Processo Juízo Central Cível de Lisboa – J11
Sumário:
Se na sequência de decisão de homologação da desistência do pedido e do acordo quanto a custas nada se decide quanto às custas de um recurso de revista excepcional, o processo deve ser concluso de novo ao juiz que proferiu aquela decisão (art. 614/1 do CPC) para a complementar quanto às custas desse recurso.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A 24/02/2020, no final do processo, foram elaboradas, na 1.ª instância, uma série de contas.
A 13/03/2020, 2 dos 3 réus reclamam das contas.
Pretendiam que
(a) as contas fosse elaboradas conforme uma transacção;
(b) as partes fossem dispensadas do pagamento da taxa de justiça remanescente (que é de 576.453€) ou, subsidiariamente, o seu montante ser substancialmente reduzido;
(c) ou, pelo menos, as partes fossem dispensadas do pagamento da taxa de justiça remanescente referente a um recurso de revista excepcional, no montante total de 88.434€, nos termos do artigo 14-A/-c do RCP, ou, subsidiariamente, fosse reduzido o montante da taxa de justiça devida neste caso, por a mesma ser manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais;
(d), fosse considerado o montante já depositado.
A 23/10/2020 o MP pronuncia-se quanto a tal reclamação, dizendo:
– No que respeita ao solicitado em (a) mormente a fls. 3289, entende assistir razão aos requerentes face ao acordo havido entre ambos, homologado por decisão de fls. 2930 a 2934 (9º vol.) – veja-se artigo 17º, alínea ii) do referido acordo, pelo que devem as contas de custas respectivas ser reformuladas nos termos da transacção – parte B.2 alíneas i) e ii) a fls. 2933.
– Quanto ao requerido em (b e c) do aludido requerimento:
Promovo se indefira, uma vez que as questões suscitadas, quer relativamente ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou da sua redução, quer as questões de alegada inconstitucionalidade foram exaustivamente analisadas, escalpelizadas – fls. 3226 a 3233 – e decididas superiormente no TRL a fls. 3246 a 3252. (11º vol.)
– Relativamente ao requerido em (d), nada temos a opor, nos termos do disposto no art. 32/4 do RCP (depósito autónomo consta a fl. 2804, 9º vol.)
A 09/11/2020, foi proferido o seguinte despacho:
No que respeita ao requerido sob (a), assiste razão aos requerentes, tendo em conta o teor da transacção quanto a custas celebrada entre as partes em 14/03/2017 (fls. 2930 a 2934) e a decisão de 01/10/2018 (fls. 3246).
Por conseguinte, determino a reformulação da conta em conformidade.
No que concerne ao requerido sob (b), quer a questão relativa à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou da sua redução, quer a referente à inconstitucionalidade ora invocada foram já objecto de decisão transitada em julgado (despacho de 01/10/2018, a fls. 3245 a 3252), pelo que sobre as mesmas encontram-se esgotados os poderes jurisdicionais deste tribunal (cfr. art. 613 do CPC), nada mais cumprindo decidir.
Finalmente, quanto a (c), em face do acordo das partes e do disposto no art. 32/4 do RCP, defere-se o requerido.
Os réus recorreram contra este despacho, para que seja revogado e substituído por outro que julgue ilegal a cobrança de qualquer valor de custas pelo recurso de revista excepcional em causa, atendendo a que a decisão do STJ de 03/05/2018 não condenou as partes no seu pagamento; ou, caso assim não se entenda, que substitua o despacho por outro que dispense as partes do pagamento da taxa de justiça remanescente referente ao recurso de revista excepcional, no montante total de 88.434€, ou, subsidiariamente, reduza substancialmente o valor a pagar de taxa de justiça remanescente, por a mesma ser manifestamente inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais e da proporcionalidade.
Assim, o objecto de recurso era a questão (c) da reclamação de 13/03/2020.
Essa questão (c) tinha só a ver com as custas do recurso de revista excepcional interposto a 15/12/2016 para o STJ. O TRL, no acórdão de 17/06/2021, com um voto de vencido, considerou que a questão derivava de um erro material do acórdão do STJ de 03/05/2018, que nada tinha dito quanto a custas relativamente ao recurso de revista excepcional de 15/12/2016, e, em consequência, remeteu os autos ao STJ para que o acórdão fosse reformulado.
O STJ por acórdão de 12/01/2022, veio dizer que não se verificava o erro apontado, que não havia omissão de decisão quanto a custas, pois que não era a formação especializada do STJ que tinha que decidir se havia ou não lugar a custas do recurso de revista excepcional que não chegou a ser admitido, mas sim ao TRL na sequência do despacho de 01/10/2018 de homologação da desistência do pedido.
Nos termos do ac. do STJ:
“Deste modo, com o retorno do processo à Relação determinado pelo acórdão da Formação de fls. 3198-3200, de 03/05/2018, tudo se passa como se a inutilidade superveniente da revista excecional tivesse ocorrido, originariamente, na fase vestibular do recurso junto do tribunal a quo, ou seja, antes de ser remetido para o STJ.
Nessas circunstâncias, a responsabilidade pelas custas da revista excecional tornada inútil com a homologação da desistência do pedido só poderia ser ajuizada em sede da própria decisão homologatória, nos termos do artigo 536/3-4 do CPC, aplicável com as devidas adaptações.
Será, pois, no âmbito dessa decisão homologatória de desistência do pedido que caberá atribuir ou repartir a responsabilidade das partes pelas custas da ação e dos procedimentos autónomos tornados inúteis por via dela, nos termos, respetivamente, dos artigos 537/1 e 536/3-4 do CPC, sem prejuízo do licitamente acordado pelas partes nessa matéria.”
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Posto isto,
Por decisão singular de 01/10/2018, o TRL decidiu que, quando foi apresentado o pedido de desistência do pedido (deduzido na acção), a instância não estava extinta e, por isso, homologou a desistência e o acordo quanto a custas. E indeferiu o pedido de dispensa/redução do pagamento do remanescente (pedido tecido com as considerações de inconstitucionalidade de normas).
Esta decisão singular do TRL não disse nada quanto às custas do recurso de revista excepcional. E, por isso, a decisão de indeferimento da dispensa/redução do pagamento do remanescente de custas não está, não pode estar, a referir-se às custas desse recurso.
Isto já foi dito pelo acórdão deste TRL de 17/06/2021 embora com referência ao acórdão do STJ de 03/05/2018.
Não há pois decisão quanto a custas do recurso de revista excepcional de 15/12/2016, que, segundo o STJ, devia ter sido ajuizada na decisão singular de 01/10/2018, na sequência da desistência do pedido.
Este colectivo do TRL tinha, no âmbito deste recurso, de decidir se o despacho recorrido de 09/11/2020 do tribunal de 1.ª instância de estava certo ou não, e para isso tinha de dizer se já havia decisão quanto a custas do recurso de revista excepcional de 15/12/2016, ou quanto ao pedido de dispensa ou redução delas.
E já o fez, decidindo que ocorreu, no despacho recorrido de 09/11/2020, uma omissão de pronúncia sobre a questão (c) da reclamação de 13/03/2020 (que o voto de vencido entendeu ser antes um erro de julgamento), porque não havia decisão quanto a custas do recurso de revista excepcional (nem quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente).
Mas a decisão quanto a custas (ou quanto à dispensa ou redução da taxa remanescente) do recurso de revista excepcional, terá de ser proferida por quem proferiu a decisão singular de 01/10/2018 (art. 614/1 do CPC), ou por quem estiver no seu lugar nos termos legais.
Está pois, por força do art. 614/1 do CPC, fora do alcance deste TRL, a possibilidade de decidir essa questão.
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Pelo exposto, na sequência do acórdão de 17/06/2021 deste TRL (que julgou procedente a arguição de nulidade do despacho de 09/11/2020), que não foi anulado nessa parte pelo acórdão do STJ de 12/01/2022, e deste acórdão do STJ, determina-se que os autos sejam remetidos ao Sr. juiz desembargador que proferiu a decisão de 01/10/2018, para complemento da decisão da homologação do pedido de desistência e do acordo quanto a custas, com decisão quanto a custas (ou dispensa ou redução da taxa remanescente) do recurso de revista excepcional (de 15/12/2016).
Este recurso continua sem custas, pelo explicado no acórdão de 17/06/2021.
Lisboa, 10/03/2022
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto