Processo do Juízo Local Cível de Oeiras
Sumário
I – O contrato de prestação de serviços é, por regra, um contrato de execução duradoura e, nessa hipótese, tem de ser revogável por qualquer das partes, mesmo sem justa causa, mas com a antecedência necessária para não causar prejuízos à contraparte (que teria de indemnizar).
II – No caso a autora não alegou, nem se provou, a ilicitude da revogação sem a antecedência necessária, nem a provocação de prejuízos como consequência necessária dessa revogação, pelo que não teria direito a indemnização, sendo que esta não tem a ver com o direito às prestações que a autora dizia ter prestado e que a ré não teria pago.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A-SA, intentou contra R-SA, procedimento de injunção para pagamento de 7863,04€ acrescidos de 363,32€ de juros de mora vencidos e 1072,50€ de inclui honorários de advogado e despesas de cobrança.
Alegou para tanto que a requerida contratou – contrato de 01/01/2018 – os serviços de vigilância e segurança da requerente, mediante contrapartida mensal, sendo que não liquidou as facturas respeitantes aos meses de Julho a Outubro de 2019, que vencem juros, apesar de interpelada para o efeito.
A requerida deduziu oposição dizendo apenas que “não contratou com a requerente a prestação de serviços de vigilância e segurança a que dizem respeito as facturas referenciadas no requerimento de injunção”; e que as quantias peticionadas a título de “honorários de advogado” e “despesas com a cobrança” não são devidas.
Face à oposição a injunção foi remetida a tribunal passando a seguir os termos de uma acção especial para cumprimento de obrigações (DL 269/98), superior à alçada da 1ª instância.
A 24/09/2020, a autora apresentou para junção aos autos contrato de prestação de serviços [9 páginas + 3 páginas de um anexo I (consta o valor de 1452,89€ mensal a que acrescerá IVA) + 11 páginas de condições particulares], conta corrente e facturas.
A ré, em resposta de 12/10/2020, disse, “no exercício do contraditório, impugná-los [aos documentos] expressamente.”
A 04/07/2021, a ré junta 4 documentos, entre eles, uma carta [assinada por FL, como foi por ele assumido nas declarações em audiência] dirigida à autora, com data de 07/06/2019, com o assunto ‘denúncia “do contrato de prestação de serviços de segurança” – Ref:C102124001’ em que diz solicitar o cancelamento com efeitos imediatos, da prestação de serviços de segurança realizadas nas nossas instalações em SMC. Um outro, um email de 09/07/2019 de NS (da autora) para FL (da ré), em que diz: “no seguimento do reenvido do nosso contrato e da vossa carta recepcionada no 12/06/2019, e conforme o já transmitido telefonicamente, efectivamente no ponto 1. Início e vigência do contrato, esclarece o facto de contacto C.102124 [sic], encontra-se em vigor até 31/12/2019. Ora, no sentido de ir ao encontro das vossas pretensões, a autora poderá aceitar a rescisão antecipada do contrato com data de 30/09/2019. Caso seja da intenção da ré adquirir os equipamentos descritos no anexo I do contrato, propomos o seguinte valor […].. Ficamos a aguardar as vossas notícias […].” E um email de 18/12/2019 da FL para NS, no qual se escreve, em síntese, que não reconhece o débito, efectuou o cancelamento em 07/06/2019 por carta registada, já demos conta da situação, não percebemos a insistência em proceder à facturação.
Na audiência final de 06/07/2021, a testemunha da autora, NS, apresentou 6 documentos: um email de FL (um dos dois administradores da ré), para a testemunha NS (da aurora), com data de 15/12/2017, a remeter os dados da ré; um de 18/12/2017, de NS para FL a recepcionar os dados; um de 21/12/2017 de FL para NS a pedir uma proposta; um outro de NS para FL, de 29/12/2017, às 10h30, a enviar soluções de vigilância; um outro da mesma data, mas das 12h42, a dizer que o anterior tinha informação desconexa e errada; uma proposta de contrato (da autora para a ré) em 29 páginas com data de 29/12/2017, com duas soluções de vigilância e 2 valores diferentes; na página 16 consta a referência ao serviço actual, valor dele: 1452,89€, e à duração do contrato, de 12 meses [é uma chamada de atenção feita pela testemunha NS], mas isso depois da expressão proposta: válido 30 dias; e um email de reencaminhamento de 15/03/2018 pela testemunha NS com os dados da ré.
E a ré, na mesma data, juntou: um email de 31/07/2019 da ré para a autora – num documento com o nome do advogado da ré e com a reprodução parcial, no fim, do email de FL para NS de 09/07/2019 -, em que FL se queixa do acesso da autora às instalações da ré, da falta de contestação, pela autora, do pedido de rescisão do contrato feito pela ré; diz que não há nenhum contrato assinado pela ré que tenha fixado prazos de duração e que o “contrato” a que se refere no email e que recentemente nos enviou, não está assinado por nós e portanto não nos vincula, apenas está assinado pela autora; da aquisição pela ré do equipamento da autora; da não aceitação da facturação relativamente aos períodos posteriores à data de cancelamento dos serviços.
Após a realização da audiência final foi proferida sentença julgando a acção improcedente por não provada e absolvendo a ré do pedido
A autora recorre desta sentença, para que seja alterada a decisão da matéria de facto e a ré seja condenada no pedido.
A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
*
Questão que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada no sentido pretendido pela autora e se esta tem direito ao pagamento de prestações de serviço no período de 01/07/2019 a 31/10/2019.
*
Estão dados como provados os seguintes factos que importam à decisão desta questão:
1 – A autora é uma sociedade anónima, que se dedica à prestação de serviços de prevenção, segurança e actividades conexas, nomeadamente a exploração de equipamentos relativos àqueles serviços e a instalação e manutenção de instalações eléctricas de utilização de baixa tensão e de sistemas de detecção e extinção de incêndios, segurança e detecção de intrusão.
2 – A ré é uma sociedade anónima que se dedica à indústria e comércio de tecidos.
3 – Em 25/01/2018 a J-SGPS-SA vendeu à ré o imóvel sito no Lugar de P, freguesia de V, concelho de S, destinado a armazém e actividade industrial.
4 – A autora prestava serviços de vigilância e segurança para J-SGPS-SA no aludido armazém.
5 – Após a aquisição do armazém a ré acordou com a autora que mantinha os serviços de vigilância e segurança até então prestados naquele espaço pelo valor anteriormente praticado.
6 – A autora prestou os serviços e mensalmente emitiu as respectivas facturas que foram pagas.
7 – Em 07/06/2019, a ré comunicou à autora, por carta registada, que cancelava os serviços de prestação de segurança com efeitos imediatos nas instalações de SMC.
8 – Em 09/07/2019, através de correio electrónico, a autora comunicou à ré que o contrato C.102124 encontrava-se em vigor até ao dia 31/12/2019, mas que podia aceitar a rescisão do contrato com efeitos a partir de 30/09/2019.
9 – Em 31/07/2019 a ré comunicou que não pretendia a manutenção da prestação de serviços e que não aceitava o valor das facturas que a autora enviava desde a data em que foi comunicada a rescisão. Mais solicitava que não acedessem às instalações considerando esse acesso indevido.
10 – A autora continuou a aceder às instalações da ré até data não apurada.
11 – O contrato C.102124 não foi assinado pela ré.
12 – A autora remeteu as facturas:
– FC19028162 no valor de 1965,76€ [1598,18€ + 367,58€ de 23% de iva – esta decomposição foi feita por este acórdão com base na factura, para comparação], com data de 31/07/2019 e vencimento de 30/08/2019, referente ao período de 01/07/2019 a 31/07/2019;
– FC19031911 no valor de 1965,76€ com data de 30/08/2019 e vencimento de 29/09/2019, referente ao período de 01/08/2019 a 31/08/2019;
– FC19034416 no valor de 1965,76€ com data de 12/09/2019 e vencimento de 12/10/2019, referente ao período de 01/09/2019 a 30/09/2019;
– FC19039162 no valor de 1965,76€ com data de 01/10/2019 e vencimento em 31/010/2019, referente ao período de 01/10/2019 a 31/10/2019.
Considerou-se como não provado que:
a) A autora despendeu 150€ com a cobrança dos valores das facturas.
b) O contrato C.102124 foi entregue à Ré.
*
A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação da convicção quanto à decisão da matéria de facto, na parte que importa (que se transcreve como simplificações e por isso sem aspas):
Os factos 4 e 5 foram esclarecidos pelo representante legal da ré e pelas duas testemunhas apresentadas pela autora: NS (gestor de contratos da autora) e AC (agente de segurança privada) que, de forma unanime, referiram que os serviços de vigilância eram prestados no armazém para outra sociedade, e que se mantiveram após a venda do imóvel à ré.
O facto 6 foi referido pelo representante legal da ré e pela testemunha NS.
Os factos 7 a 11 foram esclarecidos pelo representante legal da ré, pela testemunha NS e pelo teor das comunicações (carta e correio electrónico) juntas aos autos.
FL, representante legal da ré, referiu que em Junho de 2019 já possuía trabalhadores no armazém durante o período da noite pelo que tinha deixado de necessitar dos serviços da autora. Deste modo, comunicou à autora que a partir do mês de Julho já não pretendia manter o serviço de segurança. Contudo, a autora não aceitou a decisão e apresentou um contrato que FL afirmou nunca ter visto, assinado unicamente pela autora, onde constava que o termo do contrato era em 31/12/2019 e que a rescisão deveria ser comunicada com um período mínimo de 90 dias.
NS confirmou que recebeu a comunicação da ré, mas que não aceitou a rescisão por não ter cumprido mínimo de 90 dias. Confirmou que o contrato nunca foi assinado pela ré mas afirma que o entregou em mão em data que não se recordava mas que achava ter sido em Março de 2019 (o que foi negado pela ré e que não foi corroborado por nenhum outro meio de prova).
A testemunha ainda afirmou que a ré sabia das condições do contrato (nomeadamente do prazo do contrato e do prazo de rescisão) porque lhe foi entregue uma proposta onde constavam esses elementos.
Contudo, analisada a proposta junta pela autora em sede de audiência de julgamento, constata-se que não constam esses elementos, havendo apenas uma breve menção à duração do contrato proposto “12 meses”, sendo que essa proposta incluía serviços que nunca foram aprovados nem prestados. Acresce que quer a testemunha quer o representante legal da ré afirmaram que a ré não teve acesso ao contrato de prestação de serviços celebrado entre a autora e a J-SGPS-SA, pelo que nem tão pouco era possível que a ré conhecesse os prazos estipulados no contrato anterior.
[…]
Relativamente aos factos não provados, importa realçar que a autora não produziu qualquer prova quantos aos mesmos.
Contra isto a autora diz o seguinte [transcreve-se, na íntegra o corpo das alegações à excepção da parte em que faz a síntese da fundamentação da sentença]:
1\ A decisão ora posta em crise considera que não se deu como provado [sic] que o contrato C102124, invocado pela autora para reclamar o pagamento das facturas, não teria sido entregue à ré [sic]. Porém, existem nos autos elementos de prova suficientes para contrariar tal conclusão.
2\ Desde logo, a própria ré junta aos autos, em sede de audiência de discussão e julgamento, o doc.2, que é uma carta assinada pelo seu legal representante, datada de 07/06/2019, cujo assunto é denúncia de contrato de prestação de serviços de segurança – ref. C102124001.
3\ Por sua vez, conforme se alcança das facturas juntas aos autos, as mesmas mencionam no número de contrato os dizeres C102124001.
4\ Acresce que a cópia do contrato, junta aos autos pela autora, e que a sua testemunha confirmou que se tratava do contrato em questão, está identificado como sendo o contrato C102124.
5\ Por último, em sede de declarações de parte, o representante da ré, FS, aos 15 minutos, confirma que a carta de Junho de 2019 junta aos autos é da sua autoria, afirmando, questionado pela Srª. Juíza, que “foi assinada por mim, fui eu que enviei esta carta”, sendo que, mais adiante, explica que retirou a referência C102124 das facturas enviadas pela A – 22:55 “penso que às facturas enviadas”.
6\ A testemunha NS, instado pelo mandatário da autora, confirma, aos 5:50 [diz] que terá tido uma reunião com a ré em Março de 2018, em que lhe terá deixado um contrato para ser assinado, já finalizado, fechado, com todos os elementos de identificação, valores, condições, tudo.
7\ Diz a sentença recorrida, a este propósito, que a testemunha NS afirma que entregou o contrato em mão em Março de 2019, o que não é verdade, teria sido em Março de 2018, sendo que tal facto terá sido negado pela ré, e não estava corroborado por qualquer outro meio de prova.
8\ Ora, apenas porque não existe qualquer outro meio de prova que corrobore o que diz a testemunha, não implica necessariamente que a sua versão deva ser descartada. Tem o tribunal que fazer apelo, na apreciação dos meios de prova, sempre, às regras da experiência e ao senso comum.
9\ De facto, não parece verosímil que a autora, por intermédio do seu gestor NS, passasse a facturar à ré serviços sem que tivesse por base um contrato.
10\ Para mais, que não fosse um contrato escrito e ao qual se lhe atribuía um número, constante das respectivas facturas.
11\ A versão que esta testemunha traz ao processo é a que, segundo as regras da experiência, mais se aproxima da realidade. A testemunha NS negoceia o contrato com o representante da ré, apresenta-lhe diversas propostas e, perante a decisão daquele, entrega-lhe, após recolha dos elementos de identificação necessários à elaboração do contrato, cópia do mesmo já assinado pela autora, solicitando que o mesmo fosse assinado pela ré.
12\ Aliás, tanto a ré sabia que existia contrato que, conforme resulta dos docs. 3 e 4 que junta na audiência de julgamento, em momento algum, após referência por parte da testemunha NS ao teor do contrato e à obrigatoriedade de concessão de determinada antecedência para a sua denúncia, o representante da ré alega que não existe qualquer contrato. Apenas diz que não reconhece os valores em débito e que já cancelou os serviços. Caso não existisse contrato, ou caso o mesmo fosse dele desconhecido, na sequência da sua invocação, não viria o representante da ré aludir a tal facto, dizendo que o mesmo não existia ou que não era do seu conhecimento? Obviamente que sim. Não o fez porque sabia que o mesmo existia, e que lhe tinha sido entregue. Assim, a sentença recorrida não podia deixar de dar como provado que o contrato que vinculava as partes era o que foi junto pela autora aos autos, apenas por si assinado, mas conhecido da ré, que apenas não o assinou, mas a ele se vinculou e, ao abrigo do mesmo, liquidou diversas facturas.
13\ Ora, o referido contrato tem no seu clausulado as regras referentes à denúncia do contrato, que pode ser efectuada pelo cliente conquanto que comunicada com pelo menos 90 dias de antecedência sobre o seu termo ou sobre o termo de qualquer das suas renovações.
14\ Sabendo que a ré comunicou a denúncia do contrato com efeitos imediatos, a autora podia facturar os serviços até ao termo da renovação do contrato, em Dezembro de 2019.
15 Porém, fê-lo apenas até Outubro de 2019, conforme as facturas juntas aos autos e aqui reclamadas, o que era legítimo, nos termos do contrato em vigor.
16\ Assim, deveria ter a sentença considerado como provado que se demonstrou que entre as partes tinha sido acordado uma duração mínima do contrato bem como o período de denúncia do mesmo e, consequentemente, seriam devidos os valores reclamados nas facturas trazidas aos autos.
A ré contra-alegou adoptando a fundamentação da sentença recorrida.
Apreciando
Os elementos de prova produzidos no processo – os documentos foram descritos no relatório, com apontamentos derivados da prova pessoal ouvida – apontam para a confirmação da decisão da matéria de facto e não para a procedência da pretensão da autora, para mais tendo em conta que os factos 3 a 5 não foram impugnados.
Ou seja, esses elementos de prova convencem que as partes, antes de 01/01/2018, estiveram em negociações por escrito para a celebração do contrato até 29/12/2017, mas sem chegarem a um resultado final: não há, por escrito, qualquer aceitação da ré de qualquer das três alternativas que constam da proposta da autora; já sem ser por escrito, vê-se, dado o que consta daqueles factos 3 a 5 e da posterior prestação de serviços durante cerca de 1 ano e meio, revelada pelos outros factos provados, que as partes chegaram pelo menos ao acordo dos factos 3 a 5, mas sem que daí resulte que tenha havido acordo quanto a outras questões para além da prestação de serviços e do pagamento dos mesmos. Acordo este, quanto ao valor do pagamento, que nem sequer se prova que fosse o mesmo que vinha do anterior contrato (o valor do anterior contrato era de 1452,89€ mensais, sem iva, como se vê da proposta da autora, com referência à situação actual, pág.16, e o pagamento que se sabe que estava a ser feito pela ré era de 1598,18€ mensais, sem iva, como se vê da factura do facto 12; se se aplicar a taxa de inflação de 2018, de cerca de 1%, ao valor inicial, de 1452,89€, não se chega sequer a um acréscimo de 15€, muito longe dos 145,29€ da diferença entre um e outro). Depois, quando a ré quis acabar com o contrato, em Junho de 2019, a autora apresentou-lhe um contrato escrito com uma redacção que não há o mínimo indício de que fosse conhecido pela ré.
A autora diz que a sua testemunha e gestor de contratos afirmou que em Março de 2018 reduziu a escrito o contrato e o enviou para a ré. Mas, para além de se anotar que tal sempre teria ocorrido depois da celebração do contrato, não há qualquer elemento de prova que corrobore a afirmação, isto é, qualquer razão para acreditar apenas na palavra de um trabalhador da autora, responsável pelos contratos e que naturalmente dirá o que for necessário para favorecer a sua entidade patronal e para se desresponsabilizar por não ter sido formalizado o contrato celebrado (sendo a que a outra testemunha da autora nada disse de útil sobre a matéria nos 4 minutos que durou o seu testemunho). De resto, a forma como a testemunha se expressou [“que terá tido uma reunião com a ré em Março de 2018, em que lhe terá deixado um contrato para ser assinado (…)”], correctamente transcrita pela própria autora, demonstra a pouca convicção com que a testemunha depõe. Mais: o facto de haver provas escritas da negociação do contrato e, depois, da pretensão de cessação e das reacções subsequentes, torna pouco natural que, tendo havido mais qualquer coisa no intervalo, não houvesse prova documental disso.
Enfim, tudo aponta para que as partes tenham, descuidadamente, acordado no que consta dos factos 3 a 5, e se tenham contentado com isso, sem que tenham chegado a qualquer acordo sobre qualquer outra coisa relativa à execução do contrato, e, por isso, para que a ré, de facto, desconheça completamente o que consta do contrato escrito que lhe foi enviado já depois de manifestar a vontade de cessar o contrato. Aliás, o facto de o contrato escrito fazer menção a um valor mensal de 1452,89€ que estava a ser pago pela anterior proprietária do prédio, sem correspondência com o valor mensal que a ré estava a pagar em Junho de 2019, mais de 10% superior, indicia até que a redução do contrato a escrito foi feita com pouco cuidado pela autora, sem sequer ter em conta o pouco que de facto vigorava entre as partes. Quanto à referência à duração do contrato, de 12 meses, “na situação actual” que constava da proposta, não implica que a ré a tenha aceitado, no acordo informal celebrado entre autora e ré.
Quanto ao pormenor – invocado pela autora – de na carta com a pretensão de cessação do contrato a ré ter referido o n.º do contrato, ela foi explicada pelo administrador da ré: o n.º foi retirado das facturas. Sendo que este pormenor nunca seria bastante para dar como provado que a ré tinha conhecido do teor do contrato escrito.
Não tem sentido dizer, como faz a autora, que é inverosímil que a autora passasse a facturar à ré serviços sem que tivesse por base um contrato, porque a sentença não diz – nem este acórdão o está a dizer – que não havia contrato.
Tal como não tem sentido dizer, o que a autora diz em 12\ do corpo do seu recurso, pois que a ré, no email de resposta, já transcrito acima, diz que “não há nenhum contrato assinado pela ré que tenha fixado prazos de duração e que o ‘contrato’ a que se refere no email e que recentemente nos enviou, não está assinado por nós e portanto não nos vincula, apenas está assinado pela autora”, o que equivale a fazer aquilo que a autora diz que a ré devia ter feito se fosse verdade o que ela diz.
Em suma, não se justifica que se dê razão à autora nas suas pretensões (i) de se ter provado o contrário do que consta da afirmação dada como não provada sob b na sentença recorrida, isto é, que o contrato escrito tenha sido entregue antes da pretensão da ré de cessar o contrato (é este o sentido útil de dar como não provada a afirmação (b)) ou (ii) de dar como provado que as partes tinha sido acordado uma duração mínima do contrato bem como o período de denúncia do mesmo.
Ou seja, mantém-se a matéria de facto que vem da decisão recorrida.
*
A fundamentação da sentença, na parte de direito foi a seguinte, em síntese e com simplificações:
A relação jurídica em crise tem origem na prestação de serviços de vigilância e segurança que a autora alega ter prestado entre 01/01/2018 a 1/10/2019.
[…]
No caso em apreço, resultou provado que entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços (art. 1154 do Código Civil) de vigilância e segurança. O aludido contrato foi celebrado verbalmente, tendo ficado acordado o tipo de serviços e o valor (art. 405 do CC).
O contrato foi sendo cumprido por ambas as partes, tendo a ré declarado o fim da relação contratual por escrito em Junho de 2019.
Uma vez que não se demonstrou que as partes acordaram previamente a duração mínima do contrato nem o período de denúncia do mesmo (sendo certo que o contrato apresentado pela autora nunca foi assinado pela ré nem se demonstrou que a ré conhecesse o teor do mesmo), impõe-se considerar que vigorava um regime livre de cessação do contrato.
Assim, tendo a ré declarado em Junho de 2019 que não pretendia mais os serviços da autora, que se opunha ao acesso às suas instalações e que não iria proceder ao pagamento de nenhum serviço a partir de Julho de 2019, consideramos que a cessação do contrato ocorreu nessa data. Com efeito, a autora não tinha qualquer fundamento para persistir na prestação e inexistia qualquer acordo (verbal ou escrito) que impusesse o serviço até Dezembro de 2019 (ou até Outubro de 2019).
Deste modo, todas as facturas aqui peticionadas, que respeitam a um período posterior àquela data, não são devidas pela ré por não respeitarem a serviços contratados para esse período.
Também quanto às “outras quantias” que incluía despesa de cobrança (que não foram provadas) e honorários de advogados (que apenas podem ser peticionadas em sede de custas de parte nos termos dos artigos 25 e 26 do RCP), não podem ser da responsabilidade da ré.
Contra isto, a autora diz aquilo que consta dos n.ºs 13 a 16 do corpo das alegações transcrito acima, isto é, em síntese, que o contrato escrito que foi entregue à autora continha cláusulas referentes à duração mínima e denúncia do contrato, pelo que apesar de a ré ter comunicou a denúncia do contrato com efeitos imediatos, a autora podia facturar os serviços até ao termo da renovação do contrato, em Dezembro de 2019, embora só o tenha feito até Outubro de 2019, pelo que os valores pedidos seriam devidos.
A ré contra-alegou, de novo aderindo aos fundamentos da sentença.
*
Apreciando:
Antes de mais registe-se o seguinte:
A matéria de facto que o tribunal da relação pode utilizar é só aquela que consta da parte da sentença ou do acórdão subordinada aos factos discriminados como provados (art. 607/3 do CPC). Os factos que vão sendo referidos na fundamentação da convicção do juiz, ou na discussão da impugnação da decisão da matéria de facto, não podem ser utilizados na decisão das questões colocadas.
Na contestação, a ré não alega quaisquer factos correspondentes a qualquer excepção peremptória, como, por exemplo, a cessação do contrato por revogação. Apesar disso, a sentença baseia-se num facto extintivo para julgar improcedente a pretensão da autora. Tal implica a nulidade da sentença (art. 615/1d do CPC), mas as nulidades da sentença não são de conhecimento oficioso e a autora não as arguiu, pelo que este TRL não as pode conhecer.
Por fim, a argumentação da autora baseia-se toda numa pretendida alteração da matéria de facto, que não se provou.
Posto isto,
A cessação do contrato é um efeito de uma causa extintiva: a sentença não fala na causa extintiva, mas apenas do seu efeito. Mas reporta a cessação do contrato à carta do ponto 7. Do conteúdo desse ponto de facto pode-se concluir que a ré revogou o contrato, sem justa causa.
O contrato de prestação de serviços é, por regra, um contrato de execução duradoura e, nessa hipótese, tem de ser revogável por qualquer das partes, mesmo sem justa causa, mas com a antecedência necessária para não causar prejuízos à contraparte (neste sentido, veja-se, por exemplo, Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, 2.ª edição, Almedina, 2006, págs 522-523).
Portanto, a revogação do contrato, de execução continuada, sem justa causa, não obstante o contrato não ter previsto um prazo para o exercício do direito de revogação, ou melhor, um pré-aviso (ou não se provando que o tivesse previsto), dá direito a indemnização.
Mas, primeiro, trata-se de um direito de indemnização e não do cumprimento de prestações posteriores à cessação, pois que, estando o contrato findo, o direito a estas já não existe (e assim, embora com fundamentação algo diferente, concorda-se, no que importa, com a sentença).
Segundo, aquele direito pressupõe a alegação e prova dos prejuízos e do nexo de causalidade entre eles e a falta de observância de um pré-aviso razoável, o que no caso não se verifica (já que nem uns nem outros foram sequer alegados pela autora).
Ou seja, como a autora desenhou a acção como se ela fosse apenas um pedido de pagamento de prestações por satisfazer, não teria direito, nesta acção, a indemnização por revogação do contrato sem justa causa e sem pré-aviso, porque a causa de pedir seria diferente. Ou seja, o recurso nunca poderia ser procedente, tendo em conta os termos em que a acção foi desenhada.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte (não há outras) pela autora (que é quem perde o recurso).
Lisboa, 16/12/2021
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto