Embargos de executado  – Juízo de Execução de Almada

              Sumário:

              Falta título executivo, que deve levar à rejeição da execução (art. 734 do CPC), com prejuízo do conhecimento do recurso contra a sentença de embargos recorrida, quando os exequentes pretendem fixar uma sanção pecuniária compulsória relativamente a uma obrigação infungível que não consta da sentença que deram à execução (relativa a uma obrigação fungível).

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              A 27/09/2011, I e B [autores] intentaram uma acção com processo ordinário com o n.º 2276/11.9TBMTJ, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo contra JA e JO [réus].

              No decurso da audiência final da acção, as partes entenderam pôr termo ao litígio nos termos que se seguem, acordo esse que foi homologado por sentença proferida na acta daquela audiência de 30/01/2013:

         “1. – Os réus comprometem-se a construir ao longo do muro poente, que veda a sua moradia, e junto do mesmo pela parte interior da sua propriedade, um meio de escoamento adequado à saída das águas retidas na propriedade dos autores, utilizando para o efeito, nomeadamente, um tubo hidráulico com o diâmetro e à profundidade adequada à passagem das águas dos autores, ficando o mesmo enterrado em termos de possibilitar a saída das águas para norte, para a vala da partilha;

       2 – Os autores comprometem-se a desviar as suas águas para a entrada do tubo de escoamento, previsto no número anterior, tomando os meios adequados, nomeadamente, modelando o terreno e protegendo o muro dos réus, nomeadamente, com manilhas cortadas para que as suas águas vertam directamente no local de entrada do escoamento a construir pelos réus, e previsto no número anterior;

      3. – Autores e réus suportam cada um as despesas inerentes às obras que se comprometem a executar;

         4. – Os réus comprometem-se, no prazo de 15 dias, a requerer o licenciamento necessário à sua obra, e iniciá-la no prazo de 30 dias, a contar da data do deferimento do pedido, sendo que, do requerimento e do deferimento, deverá a mandatária dos réus informar o mandatário dos autores;

      5. – Os autores comprometem-se a iniciar a sua obra logo que a obra dos réus esteja em conformidade e o tempo o permita, prevendo-se que seja executada no próximo mês de Agosto;

            6. – As partes renunciam ao direito de recorrer da sentença que homologar a presente transacção;

         7. – Os autores desistem do pedido de indemnização que haviam formulado na acção, e os réus desistem do pedido reconvencional formulado na contestação;

            8. –  Sem custas.”

              A 23/07/2014, os autores requereram execução daquela sentença, nos próprios autos, “sem” despacho liminar, para prestação de facto “infungível”, contra os réus, pedindo:

         1.º Devem os executados ser condenados a pagar, nos termos previstos nos nºs. 1 e 2 do art. 829-a do CC, 50€ por cada dia decorridos que estejam mais dois meses após a sua citação, caso não apresentem o projecto da obra na CMM os requisitos definidos no ponto 1.8 do doc. B pois só desse modo se garante aos exequentes que a obra representa o meio adequado ao escoamento das águas como está há muito determinado pela sentença exequenda, sendo o prazo fixado mais do que suficiente para esse efeito e o quantitativo fixado o adequado à eficácia do requerido.

         2.º – Para conhecimento da apresentação do projecto na CMM pelos executados, nos precisos termos constantes no teor do ponto 1.8 do doc. B [trata-se de um parecer de um chefe de divisão da CMM com data de 04/12/2013, mais concretamente, de um subponto da introdução/análise; na parte da proposta consta, no ponto 2.1.1: “que o Sr. JO […] seja informado sobre os pontos 1.5., 1.6, e 1.7, proceda à apresentação tão breve quanto possível e no prazo máximo de 2 meses, de um projecto que atente aos valores e interesses urbanísticos que lhe cumpre salvaguardar, verifique todas as condições para um adequado escoamento das águas pluviais retiradas na propriedade localizada a sul” – parenteses deste TRL], devem os executados informar o tribunal para conhecimento dessa entrega e do cumprimento desse ponto 1.8, absolutamente necessário para se aferir do mérito do projecto e garantir que os serviços da CMM não usem critérios vagos e subjectivos que já deram mostrar aplicar (caso da obra já executada e teor da notificação da CMM);

         3.º – Devem os executados ser condenados na quantia acima mencionada por cada dia que decorra após um mês no caso de o projecto não respeitar o mencionado ponto 1.8 e forem notificados para o corrigir e não o corrijam, pois os executados já apresentaram um arremedo de cumprimento e por toda a sua má-fé espelhada já sua conduta por acção e por omissão, tudo levará a crer que o poderão voltar a fazer (com o eventual beneplácito dos serviços da CMM);

         4.º – Devem os executados, no caso previsto no na conclusão anterior, dar o mesmo conhecimento previsto no 2.º pedido

              Alegaram o seguinte:

         1 – No despacho sentença que já transitou os executados obrigaram-se a “construir ao longo do muro poente que veda a sua moradia e junto do mesmo pela parte interior da sua propriedade, um meio de escoamento adequado à saída das águas retidas na propriedade dos autores […] ficando o mesmo enterrado em termos de possibilitar a saída das águas para norte, para a vala de partilha – vide acta, ponto 1 (doc. 1 junto ao doc. A);

         2 – Os executados não executaram um meio adequado a tal fim, pelo que os exequentes reclamaram junto da CMM nos termos que constam no doc. A (instruído com 3 documentos) que se dá por integralmente reproduzido e que em síntese reclamam: i) contra a obra feita pelos executados; ii) contra o crime ambiental que constitui a retenção das águas e iii) a obra construída pelos executados não devia ter sido autorizada pela deferida pela CMM;

         3 – Como consta do mesmo documento (acta) os exequentes cumpriram a sua parte do despacho/sentença: “… desviaram as águas para a entrada do tubo de escoamento referido no número anterior – veja-se ponto 2 do despacho/sentença doc. A, doc.1 2/3;

         4 – Para não alongar esta exposição que se quer sucinta (daí se remeter para a leitura do doc. A), o resultado dessa reclamação para a CMM está espelhada no teor do doc. B que se dá como reproduzido mas que do qual se destacam os pontos seguintes:

i) 1.6. (fl. 2/3) “(…]. Para o efeito conclui-se que os referidos trabalhos realizados por JO não asseguram escoamento para as águas pluviais e nesta ordem de razão não dão resposta positiva à decisão judicial (processo 2276/11.9TBMTJ);

ii) 1.8. folha seguinte do mesmo doc. B “Perante esta verificação directa e para que seja elaborada análise fundamentada, tecnicamente verificável, deve o Sr. JO apresentar um projecto de drenagem de águas pluviais do terreno localizado a sul, complementado por levantamento topográfico de toda a bacia hidráulica a drenar, integrando os cálculos que justifiquem uma solução técnica viável para assegurar um meio de escoamento adequado à saída das águas retidas na propriedade localizada a sul. O projecto deve ser subscrito por técnico profissional legalmente habilitado para o efeito, instruído com correspondente termo de responsabilidade e deve conter a definição pormenorizada do sistema hidráulico projectado, incluindo cálculos hidráulicos relativos a cada um dos elementos da obra, apresentados de modo a justificar a solução técnica a adoptar;

         5 – Muito apreensivos ficaram os exequentes quando o responsável máximo dos serviços da CMM, …, em lugar de notificar cabalmente o executado marido de que projecto devia apresentar o que no ponto anterior se reproduz, propôs notificar o executado nos termos que constam no doc. C para o qual se remete, foi notificado para que apresentasse “tão breve quanto possível, no prazo máximo de 2 meses, de um projecto que atento aos valores e interesses urbanísticos que lhe cumpre salvaguardar, verifique todas as condições para uma adequado escoamento das águas pluviais retidas na propriedade localizada a Sul” (sic), (embora o mesmo confirme que “os referidos trabalhos realizados por JO, não asseguram escoamento para as águas pluviais e nesta ordem de razão não resposta positiva à decisão judicial (processo 2276/11.9TBMTJ”),

         6 – Com [a] referida notificação o executado ficou liberto de cumprir todo o repositório técnico constante no ponto 1.8 do doc. B (fl. 2/3), ao apresentar o projecto de construção da obra, pois bastava-lhe respeitar os tais “valores e interesses urbanísticos que lhe cumpre salvaguarda”;

         7 – Os exequentes requereram ao Sr. Presidente da CMM que mandasse completar a notificação ao executado do que ignoram se foi ou não feita, pelo que tomaram a iniciativa de os notificar judicialmente sobre o teor do tal ponto 1.8 – tão importante e tão esquecido… – como se constata no doc. D, que se dão como reproduzidos e cuja leitura dispensa qualquer reprodução – foram notificados os dois executados dos requisitos a cumprir no projecto a apresentar junto da CMM para a obra do escoamento das águas pluviais.

         8 – Nos termos da al. a) do nº. 1 do art. 1 e art. 14/1 do DL 445/91 de 20/11 é indispensável o projecto e só os executados o podem apresentar à CMM, condição sine non para se realizar a obra adequada ao escoamento das águas, nos termo bem definidos pela sentença exequenda.

         9 – Os exequentes não podem substituir-se aos executados na apresentação do projecto pois não são os proprietários do imóvel onde ficará implantada a obra – art. 14/1 do DL 445/91 (outra realidade será quando o projecto da obra for aprovado e esta não for efectivada pelos executados)

         DIREITO:

         10 – A obrigação que cabe aos executados é o cumprimento de uma prestação de facto infungível, pois os exequentes estão legalmente impedidos de apresentar o projecto para a construção da obra de “um meio de escoamento adequado à saída das águas retidas na propriedade dos autores (…) ficando o mesmo enterrado em termos de possibilitar a saída das águas para norte, para a vala de partilha – vide acta, ponto 1 (doc. 1 junto ao doc. A – art. 14/1 do DL. DL 445/91 – cujo modo de obrigar a cumprir aos executados consta no art. 829-A do CC e tendo em conta o disposto no art. 2/2 do CPC os exequentes pretendem coercivamente obrigar os executados a apresentar o mencionado projecto na CMM com os requisitos técnicos que constam nos documentos já citados (ponto 1.8 a fl. 3/3 do doc. B) o que até ao momento não fizeram.

         11 – Desde a notificação pala CMM estão decorridos pelo menos 8 meses (estamos no fim de Agosto de 2014 e a carta da CMM foi expedida em 13/12/2013 – doc. c fl. 2/3) e 5 meses após a notificação judicial – (doc. D, fls. 1 e 2);

         12 – Os executados não podiam ignorar que a obra realizada não cumpria o comando da sentença exequenda, tão grosseira é a sua execução.

         13 – Os executados são responsáveis pelo crime ambiental que cometeram quando construíram o “dique” – o muro da sua propriedade – que impossibilitou a passagem das águas do terreno dos exequentes para “a saída das águas para norte, para a vala de partilha ” (com gravíssima omissão por parte da CMM) e com tal conduta causam sérios prejuízos aos exequentes, por não poderem cultivar a sua propriedade além de a danificarem.

              Terminam requerendo que os executados sejam citados para os devidos efeitos, seguindo-se os ulteriores termos, até final.

              Dizem juntar, como prova, os três documentos juntos – A, B e C – que dizem que seguem sob registo, dada a falta de capacidade da plataforma do citius; estes documentos estão juntos no cituis com 3 requerimentos de 23/06/2015 e são 4 documentos: A, B, C e D…].

             Depois, na parte da liquidação, indicam o valor líquido como sendo de 0,1€ e dizem: a liquidação, porque se trata de obrigação infungível (art. 829-A do CC) será posteriormente fixada por despacho do Sr. juiz (indica-se o valor 0,1€ porque o sistema não permite avançar se não se introduzir qualquer dado e tão só para esse efeito).

              A 17/09/2014, os executados deduziram oposição, dizendo, em síntese, que cumpriram a sua parte do acordo homologado; os exequentes é que ainda não cumpriram a sua parte do acordo; os executados cumpriram, também, o que lhes foi notificado para fazer pela CMM, isto é, a apresentação do projecto referido no requerimento executivo.

              Por razões aparentemente relacionadas com o funcionamento do habilus/citius, apenas em 07/09/2015 foi dado seguimento à oposição.

              A 29/09/2015, os exequentes contestaram dizendo que as obras que os executados fizeram não possibilitam a recepção das águas do prédio dos exequentes apesar destes terem adoptado o seu terreno para que a água pudesse ser recebida nos tubos colocados pelos réus, de modo a correr por ele até à vala de partilha, como corria antes de os réus terem construído a sua moradia, elevando o nível do seu terreno.

              Depois de uma tentativa de conciliação, em 10/03/2016, de a 25/05/2017 ter sido finalmente proferido despacho saneador, e de várias outras peripécias, a 12/11/2018 foi finalmente junto um relatório de uma perícia mandada efectuar, complementado a 13/02/2019 por respostas dos peritos a esclarecimentos pedidos pelas partes; sem mais nada, apenas em 04/09/2020 se iniciaram diligências para marcação de julgamento, que só foi marcado a 07/01/2021 para 07/04/2021, tendo-se prolongado para 28/04/2021 e 03/05/2021.

              A 09/09/2021 foi proferida sentença, julgando os embargos procedentes por provados e consequentemente absolvendo os executados do pedido executivo, com todas as legais consequências.

              Os embargados recorrem desta sentença – para que seja revogada  terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

              1 – O acordo homologado em 30/01/2013, ao abrigo do art. 300/3 do CPC61, apenas foi homologatório da vontade das partes, verificando a regularidade formal do acordo e se a relação jurídica era disponível, tornando o seu cumprimento obrigatório para as partes

              2 – Daí que o prédio dos embargantes está sujeito a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem do prédio dos embargados, prédio superior, e não podem fazer obras que estorvem o seu escoamento e os embargados, donos do prédio superior, não podem fazer obras capazes de o agravar, ou seja tudo a que estavam obrigados a cumprir nos termos dos nºs 1 e 2 do art.1351 do Código Civil.

              3 – O CC, naturalmente, não define quando existe um “escoamento natural das águas” entre prédios limítrofes, como cada proprietário deve agir para cumprir o seu dever, mas o certo é que há liberdade entre os vizinhos de se poderem entender, dentro do princípio da liberdade contratual “e dentro dos limites da lei”, como podem ser recebidas e encaminhadas as águas entre os seus prédios. – art. 405/1 do CC.

              4 – Como havia um litígio, os embargados entenderam aceitar a proposta dos embargantes por séria e seria vantajosa, pela brevidade na obtenção do fim do litígio, o senso comum recomenda: “mais vale ruim acordo…”

              5 – Os embargantes não cumpriram os termos do nº 1 do acordo, porque o tubo não foi colocado à cota devida e não era um meio de escoamento adequado à saída das águas retidas na propriedade dos autores, porque os embargados continuavam a ter a sua propriedade alagada,

                   (…) construir ao longo do muro poente, que veda a sua moradia, e junto do mesmo pela parte interior da sua propriedade, um meio de escoamento adequado à saída das águas retidas na propriedade dos autores, utilizando para o efeito, nomeadamente, um tubo hidráulico com o diâmetro e à profundidade adequada à passagem das águas dos autores, ficando o mesmo enterrado em termos de possibilitar a saída das águas para norte, para a vala da partilha – o nº1 do acordo.

                   Cfr. resposta quesitos 5 e 6 págs 22/29 e 23/29 do relatório.

              6 – Os embargados cumpriram a sua parte do acordo desviando as suas águas para a entrada do tubo de escoamento, tomando os meios adequados, nomeadamente, modelando o terreno e protegendo o muro dos réus, nomeadamente, com manilhas cortadas para que as suas águas vertam directamente no local de entrada do escoamento a construir pelos réus, e previsto no número anterior possibilitando a entrega das suas águas aos embargantes, sem agravar a sua recepção ao fazer a sua entrega – nº 2 do acordo.

              Cfr. resposta quesitos 3 e 4 páginas 20/29 e 29/29 do relatório.

              7 – No caso concreto do acordo os embargantes respondem perante os embargados somente porque as águas continuaram retidas no seu terreno e não pela escolha das obras que indicaram com dada finalidade, mas só e em primeiro lugar pelo dever de receber as suas águas, tal como sucederia aos embargados, perante os embargantes, se agravassem esse recebimento – nº1 e 2 do art. 1351 do CC.

              8 – Os embargados não podem proceder ao aterro do seu terreno para colocá-lo ao nível do aterro do prédio dos embargantes porque não está isolado, tem vizinhos a montante de cujos prédios recebem as águas que se misturam com as suas, e é notório que lhes causavam danos com as retenções das suas águas, como eles próprios suportaram e continuam a suportar dos embargantes – n.º 2 do art. 257º do CC e n.º1 do art. 412º do CPC.

              9 – Daí que o significado “modelando o terreno” que é definido/explica-do/justificado pelo perito dos embargados que releva o facto de ter de se respeitar “o modelo de escoamento natural obedecendo às cotas primitivas, anteriores às obras dos réus”, quando os embargados ajeitam o seu terreno para fazer a entrega das suas águas na propriedade dos embargantes (no tubo), o que os trabalhadores agrícolas sempre fizeram para guiar as suas águas nas suas regas – cfr. pág. 27/29 do relatório.

            10 – O exposto na conclusão 8ª., é confirmado pelo despacho da Srª juiz que quando homologou o acordo, não exigiu a intervenção dos vizinhos dos embargados, porque os embargados respeitavam as cotas desde os tempos imemoriais existentes, ao desviar as suas águas, para fazer a sua entrega na entrada do tubo dos embargantes se estivesse “enterrado”, e não é com certeza colocado à cota a (cerca de 0,70m) acima da cota natural da linha de água que se pode se considerar como estando enterrado – art. 412.º/1 do CPC resposta ao quesito 5 pág. 22/29 das respostas aos quesitos.

              11 – Consoante a complexidade do dever de receber as águas ou do dever de as entregar assim caberá aos proprietários tomar as medidas concretas mais ou menos complexas e/ou onerosas de cumprir o seu dever nos termos do artigo 1351º do CC, não sendo vedado pelas boas relações de vizinhança ou outras, ser aliviadas pelo outro proprietário nessa obrigação, e até que formalizá-la nos termos do art. 405º do CC., porque a lei não o proíbe.

              12 – Como se referiu na conclusão 4ª., os embargados acreditando no fim breve do litígio aceitaram a proposta dos embargantes nos termos já conhecidos, passando ser sua obrigação entregar-lhes as suas águas no tubo enterrado, facilitando-lhes assim o seu recebimento quando escolheram o local, águas que depois seriam escoadas para Norte, para a vala da partilha – nº1 do Acordo.

              13 – Conhecendo os embargantes que o terreno onde construíram a sua moradia era muito plano “e que apresentava algumas valas/regueiras interiores que facilitavam o escoamento das águas, encaminhando-as para outras valas e finalmente para a linha de água, os embargados para lhes facilitar o recebimento das suas águas e porque se obrigariam, nomeadamente a

              “(…) construir…  um meio de escoamento adequado à saída das águas retidas na propriedade dos Autores, utilizando para o efeito… um tubo hidráulico com o diâmetro e à profundidade adequada à passagem das águas dos autores, ficando o mesmo enterrado em termos de possibilitar a saída das águas para norte, para a vala da partilha (nº1 do acordo),

              e aceitaram

              “ desviar as suas águas para a entrada do tubo de escoamento… tomando os meios adequados, nomeadamente, modelando o terreno…. para que as suas águas vertam directamente no local de entrada do escoamento a construir pelos réus…..”,

              e cumpriram, respeitando as cotas do terreno modelando-o em termos de poder fazer a entrega das suas águas, se o tubo dos embargantes estivesse no lugar apropriado, respeitando as cotas existentes ao tempo da construção do seu imóvel – ”.- cfr. pág. 8/29 último §, 23ª linha pág. 21/29 do relatório dos Senhores Peritos.

              14 – Constam a fls. 10/29 e 11/29 das “Condições Gerais Prévias” do relatório pericial fotografias do conglomerado onde está inserido o terreno dos embargados, em vasta área, e não é aceitável para quem sempre guiou as suas águas à cota dos tempos imemoriais (há fotos nos autos onde se constata que os embargados são agricultores) que alguma vez pudessem pensar ter de aterrar a sua courela para a nivelar com o aterro da moradia para poder levar as suas águas para a entrada do tubo dos embargantes, que devia estar enterrado, ao nível da cota do seu terreno, terreno que era comum antes da construção da moradia dos embargantes, o que, dadas as circunstâncias é notório – n.º1 do art. 412º do CPC.

              15 – Os embargantes não cumpriram o acordo porque, nomeadamente, foi dado como provado por unanimidade pelos peritos que “o (um) tubo hidráulico com o diâmetro e à profundidade adequada à passagem das águas dos autores, ficando o mesmo enterrado em termos de possibilitar a saída das águas para norte, para a vala da partilha”, não possibilitou a saída das águas dos embargados, continuando retidas no seu terreno, violando o n.º1 do acordo homologado, [homologação que] os obrigou a cumpri-lo e art. 1351 do CC. – cfr. resposta aos quesitos 2, pág. 18/29, quesito nº5, pág. 22/29 e quesito nº6, pág. 23/29.

              16 – Como cabia aos embargados cumprir a entrega das suas águas no tubo após a sua colocação no prédio pelos embargantes nos termos do nº 5 do acordo, se dúvidas houvesse sobre o cumprimento por parte dos embargados do acordo tal como estava estipulado no seu nº 2, pois naturalmente o cumpriram respeitando a cota do seu terreno e a cota da moradia antes da sua construção, mas porque os embargantes impossibilitaram a entrega das suas águas dado que o tubo não estava à cota devida (enterrado), nunca os embargados cairiam em mora, mesmo que não cumprissem, por força do n.º1 do art. 792 do CC, porque por culpa dos embargantes que tornaram temporariamente impossível o cumprimento da parte dos embargados.

              17 – Pelo teor das conclusões e sobretudo as duas anteriores – 16 e 17 – é inequívoco que os embargantes não cumpriram o acordo.

                                                                 *

              Foram dados como provados os seguintes factos que importam para a decisão desta questão:

         1 – [Consiste na referenciação do título executivo com a transcrição do acordo homologado por sentença, transcrição que já foi feita acima, no começo do relatório deste acórdão].

         2 – Os embargantes apresentaram, em 06/02/2013, pedido à entidade com competência para o efeito – CMM – no sentido de cumprirem com a sua parte da obrigação decorrente do acordo referido e, para além disso, em momento posterior, a pedido dos embargados, apresentaram na mesma entidade, projecto de drenagem de águas pluviais, em 24/01/2014, subscrito por engenheiro civil, devidamente habilitado para o efeito… (documentos juntos aos autos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

         3 – Após deferimento, a obra foi iniciada em 25/04/2013 e concluída nesse mesmo dia.

         4 – Os embargantes colocaram um sistema de drenagem composto por dois tubos de drenagem.

         5 – Os exequentes não cumpriram a transacção no que tange a “(…) modelando o terreno (…)”.

         6 – Verificaram os peritos que existem dois tubos enterrados mas que os mesmos não possibilitam a saída das águas para Norte, para a vala de partilha, porquanto estejam (no ponto de saída) a uma cota inferior (33,40 metros) à do terreno adjacente (33,53 metros) da própria vala de partilha, e a livre saída das águas está impedida ou obstaculizada por ervas daninhas e falta de limpeza da vala de partilha.

         7 – Os tubos na sua entrada/recolha de águas situam-se na cota de 34 m, sendo que o terreno dos exequentes possui uma depressão com uma área de cerca de 600 m2 com cota inferior a esses 34 m, atingindo a cota mínima de 33,88 m – desnível máximo de 12 cm.

         8 – Os executados desenvolveram um meio de escoamento com tubo hidráulico enterrado junto ao muro poente da sua propriedade, respeitando as cotas do terreno existente, tanto a montante como a jusante e garantindo um desnível de cerca de 60 cm a que corresponde uma inclinação de 1%.

         9 – Os exequentes colocaram meias manilhas de diâmetro 600 milímetros, as quais recolhem e redireccionam/encaminham as águas de uma das valas agrícolas/regueiras existentes para uma caixa de retenção de areias que serve de entrada para os tubos colocados pelos executados.

         10 – As cotas dos tubos não “casam” com as cotas das manilhas e não permitem que essa obra (que competia aos exequentes executarem) cumpra com a finalidade de verter toda a água na entrada dos tubos.

         11 – As manilhas ficam cerca de 26 cm abaixo da cota de montante dos tubos hidráulicos de recepção das águas.

         12 – Foi construída uma caixa de retenção de areias junto dos tubos hidráulicos.

         13 – O terreno que englobava os terrenos dos exequentes e dos executados era um só, muito plano, e que apresentava algumas valas/regueiras interiores que facilitavam o escoamento das águas, encaminhando-as para outras valas e finalmente para a linha de água.

         14 – Um terreno plano ou liso apresenta demasiadas fragilidades no escoamento das águas pluviais e daí terem-se construído interiormente algumas regueiras (ou valas de escoamento), sendo essas regueiras normalmente abertas nos sítios onde as próprias águas trilham desde logo os seus percursos naturais de escoamento e/ou segundo a conveniência do agricultor.

         15 – A construção do aterro e muros pelos executados levou à interrupção da vala agrícola/regueira que direccionava as águas pluviais para a tal vala de partilha.

         16 – Os prédios envolventes (terrenos de cultivo rurais) encontram-se separados (ou delimitados) por valas, as quais têm a função de ajudarem à drenagem superficial e sub-superficial dos terrenos, a qual consiste no escoamento das águas que se acumulam à superfície e sub-superfície do terreno.

         17 – Para tal, o terreno deve ser regularizado (criando-se para tal um declive constante) com orientação para as referidas valas.

         18 – Devem ainda ser criadas valas agrícolas ou regueiras para o escoamento da água acumulada, aumentar a secção de pontes e aquedutos, e limpar, alargar e aprofundar as linhas de água subsequentes.

         19 – O processo de drenagem consiste num processo de escoar e “enxugar” a água de terrenos agrícolas encharcados ou alagados bem como outro tipo de terrenos que tenham excesso de água.

         20 – Essa drenagem do solo consiste num processo de remoção natural do excesso de água que se encontra no solo, através da simples evaporação das águas (40%), do escoamento superficial através de valas (drenos artificiais efectuados no próprio solo) (10%) ou do escoamento sub-superficial ou subterrâneo (sendo este na ordem dos 50%).

         21 – Os prédios dos autos localizam-se numa zona plana, a uma cota média que ronda os 34 ou 35 m.

         22 – Nas proximidades localiza-se a Vala do B, que é a linha de água cadastrada (ou “vala mãe de águas”) mais próxima, que faz o escoamento natural das águas limítrofes (e que compõem a sua bacia hidrográfica), onde se incluem as águas dos terrenos envolventes.

         23 – O escoamento natural das águas pluviais tem o sentido de Sul para Norte, por consequência do terreno dos exequentes para/através do terreno dos executados.

         24 – São visíveis pequenas valas agrícolas facilitando a orientação do escoamento, que confluem para uma vala orientada a Sul-Norte (vala de partilha), a qual liga a uma outra vala de orientação Nascente-Poente, a qual por sua vez tem ligação à Vala do B (linha de água cadastrada sob jurisdição da Agência Portuguesa do Ambiente).

         25 – O terreno dos exequentes é um terreno agrícola, constituído por uma camada de solo arável por cima de areias finas e grossas, com declives baixos e nestas condições a água da chuva infiltra-se, dependendo da capacidade de infiltração e saturação do solo, sendo que por vezes, em períodos mais longos de chuvas, o terreno fica saturado e encharcado.

         26 – Verifica-se no local a existência de uma depressão que sempre existiu onde, em época de chuva, dependendo da saturação do solo, se deposita água temporariamente, necessitando do escoamento adicional através das valas, do escoamento sub-superficial ou subterrâneo entre terrenos adjacentes, fazendo-se este de Sul (terreno dos exequentes) para Norte (terreno do executados).

         27 – A construção do aterro e muros pelos executados levou à interrupção da vala agrícola/regueira que direccionava as águas pluviais para a vala de partilha;

         28 – Os executados edificaram um muro de alvenaria rebocada na separação de propriedades e esse muro, sobretudo o lado Sul, interrompeu a livre circulação das águas depositadas no terreno dos exequentes.

         29 – Anteriormente, o escoamento das águas pluviais fazia-se superficialmente, sub-superficialmente e subterraneamente, encaminhando-se por gravidade, naturalmente para valas e linhas de água, sendo que na zona em particular dos terrenos dos autos, esse escoamento se faz de Sul para Norte.

         30 – As obras de construção de um muro e aterro do logradouro/quintal do terreno dos executados vieram interromper a vala agrícola/regueira que direccionava as águas para a vala de partilha, impedindo o escoamento das águas que saturam ou encharcam temporariamente o terreno dos exequentes, situação que sempre ocorre na época das chuvas.

         31 – As obras no terreno dos exequentes permitem o desvio para Poente das águas recolhidas pela vala/regueira existente, com um mínimo de alteração de cotas, possibilitando a limpeza da vala/regueira em caso de obstrução.

         32 – O início da caleira em meias manilhas de betão em ligação com a regueira/vala tem a cota de 33,74 m, finalizando junto aos tubos colocados pelos executados com uma cota de 33,74 m.

         33 – A cota de soleira dos tubos é de 34 m.

         34 – Neste caso, há uma divergência de cotas que provocam uma obstrução ao desvio das águas, de 6 centímetros.

         35 – As cotas da solução de desvio para Poente das águas provenientes da vala/regueira são, respectivamente:

         – A cota de 34 m a montante na entrada do tubo de drenagem que atravessa o terreno dos executados (ou “cota tubo de entrada” de 34,04 metros no levantamento de Julho de 2013);

         – E a cota de 33,40 m a jusante na saída do tubo de drenagem que atravessa o terreno dos executados;

         36 – Através dos levantamentos topográficos existentes é identificável uma linha de reunião de águas ou caminho por onde as águas da chuva correm (denominada de talvegue), que permite o escoamento das águas quando estas existem em excesso.

         37 – Foi neste talvegue que o agricultor foi naturalmente induzido a abrir uma vala/regueira para escoamento de águas, quando em excesso ou em grandes quantidades.

         38 – Se fossem mantidas as cotas de entrada (de entrada dos tubos de 33,57 m) e saída (de 33,40 m) anteriores às obras de construção de aterro e muro, seria expectável que tal permitisse o completo escoamento das águas pluviais.

         39 – Na realidade existe a cota de entrada nos 34 m (ou 34,04 m e de saída nos 33,40 m.

         40 – Antes da divisão (os executados compraram a sua parcela aos exequentes), havia apenas um terreno que permitia o escoamento a céu aberto das águas pluviais que se acumulavam pois a própria natureza se encarregava de dar resposta e também por conveniência do agricultor, as águas acumuladas encaminhavam-se por regueiras interiores que desaguavam em valas divisórias de propriedade e posteriormente numa linha de água, acabando por atingir uma ribeira ou secarem.

         41 – Na zona envolvente, com o passar dos anos, aumentaram as construções (habitações, muros, etc.), deixam-se terrenos em pousio, deixou de se fazer a limpeza, o alargamento e aprofundamento das valas divisórias de propriedade e o escoamento passou a fazer-se com enormes dificuldades.

         42 – Aquando da construção do aterro e muros pelos executados, várias regueiras (ou valas interiores) foram interrompidas, tendo o terreno dos exequentes ficado a uma cota mais baixa e sem comunicação para a referida vala de partilha existente a Norte do terreno dos executados, interferindo no escoamento das águas pluviais, sem que a solução da colocação dos dois tubos de diâmetro 110 mm impeça que as águas fiquem depositadas no terreno dos exequentes.

         43 – Os dois tubos existentes enterrados no terreno dos executados possuem o diâmetro e inclinação previstos e constantes do “Projecto de Drenagem de Águas Pluviais”.

         44 – Porém, no caso concreto, com a reduzida inclinação da tubagem e relativa extensão, a substituição de um escoamento a céu aberto por um escoamento entubado causa a dificuldade de pleno escoamento, desde logo porque existem um conjunto de prescrições técnicas (velocidades, rugosidades do material, inclinações e constituição dos líquidos a escoar) que só conjugadas entre si permitem que tal seja uma solução.

         45 – Uma solução de tubos enterrados é propícia a entupimentos, seja por detritos e areias que acompanham as águas pluviais (ainda que na entrada para os tubos haja uma caixa retentora de areias), seja por pequenos roedores que durante as épocas mais secas aí fazem os seus ninhos para procriarem.

         46 – As marcas existentes no muro de separação comprovam que as soluções implementadas não garantem o escoamento total das águas pluviais.

                                                                       *

              A fundamentação da decisão recorrida foi a seguinte, em síntese:

[…] No caso dos autos está em causa uma prestação de facto infungível, positivo, ou seja, uma prestação em que o interesse do credor apenas pode ser, directa e imediatamente, satisfeito através da realização do comportamento do devedor.

Todavia, exige-se que também essa obrigação, para poder ser reclamada em sede de execução, seja certa ou líquida.

É certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou por individualizar).

Ora, no caso dos autos, e compulsada toda a prova produzida e analisado o teor da transacção (homologada pela sentença dada à execução), é manifesto que a obrigação que incumbia sobre os executados não se encontra qualitativamente determinada. Como bem referiram os senhores peritos, tendo sido elaborado o acordo com base na solução técnica de um “sistema de drenagem conjunto”, não ficou explícito como materializar essa solução técnica, desde logo porque foram usados termos pouco precisos como “um meio de escoamento adequado”, “um tubo hidráulico com o diâmetro e à profundidade adequada”, “em termos de possibilitar”, “tomando os meios adequados”, “modelando o terreno”.

Daí se pode concluir que os executados cumpriram genericamente a obrigação decorrente da sentença condenatória dada à execução, que homologa a transacção efectuada, não podendo concluir-se de forma diferente por absoluta indeterminação da prestação.

De facto, não tendo sido a transacção acompanhada de um parecer técnico com as devidas especificações para a obra a realizar, é forçoso concluir que, genericamente, a obra a que se obrigaram foi efectuada pelos executados.

Sendo assim manifesta a procedência dos embargos.”

              Apreciando:

              Da matéria de facto

              Para o recurso dos exequentes é como se a decisão da matéria de facto não existisse.

              Para eles, os factos provados não são os que constam da sentença, mas sim aqueles que retiram das respostas periciais. Isto é, em vez de partirem dos factos provados constantes da sentença para poderem concluir que a oposição à execução deve improceder, como teriam de fazer, face ao disposto no art. 607/3 do CPC – pois que a solução de direito de um caso só se pode basear nos factos dados como provados na sentença -, limitam-se a tecer considerações de direito com base no que tiram do relatório pericial, sem porem minimamente em confronto o que consta deste com o que consta da decisão da matéria de facto e, portanto, sem dizerem se o que consta do relatório está em contradição com a decisão da matéria de facto

              Esta indiferença pela matéria de facto dada como provada e pelas regras processuais, completa-se com a indiferença em particular pelas regras que regem os recursos e o conteúdo das alegações que aqueles devem conter.

              Assim, embora os exequentes aleguem com base em alguns factos que não estão dados como provados na decisão da matéria de facto e em alguns outros que estão em contradição com esta, nas conclusões do recurso não dão minimamente cumprimento ao disposto nos artigos 639/1 e 640/1-a-c do CPC, especificando os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, o que tem por efeito a rejeição do recurso da matéria de facto.

              A questão, no entanto, face ao que se dirá de seguida, acaba por não ter interesse, porque o vício de que sofre todo o processo (no seu conjunto) é muito mais grave.

                                                                 *

              Da decisão recorrida

              A sentença recorrida não tem razão no seu fundamento essencial: um acordo em que as partes se comprometem em recíprocas obrigações para resolver um problema de escoamento de águas com a realização de certas obras, não se pode considerar qualitativamente indeterminado apenas porque não contém a materialização da solução técnica encontrada.

              Primeiro, porque o vício da incerteza da obrigação não tem a ver com esta questão, mas sim com o facto de a determinação (ou escolha) da prestação, entre uma pluralidade, estar por fazer. Ou seja, tem a ver com a questão das obrigações alternativas (art 543 do CC) ou com a questão da obrigação genérica de espécie indeterminada (art. 539 do CC) (veja-se Lebre de Freitas, A acção executiva, 2017, 7.ª edição, Gestlegal, páginas 100 e 115-116). 

              Depois, por uma questão de regime jurídico que também pode ser vista como de senso comum: regra geral as partes, e os seus mandatários judiciais, não são técnicos de construção, e por isso não têm os conhecimentos necessários para materializar a solução técnica encontrada. O que, aliás, tem na sua base outra questão, que é a do desconhecimento, por norma, por parte dos autores, da causa dos defeitos encontrados nas obras feitas pelos réus. Por isso, também, normalmente não cabe aos autores, nesses casos, a prova da causa dos defeitos, mas apenas a prova da existência destes. E daí que, também normalmente, não devam ser eles a propor as soluções dos problemas inerentes.

              O mesmo se diga, aliás, de uma sentença: não se está à espera que seja o juiz a dizer, numa sentença, como é que se hão-de fazer as obras ordenadas, materializando a solução técnica encontrada. A sentença condenará, por regra, em termos gerais, os réus a fazer uma coisa, mas não dirá como é que eles as deverão fazer.

              O réu, executando voluntariamente a obrigação em que foi condenado, deverá arranjar as soluções técnicas mais adequadas para o efeito. Se o conseguir, a obrigação estará cumprida e o autor/credor ficará satisfeito.

              Entendendo o autor/credor, ao contrário do réu/devedor, que a obra feita não resolveu o problema, virá requerer a execução da sentença para prestação de facto fungível, pela forma prevista nos artigos 868 e seguintes do CPC, e será então discutido se o problema subsistiu (em apenso de oposição, em que o réu tentará demonstrar que não subsistiu: art. 868/2 do CPC). Provado que subsistiu, terá que ser corrigido no decurso do processo de execução.

              A tudo isto não obsta que cada vez mais se vão vendo muitas acções declarativas em que os autores, vítimas de defeitos de obras feitas pelos réus, tentem provar quais as causas dos defeitos e as soluções técnicas adequadas para os resolver. Apesar de poder haver casos em que tal se justifique, não é assim regra geral e não é o facto de tal acontecer cada vez mais que faz com que seja esta a maneira correcta de resolver o problema.

              Portanto, a inexistência de materialização da solução técnica não torna o acordo indeterminado.

              Por outro lado, um acordo em que os réus se comprometem a construir certas obras não corporiza uma prestação infungível. E o mesmo se diga de uma sentença que condene nessa prestação. A construção de certas obras com vista ao escoamento de águas, não é infungível, mesmo que dependente de um licenciamento a obter pelo réu.

              Como explica Lebre de Freitas, obra citada, página 454 (nota 10) “o facto é fungível quando para o credor é indiferente, de direito e de facto, que o pratique o devedor ou o terceiro, por o seu resultado ser natural e juridicamente o mesmo […]. É assim possível a execução por substituição […]. Exemplos (ressalvada sempre a estipulação contrária): a reparação dum automóvel, a instalação de uma canalização, a construção dum imóvel.”

              E para isto em nada releva a necessidade de obter uma licença.

           A construção de um imóvel – acordada pelas partes ou ordenada pelo juiz – terá de ser antecedida de uma licença. Se o réu não fizer a obra nem obtiver a licença, o autor poderá fazer executar a obrigação, que poderá vir a ser realizada pelo próprio autor, ou terceiro, que será quem então terá de obter a licença. É o que decorre, com os necessários desenvolvimentos, do disposto nos artigos 868 a 871 do CPC. A isto não obstava o art. 14/1 do DL 445/91 [que aliás está revogado e substituído] invocado pelos exequentes: a legitimidade atribuída ao proprietário para o requerimento de licenciamento, não impede que essa legitimidade também tenha de ser reconhecida a alguém que está autorizado pelo tribunal, no decurso de um processo judicial, a fazer a obra.

              Ora, para os autores é indiferente que a construção do meio de escoamento das águas seja feita pelos réus ou por terceiro e a necessidade de licença, já se viu, não releva para o efeito.

              Não tendo que constar de uma sentença a materialização da solução técnica encontrada, nem sendo a obrigação da construção do meio de escoamento de águas uma obrigação infungível, podendo pois ser executada coercivamente pelo próprio autor/exequente ou por terceiro, a materialização da solução técnica para o efeito tem que ser descoberta no decurso da própria execução (onde naturalmente, se for esse o caso, se terá de ter em conta a necessidade de as obrigações dos executados e dos exequentes se “casarem” entre si).

                                                                 *

              Seja como for, a sentença está a discutir uma questão que não tem a ver com o objecto da execução: está a discutir se a obrigação dos executados foi cumprida, considerando que essa obrigação era a da construção de um meio de escoamento das águas do prédio dos exequentes; ora, os exequentes não pretenderam, com a execução, requerer a construção do meio de escoamento das águas, o que pretenderam com a execução foi uma coisa diferente.

              Razão pela qual não se tomará posição, neste acórdão, sobre a questão de saber se a sentença decidiu bem ou mal.

              Veja-se:

                                                                      *

              Da falta de título

              Os autores requereram uma execução com base numa sentença.

              Já se viu que essa sentença condena na prestação de facto positivo fungível (construção de um meio de escoamento de águas). A causa de pedir da obrigação foi uma transacção, contrato celebrado entre as partes (art. 1248 do CC).

              O pedido formulado pelos autores/exequentes [veja-se o requerimento executivo] diz respeito à pretensão de fixação de uma sanção pecuniária compulsória.

              O art. 868/1 do CPC dispõe:

         Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo.

              A sanção pecuniária compulsória é fixada para compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação que não pode ser cumprida por outrem, ou seja, uma obrigação de facto infungível (art. 829-A do CPC).

              Ora, já se demonstrou que a obrigação objecto da transacção respeita a uma prestação de facto positivo fungível.

              Ou seja, os autores, em vez de virem dizer que os réus não cumpriram a obrigação de prestação de facto fungível em que foram condenados, vêm requerer a fixação de uma sanção pecuniária compulsória para forçar os réus a cumprir uma obrigação de facto infungível em que eles não foram condenados e que não consta de nenhum documento, designadamente daquele que os exequentes dizem constar, isto é, do ponto 1.8 de um parecer de um chefe de divisão da CMM, ponto esse que é um simples considerando de uma análise e que não consta, expressamente, da notificação dirigida aos réus pela CMM (pois que esta só se refere aos pontos 1.5, 1.6 e 1.7 daquele parecer).

              Isto é, os autores/exequentes estão a requerer (pedir) a execução de uma prestação de facto positivo infungível que não consta do título dado à execução, sendo que, deste, o que constava era a obrigação de prestação de um facto positivo fungível necessariamente diferente daquela.

              Assim, verifica-se o vício da falta de título executivo. Este não suporta minimamente a obrigação que os exequentes pretendem executar. O que eles pretendem executar é uma obrigação que não consta da sentença dada à execução, nem de uma notificação feita pela CMM, mas apenas de uma notificação particular feita pelos autores com apropriação de uma considerando de uma análise de um parecer de um chefe de divisão da CMM que propositadamente não foi incluído no texto da notificação da CMM.

     Faltando (de forma insuprível) o título executivo para a prestação infungível que os autores/exequentes pretendem executar, não interessa saber se os réus deixaram de cumprir uma prestação fungível constante do título que os exequentes deram à execução.

              A falta de título executivo é um motivo de indeferimento liminar da execução, de conhecimento oficioso também pelo tribunal de recurso, como resulta do disposto nos artigos 726/1-2-a e 734/1 do CPC (do 1.º: Despacho liminar e citação do executado: 1 – O processo é concluso ao juiz para despacho liminar. 2 – O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; do 2.º: 1 – O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. 2 – Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte.) 

              Perante a falta de título executivo, este TRL, mesmo que revogasse a sentença recorrida, não poderia, ao mesmo tempo, determinar a improcedência dos embargos, pois que tal implicaria o prosseguimento da execução para a fixação de uma sanção pecuniária compulsória relativamente a uma obrigação de prestação de facto infungível que não existe nem consta do título executivo, nem poderia ser fixada para a prestação de facto fungível em que os réus foram condenados.

              Assim, há que rejeitar a execução, com o que fica prejudicado o conhecimento da questão da correcção da sentença recorrida que julgou procedentes os embargos.

                                                                 *

              A 28/01/2022, para evitar potencial decisão-surpresa, determinou-se a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo, sobre a intenção do relator deste acórdão de “propor, no projecto de acórdão, a rejeição da execução (artigos 734 e 726/2-a do CPC), por falta de título executivo relativo à obrigação exequenda.”

              Pois que, “a pretensão dos exequentes é a da fixação de uma sanção pecuniária compulsória relativamente à obrigação infungível de apresentação de um projecto, obrigação que não consta da sentença exequenda, a qual diz antes respeito a uma obrigação fungível de construção de um meio de escoamento de águas. Com o que ficará prejudicado o conhecimento da correcção da sentença de embargos recorrida.”

              Pelos exequentes foi dito:

         1.º Tendo sido apresentado no tribunal o formulário de execução: prestação de facto (cível) sendo o título executivo: decisão judicial condenatória, quando deveria ter sido proposta acção declarativa para cumprimento de facto infungível porque a sentença não constituía título executivo, houve erro na forma de processo.

         2.º O formulário apresentado erradamente, contem todos os requisitos da acção declarativa que devia ser apresentada, pelo que houve, tão-somente, a entrega de um documento com uma “roupagem diferente”, mas com o mesmo conteúdo e finalidade.

         3.º Apesar do erro apontado na conclusão anterior, o processo seguiu os seus termos, foram cumpridos todos os princípios processuais para o apuramento da verdade, como se de processo comum de declaração para cumprimento de facto infungível se tratasse.

         4.º No caso sub judice só a irrelevância da forma, explica que ao longo de todo o processado não se suspeitasse da sua incoerência, cabendo somente ser corrigido o montante da taxa de justiça devido, pagando-o por acréscimo.

         5.º Embora o montante pedido para a sanção pecuniária compulsória seja manifestamente exagerado, este TRL deverá fixar o montante segundo o seu justo arbítrio, mas tendo em conta que o montante seja adequado para eliminar totalmente o censurável comportamento abusivo dos réus.

         No uso do previsto nos artigos 6 e 547 ambos CPC, deverá considerar-se procedente a apelação condenando-se os réus nos pedidos formulados no requerimento apresentado.

              Pelos executados foi respondido:

         1º – Confessam-se, através de seu mandatário, algo confusos, com o despacho.

         2º – Com efeito o seu actual mandatário, apenas juntou procuração aos autos, após, dedução de embargos, à execução.

         3º – Estava em causa um título executivo que adveio, de um acordo devidamente homologado, por sentença.

         4º Era esse o título executivo dado à execução.

         5º Por lapso, nunca o mandatário dos réus viu necessidade de observar o requerimento executivo.

         6º Para os executados, agora embargantes, os factos constavam do título executivo.

         7º E para os devidos efeitos constam do título executivo.

         8º Todo o processo de embargos, nomeadamente oposição, contestação, requerimentos probatórios, meios de prova, perícias, instrução de todo o processo, até ao julgamento, assentava, no título executivo.

         9º Inclusivamente o julgamento, sempre assentou, no título executivo, que existe.

         10º A própria sentença, no âmbito, dos embargos, que veio julgar estes procedentes, como não poderia deixar de ser, teve sempre em mente, o título dado á execução.

         11º Agora, e com a notificação do despacho, e com a confrontação entre o título executivo, e com o requerimento executivo, pasme-se…

         12º Nenhum dos quatro pedidos no requerimento de execução, consta, do título executivo.

         13º Efectivamente inexiste título, facto que só agora os embargantes deram conta […]

         14º Pelo que e chegados aqui, por um lado não existe título, relativamente ao pedido, por outro lado existe sentença no que concerne ao objecto do “título”.

         15º Ou seja, mesmo que a exequente, venha deduzir nova execução, com os factos constantes no título, os mesmos já foram julgados, e decididos.

         Nestes termos, deve a presente execução ser julgada desprovida de título, assim, como a impossibilidade de intentar nova execução, com o mesmo título, porquanto os factos já se encontram julgados, e transitados.

                                                                 *

              As partes estão assim de acordo quanto à inexistência de título executivo para a pretensão que os exequentes pretendiam executar.

              A solução dada ao problema, pelos exequentes, não tem viabilidade: uma execução com embargos não pode ser convolada numa acção declarativa para obter a condenação dos réus naquilo que os exequentes pretendem executar.

              Quanto à solução dos executados: este TRL nem sequer tem competência para se pronunciar sobre a questão levantada pelos executados, pois que é questão que terá de ser colocada e apreciada em eventuais novos embargos a nova execução que seja requerida.

                                                                 *

              Assim, ao abrigo do art. 734 do CPC, rejeita-se a execução, extinguindo-a, por falta de título do qual conste a obrigação exequenda, ficando prejudicado o conhecimento do recurso quanto aos embargos de executado que ficam também extintos por impossibilidade (deixam de ter objecto).

              Custas do recurso, dos embargos e da execução pelos exequentes, porque a eles deram causa (com uma execução sem título para a obrigação exequenda).

              Oportunamente devolva-se aos exequentes o valor da taxa de justiça que eles pagaram na sequência do anterior despacho, visto que não tem viabilidade para o efeito que eles pretendiam com esse pagamento espontâneo.

              Lisboa, 10/03/2022

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto