédio urbano destinado a comércio, composto por um pequeno escritório, uma frente de loja e um armazém.
Por despacho judicial foi emendado o erro do executado, já que se entendeu que havia uma oposição à execução cumulada com a oposição à penhora, passando pois os autos a correr os seus termos como embargos.
O exequente contestou, impugnando, concluindo pela improcedência dos embargos.
Na audiência prévia foi proferida decisão final, julgando procedente a oposição apenas quanto à questão da prescrição dos juros, extinguindo, em consequência, a execução na parte em que se pretende a cobrança de juros de mora referentes a período anterior a 24/04/2013.
O executado J recorre deste saneador-sentença – para que a sentença seja alterada em conformidade [sic] -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, praticamente igual ao corpo das alegações:
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- Entendeu o tribunal a quo que, a argumentação usada pelo embargante não tem a virtualidade de, julgada procedente, poder fazer com que o mesmo deixe de estar sujeito à execução, não se encontrando, por isso, nos fundamentos típicos de embargos de executado, nem de oposição à penhora.
- Ora, analisados os documentos juntos aos autos, constata-se que dentre eles está em causa uma escritura de constituição de hipoteca voluntária unilateral, datada de 03/06/2008, sobre o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, sito na Rua D;
- Nos termos do artigo 2.º do Código do Registo Predial, estão sujeitos a registo: a) Os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão.
- Por sua vez, nos termos do artigo 16 do CRP, constituem causas de nulidade do registo: a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere.
- Atenta a realidade e os costumes utilizados pelas instituições financeiras, pressupõe-se que a entidade bancária exequente cuidou de avaliar o bem imóvel sobre o qual se constituiu a hipoteca, cuidando de acautelar que o mesmo tinha valor suficiente para acautelar a garantia hipotecária que se visava constituir e que correspondia ao que vinha inscrito na matriz e descrito na respectiva conservatória do registo predial. E tendo-o avaliado resultará evidente que à data dessa mesma avaliação constatou que o bem existente em nada coincidia com o bem descrito na conservatória do registo predial do concelho de D.
- Assim, ao aceitar constituir uma hipoteca sobre um bem imóvel que sabia não existir na realidade, a exequente foi parte activa na outorga de uma escritura pública que sabia não poder produzir todos os efeitos pretendidos porquanto a hipoteca que visava constituir iria incidir e ser registada sobre bem imóvel inexistente, ou no mínimo, os dados subjacentes à constituição dessa hipoteca, enfermavam de omissões ou inexactidões de onde resultava a incerteza acerca do objecto da relação jurídica a que o facto registado – hipoteca – se refere.
- E não se trata como se diz, no despacho saneador sentença, de uma mera divergência quanto aos elementos individualizadores do prédio sobre o qual incide a hipoteca, pois na verdade não existe uma casa de habitação, mas sim um prédio urbano, destinado a comércio, composto por um pequeno escritório, uma frente de loja e um armazém, o que só por si é suficiente para se poder afirmar existir um erro, uma inexactidão de que resulta a incerteza acerca do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere.
- Não podendo a exequente alegar desconhecimento quanto a este facto.
- A exequente sabia à data da escritura pública de constituição de hipoteca, que o bem imóvel constante do registo predial não existia. Bem como tinha perfeito conhecimento de que a descrição predial constante do registo predial do prédio, não correspondia à do imóvel sobre o qual se pretendia constituir hipoteca.
- Sucedeu que, tendo sido proferido despacho saneador sentença, não foram atendidos nenhuns dos elementos de prova indicados pelo aqui recorrente. E com efeito, a produção dos meios de prova requeridos pelo embargante, podiam e podem revelar factos directamente importantes para a boa decisão da causa. Ao juiz do tribunal a quo caberia deduzir sua convicção quanto a existência dos factos ou a veracidade do que foi alegado pelo embargante, num raciocínio lógico que tivesse em linha de conta, não só os documentos juntos pela C, como também o resultado da constatação e simples verificação objectiva da realidade do imóvel sobre o qual se constituiu a hipoteca.
- Concedida essa oportunidade, estamos certos que o tribunal a quo atenderia à causa de nulidade do registo da hipoteca, porquanto são ostensíveis os erros e as inexactidões dos elementos constantes da hipoteca e do registo de hipoteca, face àquela que é a realidade.
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A exequente não contra-alegou.
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Questão a decidir: se o processo ainda não tinha todos os elementos necessários à decisão da oposição à execução.
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Estão dados como provados os seguintes factos (consignam-se apenas os que se seguem e não outros que constavam da sentença, por dizerem respeito a factos que deviam constar do relatório da sentença e como tal foram aí consignados; e mesmo assim a maior parte é inútil para a questão que ainda resta discutir, não tendo sido eliminados por falta de tempo):
1. As quatro escrituras apresentadas pela C têm o seguinte teor na parte transcrita na sentença recorrida:
– na escritura de 29/09/2010:
1º ° C;
2º M-Lda, adiante designada por PARTE DEVEDORA, representada por J, casado no regime de separação de bens, e, H, solteiro, adiante designados por SEGUNDOS OUTORGANTES, que outorgam por si e na qualidade de sócios-gerentes da referida sociedade, com poderes para o acto;
Pelos outorgantes e na qualidade em que outorgam, é celebrado o presente contrato de abertura de crédito em conta corrente, que é regido pelas cláusulas seguintes:
[… não se transcreve por falta de interesse]
– na escritura de 27/08/2012:
ACORDO
CONTRATO DE MÚTUO N.º 000
ENTRE:
1.ª C;
2.° M-Lda, adiante designada por PARTE DEVEDORA, representada por J, casado no regime de separação de bens, e H, adiante designados por SEGUNDOS CONTRAENTES, que intervêm por si e na qualidade de sócios-gerentes da referida Sociedade, com poderes para o acto,
Entre os contraentes e nas qualidades em que intervêm, é celebrado o presente Acordo por adicional ao supra identificado contrato de mútuo, que se rege pelas cláusulas seguintes:
[… não se transcreve por falta de interesse]
– na escritura pública de 03/06/2008:
HIPOTECA VOLUNTÁRIA UNILATERAL
No dia 03/06/2008, no Cartório Notarial sito em A, perante notária privada, compareceu como outorgante: J, casado com V, sob o regime da separação de bens,
Verifiquei a identidade do outorgante por exibição do seu bilhete de identidade. PELO OUTORGANTE FOI DITO:
Que é dono e legitimo possuidor do seguinte imóvel, que não é casa morada de família: Prédio urbano, composto de casa de rés do chão, destinada a habitação, sito na Rua D, inscrito na matriz urbana sob o artigo 000, com o valor patrimonial de €1594,68, descrito na Conservatória do Registo Predial de A, sob o número 000, da citada freguesia, livre de ónus ou encargos, onde se mostra registada a aquisição a seu favor conforme inscrição G-2, sobre o qual pretende constituir primeira hipoteca a favor da C, para garantia do integral pagamento das quantias de que a referida caixa venha a ser credora de J, nos termos das clausulas seguintes:
CLAUSULA PRIMEIRA (Constituição de Hipoteca)
[… não se transcreve por falta de interesse]
– na escritura pública de 20/09/2010:
RECTIFICAÇÃO HIPOTECA VOLUNTÁRIA UNILATERAL
No dia 27/09/2010, no Cartório Notarial sito em A, perante notária privada, compareceram como outorgantes:
PRIMEIRO: H e J, casado com V, sob o regime da separação de bens, os quais outorgam, este último por si e ambos na qualidade de únicos sócios e gerentes da M-Lda, qualidade e poderes que verifiquei por certidão permanente com o código de acesso 000 que consultei on line pelas 15h30.
SEGUNDO: C, o qual outorga na qualidade procurador e em representação de C,
Verifiquei a identidade dos outorgantes por exibição dos seus documentos de identificação.
Disseram os 1.ºs outorgantes nas qualidades em que respectivamente outorgam:
Que por escritura lavrada a 03/06/2008, exarada a folhas (…), foi celebrada por si uma hipoteca voluntária unilateral a favor da C, que para todos os efeitos legais se considera aqui plenamente reproduzida.
Que na mesma declarou que a hipoteca foi constituída apenas para garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades assumidas e a assumir por ele, outorgante.
Que pela presente escritura o outorgante rectifica a já mencionada escritura de hipoteca voluntária unilateral no sentido de passar a constar que a mesma é constituída para garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir por ele J e ainda pela M-Lda.
Que pela presente escritura os outorgantes rectificam as cláusulas 1.ª e 2.ª da já identificada escritura de hipoteca, as quais passam a ter a seguinte redacção:
[…]
[… não se transcreve por falta de interesse]
Que nestes termos rectificam a dita escritura de hipoteca voluntária unilateral, mantendo em tudo o resto o então convencionado.
Disse o 2.º outorgante na qualidade em que outorga: que em nome da sua representada aceita a alteração ora efectuada.”Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de A, com o n.º 000, o prédio urbano, “situado em […], Rua D […], composto de rés-do-chão, para habitação, confrontando […].”
2. Encontra-se registada sobre aquele prédio hipoteca voluntária, a favor da C, através da Ap. 0 de 2008/06/03, cujo montante máximo assegurado é de 619.100€, em garantia de “todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir por J, concretamente: pagamento de toda e qualquer letra, livrança, cheque ou extracto de factura de que a C seja portadora e em que J, isoladamente, em conjunto ou solidariamente com terceiros, se haja obrigado por aceite, subscrição, saque, aval ou endosso e ainda que por actos diferentes; O pagamento de toda e qualquer quantia que a referida C tenha apresentado ou venha a apresentar através de mútuo, abertura de crédito, saldos devedores ou descobertos em contas de depósito e de que J, isoladamente, em conjunto ou solidariamente com terceiros seja devedor e ainda de qualquer crédito concedido pela mesma C proveniente de contrato de locação financeira mobiliária, de contrato de desconto ou aceite em títulos de crédito do qual seja sacador J, por forma isolada, solidária ou conjunta; Reembolso de quaisquer quantias que a mesma C tenha despendido ou venha a despender por quaisquer garantias bancárias já prestadas ou a prestar de que seja ordenador J – Juro anual: 13%, acrescido de 4%, em caso de mora.”
3. Através da ap. 0 de 1995/03/20, foi registada a aquisição, por compra, daquele prédio, a favor do executado J, “casado com V, no regime de separação de bens.”
4. Através da ap. 0 de 2012/07/12, foi registada a aquisição, por compra, daquele prédio, a favor de S-Unipessoal, Lda.
5. Através da Ap. 1643 de 2017/03/08 foi registada acção movida por B-SA, contra o executado J e S, para ser declarada a ineficácia em relação ao Banco do acto de compra e venda daquele prédio, devendo ainda ser ordenada à “S-Lda” a restituição do prédio de forma a permitir que o Banco se possa pagar à custa desse bem, bem como o cancelamento dos registos de inscrição da aquisição de compra e venda a favor da S-Lda.
6. O agente de execução registou a penhora [como provisória, por natureza – art. 92/2-b do CRP – e por dúvidas, tendo as dúvidas sido entretanto removidas] sobre aquele prédio através da Ap. 2172 de 2018/05/08 [tendo como sujeito passivo o executado J] {o conteúdo dos parenteses rectos foi introduzido por este TRL com base na certidão predial junta}
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A fundamentação da sentença recorrida que o executado/embargante/recorrente põe em causa consta do seguinte, na parte que importa:
Constituem fundamento de embargos de executado, além do mais, que no caso irreleva, em absoluto, (i) a inexistência ou inexequibilidade do título, (ii) a falta de qualquer pressuposto processual insuprível, de que dependa a regularidade da instância executiva, (iii) a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução, (iv) contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação judicial de créditos, (v) qualquer outro meio de defesa, por impugnação ou excepção, legalmente admissível, em sede de ação declarativa (Cf. artigos 729 e 731 do CPC).
Por seu turno, constituem fundamento de oposição à penhora (i) a inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente atingidos ou da extensão com que ela foi realizada, (ii) a imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda, (iii) a incidência da penhora sobre bens que, não respondendo nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência (cf. art. 784/1 do CPC).
[…]
A restante argumentação usada pelo embargante não tem, salvo melhor opinião, a virtualidade de, julgada procedente, fazer com que o mesmo deixe de estar sujeito à execução, não se enquadrando, por isso, nos fundamentos típicos de embargos de executado, nem de oposição à penhora.
Com efeito, e no essencial, tal argumentação prende-se com a validade da hipoteca constituída a favor do exequente. Ora, mesmo que se concluísse pela nulidade dessa hipoteca, o património do embargante, incluindo, pois, o próprio bem hipotecado em garantia do crédito, continuaria a estar sujeito à execução, por responder, em termos gerais, pelo cumprimento das obrigações assumidas por aquele, enquanto fiador e principal pagador (cfr. artigo 817 do CC).
Senão vejamos.
Realça-se que a aquisição do bem em causa encontra-se, actualmente, registada a favor de terceiro, por ter sido alienado pelo embargante. Em princípio, o credor hipotecário pode perseguir o bem respectivo e executar, portanto, a hipoteca, embora deva fazer intervir obrigatoriamente na execução o novo titular, por força do disposto nos artigos 54/2 e 735/2 do CPC.
O embargante alega que a escritura de rectificação da hipoteca voluntária não foi registada. Assim acontece, efectivamente, pois que apenas a hipoteca constituída em 03/06/2008 foi sujeita a registo.
Uma vez que o registo é, no caso, constitutivo, isto é, dele depende a eficácia da hipoteca entre as partes, a falta de sujeição a registo da escritura de rectificação significa apenas que o crédito do exequente sobre a sociedade executada não está garantido pelo valor do bem respectivo. Contudo, o embargante também é devedor, solidário, do exequente, pelo que, havendo registo da hipoteca, constituída pelo primeiro, o segundo pode pagar-se pelo valor do bem em questão, mantendo a preferência em relação aos demais credores.
Afirma-se que a entidade bancária cuidou de avaliar o bem em causa, de modo a acautelar que tinha valor suficiente para garantia do crédito. Não se descortina, salvo o devido respeito, qualquer eficácia defensiva útil nesta afirmação. Um dos inconvenientes normalmente atribuídos à hipoteca consiste, precisamente, na desvalorização do bem, provocada pelo decurso do tempo, a qual é potenciada pela sujeição desse bem à acção executiva. O direito do credor hipotecário, incluindo o de execução da hipoteca permanece, porém, intocado, podendo pagar-se, portanto, pelo valor do bem respectivo, apreendendo-se outros bens, integrantes do património do devedor, na medida em que se reconheça a insuficiência daquele para satisfação do montante do crédito exequendo.
O embargante alega, depois, que a hipoteca incide sobre bem imóvel inexistente. Em rigor, invoca-se que os elementos essenciais de que o prédio é formado, na realidade, tal como ele existe, fisicamente, são diferentes dos elementos identificadores que constam da escritura pública de constituição da hipoteca e da descrição predial respectiva.
Ora, e salvo melhor opinião, esta mera divergência, a existir, quanto aos referidos elementos individualizadores do prédio, não conduz à nulidade da hipoteca. É que o prédio existe, em concreto, o que significa que a hipoteca incide sobre um bem específico, determinado, havendo apenas, quando muito, uma desarmonia entre a realidade e a indicação da sua composição, quer na escritura constitutiva da hipoteca, quer na descrição predial do prédio em causa. Mas, o que releva é que, no caso, sabe-se exactamente qual é o prédio, em concreto, que se quis hipotecar, pelo que não é caso de concluir pela nulidade da hipoteca por inexistência, indeterminação ou impossibilidade do seu objecto.
[…]
Em suma, nada do que foi alegado, concreta e precisamente pelo embargante, permite afectar a consistência da posição jurídica substantiva e processual do exequente, que o mesmo é dizer a titularidade do direito real de garantia consistente na hipoteca e, bem assim, o direito de execução da mesma, através da acção executiva, fazendo intervir o actual titular do prédio em questão, na esfera jurídica do qual se encontra, presentemente.
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Decidindo:
1.º
O prédio hipotecado a favor da C tem uma aquisição, por compra ao executado embargante, registada definitivamente a favor de uma sociedade formalmente estranha ao processo (a S), desde 12/07/2012 (facto 5).
O executado não pode, por isso, pretender, perante terceiros, que é o actual proprietário do imóvel em causa, já que o artigo 7 do CRP presume que o direito existe e pertence ao titular inscrito (que não é ele, repete-se), nos precisos termos em que o registo o define.
Não o podendo pretender, não pode, consequentemente, estar a discutir questões relacionadas com esse imóvel ou com o registo do mesmo.
2.º
O facto de estar pendente uma acção pauliana, em que um outro banco pede a ineficácia do acto da venda e compra, do prédio, do autor para a sociedade executada, e o cancelamento do registo respeitante a esta venda (facto 6), não modifica as coisas, porque (i) enquanto essa acção não proceder, o registo a favor da S é definitivo e está em vigor, pelo que, perante terceiros, é esta a presumida proprietária; e (ii) o efeito da procedência da acção não será decerto o cancelamento do registo da aquisição a favor da S, apesar de pedido (como acontece frequentemente por erro) pois que a acção pauliana não tem o efeito de anular aquela compra e venda, mas sim de a tornar ineficaz perante o credor terceiro que intentou a acção pauliana, de modo a que ele possa executar o prédio no património do obrigado à restituição (art. 616/1 do CC), sem que, com isso, o anterior proprietário volte a ser proprietário (pois que este continua a ser a S).
3.º
É certo que isto levanta outra questão. É que, estando o prédio registado a favor de terceiro, não se concebe que o prédio possa ter sido penhorado como se fosse do executado J (tal como resulta do facto 7), sem que tivesse sido dado cumprimento ao art. 119 do CRP, citando-se o terceiro para dizer se de facto o prédio lhe pertencia); isto por um lado. Sendo esta uma das razões que poderia determinar a provisoriedade do registo da penhora: art. 92/2-a do CRP, embora não tenha sido ela a determiná-lo.
Por outro, sendo o prédio de terceiro, tendo sido dado, pelo executado (à data seu proprietário), em hipoteca para garantia do crédito exequendo, a C, que está a executar a garantia/hipoteca sobre bens de terceiro, tinha que ter requerido a execução contra esse terceiro, como resulta dos artigos 54/2-3 e 735/2, ambos do CPC (Lebre de Freitas, A acção executiva, págs. 148-149 e 154-155). Mas não o fez, apesar de ela própria ter juntado uma certidão predial da qual constava que a aquisição, por compra, do prédio estava inscrita a favor de terceiro (a S…). Ora, assim sendo, há uma ilegitimidade passiva, pois que a C era obrigada a propor a execução contra o actual proprietário dos bens dados de garantia (o que aliás resulta da própria fundamentação da decisão recorrida), cuja sanação poderá levar à conversão do registo da penhora em definitivo. Mas este é um problema da execução, não dos embargos deduzidos pelo executado Jaime.
4.º
Ao contrário do que é sugerido pelo executado, não foi a C que constituiu a hipoteca. Quem a constituiu foi o próprio executado (como resulta claramente da escritura de 03/06/2008 parcialmente transcrita no facto 1). E sendo ele, à data, o proprietário registado e exclusivo do imóvel (foi-o pelo menos de 1995 a 2012, como resulta dos factos 4 e 5), não podia deixar de saber, se tal fosse verdade, que o imóvel não era um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão destinada a habitação, mas sim um prédio urbano destinado a comércio, composto por um pequeno escritório, uma frente de loja e um armazém. Pelo que, tendo dado o imóvel em garantia/hipoteca do crédito – devidamente legitimado para o efeito (ao contrário do que tentou sugerir, dizendo que era casado…) -, sem promover antes a alteração do registo, não podia vir agora arguir a nulidade do registo da hipoteca, devido a essa discrepância, por abuso de direito (art.334 do CPC), na modalidade do venire contra factum proprio. Isto sem prejuízo do que se dirá mais à frente.
5.º
De resto, se o executado entendia que havia uma nulidade do registo, já devia ter intentado uma acção judicial para que ela fosse declarada, pois que só depois disso é que a podia invocar (art. 17/1 do CRP).
6.º
De qualquer modo, e pelo referido na decisão recorrida, o facto de o prédio urbano não ser composto de casa de rés-do-chão destinada a habitação, como consta da descrição predial, mas sim ser um prédio urbano destinado a comércio, composto por um pequeno escritório, uma frente de loja e um armazém, como agora o executado diz ser o caso, não conduz à nulidade do registo.
Pois que do registo não resulta incerteza acerca do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere. Dele resulta que o executado quis hipotecar o prédio urbano correspondente à descrição predial em que depois foi inscrita a hipoteca (e que entretanto vendeu sem que haja notícia de se ter preocupado com a discrepância assinalada).
O que importará é que, no decurso do processo executivo, o imóvel [para além de ter de ser vendido como bem de um dos executados, o que terá de ser devidamente acautelado, o que, para já, não acontece: veja-se o que se disse sobre a provisoriedade da penhora] seja tido por aquilo que é de facto – pois que o respectivo valor será diferente conforme as respectivas características -, observando-se para tal as inerentes cautelas no decurso do processo (pois que o AE/tribunal não pode vender um bem desconforme com a realidade, como resulta a contrario dos arts. 838 e 839 do CPC), para o que o executado pode dar o devido contributo, se está de facto preocupado com as discrepâncias existentes {cuidado que tem de ser posto, ainda pelo seguinte: é que há outra divergência assinalável, qual seja, entre a descrição predial (que diz que a área do prédio é de 264 m2) e o artigo matricial (onde consta a área do prédio como sendo de 26,4m2 [mas não há divergência quanto à titularidade, pois que a proprietária do prédio também para efeitos fiscais é a S e não o executado em nome de quem ele foi penhorado]). E isso, que é um problema de harmonização relevante (artigos 28 e 28-A do CRP), terá naturalmente que ser tido em conta/resolvido no decurso do processo de execução, para identificação correcta do bem, que não pode ser vendido com esta dúvida pendente. Mas não é esta a questão que o embargante levanta, nem podia levantar e que não cabe decidir aqui oficiosamente}.
7.º
Por tudo isto, não tinha que ser produzida prova, nestes embargos, sobre se o prédio urbano hipotecado não é composto de casa de rés-do-chão destinada a habitação, como consta da descrição predial, mas sim um prédio urbano destinado a comércio, composto por um pequeno escritório, uma frente de loja e um armazém, pois que tal não podia levar à procedência quer da oposição à execução quer da oposição à penhora, como resulta da sentença recorrida.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
O executado/recorrente perde as suas custas de parte (não existem outras custas) por ter decaído no recurso.
Lisboa, 04/06/2020
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto