Processo do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Cível de Loures

                    Sumário:

          Se não se pode dizer que a pessoa colectiva/sociedade foi citada na pessoa dos seus representantes legais ou na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração (caso em que se verifica a citação pessoal delas), tem que se considerar que a sociedade foi citada em pessoa diversa da ré, pelo que, ao prazo de defesa acresce uma dilação de 5 dias (artigos 246/2, 223/1-3, 225 e 245/1-a, todos do CPC).

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              A 27/06/2021, A intentou uma acção declarativa comum contra R – de, SA, identificando como tendo sede na Rua… Bobadela, e sem indicação do número de identificação fiscal.

              A secção de processos do tribunal enviou carta registada com a/r para a morada indicada.

              A 06/09/2021 consta o a/r da carta enviada para citação assinado por um tal C…P… O a/r tem a assinatura de 20/07/2021.

              A 07/10/2021, sem dizer nada quanto ao atraso, a ré apresentou contestação. Não se identificou, no formulário, com a indicação da sua sede, nem com o n.º de identificação fiscal, mas na procuração a favor da mandatária subscritora consta o NIF 000000000. A procuração data de 02/01/2019. A pessoa que subscreveu a procuração está identificada como JM. Ainda na procuração consta como sede a morada seguinte: Quinta…, Castanheira do Ribatejo. No documento 3 junto aos autos – uma carta enviada para o autor – consta um carimbo da ré com a morada agora indicada e com o NIF 111111111. A sociedade tem, nesse carimbo, o nome corre R – do, SA. No formulário da contestação, aparece a referência a multa de 163,20€ do art. 139 do CPC, que é 40% do valor de 408€ da taxa de justiça paga.

              A 20/10/2021 foi proferido o seguinte despacho:

         No âmbito dos presentes autos foi a ré citada para contestar no prazo de 30 dias a acção que lhe foi proposta pelo autor. Tal citação ocorreu por via postal, com a assinatura do aviso de recepção ocorrida em 20/07/2021.

         Nos termos do artigo 138/1 do Código de Processo Civil o prazo processual estabelecido na lei é contínuo, suspendendo-se, no entanto durante as férias judiciais.

         Considerando que a citação ocorreu durante o período de férias judiciais, tem-se tal ato validamente realizado na data constante do aviso de recepção – artigo 137/2 do CPC – mas o prazo para apenas se inicia após férias judiciais, o que no caso dos autos significa que o prazo para a apresentação da contestação se iniciou em 01/09/2021.

         Conclui-se, por isso, que terminou em 30/09/2021.

         A ré apresentou a sua contestação em 07/10/2021, não tendo alegado qualquer justo impedimento, sendo certo que face ao período de tempo decorrido desde o termo do prazo também já não era possível fazer uso da prerrogativa concedida pelo artigo 139/5 do CPC.

         Face ao exposto, não se admite a contestação apresentada, porque extemporânea, determinando-se o seu desentranhamento.

         Notifique.

         Após trânsito, notifique nos termos do artigo 567/2 do CPC.

              A 04/11/2021, a ré recorre deste despacho – para que seja anulado e substituído por outro que julgue tempestiva a apresentação da contestação, recebendo-a, remetendo-a para o Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira, e ordenado o prosseguimento da instância -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) O tribunal a quo não concedeu à ré a possibilidade de aduzir as suas razões perante um enquadramento legal e que poderiam ter sido consideradas.

b) A ré é uma sociedade comercial com sede na Quinta…, Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, facto que deveria ter sido consultado pela secretaria do tribunal, antes de ter procedido a citação.

c) O tribunal a quo deveria ter remetido os autos para o tribunal geograficamente competente, ou seja, o Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira.

d) O tribunal a quo limitou-se a invocar a ausência do instituto do justo impedimento.

e) O prazo para apresentação da contestação é possível, considerando que a citação não foi dirigida nem recebida na sede da ré mas sim noutro concelho.

f) A contestação foi apresentada em tempo, tendo o tribunal a quo feito uma errada aplicação do art. 245/1-b do CPC e cometido uma flagrante injustiça material.

              Juntou uma certidão permanecente da sociedade ré, com a sede na morada indicada pela ré e com três membros do Conselho de Administração, um deles o signatário da procuração e os outros dois com nome que não é o do signatário do a/r.

              O autor não contra-alegou.

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              Questão a decidir: se a contestação foi apresentada a tempo.

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              Os factos que importam para esta decisão são os que constam do relatório supra, dos quais decorre que a sede da ré é a que consta do certificado permanente por ela apresentado, e não a que foi indicada pelo autor, a que se adita o seguinte:

              O relator desde acórdão fez várias pesquisas dos elementos públicos da sociedade ré em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx

              Na pesquisa feita com a identificação que consta da petição inicial pelo autor, não aparece nenhum resultado. Se for feita com a identificação tal como consta do carimbo da sociedade, aparecem 26 resultados referentes a esta sociedade, através dos quais é possível obter uma quantidade significativa de dados, entre eles a morada da sede da ré que consta do certificado permanente. A que foi feita só com o n.º de contribuinte da ré que consta do carimbo, mostrou aqueles mesmos 26 resultados. A feita com o n.º de contribuinte que consta da procuração apresentada pela ré, dá resultados referentes a uma outra sociedade (A-S.A.)

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              Observações preliminares:

              I – O autor não cumpriu o disposto no art.552/1-a do CPC: Na petição, com que propõe a acção, deve o autor: a) Designar o tribunal e respectivo juízo em que a acção é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, obrigatoriamente, no que respeita ao autor, e sempre que possível, relativamente às demais partes, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho;

              Podia-o ter feito com um mínimo de diligência instrutória, designadamente tendo em vista o disposto no art. 552, nºs. 2 e 3 do CPC, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei  97/2019, de 26/07, em vigor desde 16/09/2019.

              Se o tivesse feito, ter-se-iam evitado as vicissitudes reportadas neste acórdão.

              II – A falta de cuidado repete-se na ré, que também não se identifica com o n.º de contribuinte, nem com a indicação da sua sede, ao menos no formulário, e ao juntar uma procuração onde o n.º de contribuinte da ré está errado (o que terá de ser corrigido).

              III – Não tem lógica, na versão da ré, o pagamento de 40% da taxa de justiça, pelo que, pelo menos a coerência da versão da ré fica em causa: se a ré tinha uma dilação de 5 dias para contestar, então o prazo só terminaria no dia 05/10/2021, que é feriado, pelo que o termo passaria para o dia 06 e o dia 07 seria apenas o 1.º dia útil depois do prazo, o que levaria a uma multa de apenas 10% da taxa de justiça (art. 139/5 do CPC), e não dos 40% pagos pela ré que corresponde ao 3.º dia útil-

              IV – A conclusão da ré, ao referir que o tribunal a quo deveria ter remetido os autos para o tribunal geograficamente competente, não tem qualquer razão de ser, porque um recurso não pode fazer as vezes de uma excepção de incompetência territorial e esta não é de conhecimento oficioso pelos tribunais de recurso, como decorre do art. 104/3 do CPC. Para além de que tal conclusão não tem qualquer suporte no corpo das alegações e por isso nem sequer poderia ser considerada (art. 639/1 do CPC).

              V – Se, apesar das erradas indicações do autor, a secção de processos tivesse cumprido o art. 246/2 do CPC, as ocorrências que deram lugar a este processo não teriam ocorrido, e poupar-se-ia tempo e trabalho a todos os intervenientes processuais.

              VI – Como o recurso não tem efeito suspensivo e por isso mesmo é que subiu em separado, o despacho recorrido não podia determinar que se aguardasse o trânsito do despacho.

              Posto isto,

                                                                 *

              O art. 246/1-2 do CPC dispõe que:

         Citação de pessoas colectivas:

         1 – Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas colectivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.

         2 – A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º [a carta para citação por via postal] é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

              As sociedades comerciais, como pessoas colectivas sujeitas a registo comercial obrigatório, têm inscrição obrigatória no ficheiro central das pessoas colectivas, o que resulta do facto de estarem sujeitas a registo comercial obrigatório e por isso serem oficiosamente inscritas em tal ficheiro, o que resulta também do facto de estarem sujeitas a inscrição no FCPC a sua constituição e depois a alteração da localização da sua sede (artigos 4/1-a, 6, 11 do DL 129/98, de 13/05, e artigos 1 e 3/1-a-o do Código do Registo Comercial).

              Como tal a carta para citação da ré tinha de ser enviada, pela secção de processos do tribunal, para a sede da sociedade, sede essa a confirmar pela secção no ficheiro central das pessoas colectivas (o que normalmente a secção fará através do citius), e não para a “sede” indicada pelo autor (tarefa que estava dificultada dada a forma errada como a ré foi identificada).

              Se a sede da ré estivesse localizada “fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção”, a sociedade beneficiaria de um prazo de dilação de 5 dias (art. 245/1-b do CPC).

              Segundo o anexo II da Lei da Organização do Sistema Judiciário, Lei 62/2013, de 26/08, na sua 12ª versão tal como publicada no sítio da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, a comarca de Lisboa Norte tem sede em Loures e a sua circunscrição abrange os municípios: Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, Loures, Lourinhã, Odivelas, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira.

              Segundo o anexo I da Lei 86/2016, de 27/12, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte tem a sua sede em Loures e a sua área de competência territorial nos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, Loures, Lourinhã, Odivelas, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira.

              O Juízo local cível de Loures, tem a sua área de competência territorial limitada aos municípios de Loures e Odivelas. O Juízo local cível de Vila Franca de Xira, tem a sua área de competência territorial nos municípios de Arruda dos Vinhos e Vila Franca de Xira

              A acção pende no tribunal judicial da comarca Lisboa Norte. A sede deste tribunal é em Loures. A circunscrição da competência territorial do tribunal judicial desta comarca abrange o município de Vila Franca de Xira.

             Castanheiro do Ribatejo é parte da União das Freguesias de Castanheira do Ribatejo e Cachoeiras, do município de Vila Franca de Xira, logo está abrangida na circunscrição da área de competência territorial do tribunal judicial da comarca de Lisboa Norte, apesar de também estar abrangida na área de competência territorial do Juízo Local cível de Vila Franca de Xira. É que um juízo não é um tribunal, é um juízo desse tribunal.

              Portanto, a ré não tem razão nesta argumentação, já que não é por aqui que beneficia da dilação de 5 dias do art. 245 do CPC. Isto é, mesmo que a carta tivesse sido enviada para a sede da ré, esta não beneficiaria de dilação.

                                                                 *

              O despacho recorrido só considera o prazo de contestação, não o de dilação.

              Isto só pode ser assim, porque, a contrario, considera que a ré foi citada na sua própria pessoa (art. 245/1-a do CPC).

              Mas a pessoa colectiva/sociedade só se considera citada na sua própria pessoa quando é citada na pessoa dos seus representantes legais (art. 223/1-3 do CPC), ou quando é citada na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.

              Ora, o despacho recorrido não tinha elementos para dizer que a ré foi citada na pessoa do seu representante legal, ou na pessoa de qualquer empregado que se encontrava na sua sede ou local onde funcionava normalmente a administração.

              Até porque se sabe que que o signatário do a/r não é legal representante da ré e a sede da ré não é no local indicado e o autor não disse que o local indicado era o local onde funcionava normalmente a administração da ré.

              Assim, o despacho recorrido não podia – nem pode este tribunal – dizer que a ré foi citada na sua pessoa, o que é o mesmo que dizer que a ré se tem de ter por citada em pessoa diversa, e por isso tem aplicação a dilação de 5 dias do art. 245/1-a do CPC.

              (sobre tudo isto, veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, edição de 2017, reimpressa em 2021, Almedina, páginas 438 a 441, 443 a 447 e 491 a 496, de anotações aos artigos 223, 225, 245 e 246 do CPC).

                                                                 *

              Portanto, o prazo era de 30 dias, mas tinha que ser acrescido de 5 dias de dilação.

              Começando a contar-se de 01/09/2021, terminava, como já se disse acima, no dia 05/10/2021, que é feriado, pelo que o termo passaria para o dia 06 (art. 138/2 do CPC) e o dia 07 seria apenas o 1.º dia útil depois do prazo.

              Ora, segundo o art. 139/5-a do CPC, “Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos: a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC;”

              Pelo que, a contestação podia ser apresentada em 07/10/2021, com o pagamento de uma multa de 10% do valor da taxa de justiça, sendo que a ré até pagou mais que o valor dessa multa.

              Assim, a contestação estava em tempo.

                                                                 *

              O voto de vencido incorre em dois equívocos.

              Nas páginas citadas da obra de Lebre de Freitas e de Isabel Alexandre, estes autores estão a referir-se, claramente, à equiparação da citação da pessoa do empregado que se encontre na sede ou no local onde funciona normalmente a administração com a citação na pessoa do seu representante. Ou seja, tudo o que é dito na anotação 6 tem por pressuposto a questão tratada na anotação 5.

              Ora, o que se passa no caso dos autos é que não se pode dizer que a pessoa que recebeu a citação – que se sabe não ser de certeza nenhum dos administradores da ré (logo não se aplica o art. 223/1 do CPC) – se encontrava na sede ou no local onde funcionava normalmente a administração.

              Não se podendo dizer isto, cai-se necessariamente na situação oposta ao art. 223/3 do CPC, pelo que não se se pode dizer que se verificou a citação quase pessoal.

              O caso da citação quase pessoal, previsto no art. 223/3 do CPC pressupõe a prova, pela positiva, dos elementos que preenchem a sua previsão. Na dúvida não se pode dizer que eles estão preenchidos.

              Assim, aplica-se necessariamente a dilação do art. 245/1-a do CPC.

              O 2º equívoco do voto de vencido é o pressupor que o objecto do recurso é apenas a apreciação das razões apresentadas pela ré nas conclusões do recurso.

              O objecto do recurso é a decisão recorrida.

              A decisão recorrida considerou que a contestação tinha sido apresentada fora do prazo.

              O objecto do recurso é saber se a decisão recorrida, com os elementos que constam dos autos, estava certa ou não.

              E para decidir isto o tribunal de recurso tem de ter em consideração todas as normas do CPC que dizem respeito ao tempo que a ré tem para apresentar a contestação.

              O facto de a ré ter dito que beneficiava da dilação ao abrigo do art. 245/1-b do CPC, não limita o objecto do recurso ao de saber se a ré tinha razão nesse argumento, isto é, não impede que o tribunal de recurso, sem sujeição às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5/3 do CPC), averigúe se a dilação não se podia aplicar por outra via.    

              Não se trata, pois, de averiguar-se oficiosamente da nulidade da citação, nulidade de que, aliás, o acórdão não falou, mas sim de saber se, por outra razão (mas ainda relativa ao tempo) a contestação estava em tempo.

                                                                 *

              Pelo exposto, embora com fundamento parcialmente diverso, julga-se o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido, que é substituído por este que considera tempestiva a contestação apresentada, devendo os autos prosseguir os seus termos normais subsequentes à contestação.

              Custas, na vertente de custas de parte, pelo autor (que é quem perde o recurso).

              Lisboa, 10/02/2022

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.ª Adjunta (com voto de vencida em anexo)

          Voto vencida, por considerar que o recurso não merece provimento, discordando da posição adotada no acórdão, na parte em que considerou ser aplicável a dilação de cinco dias prevista no art. 245.º, n.º 1, al. a), do CPC.

             É certo que o n.º 1 do art. 246.º do CPC manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto nas subsecções anteriores à citação de pessoas coletivas, em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção.

              Mas a referida alínea a) do n.º 1 do art. 245.º, nos termos da qual ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, tem como pressuposto que a citação tenha sido efetuada com observância das formalidades prescritas na lei, em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do art. 228.º e dos n.ºs 2 e 4 do art. 232.º, o que, no caso, não ocorreu.

              Acompanho a posição de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no “Código de Processo Anotado”, Volume 1.º, 4.ª edição, Almedina, págs. 440-441, em anotação ao art. 223.º, quando, a propósito da questão de saber qual o alcance da equiparação da citação na pessoa do empregado de pessoa coletiva ou sociedade à citação na pessoa do representante (ou seja, tratar-se de verdadeira citação pessoal ou de citação quase-pessoal), afirmam que tal citação se tem “como verdadeiramente pessoal, estendendo para o efeito ao empregado o conceito de representante”, acrescentando ainda que “(D)e qualquer modo, nunca seria de ter por aplicáveis ao caso disposições como as dos arts. 228-2 (necessidade da declaração de estar em condições de entregar prontamente a carta ao citando), 228-4 (advertência do dever de pronta entrega ao citando), 233 (envio de carta registada ao citando, advertindo-o de que a citação se fez na pessoa de terceiro) e 245-1-a (dilação de cinco dias quando a citação é realizada em pessoa diversa do réu), disposições estas que, de acordo com a sua própria letra, têm o âmbito de previsão definido pelos arts. 228-2 e 232, nºs 2-b e 4.”

              A citação da Ré foi efetuada através de carta de modelo simplificado, em que consta, além do mais, que “Se esta carta se dirige a uma pessoa e não a uma entidade e se o aviso de receção foi assinado por outra pessoa, o prazo aumenta 5 dias”. A carta foi recebida por um empregado (não se sabe de que sociedade) que não se encontrava na sede da (“entidade”) Ré, sendo certo que tal carta não se destinava a efetuar a citação da Ré na pessoa do seu legal representante, nos termos do art. 223.º, n.º 1, do CPC (tão pouco se estando perante a situação especial a que se referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, na obra citada, pág. 441, do ato de citação praticado na pessoa e no escritório de um agente da ré, sociedade de direito estrangeiro, habilitado pela lei local a receber citações).

              É verdade que não temos elementos para afirmar que tal empregado era funcionário da Ré e se encontrava no local onde funciona normalmente a sua administração – caso em que a citação teria sido regularmente efetuada e não haveria dilação nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 245.º do CPC. Mas também não parece que tenhamos elementos para supor o contrário, nada tendo a Ré, dentro do prazo da Contestação, vindo dizer a esse respeito, designadamente que a carta foi recebida por um “funcionário de outra sociedade” (conforme refere no art. 4.º da alegação de recurso) e/ou que o foi por empregado em local diferente da sua sede ou local de funcionamento normal da sua administração, sem observância do disposto nos artigos 246.º e 223.º do CPC; logo, uma eventual nulidade da citação, não sendo de conhecimento oficioso, teria ficado sanada – continuaria a não haver lugar à dilação nos termos da alínea a) do n.º 1 do referido art. 245.º.

              A Ré tão pouco veio suscitar o incidente de justo impedimento. Aliás, além de não ter suscitado uma (eventual) nulidade da sua citação, até se identificou, no formulário do Citius da Contestação, indicando como sua a morada “Rua… Bobadela”.

              De salientar que, na sua alegação de recurso, a Ré nem sequer produz argumentação que justifique convocar a seu favor o disposto no art. 157.º, n.º 6, do CPC, pois apenas sustenta que se tivesse citada na morada da sua sede, que pertence ao concelho de Vila Franca de Xira e não ao concelho de Loures, teria beneficiado da dilação de 5 dias e que “atuou na convicção da dilação prevista no art. 245.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil” o que, como bem se afirma no acórdão, não era o caso, sendo manifesto o equívoco da Ré a este respeito.

              Assim, dada a inaplicabilidade da dilação prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 245.º do CPC ao caso em apreço, o despacho recorrido não merece, a meu ver, censura e devia ter sido confirmado.