Voto de vencido
I – Considero que é errado decidir um recurso com base na apreciação casuística das conclusões do mesmo, quando o objecto de um recurso é a decisão recorrida, ou seja, um objecto muito mais amplo (como se procura demonstrar no ac. deste TRL de 10/03/2022, processo 20572/19.5T8SNT-B.L1, relatado pelo signatário deste voto) do que aquele que parece resultar das conclusões do recurso.
II – O objecto deste recurso é a decisão que julgou procedente a oposição deduzida contra a restituição provisória da coisa e que declarou extinta, por caducidade, a restituição decretada, por acórdão deste TRL (de que o signatário deste voto não é o relator).
III – A caducidade da restituição da posse decretada por este TRL em 20/05/2021 decorre, segundo a decisão recorrida, do facto de a requerida ter, em 25/08/2021, conseguido que fosse executado o regime provisório fixado no processo de divórcio ao abrigo do art. 931/7 do CPC.
IV – Mas esse regime provisório (do art. 931/7 do CPC) caduca findo o processo de divórcio. Neste sentido, Nuno de Salter Cid, num estudo publicado na Revista Julgar, 40, e toda a doutrina e jurisprudência que é referida na nota 20 daquele estudo (pág.59). Note-se que regime provisório do art. 931/7 do CPC não se confunde com o acordo provisório do art. 931/2 do CPC, pelo que a jurisprudência relativa a este não pode ser invocada, sem mais, para aquele.
V – Não caducaria se estivesse pendente (antes da caducidade) um pedido de atribuição da casa de morada de família (mesmo autor e obra citada).
VI – É certo que entretanto foi feito um pedido de atribuição de casa de morada de família, mas foi-o depois da caducidade daquele regime (é certo também que a decisão que seja proferida no processo onde agora foi feito o pedido poderá alterar o estado de coisas, mas, para já, ainda não há essa decisão – ou pelo menos não há notícia dela, nem mesmo depois de a requerida ter sido notificada para o efeito por parte do tribunal recorrido).
VII – Se o regime provisório caducou (com o trânsito em julgado em 25/11/2020), não pode ser a posse ilícita constituída com base nele, por ter sido executado um regime provisório que já não estava em vigor (já que era para vigorar apenas no decurso do processo do divórcio), a causa da caducidade da providência cautelar de restituição de posse que foi decretada pelo TRL, pelo que a sentença recorrida está errada e devia ser revogada.
VIII – O objecto deste recurso é a decisão que julgou procedente a oposição deduzida e não a resolução de qualquer questão que surja com o cumprimento desta decisão, resolução para a qual este TRL não tem competência no âmbito deste recurso.
IX – Diga-se ainda que é realmente contraditório decidir-se com base na ideia de que o regime é para vigorar na pendência do processo de divórcio e, mais tarde, decidir-se que o regime não caduca com o trânsito em julgado do processo (o próprio acórdão a que corresponde este voto de vencido diz expressamente que “subjaz ao entendimento do tribunal [recorrido] que a requerida foi investida na posse da casa de morada de família por força da decisão proferida no juízo de família que não caducou com o seu trânsito em julgado”). É que um processo pendente é um processo que ainda não foi extinto por decisão transitada em julgado – artigos 277/-a, 619 e 628, todos do CPC.
Pedro Martins