Processo do Juízo Central Cível de Angra do Heroísmo – Juiz 1

              Sumário:

              A ré deixou por acabar a construção da casa de habitação dos autores; tal implicou, no máximo, um período de 7,5 meses de exposição dos autores aos elementos naturais e os inerentes sentimentos de insegurança e receio, bem como desgosto pela situação; considera-se que uma indemnização de 1000€ para cada um dos autores é a adequada para estes danos não patrimoniais.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              A e mulher, B, instauraram uma acção comum contra R-Unipessoal Lda, pedindo, entre o mais, que seja reconhecida a resolução do contrato de empreitada celebrado entre os autores e a ré, por incumprimento contratual imputável à ré, e que a ré seja condenada no pagamento do valor correspondente aos danos e prejuízos causados aos autores, que actualmente se cifram em 20.000€, acrescidos de juros.

            Para o efeito, alegaram que [transcrevem-se apenas os factos, na parte que importa e com simplificações]:

8. A ré dedica-se à actividade de construção de todos os tipos de edifícios residenciais e não residenciais, executados por conta própria ou em regime de empreitada.

9. No exercício das respectivas actividades, os autores entraram em contacto com ré para que este elaborasse as respectivas obras necessárias no imóvel.

10. No dia 28/08/2019, a ré apresentou o orçamento que se junta como doc.2.

11. Os autores celebraram com a ré um contrato de obra de construção civil em 17/10/2019, sendo que as assinaturas foram reconhecidas no Cartório Notarial.

12. No contrato ficou estipulado que os autores encomendaram e adjudicaram ao réu todos os trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, mão-de-obra e equipamentos necessários à realização e concretização da empreitada de construção do edifício a erigir no lote de terreno com a área global de 000 m2, sito em x, descrito na Conservatória – cláusula 1ª e 2ª.

13. A empreitada adjudicada e contratada é do tipo “chave na mão” cláusula 2ª/2.

14. A empreitada foi contratada pelo preço global de 115.000€, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, sem que houvesse lugar a qualquer revisão de preço – cláusula 6ª/1.

15. O método de pagamento ficou totalmente estipulado nos termos da cláusula 7ª.

16 e 21. O réu começou a trabalhar na obra em 23/09/2019.

17. No dia 09/09/2019, os autores procederam ao pagamento do montante de 10.000€.

18. Os autores procederam ainda aos seguintes pagamentos, após a celebração do contrato:

27.140€, em 17/10/2019 e em 09/12/2019, correspondente à factura 2019/1, sendo que este pagamento foi efectuado em duas transferências distintas;

15.599,60€, em 18/11/2019, correspondente à factura 2019/2;

2300€, em Dezembro de 2019, correspondente à FT 2019/4;

21.530€, em 02/01/2020, correspondente à factura 2019/7;

13.520,40€, em 17/01/2020, correspondente à factura 2020/5;

18.500€, em 18/02/2020, correspondente à factura 2020/9;

15.500€, em 16/03/2020, correspondente à factura 2020/11;

2.010€, em 07/04/2020, correspondente à factura 2020/17;

2.000€, em 16/04/2020, correspondente à factura 2020/18;

4.000€, em 14/05/2020, correspondente à factura 2020/20;

1.770€, em 13/07/2020, correspondente à factura 2020/24;

20. Ficou ainda estipulado que a empreitada de remodelação do edifício a erigir em x, deveria ser realizada e concretizada pelo réu, nos termos acordados, no prazo máximo global de 7 meses a contar da data do início dos trabalhos – cláusula 8ª.

24. A obra nunca foi concluída e, por isso, nunca foi entregue de forma concluída.

26 e 28. Os autores enviaram uma missiva à ré no dia 17/09/2020, informando esta que o prazo de execução de obra tinha há muito sido ultrapassado.

27. Os autores, na carta, concederam “o prazo de 10 dias para V/ Exas voltarem a laborar, como também será concedido o alargamento do prazo de execução até ao dia 01/12/2020.”

28. A missiva foi recepcionada pela Sra. Y.

30. A ré não respondeu e nunca compareceu na obra para continuar a empreitada em incumprimento.

31 e 32. Face à não resposta por parte da ré, os autores, no dia 08/10/2020, procederam “à resolução do contrato, nos termos do artigo 13 do contrato, celebrado entre as partes, requerendo a V/Exa, que retirem todo o material da V/responsabilidade alojado nas obras.”

33. Foram pagas variadas facturas, mas variados trabalhos nunca ficaram concluídos a 100% ou nem foram iniciados:

34. Foi pago o montante de 9.000€ para a realização de toda a carpintaria, no entanto, está em falta terminar: Escada; Arco em madeira em volta da porta de entrada para a cozinha; Porta da garagem para a entrada e para cozinha; Pérgula sobre a mesa do pátio junto à piscina; No piso superior, a porta do quarto de vestir, prateleiras, gavetas, hastes de suspensão, tecto do interior e tecto do exterior da varanda.

35. Foi pago o montante de 3.400€ para a conclusão dos quartos de banho, no entanto, está em falta terminar encanamento, chuveiros, sanitários, lava mãos e bidés.

36. Foi pago o montante de 600€ para a conclusão de pinturas, no entanto, está em falta terminar o cume; partes exteriores da casa; interior da cozinha; interior da garagem;

37. Foi pago o montante de 300€ para a conclusão de canalizações do pátio, no entanto, está em falta terminar os seguintes serviços: lava mãos na área do bar; lava mãos no exterior do estúdio.

38. Foi pago o montante de 4.400€ para a conclusão da varanda, no entanto, está em falta terminar bilros e varanda de segurança.

39. Foi pago o montante de 1.500€ para a conclusão da electricidade, no entanto, está em falta terminar: reconexão do portão principal; Luzes exteriores; Fio terra para o estúdio; bomba para chafariz.

40. Foi pago o montante de 650€ para a instalação de alumínios, no entanto, está em falta terminar: Janela fosca na porta da casa de banho de apoio à piscina, no entanto, a visão do exterior para o interior da casa de banho é totalmente visível; Portas para zona das botijas de gás;   Portas para a bomba de piscina; Redes para as janelas de alumínio;

41. Foi pago o montante de 1.000€ para a conclusão de variados trabalhos, no entanto, está em falta terminar: caixa-de-ar e acabamento do tecto no quarto de cama traseira; Azulejos no WC interior; Betume nas juntas dos ladrilhos em volta da piscina;   Tijolos do pátio sem o devido escorrimento; Substituição do ventilador do quarto traseiro que ficou danificado pelas obras;

44. Face à não conclusão da obra, os autores, sofreram danos nos móveis da cozinha, devido à entrada de chuva quando da mudança da telha, estante de livros, mesa de refeições, baú, armário de sala, quadro que estava fixo na sala, ventilador de tecto do quarto traseiro; tecto nunca concluído no piso superior, pelo que, faz com que entre, diariamente, vento e imensos insectos; veículo automóvel obrigado a ficar na rua, uma vez que a garagem serve actualmente para armazenamento de material que deveria estar alojado no imóvel.

45-46. Os autores vivem no piso térreo do imóvel.

47. O piso superior tem ligação interior ao piso térreo.

48-49-50. Os autores vivem com um grande sentimento de insegurança, porque o imóvel não tem tecto no piso superior, ou seja, quem conseguir aceder à varanda do piso superior, facilmente se intromete na propriedade sem o consentimento dos autores.

51-52. Vivem com um desgosto constante por não terem a sua casa terminada, quando perspectivavam que a sua casa estaria concluída, no máximo, em Maio de 2020.

53. Uma casa sem tecto, torna-se fria.

55-56. Os autores têm conhecimento de que a ré continuou a laborar noutras obras na Ilha sem qualquer constrangimento, pelo que apenas abandonou a obra dos autores.

              A ré, regularmente citada, não contestou, pelo que, por despacho de 19/05/2021, proferido ao abrigo do disposto no art. 567/1 do CPC, julgaram-se confessados os factos articulados pelos autores, os quais, depois, apresentaram alegações escritas.

              Por fim, foi proferida sentença a reconhecer ter sido validamente resolvido o contrato objecto dos autos e a condenar a ré a pagar aos autores 26.250€ (dos quais 5.000€ por danos não patrimoniais), acrescida dos juros de mora legais civis, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a ré do demais pedido.

              A ré recorre desta sentença – para que seja substituída por outra que que declare improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

         I – Na esfera da responsabilidade civil contratual os danos não patrimoniais não são reparáveis. Isto porque, por um lado, o art. 496 do CC, que consagra a ressarcibilidade desses danos, inscreve-se, em termos sistemáticos, na subsecção da responsabilidade civil por factos ilícitos, o que claramente inculca que tais prejuízos só relevam em sede de responsabilidade aquiliana, e, por outro lado, a reparação dos danos morais no campo da responsabilidade contratual introduziria um factor de séria perturbação da certeza e segurança do comércio jurídico, alimentando propósitos especulativos e conduzindo à comercialização de valores morais.

         II – Pelo que in casu a indemnização arbitrada pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais deve improceder;

         III – Sem embargo, face à matéria de facto dada como provada, não assiste ao autor o direito à indemnização por danos morais, uma vez que não foram sequer alegados factos susceptíveis de revestirem a gravidade exigida no art. 496 do CC e, por consequência, não merecem a tutela do direito;

         IV – Por outro lado, facto ilícito e prejuízo são realidades jurídicas distintas, não podendo confundir-se a existência do dano não patrimonial com as circunstâncias do incumprimento do contrato;

         V – Finalmente, caso seja considerado que os factos em questão são susceptíveis de compensação, nos termos do artigo 496 do CC, esta nunca deverá ser fixada em valor superior a 1000€, ao abrigo do disposto nos artigos 494 e 496/3 do CC.

              Os autores contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questão a decidir: se a ré não devia ter sido condenada a pagar a indemnização de 5000€ por danos morais.

                                                                 *

              Os factos provados são os que foram alegados na petição inicial, formalizados neste acórdão.

                                                                 *

            A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação do decidido quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais:

         “[…] está em causa indemnização pelos danos causados aos autores pela ré em virtude da não realização total e atempada dos trabalhos acordados.

         Ao contrário do pretendido pelos autores, não está aqui em causa qualquer responsabilidade civil extracontratual, mas sim a responsabilidade contratual derivada do mencionado incumprimento do contrato de empreitada […].

         […]

         A questão de se saber se no âmbito contratual este tipo de dano é susceptível de indemnização tem sido discutida na nossa doutrina e jurisprudência.

         Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 9.ª edição, p. 627, assumiu a posição contrária a tal possibilidade, advertindo, na senda de Larenz, para os perigos da extensão da indemnização aos danos não patrimoniais de origem contratual.

         Porém, posição favorável a tal quadro indemnizatório tem vindo a ser assumida frequente e uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por todos, acs. de 17/11/1998 in CJSTJ T. III, p. 121; de 21/03/1995 BMJ 431/433; de 15/06/1993 BMJ 428/530, de 04/04/2002 e de 28/05/2004 in http://www.dgsi.pt) na esteira de Almeida Costa, Galvão Telles e Pinto Monteiro.

         Esta é a posição que sufragamos, cujos fundamentos nos dispensamos de aqui reproduzir, remetendo, apenas, para os arestos supra mencionados.

         Impõe-se, porém, como é óbvio, que os desgostos sofridos pelos lesados com os actos dos lesantes assumam, pela sua gravidade, dignidade que demande o seu ressarcimento.

         Na verdade, no domínio do incumprimento das obrigações, tais danos são normalmente pouco frequentes e de fraca intensidade, pelo que, só se justifica o seu ressarcimento se, para além dos demais requisitos da obrigação de indemnizar, forem objectivamente graves.

         É o que sucede no caso dos autos, pois os danos não patrimoniais alegados revestem a gravidade exigível para merecerem a tutela do direito nos termos do art. 496/1 do CC.

         Com efeito, os factos provados e constantes dos artigos 45 a 55 da PI, são objectivamente graves, pois atento um padrão de objectividade aplicado ao caso concreto e às condições em que os autores ficaram a viver na casa em causa, atenta a inexecução da ré e tempo que decorreu até à resolução contratual, exorbitam uma particular ou aguçada sensibilidade dos peticionantes perante a situação fáctica e espelham a intensidade que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se afiguram inexigíveis em termos de resignação.

         Assim, em face da matéria de facto dada como provada e supra mencionada, encontram-se verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, pelo que, atentas as circunstâncias de facto concretas em que desenrolou a actuação, ou melhor a inacção, da ré, atendendo aos constrangimentos causados aos autores, consequências por terem de viver no local e nas condições em causa e tempo que mediou até à resolução contratual, parece-nos adequado fixar, a título de danos não patrimoniais, a compensação/reparação de 5.000€, a pagar pela ré aos autores, improcedendo a acção no remanescente valor peticionado.”

              Apreciando:

              Os fundamentos pelos quais a ré pede a alteração ou anulação da decisão recorrida não a põem em causa na parte em que ela faz a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e a consideração da decisão da matéria de facto também não leva a colocar em questão aquela verificação, pelo que não há razões para estar a analisar, de novo, esses pressupostos, que se consideram estabelecidos.

              Posto isto,

              A partir da tese de Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, Coimbra, separata do volume XXVIII do suplemento do BFDUC, 1985, páginas 84-89, nota 164, ou seja, há mais de 35 anos, que, no essencial, não se discute a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais também no domínio da responsabilidade contratual, afastando-se para o efeito a relevância da inserção sistemática da norma em que se a prevê.

              Pelo que, a questão não merece, no caso, outro desenvolvimento (que se limitaria a repetir argumentos já conhecidos, mesmo para a ré) para além do que lhe dá a sentença recorrida, para a qual se remete, a que se podem acrescentar as referências que são feitas à questão, no mesmo sentido, nos acórdãos deste mesmo colectivo de 11/03/2021, processo 223/19.9T8VFC.L1 e de 13/05/2021, 1537/18.0T8CSC.L1, que se vão passar a seguir, e os estudos, por último, de Dário Moura Vicente, Direito Comparado, vol. II, Almedina, 2017, reimpressão de 2019, págs. 289-292; Gabriela Páris Fernandes, no Comentário ao CC, da UCP/FD/UCE Dez2018, págs. 356II-358; e de Rui Soares Pereira, Problemas actuais da responsabilidade civil obrigacional/contratual, em Católica Talks, Responsabilidade, UCE, 2020, páginas 200 a 204 (todos eles referem autores em sentido contrário, pelo que é escusado estar aqui a referir essas posições contrárias).

              A questão é que, como se diz na sentença recorrida, se trate de danos com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito (art. 496 do CC) e que “a natureza da prestação contenda essencialmente com valores de ordem não patrimonial” “ou quando as circunstâncias que acompanharam a violação do contrato hajam contribuído decisivamente para uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais” (António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, Almedina, pág. 34). Ou, na versão de Rui Soares Pereira (obra citada, pág. 201), os danos não patrimoniais reparáveis são apenas os dotados de um significativo relevo, o que aponta para a frustração de fins ou utilidades não patrimoniais juridicamente relevantes (graves) e para a colocação de o bem (patrimonial ou não patrimonial) que os assegura (seja este grave ou não) em situação de o beneficiário não o poder utilizar.”

              Ora, no caso, resulta dos factos provados que o contrato respeitava a uma empreitada de construção da casa para onde os autores iriam habitar, pelo que era muito provável que as faltas de acabamento dos trabalhos dadas como provadas, decorrentes do abandono objectivo da obra, presumivelmente culposo (art. 799 do CC), iriam ter como efeito a falta de condições físicas de habitabilidade do imóvel, com os inevitáveis sofrimento físico e sentimentos de insegurança e de receio, bem como de desgosto pela situação.

              Pelo que se pode dizer – acompanhando a sentença – que o incumprimento do contrato deu origem a danos não patrimoniais relevantes.

                                                                 *

              A indemnização dos danos não patrimoniais deve, segundo o art. 496/4 do CC, ser “fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494”: “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”, bem como a comparação com outros casos jurisprudenciais, já que, por força do art. 8/3 do CC, “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, sempre sem perder de vista que, de qualquer modo, é a aplicação da equidade que está aqui em causa (Filipe Albuquerque Matos, anotação ao ac. do STJ de 24/04/2013, publicada na RLJ 143/Jan-Fev2014, págs. 194 e segs).

            No caso nada de especial foi alegado (e por isso provado), pelos autores, quanto a estas circunstâncias (aquelas que deviam ser tidas em conta), pelo que elas devem consideradas com o mínimo de peso possível quanto ao montante da indemnização (o risco da falta de prova corre por conta deles: artigos 342/1 do CC e 414 do CPC), sendo irrelevante o grau de culpa por se tratar de uma culpa presumida. O tempo durante o qual durou a situação é, no máximo, de 7,5 meses (a obra iniciou-se em 23/09/2019, devia ter terminado em 7 meses, isto é, em 23/04/2020; o contrato foi resolvido por volta de 08/10/2020; a obra poderia ter sido terminada, segundo os autores, em 2 meses, isto é, até 08/12/2020); mas não se sabe quando é que os autores foram viver para aquela casa, podendo, por isso, aquele período ser menor, nem se sabe por que motivo se mudaram para ela; por outro lado, sendo más as condições de habitabilidade com a obra inacabada também parece [esta indefinição também corre contra os autores] resultar que ainda assim a casa já podia ser habitada pelo menos no andar de baixo.

              Quanto a casos jurisprudenciais, no ac. do TRL referido acima, de 11/03/2021, processo 223/19.9T8VFC.L1, fez-se uma resenha de alguns acórdãos que se pronunciaram sobre os montantes das indemnizações, em casos em que estão em causa danos relacionados com a falta de condições adequadas de vida em residências, embora por outros motivos:

              No ac. do STJ de 29/11/2016, proc. 7613/09.3TBCSC.L1.S1, diversos autores pediam 6000€ para cada um a título de danos patrimoniais e não patrimoniais; estavam em causa, por parte da demandada, actividades que têm em vista o bem-estar público, a higiene e a salubridade pública, em instalações que são fundamentais para o cabal exercício desse serviço prestado aos munícipes; a sentença, confirmada pelos acórdãos do TRL e do STJ nesta parte, condenou a ré a pagar, segundo se entende a título de danos não patrimoniais, a um dos autores 2500€ e a cada um dos demais autores 1000€ (os prédios foram comprados no início de 2008 e a acção foi posta em 2009).

              O acórdão do STJ de 29/06/2017, proc. 117/13.1TBMLG.G1.S1, repôs a sentença recorrida que tinha condenado os réus a indemnizarem os autores em 5000€ e em 3000€, respectivamente, pelos danos não patrimoniais sofridos, entre 2008 e 2015, em consequência do ruído proveniente de uma discoteca que funcionava entre as 22h e as 7h.

              No acórdão do STJ de 18/10/2018, proc. 3499/11.6TJVNF.G1.S2, confirmou-se o ac. do TRG que tinha confirmado a sentença recorrida, atribuindo-se uma indemnização, a cada um dos autores, de 10.000€, pelos danos não patrimoniais sofridos, durante mais de 10 anos.

              No ac. do STJ de 03/05/2018, proc. 2115/04.7TBOVR.P3.S1, confirmou-se um ac. do TRP que tinha confirmado uma sentença que atribuiu uma indemnização, por danos não patrimoniais, a um autor, de 4000€ e a outro autor, de 6000€; estava em causa o funcionamento de uma subestação de electricidade durante mais de 20 anos e provocando inúmeros danos.

              No ac. do STJ de 03/10/2019, proc. 3722/16.0T8BG.G1.S1, confirma-se o ac. do TRG que tinha atribuído 500€ para cada um de dois autores de indemnização pelos danos decorrentes de o direito dos autores ao sono e ao repouso estar a ser interrompido e afectado, diariamente, entre as 3 e as 5h pelo barulho estridente dos galos e galinhas que os réus criam num anexo, que dista apenas 4,395 metros da casa dos autores. O pedido tinha sido deduzido sem referência a um valor certo. O anexo foi construído no Verão de 2012.

              No caso do ac. do STJ de 27/02/2020, proc. 2444/07.8TVLSB.L1.S1, julga-se adequada a indemnização de 7500€, atribuída pelo TRL, pelos danos não patrimoniais, correspondentes à lesão do direito ao sossego, que durante vários anos [de 2005 a 2014] sofreu, em consequência do ruído causado pelos réus, moradores no apartamento situado no andar por cima do seu.

              No ac. do TRL de 11/03/2021, processo 223/19.9T8VFC.L1, estava em causa o barulho causado por “dois cães, que, desde a data em que foram instalados no canil do réu, a menos de 20 m do prédio dos autores, ladram diariamente, durante o dia e a noite, de forma persistente e ruidosa, privando os autores de descanso, sossego e tranquilidade, nomeadamente entre as 23h e as 4h privando-os de sono.”; foram atribuídos 2000€ a cada um dos autores como indemnização destes danos, por uma situação que durou perto de 2 anos”, “tendo em conta a comparação do caso dos autos, com os casos dos acórdãos do STJ sintetizados acima, em que normalmente quantias de valores próximos dos aqui atribuídos visavam danos prolongados por vários anos.”

              No ac. do TRL de 24/05/2018, proc. 844/16.1T8MTA.L1, entendeu-se que “quem adere a um contrato de seguro para cobertura do risco de deixar de poder pagar a amortização do empréstimo que contraiu para compra da habitação, pretende garantir um mínimo de paz de espírito para a sua vida futura, ficando com a segurança de que, apesar de poder perder os seus rendimentos, ficará sempre com um local para habitar. Pelo que a natureza da prestação contende com aqueles valores de ordem não patrimonial. E a criação de uma situação de angústia devido ao comportamento de uma seguradora que de algum modo põe em causa o funcionamento desse seguro, é uma situação de danos com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito”; a situação durou 7 meses; a indemnização atribuída foi de 450€.

              Tendo em consideração a comparação destes casos, considera-se que uma indemnização de 1000€ para cada um dos autores é o valor adequado aos danos em causa, pelo que a atribuída é excessiva.

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              Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, diminuindo o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais, que era de 5000€, para 2000€ (1000€ para cada um dos autores), mantendo-se a sentença recorrida na parte restante.

              Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pelos autores (60%) e pela ré (40%).

              Lisboa, 04/11/2021

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto