Processo do Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 8

              Sumário:

         Estando dado como provado, com base nas alegações dos autores, que “se o réu lhes tivesse entregado o imóvel em Agosto de 2013 estes poderiam ter percebido um rendimento mensal proveniente daquele não inferior a 1700€”, o réu deve ser condenado – como foi – a indemnizar os autores desse valor mensal enquanto não restituir o imóvel, podendo-o ser, no caso, quer ao abrigo da responsabilidade civil, quer ao abrigo do enriquecimento sem causa.

                                

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

             

              H e A intentaram a presente acção comum contra R, pedindo que se:

a) declarem os autores como donos e legítimos proprietários da fracção identificada no artigo 1.º deste articulado;

b) condene o réu a restituir aos autores a fracção autónoma em causa, livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;

c) condene o réu ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor da ocupação dos imóveis, calculada nos termos do art. 609/2 do CPC, que nunca poderá ser inferior a 123.544,95€ [nos termos de rectificação feita entretanto], conforme descrita nos artigos 32 a 35 da PI;

d) condene o réu ao pagamento das quantias vincendas até à efectiva restituição da mesma livre e devoluta de pessoas e bens;

e) condene o réu ao pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fracção nos termos peticionados nos artigos 50 e 57 da PI.

              Alegam como base do pedido de indemnização, em síntese de uma das várias variantes da alegação, que o réu ao ocupar ilicitamente a referida fracção, retira dela os seus frutos, privando os autores, não só de ali habitarem, dado que a referida fracção tem melhores condições de habitabilidade, conforto e acessibilidade em relação aquela onde actualmente habitam, [como] ainda os impede de dispor livremente do bem, [tal como] priva os autores de obterem quaisquer rendimentos do imóvel que, se assim o entendessem, podiam arrendá-lo; fracção que, se fosse arrendada, às atuais condições de mercado, poderia render uma quantia mensal aproximada de 2422,45€; os artigos 32 a 35 da PI referem-se ao que se acabou de sintetizar; os artigos 50 e 57 da PI referem-se a danos causados na fracção pela sua utilização e deterioração (50) e indemnização a título de retribuição compensatória pela ocupação (57).

              O réu suscitou a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria, a excepção da sua própria ilegitimidade e pugnou pela improcedência da acção.

              Teve lugar audiência prévia, em que as excepções arguidas foram desatendidas e o réu foi desde logo condenado a reconhecer o direito de propriedade dos autores e a restituir a fracção. Tudo isto já com trânsito em julgado.

         Foi determinado o prosseguimento do processo para produção de prova no que se refere à privação de uso, fixando-se como objecto do litígio determinar: “se existe fundamento para condenar o réu a pagar aos autores a indemnização peticionada, equivalente a 2422,45€ mensais, ou outra dentro desta compreendida, desde Agosto de 2013 até à entrega da fracção”, e como tema de prova apurar “se o réu tivesse entregado o imóvel aos autores em Agosto de 2013 estes poderiam ter percebido um rendimento mensal proveniente daquele não inferior a 2422,45€.” Tiveram lugar perícias.

              Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a acção procedente, condenando-se o réu a pagar aos autores 122.400€ (correspondentes a 1700€ mensais desde Janeiro de 2014 até ao presente), acrescidos de 1700€ mensais desde Junho de 2021 até à efectiva entrega da fracção aos autores.

              O réu interpôs recurso, em que impugna as decisões da matéria de facto e de direito.

              Os autores contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões a resolver: se a matéria de facto deve ser alterada; se o pedido de indemnização deve ser julgado improcedente ou procedente por outro valor.

                                                                 *

              Os factos dados provados que importam à decisão destas questões são os seguintes:

         1 – Em 11/03/2013 o Serviço de Finanças de Amadora – 3 penhorou a fracção x do imóvel inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 000 da freguesia do Lumiar, em nome do réu.

         2 – Em 31/07/2013, por sentença proferida no processo n.º 719/13.6YXLSB do 8.º Juízo Cível de Lisboa, o réu foi declarado insolvente.

         3 – Em 12/08/2013, o imóvel descrito foi vendido ao autor pelo valor de 210.000€, conforme auto de adjudicação.

         4 – Em 12/12/2013, o réu recebeu carta remetida pelo SFA-3, que o cita para proceder à entrega do imóvel e das respectivas chaves.

         5 – Em 21/03/2016, a Directora de Finanças Adjunta de Lisboa indeferiu o pedido de anulação da venda apresentado pelo réu.

         6 – O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 11/05/2011, negou provimento ao recurso interposto pelo réu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara improcedente a reclamação judicial deduzida.

         7 – O réu interpôs recurso excepcional de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo, tendo sido proferida acórdão em 04/07/2018, que não admitiu o recurso.

         8 – O réu mantém-se na posse do imóvel.

         9 – Se o réu tivesse entregado o imóvel aos autores em Agosto de 2013 estes poderiam ter percebido um rendimento mensal proveniente daquele não inferior a 1700€.

                                                                 *

                                 Da impugnação da decisão da matéria de facto

              A fundamentação da decisão do facto 9 foi a seguinte:

         A única questão fáctica subsistente consistia no valor do imóvel comprado pelos autores no mercado de arrendamento.

         Com este preciso objecto tiveram lugar duas perícias. Na primeira, o valor encontrado foi de 1692,52€. Na segunda perícia, o perito dos autores avançou o quantitativo de 2005€, o perito dos réus um valor entre 1350€ e 1400€ e o perito do tribunal, reportando-se ao ano de 2013, o montante de 1788€ e enquanto valor médio 1854€.

         Foram inquiridas duas testemunhas, os dois amigos do réu, que disseram conhecer a casa e que explicitaram o mau estado da mesma. Consideraram que para esta ser arrendada careceria de ser intervencionada com obras.

         Uma vez que nada obstaculizaria à realização de obras pelos proprietários, a habitação poderia entrar no mercado de arrendamento. As fotografias carreadas para os autos são expressivas das condições da habitação e da respectiva envolvente. O valor da renda foi amplamente discutido por entendidos. As cifras alcançadas não são, aliás, muito díspares.

         Conferindo especial relevo aos quantitativos encontrados pelos dois peritos nomeados pelo tribunal, afigurou-se-nos adequado fixar equitativamente a quantia que os autores poderiam ter percebido no mercado de arrendamento em não menos do que 1700€ mensais.

              O réu diz o seguinte contra isto:

             a) A aferição probatória apenas poderá recorrer a um juízo de equidade se o mesmo carecer de elementos de fundamentação bastantes para se decidir com base em critérios racionais objectivos – art. 566/3 do Código Civil;

            b) Assim, a determinação do valor da renda tem de ser aferida em face dos argumentos dos peritos, revelando-se a aferição do perito indicado pelo réu ilustrada, fundamentada e sustentada, logo, merecedora de acolhimento em sede decisória quando afirma o valor locativo de 1350€/1400€/mês;

           c) Sendo a única que considera a depreciação decorrente da existência de graves patologias na estrutura da fracção, tal como descrito no relatório do mesmo, aspecto que tem necessariamente de ser valorizado.

           d) Esta questão apenas é de considerar subsidiariamente caso não proceda o recurso sobre a matéria de direito […]

              Os autores respondem que:

         1\ À data do leilão electrónico, a fracção autónoma adquirida pelos autores, de acordo com as fotografias tiradas para instrução do referido leilão estava em bom estado de conservação;

         2\ É irrelevante para se encontrar um valor justo de indemnização pelo dano da privação do uso, a fracção ser destinada ao arrendamento, como sempre os autores alegaram, ou ao seu próprio uso;

         3\ Como o réu foi e continua a ser o único ocupante da fracção, tem a obrigação legal de a entregar em bom estado de conservação que era aquele em que a mesma se encontrava à data em que foi vendida, pois que no caso em apreço, tudo o que se deteriorou, nem sequer a prudente utilização pode ser alegada, já que a ocupação é ilegítima e abusiva.

              Apreciando

              O 1.º perito (arquitecto), único, nomeado pelo tribunal, apresentou um relatório de perícia efectuada em Março de 2019.

              Para o efeito estudou o processo, deslocou-se ao local e procedeu a uma prospecção de mercado na freguesia do Lumiar para 17 fracções com tipologias com características idênticas chegando ao valor médio de 12,01€/m2, para fracções usadas de áreas semelhantes. Depois pressupôs que o valor obtido seria sujeito a uma possível negociação, pelo que aplicou um factor de agravamento de 5%, com o resultado de 11,40€/m2 [= 12,01 X 95%]. Tendo a fracção uma área bruta de 160,96m2, obteve o valor de arrendamento em 2019 de 1835,71€ em 2019 [= 11,40€ X 160,96; há lapso de cálculo; o correcto é: 1834,94€]. Depois, considerando que a variação do valor da taxa de inflação para a habitação entre os anos de 2013 e 2018 foi de 7,8%, conclui que tal valor em 2013 corresponderia a 1692,52€.

              Este valor resulta de um evidente erro de cálculo, para além de haver erro no valor da variação da inflação entre 2013 e 2019 (ou mesmo 2018), pois que a inflação foi, nesses anos, segundo os dados juntos pelo perito, correctos, de 0,3, -0,3, 0,5, 0,6, 1,4 e 1. Corrigindo esses dados, utilizando para o efeito a ferramenta do INE, existente em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc, para actualização de valores com base no IPC, temos que, se em 2019 o valor de mercado era de 1834,94€, em 2013 esse valor era de 1771,80€.

              Na 2.ª perícia, desta vez colegiala partir daqui este TRL está a fazer uma síntese do que consta dos elementos que vai invocar -, realizada entre Janeiro e inícios de Março de 2020, os três peritos (todos engenheiros civis), estiveram na fracção (incluindo o estacionamento, na cave) ocupada pelo réu; salientaram o estado da mesma, com várias anomalias [interiormente a fracção apresenta várias anomalias, salientando-se: o vidro da janela da marquise encontra-se partido; alguns dos tijolos de vidro desse local (marquise) também estão partidos; faltam interruptores e tomadas; móvel de uma das instalações sanitárias encontra-se danificado e com falta de uma porta; infiltrações no tecto da outra instalação sanitária provenientes do piso superior; parede em gesso cartonado (pladur) na sala sem qualquer acabamento; infiltrações na parede da sala, com maior incidência na parte inferior, confinante com a parede em gesso cartonado (pladur); fissuração significativa em diversos paramentos; desgaste acentuado na fracção, em especial no pavimento da sala, carecendo a fracção de diversas obras de melhoramento)]. Efectuaram reportagem fotográfica que integra o anexo II do relatório e permite o conhecimento do estado de cada divisão da fracção, pérgula/terraço privativo, estacionamento e arrecadação na cave. Descreveram as partes comuns do condomínio, incluindo a existência de uma piscina e os acessos às mesmas.

              Fizeram uma prospecção de mercado de arrendamento na zona e neste condomínio onde existiam duas fracções para arrendar, em Janeiro, mas entretanto uma já foi arrendada, tendo em atenção fracções com características semelhantes inseridas em condomínios privados, com piscina, instalações de apoio à piscina e sociais, zonas verdes, portaria 24h, (cuja oferta com estas características é muito reduzida), bem como envolvente com transportes públicos, acesso Eixo N/S, comércio e serviços, relativamente próximos, qualidade da construção e dos equipamentos existentes, aferição detalhada do estado de conservação e manutenção da fracção e equipamentos existentes na mesma.

              Quanto a isto verificou-se uma divergência com o perito indicado pelo réu que refere que na prospecção por ele realizada ao mercado de arrendamento no local, iniciada no dia da visita ao imóvel (06/01/2020), apenas constatou a existência de uma fracção para arrendamento, correspondente a uma fracção totalmente remodelada e que se encontrava anunciada há mais de um mês.

              Este perito refere-se à sua prospecção e não põe em causa o que foi dito pelos outros dois peritos, pelo que esta divergência não é significativa e não há razão para não aceitar o que é dito pelos dois peritos (do autor e do tribunal). O que, para além do mais, quer dizer que uma das fracções que estava para arrendamento em inícios de Janeiro, em inícios de Março já estava arrendada.

              Esclarecem (todos eles), entre o muito mais, que o imóvel foi construído em 1995 e o estado de conservação é bom e que a fracção tem bons acabamentos e em razoável estado de conservação, necessitando contudo de obras de conservação e manutenção, com as anomalias já referidas anteriormente. Fizeram a medição do local em planta – habitação: 160 m2; pérgula/terraço: 20 m2; arrecadação: 7 m2; estacionamento: 12,5 m2

              Depois, não tendo sido possível o consenso entre os três peritos na determinação dos valores de arredamento da fracção entre 2013 e 2020, cada um deles apresentou os seus valores.

              O perito do autor calcula o valor da renda com base na comparação com quatro outras fracções na freguesia do Lumiar e na envolvente do imóvel em avaliação, todas com um estado de conservação ligeiramente superior e que estão no mercado para arrendamento; depois de homogeneizar os valores, obtém o valor de 12€/m2, para habitação, a que acrescenta o valor de arrendamento de uma garagem em condomínio fechado, de 85€/parqueamento, pelo que o valor obtido é de 2005€/mês (= 160m2x12€/m2+85€).

              O perito do réu opta numa fase inicial pela utilização do método comparativo de mercado, em termos de arrendamento, com 2 fracções de características similares ou comparáveis com a fracção em análise, mas que estavam em melhor estado de conservação.

              Em relação a uma delas diz que já se encontra há algum tempo no mercado, com valor inicial pedido para arrendamento de 2300€/mês, tendo posteriormente passado para 1850€/m2 e estando actualmente nos 1750€/m2 há mais de um mês. Diz que tem a área bruta de 200 m2 e que tem dois lugares de estacionamento. Admitindo um valor de renda para os dois estacionamentos de 150 €/mês, o valor da renda por metro quadrado será, caso não ocorram reduções no valor pedido, de 8€/m2 (= 1750€-150€) / 200 m2 (habitação). Atendendo ao diferente estado de conservação, bem como à localização (2º andar contra r/c), estima-se uma minoração deste valor em cerca de 10% onde se inclui também a margem de negociação. Considerando-se assim um valor de 7,20€/m2.

              Quanto à outra fracção usada para comparação, diz que ela foi totalmente remodelada, apresentando um excelente estado de conservação. Diz que ela também já se encontra há algum tempo no mercado, conforme indicado na divulgação da fracção, por um montante de 2300€/m2 A área bruta da fracção é de 191m2, tendo dois lugares de estacionamento. Admitindo um valor de renda para os dois estacionamentos de 150€/més, o valor da renda por metro quadrado será, caso não ocorram reduções no valor pedido, o que se considera muito difícil, de 11,26€/m2 (2.300€-150€) / 191 m2 (habitação).               Depois, atendendo ao significativo diferencial entre o estado de conservação, bem como à localização das mesmas (2.° ou 3.° andar e rés-do-chão), estima uma minoração daquele valor em cerca de 22% onde se inclui também a margem de negociação. Passa assim para o valor de 8,78€/m2

              Efectuando a média dos valores unitários apurados, tem-se: (7,20 + 8,78)/2 = 7,99 €/m2. Logo, para a fracção em causa dá o valor de 1350€/mês (= 160m2 x 7,99€ + 75€ (estacionamento).

              Depois, o perito do réu optou por determinar também o presumível valor de transacção da fracção para, com base neste valor, considerando uma taxa de capitalização adequada, estimar o valor de arrendamento. Faz aquela determinação, diz, após prospecção de mercado e homogeneização dos valores obtidos, tomando-se sempre em conta a localização, a idade do imóvel/fracção, o estado de conservação, a área e o tipo de utilização.

              Assim atribui 2375€/m2 pelos 160m2 da habitação, 200€/m2 pelos 20m2 da pérgula, 1000€/m2 pelos 12,5 de estacionamento e 500€/m2 pelos 7m2 de arrecadação, com o que chega ao valor de 400.000€ pela fracção. Depois, admitindo uma taxa de capitalização de 4,2%, conforme referido na edição da Confidencial Imobiliário de 2020 (Anexo F do Anexo V – Anexos do perito indicado pelo réu), estima para valor de renda da fracção, o valor de 1400€ mês (= 400.000€ : 4,2% : 12).

              Finalmente, considerando o valor pelo qual foi transaccionada a fracção em 12/08/2013, ou seja, 210.200€ e considerando uma taxa de capitalização adequada à época, variável entre 7% e 7,5% segundo diz, estima o valor de arrendamento para esse montante em 1225€/mês (= 210.200€ : 7% / 12 = 1225€/mês, ou 1315€/mês ( 210.200€ : 7,5% : 12).

              E, sem mais, conclui: valor actual da renda: entre 1.350€/mês e 1400€/mês; e para determinação dos valores de renda praticados desde Agosto de 2013, utiliza os coeficientes de actualização de rendas a partir daqueles valores, o que dá 1301,87€ (2013) para 1350€ (2019) e 1350,09€ (2013) para os 1400€ mês (2019).

              O perito do tribunal, por fim, refere-se aos resultados da 1.ª perícia e depois à posição do perito dos autores, concordando com a homogeneização apresentada que aponta para um valor médio de prospecção para efeitos de arrendamento da fracção de 12€/m2, mas, devido ao estado actual da fracção, entende considerar um agravamento de 15% para as obras necessárias de manutenção/conservação e reparação da fracção, para arrendamento /utilização futura, conduzindo a um valor de arrendamento da fracção e parqueamento de 1707€/mês (= 160 m2 x 12€/m2 x 0,85 +75€ = 1.707€/mês, e esclarece isto dizendo que não constam do processo do tribunal fotos do apartamento em 2013, para os peritos poderem analisar e ponderar a degradação do estado do mesmo desde a aquisição em 2013 pelos autores e assim se poder definir um valor de arrendamento sem essas penalizações.

              Por outro lado, o perito do tribunal também concorda em parte com a posição do perito do réu e com os métodos normalmente aplicados, método comparativo de mercado/arrendamento e de comercialização, taxas de capitalização e coeficientes de actualização de rendas. No entanto e com as mesmas dificuldades de escassez de oferta e os valores que teve em consideração para os valores apresentados, diz que os valores [obtidos pelo perito do réu] afiguram-se em média inferiores aos praticados na Freguesia do Lumiar, que conforme ANEXO IV — Lumiar Localização de Excelência, apresentado pelo Perito do Tribunal, extracto do Imobiliário do Público de Outubro de 2019, onde consta que o Lumiar é a mais populosa freguesia das 24 de Lisboa, onde a oferta por m2 na freguesia era no 2° trimestre de 2019 de 3.474€, segundo o SIR-Sistema Informático Residencial e o valor da renda pedida nesta freguesia era de 12,8 €/m2.

              Tomando estes valores (médios), mesmo com afectação de uma redução de 10% para comercialização e descontos comerciais, temos para o método comparativo de mercado/comercialização:

              160m2x 3.474€x 0.90 = 500.256€

              500.256 € x 4,2% / 12 = 1750€/mês

              Se atendermos a que os custos mensais afectos a este apartamento, são significativos, dado tratar-se de um apartamento T3 em condomínio fechado com 36 apartamentos, com vastas áreas verdes tratadas, piscina, edifício social, casa da porteira, piso de garagem colectiva, consumos de água de rega e lavagens, electricidade, seguros e segurança 24h, para além dos custos no prédio do apartamento, com elevador, electricidade, limpeza e manutenção das zonas comuns do prédio e administração do condomínio, os valores de arrendamento praticados têm que ter em conta esses custos, o que não acontece em outros apartamentos de modo tão elevado, por não disporem da maioria dessas benfeitorias. Os referidos custos invocados, poderão ser obtidos através do orçamento anual da Administração do condomínio e reflectidos no inquilino através da renda mensal, pois é o mesmo que beneficia do espaço e de tudo o mais acima referido dentro do condomínio. Admite-se que esses custos possam ser da ordem de 125€/mês a agravar aos valores da renda, o que perfaz:

              Valor de arrendamento com base no método de mercado/rendimento: 1707€/mês +125€ = 1.832€/mês

              Valor de arrendamento com base no método de mercado/ comercialização: 1.750€/mês +125€ = 1.875€/mês

              Valor médio de arrendamento: (1.832€/mês+1.875 €/mês)/ 2 = 1.854€/mês

              Valor do arrendamento em 2013, tendo em atenção o valor de inflação /coeficientes de actualização de rendas:

              1.854€/mês x 96,43/100 = 1.788€/mês.

              As partes fizeram pedidos de esclarecimento aos peritos. Os autores, com o pedido, juntaram 17 fotografias do interior da fracção, dizendo que as tinham retirado dum anúncio que aparecia no Casa Sapo na mesma altura em que o leilão da fracção x estava activo. Entre o mais, no requerimento, dizem que “Comparando as fotos de 2013 com as fotos recolhidas e juntas pelos Senhores Peritos, verifica-se que a fracção se apresenta com algumas depreciações por falta de conservação. Sendo forçoso concluir que o estado de degradação do imóvel se deve unicamente ao Réu, que não diligenciou pela sua manutenção e conservação no estado em que se encontrava à data da adjudicação, ressalvando o uso normal e prudente.” Este requerimento foi notificado ao réu que nada disse contra ele ou contra as fotografias.

              Os peritos esclareceram o seguinte:

              I\ Quanto a se os valores por si indicados têm em atenção o “mau estado” da fracção e, em caso afirmativo, em que medida?

              Resposta do Perito do Tribunal:

              A fracção encontra-se em estado razoável de conservação, conforme referido no relatório, mas a necessitar de obras normais de manutenção e conservação, conforme também assinalado no relatório pericial. O que condiciona o arrendamento da fracção desde a visita dos peritos ao local, em 02/01/2020, é a parede precária em placas de gesso (pladur) na sala, para tapar o vão que o réu abriu para ligar as salas dos 2 prédios contíguos e que tem que ser refeita pelo mesmo. Como compete também ao réu a entrega da fracção em perfeitas condições de habitabilidade, os valores que o perito do tribunal apresenta neste relatório de esclarecimentos, já consideram a fracção em perfeitas condições de arrendamento.

              Resposta do Perito indicado pelo Autor:

              O imóvel não se encontra em “mau estado” de conservação, necessita de pequenas obras de reposição da fracção à data do arrendamento. As referidas obras consistem em: pintura geral do imóvel, reparação pontual de paredes, execução de parede divisória com o apartamento contíguo, substituição de um móvel de lavatório na instalação sanitária. Os métodos de avaliação têm coeficientes de desvalorização ou valorização de um imóvel quando comparado com outro que se encontra no mercado. Ao utilizar o método comparativo o valor obtido vem com a desvalorização adequada, tendo em conta que os imóveis da prospecção, à data da avaliação e visita do apartamento, apresentavam uma conservação superior.

              Resposta do Perito indicado pelo Réu:

              Conforme verificado e referido no relatório por todos os Peritos, a fracção em causa apresenta diversas anomalias e passa a transcrever aquelas que já constavam do relatório colegial, transcrito acima. Por este motivo, diz, quando se procedeu à determinação dos valores de arrendamento para a fracção, tais patologias tinham obrigatoriamente que ser tidas em conta, tal como foi referido em todo o critério de avaliação considerado pelo Perito indicado pelo Réu.

              II\ Quanto a qual o custo, mesmo que aproximado, das obras necessárias, e qual o reflexo daquele valor na renda?

              Seguem-se as respostas dos peritos.

              III\ Quanto à crítica de que o perito do autor estabelece uma aferição por comparação, sem que os elementos de comparação estejam minimamente identificados, cabendo, necessariamente, ao Senhor Perito proceder a tal identificação pois que, a acuidade ou não da comparação não está na sua disponibilidade absoluta e efectiva, antes sendo sindicada num primeiro momento, pelas partes, e, afinal pelo juiz que não está vinculado pelas opiniões dos Srs Peritos

              O perito do autor responde com considerações sobre o método comparativo.

              IV\ Quanto à consideração de que se os imóveis comparados têm, segundo o perito do autor, todos, uma “conservação ligeiramente superior” e sabendo-se o estado da fracção dos autos, tem de ser aquilatado qual o estado das fracções comparadas para se poder aferir da “ligeireza” afirmada, pois que, indo o cálculo que faz apenas assente em media aritmética das comparações mencionadas. tal aferição reveste um caracter absolutamente essencial.

              O perito do autor responde que a avaliação foi efectuada tendo em conta matriz de factores representada no quadro abaixo. Na homogeneização os imóveis que utilizamos para comparar com o nosso são afectados de coeficientes num intervalo de 0,7 a 1,3, da seguinte forma: Se o comparável é lig inferior o coeficiente utilizado é 1,1. Se o comparável é inferior o coeficiente utilizado é 1,2. Se o comparável é muito inferior o coeficiente utilizado é 1,3. Se o comparável é similar/equivalente o coeficiente utilizado é 1,0. Se o comparável é lig superior o coeficiente utilizado é 0,9. Se o comparável é superior o coeficiente utilizado é 0,8. Se o comparável é muito superior o coeficiente utilizado é 0,7.

              V\ Quanto à crítica, ao perito do autor, de que os exemplos angariados para comparação são, todos sem excepção, ao que se percebe, valores de 2019/2020, o que, de modo algum, vai ao encontro do pretendido com resultado da perícia.

              O perito indicado pelo autor responde que a avaliação Imobiliária determina o quanto um imóvel vale para o mercado. Os comparáveis utilizados estavam no mercado à data da avaliação, logo são esses valores que temos de utilizar de acordo com as normas recomendadas pela CMVM, depois de homogeneizados.

              VI\ Quanto à crítica feita ao perito do tribunal de que o mesmo reconhece a inexistência de fotos sobre a condição do andar em 2013 e a inviabilidade de poder “definir um valor do arrendamento sem essas penalizações”. Ora, assim sendo, fica sem se perceber de todo o racional subsequente. pois que, da inviabilidade passa para o esquecimento de tal questão, não se percebendo se o valor que aponta é um valor a desconsiderar as obras necessárias ou se tal foi, de alguma forma(sem se saber qual) tido em conta ,o que deve ser aclarado.

              O perito do tribunal responde que conforme referido no relatório da perícia “não constam do processo do Tribunal, fotos do apartamento em 2013, para os peritos poderem analisar e ponderar a degradação do estado do mesmo desde a aquisição em 2013 pelos autores e assim se poder definir um valor de arrendamento sem essas penalizações”. Contudo verifica-se que consta do processo que “o réu foi condenado a restituir aos autores a fracção autónoma em causa, livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições”. Assim não fará qualquer sentido a apresentação de estimativa de custos para os trabalhos a necessitar de correcção, bem como de obras de conservação e manutenção referidas no relatório pericial, por ser um encargo da responsabilidade do réu. Caberá ainda ao réu a reposição da parede da sala, que se encontra provisoriamente executada em placa de gesso (pladur), uma vez que demoliu a parede do seu prédio, para abertura de um grande vão para a sala do prédio contíguo que também ocupava, conforme foi transmitido aos peritos aquando da visita à fracção. Esta intervenção comporta assinaláveis custos a suportar pelo réu, pois para além de repor o prédio nas condições iniciais, implica também com pinturas nas paredes e tectos da sala. Devido ao estado actual da fracção, bem documentado no Levantamento fotográfico ANEXO II e no texto do relatório, o Perito do Tribunal entendeu considerar um agravamento de 15% para as obras necessárias de manutenção/conservação e reparação da fracção, para arrendamento /utilização futura, conduzindo a um valor de arrendamento da fracção e parqueamento: 160 m2 x 12€/m2x 0,85 +75€ = 1.707€/mês. Esta penalização de 15% sobre o valor mensal da renda para a fracção, deixa face ao exposto de ter sentido, pelo que refeito o cálculo, teremos: 160m2X 12€/m2+75€ =1.995€/mês. Valor de arrendamento com base no método de mercado/rendimento: 1.995 /mês +125€/mês = 2.120 €/mês. Valor de arrendamento com base no método de mercado/ comercialização: 1.750€/mês +125€/mês = 1.875€/mês. Valor médio de arrendamento: (2.120 €/mês+1.875 €/mês)/ 2 = 1.998 €/més. Valor do arrendamento em 2013, tendo em atenção o valor de inflação /coeficientes de actualização de rendas: 1.998 €/mês x 96,43/100 = 1.927 €/més. NOTA: O que corresponde a uma variação da renda nos 7 anos (2013-2019) de cerca de 10€/ano

              Apreciando:

              Quanto à questão da equidade: a decisão da matéria de facto não se deve basear na equidade, não estando por isso certo, quer o que o réu diz na conclusão do recurso nem, formalmente, a fundamentação da decisão da matéria de facto, ao invocar a equidade. Mas, materialmente, vê-se que fundamentação desta decisão se baseou antes na adesão, no essencial, à posição dos dois peritos do tribunal, embora depois tenha diminuído o valor para que estes apontavam, diminuição que fez com base em considerações de equidade não explicadas, o que, como se verá, só aos autores prejudicou.

              A decisão recorrida aderiu, no essencial, como se disse, aos argumentos dos peritos do tribunal, embora sem os repetir, mais convincentes do que os do perito indicado pelo réu.

              Sendo que o perito do tribunal, na 2.ª perícia, considerou o estado de menor conservação da fracção ocupada pelo réu em confronto com outras duas, isto a partir da comparação feita pelo perito dos autores, a que o perito do tribunal acrescentou uma desvalorização de 15%. Por isso, não é verdade que, o perito do tribunal não tenha tido em conta a depreciação decorrente daquele estado de conservação. O que também se pode constatar na resposta que deu aos esclarecimentos pedidos pois que aí quis voltar atrás e desconsiderar o estado de conservação, por ter concluído que, afinal, esse estado de conservação deficiente era imputável ao réu.

              Em comparação com esta argumentação, do 2.º perito do tribunal, a avaliação feita pelo perito indicado pelo réu revela-se particularmente parcial: i\ chega ao valor médio de 7,99€/m2 do mercado de arrendamento naquela área, quando o valor de 12,8€ (ou seja, mais de 50% a mais) é reconhecido como corrente naquela zona numa revista da especialidade; ii\ chega ao valor de 400.000€ como de mercado para a venda da fracção com base num preço de m2, de 2375€, muito inferior ao valor de 3474€ também indicado naquela revista (o que leva a que o perito do tribunal tenha chegado ao resultado, muito mais razoável, de 500.256€ em 2019; iii\ parte, em relação a 2013, do valor da venda num processo da fracção em causa, de 210.200€ (bem inferior a mais 50% àqueles 500.256€ para 2019), sem justificar minimamente porque é que aquele valor de 210.200€ é aceitável, quando as regras da experiência comum das coisas dizem que o imóvel vendido em leilão num tribunal tem um valor muito mais baixo que o valor real do mesmo; iv\ utiliza, sem qualquer justificação, para 2013, uma taxa de capitalização de 7 a 7,5%, quando a taxa de capitalização para 2019 que utilizou já foi de 4,2% aqui já fundamentada com invocação de um elemento de prova.

              Para além disso, não é verdade o que é dito pelo réu no recurso, isto é, que o perito do réu tenha referido qualquer “depreciação decorrente da existência de graves patologias na estrutura da fracção”, pelo contrário, remeteu para a descrição que todos eles tinham feito das anomalias, transcrita acima e de onde resulta que nenhuma delas é uma patologia na estrutura da fracção.

              Tudo isto visto, justifica-se perfeitamente que o tribunal recorrido não tenha dado nenhum crédito ao valor de 1350€ ou 1400€ óbito pelo perito indicado pelo réu. E aceita-se, como valor mínimo, o valor de 1700€ a que chegou o tribunal recorrido, com base nos valores a que chegaram os peritos do tribunal (que eram superiores), já que, a merecer crítica, ela seria no sentido de que esse valor poderia ser muito superior, tanto mais que, o estado de conservação da fracção, de 2014 a 2019, se deve ao réu, como é inequívoco face ao que revelam as fotografias de 2013, tiradas para a venda do imóvel, em comparação com as fotografias de 2019 e descrição do estado da fracção feita pelos peritos relativamente também a 2019 e como tal não deveria beneficiar o réu. E como esse é um valor mínimo (que este TRL não pode mexer já que a decisão da matéria de facto só foi impugnada pelo réu), aceita-se que ele pôde ser reportado, pelo tribunal recorrido, quer a 2013 quer a 2019, não havendo razões para fazer distinção. Repare-se que os valores que resultam da 1.ª perícia eram, corrigidos, de, em 2019, 1834,94€, e, em 2013, de 1771,80€.

              Em suma, considera-se que os autores fizeram suficiente prova de que aquele seria, pelo menos, o valor que poderiam obter com o arrendamento da fracção, tanto mais que tendo em conta a natureza do prejuízo que está em causa – “vantagens que, segundo o curso normal das coisas, o lesado teria obtido, se não fosse o facto lesivo” – “o mesmo tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade” (as passagens entre aspas vêm do ac. do STJ de 14/02/2014, citado pela sentença recorrida), e os elementos de prova invocados pelo réu não criam qualquer dúvida sobre o facto, pelo que a questão devia ser decidida a favor dos autores (art. 346 do CC).

                                                                 *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              A sentença tem, nesta parte, a seguinte fundamentação [a identificação suficiente dos acórdãos invocados teve que ser feita por este TLR, nos parenteses rectos colocados a seguir]:

         Constitui objecto do litígio determinar se existe fundamento para condenar o réu a pagar aos autores a indemnização peticionada, equivalente a 2422,45€/mensais, ou outra dentro desta compreendida, desde Agosto de 2013 até à entrega da fracção.

         Atente-se em que, em 12/08/2013, o imóvel descrito foi vendido ao autor pelo valor de 210.000€. Ora, em 12/12/2013, o réu recebeu carta remetida pelo SFA- 3, que o cita para proceder à entrega do imóvel e das respectivas chaves.

         O excurso processual posterior não foi de molde a dar razão ao réu, sendo inequívoca a obrigação de entrega, pelo menos a partir do momento em que foi citado para o efeito.

         A privação do uso de um bem constitui, por si, dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade correspondente, traduzida na exclusão faculdade de uso e fruição da coisa (art. 1305 do CC). O uso de um bem constitui uma situação favorável que o direito tutela. Correlativamente, a supressão dessa faculdade constitui, juridicamente, um dano. O acto de terceiro que torne materialmente indisponível a utilidade que é possível extrair de um bem deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (art. 483/1 do CC).

         Na sequência deste entendimento, vem-se discutindo se a privação de uso deve ser sempre indemnizada e, nesse caso, em que moldes, ou se há que demonstrar a existência de um efectivo prejuízo.

         Expender-se-ão algumas teses defendidas.

         A mera privação (de uso) da fracção reivindicada, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do art. 1305 do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante. (…) A mera referência ao valor locativo é insuficiente, já que muitos proprietários mantêm prédios devolutos, não têm propósito de os arrendar nem nunca diligenciaram para o fazer, não existindo qualquer dano, real e efectivo, resultante da mera ocupação por outrem (cf. ac. STJ de 08/05/2008 [proc. 08A1389]).

            O lesado, além da prova da privação da coisa, tem de demonstrar que pretende retirar dela determinadas utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria. Tratando-se de prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento, caso em que a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor locativo (cf. ac. do TRL de 14/02/2014 [proc. 2106/11.1TVLSB.L1-7].

            A privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, uma desvantagem económica que se reflecte necessariamente no valor do mesmo. Em decorrência da teoria da diferença consagrada no art. 566/2 do CC, tal dano não é autonomamente ressarcível, só o sendo quando se reconduz a dano emergente ou lucro cessante (cf. ac. do STJ de 03/10/2013 [proc. 1261/07.0TBOLHE.E1.S1 – supõe-se que é este o ac. que o tribunal recorrido quis invocar, embora haja um outro do STJ da mesma data e sobre a mesma matéria: 9074/09.8T2SNT.L1.S1]).

         O simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano (cf. Leitão, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, 2000, p. 297).

         A ilegítima privação de um bem é susceptível de, por si só, constituir o agente ou o responsável na obrigação de indemnizar o credor ou o lesado, sem necessidade da prova de outros factos (cf. Geraldes, António Abrantes, Temas da Responsabilidade Civil, vol.I, Indemnização do dano da privação do uso, 2007, p. 13).

         Entende-se que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito (ac. do STJ de 08/05/2013 [proc. 3036/04.9TBVLG.P1.S1]).

         Relativamente ao modo como a indemnização deve ser calculada existem também várias teses.

         Para efeitos de determinação do prejuízo, poderá atender-se ao valor que o senhorio obteria em caso de mora na restituição do locado, nos termos do art. 1045 do CC, porém, sem acréscimo de juros moratórios (cf. ac. do TRL, de 17/06/2014 [proc. 1296/10.5TVLSB.L1-7]).

         Sendo difícil o recurso à teoria da diferença, como ultima ratio poder-se-á recorrer sempre a um juízo de equidade (art. 566/3 do CC). Esta fixação equitativa da indemnização supõe, porém, a existência de limites quantitativos provados.

         No limite, a ocupação do prédio, beneficiando das vantagens de um bem alheio, sem título que o legitimasse, autoriza o reconhecimento de um crédito aos autores com fundamento no enriquecimento sem causa, constituindo pressupostos do enriquecimento sem causa: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.

         A pessoa que intrometendo-se nos bens jurídicos alheios consegue uma vantagem patrimonial, obtêm-na à custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos donde a vantagem procede. A aquisição feita pelo intrometido carece de causa porque, segundo a tal correcta ordenação jurídica dos bens, a vantagem patrimonial alcançada pelo enriquecido pertence a outra pessoa – ao titular do direito. Trata-se de uma vantagem que estava reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito (Varela, João Antunes, Direito das Obrigações, vol. I, 10.ª ed., p. 492-493).

         Em conclusão, relativamente ao pedido indemnizatório, não oferece dúvidas que a pessoa, ou pessoas, que privam o detentor do direito de propriedade do gozo da coisa respondem pelo prejuízo inerente a título de responsabilidade extracontratual.

         Se o proprietário do prédio está impedido, durante um certo período, de o usar por facto ilícito de terceiro, essa perturbação do seu direito de propriedade é susceptível de gerar prejuízos na sua esfera jurídica. Haverá que repor a situação através de indemnização correspondente à perda temporária do poder de gozo e de fruição.

         Assim, o direito deve sancionar a conduta do réu e sancionar o despojamento de que os autores se viram alvo.

         Crê-se que o valor locativo poderá funcionar como a medida do enriquecimento do réu.

         Tomando em consideração que a entrega do imóvel era devida e que o réu foi advertido pelo menos em 12/12/2013, contabilizar-se-á o valor da indemnização em 1700€ mensais a partir de Janeiro de 2014.

         Liquida-se, neste momento em 122.400€ (77 meses x 1700€).

              O réu diz o seguinte contra isto:

         d) […] O STJ (ac. de 28/01/2021, proc. 14232/17.9T8LSB.L1.S1) afirma que a indemnização do dano da privação do uso pressupõe a demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afectação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário, algo que, no caso vertente, não ocorre;

          e) Não se podendo aferir uma situação de dano por via de consideração de um valor locativo de uma fracção que nem sequer se revela pretender-se afectar a tal fim;

           f) A sentença recorrida desconsidera estes princípios e comandos legais.

              Os autores nada dizem contra isto.

              Apreciando:

              Os acórdãos citados pela sentença recorrida e pelo réu dão conta da divisão jurisprudencial sobre a questão da indemnização do dano da privação da possibilidade de uso  e dos termos habituais da discussão.

        Mas o réu não tem razão quando entende que, no caso dos autos, os autores não alegaram/provaram os factos necessários à “demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afectação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário”, “não se podendo aferir uma situação de dano por via de consideração de um valor locativo de uma fracção que nem sequer se revela pretender-se afectar a tal fim.”

              Antes de mais porque assim como em relação aos bens de uso corrente – por exemplo, um automóvel – se pode presumir uma vontade e possibilidade de utilização –  

              (Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. I, Coimbra Editora, 2008, pág. 592; Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil, temas especiais, Universidade Católica Portuguesa, Setembro de 2015, págs. 57 a 68, especialmente pág. 62: “Em síntese, é tendencialmente maioritária a jurisprudência que tem vindo a decidir em sentido negativo a questão da indemnização por simples privação do uso da viatura, mas, simultaneamente, tem-se vindo a simplificar a prova dos danos concretos por parte do lesado a ponto de os resultados práticos não se revelarem muito diferentes de uma posição favorável à reparabilidade da simples privação.” E mais à frente, pág. 64: “entendemos que a certeza e a segurança do direito são adequadamente alcançadas através da via intermédia supra exposta: presunção da existência de danos concretos a partir da prova do uso regular da viatura [que, na maior parte das situações, não será um uso diário]”)

              – cabendo, por isso, ao lesante provar que o lesado não teria a possibilidade ou a vontade de utilizar a coisa, o que equivale a considerar que, nestes casos, a verificação de um dano indemnizável não passa pela prova destes factos, assim no caso dos autos se pode presumir que alguém que compra em 2013 um imóvel destinado à habitação (e que está de facto a ser usado para o efeito) e o reivindica de imediato, tendo as inerentes despesas (quer as decorrentes da propriedade, como impostos e despesas de condomínio, quer as decorrentes da reivindicação), destina-o a retirar dele os proveitos próprios da propriedade do mesmo, quer gozando dele para tal fim (sem pagar por um arrendamento equivalente), quer arrendando-o para obter rendimentos do mesmo. Ponha-se a situação em confronto com aquela de alguém que é há muito tempo proprietário (por exemplo, por o ter herdado) de uma propriedade rústica (desvalorizada e pela qual, por isso, quase não se paga impostos) que se mostra abandonada; compreende-se, neste caso, que este proprietário, se viesse alegar prejuízos a serem indemnizados, os tivesse que alegar e provar, ao contrário da situação dos autos.

              Na mesma lógica do que antecede, o proprietário, no caso de o arrendatário continuar a ocupar o imóvel depois da extinção do contrato, tem direito a uma indemnização igual ao valor da renda que até aí o arrendatário pagava, mesmo que não alegue nem prove que tencionava e podia continuar a arrendar o imóvel (art. 1045/1 do CC). Tal como, por força do artigo 42 do DL 291/2007, de 21/08, não é pressuposto do direito a indemnização (por equivalente) pela imobilização do veículo sinistrado, a pagar pelas seguradoras, a alegação e prova de que o seu proprietário tinha possibilidade ou a vontade de continuar a utilizar o veículo sinistrado. E se a seguradora não cumpre a obrigação de colocar à disposição do lesado um veículo de substituição durante o período de imobilização (Maria da Graça Trigo, obra citada, pág. 63, chama-lhe “uma segunda privação de uso’) essa obrigação será substituída pela obrigação equivalente de pagar o respectivo valor que terá de ser o valor do montante diário necessário ao aluguer de um tal veículo durante o mesmo período.

              De resto, na situação dos autos, os autores alegaram essa vontade (a possibilidade material nunca a tiveram devido à ocupação ilícita pelo réu, mas, se não fosse isso, ela existia como o demonstra o facto de a fracção estar a ser habitada), nos termos transcritos no relatório deste acórdão, alegações essas que, naturalmente, estiveram implicitamente (como factos instrumentais) na base do tema de prova (que era, lembre-se, “se o réu tivesse entregado o imóvel aos autores em Agosto de 2013 estes poderiam ter percebido um rendimento mensal proveniente daquele não inferior a 2422,45€”) e da decisão que foi proferida sobre ele.

              Afastada esta argumentação do réu, não há qualquer outra para pôr em causa a fundamentação da decisão recorrida que, aliás, como se vê através das citações feitas de acórdãos e das expressões utilizadas, não passou só pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, mas também pela dos do enriquecimento sem causa, o que o tribunal podia fazer pois que “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito: art. 5/3 do CPC.

              Neste sentido, por exemplo, o ac. do STJ de 03/10/2013 que terá sido citado pelo tribunal recorrido: VI – Sem embargo do referido em II e V [falta de prova de factos que inviabiliza o recurso à equidade para determinação da indemnização pela privação do uso], a ocupação do prédio pelos réus, beneficiando das vantagens de um bem alheio, sem título que o legitimasse, durante os quase nove anos em que, por via dos sucessivos recursos por si interpostos, esteve pendente a acção, legitima o reconhecimento de um crédito aos autores com fundamento no enriquecimento sem causa.

              Acórdão que, por sua vez, lembra o ac. do STJ de 23/03/1999, proc.  147/99, sumariado no sítio do STJ, na parte que interessa: VII – Os dois institutos – responsabilidade civil e enriquecimento sem causa – podem concorrer, na qualificação da mesma situação, principalmente nos casos de intromissão nos direitos alheios. VIII – Apesar de o lesado entender que os factos alegados integram um caso de responsabilidade civil e não de enriquecimento sem causa, nada impede que o tribunal, na falta de dano reparável, ordene a restituição do montante do enriquecimento. Ou, nos termos do sumário da publicação na CJSTJ99, I, pág. 172: IV – Mesmo que o proprietário nenhum proveito tirasse dos bens, sempre o intrometido estará obrigado a indemnizá-lo, restituindo-lhe o “valor da exploração”. […] VI – Ocupando a intrometida um imóvel sem título, deverá ser condenada a pagar à proprietária o valor do uso de que ilegitimamente beneficiou, de acordo com as regras que disciplinam o enriquecimento sem causa. VII – É que, a procedência do pedido indemnizatório não está dependente da prova de qualquer dano sofrido pela proprietária do imóvel, mas apenas da prova de que a intrometida o usou, sem título legítimo.

            Ainda neste sentido, veja-se o ac. do STJ de 22/01/2013, proc. 3313/09.2TBOER.L1.S1

            […]

         II – A simples falta de prova de danos concretos não deve conduzir à necessária recusa da indemnização pela privação do uso, verificados que estejam todos os restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

         III – Tem ampla justificação a concessão duma indemnização ao autor baseada no facto de, sem o seu consentimento, os réus terem ocupado dois imóveis pertencentes às heranças que enquanto cabeça de casal lhe compete administrar.

         IV – Enquanto a posse intitulada subsistir, os direitos plenos de uso, fruição e disposição de que o proprietário goza (art. 1305.º do CC) ficam fortemente limitados, não podendo ser exercidos na sua plenitude; estando demonstrado que os réus tinham plena consciência de que o gozo dos imóveis tinha um determinado valor, afigura-se justo e razoável quantificar o correspondente dano da privação do uso no valor locativo dos imóveis que o autor logrou provar.

         V – Se se entender não haver lugar à aplicação do regime da responsabilidade civil (arts. 483.º e segs. do CC) por não existir, em concreto, um dano reparável inerente à privação do uso, justifica-se o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa.

         VI – Nada impede que na falta do dano reparável se ordene a restituição do enriquecimento verificado, considerando, por um lado, que isso não envolve infracção do disposto no art. 664.º do CPC e, por outro, que assim se obedece à determinação legal acerca da natureza subsidiária da obrigação fundada neste instituto.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

            Sem custas de parte visto que o réu, que seria o responsável por elas, beneficia de apoio judiciário.

              Lisboa, 07/10/2021

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto