Se os autores tivessem pedido, sem mais, que o Estado fosse condenado a reconhecer que eles viviam em união de facto (e esta pretensão, só por si, preenche o pressuposto do interesse em agir), o tribunal materialmente competente para o efeito seria o tribunal de família, por força do artigo 122/1-g da LOSJ, já que a união de facto é uma das formas que as pessoas têm de constituir família [várias posições doutrinárias neste sentido são referenciadas em (P) do acórdão do TRL de 24/10/2019, processo 2403/19.8YRLSB].
Se os autores juntassem essa sentença numa acção de aquisição de nacionalidade de forma a, com ela, preencherem o requisito de sentença judicial resultante de uma acção de reconhecimento da união de facto (artigo 3/3, da Lei 37/81, de 03/10, na redacção já de 2006), não haveria qualquer razão aceitável para que o tribunal recusasse a sentença.
Só haveria uma razão formal, qual seja, a de que a norma da lei da nacionalidade diz que a sentença teria de ser proferida numa acção interposta no tribunal cível. Mas isto não tem qualquer justificação material, antes pelo contrário: é o tribunal de família que, naturalmente, tem mais competência (no sentido de saber especializado) para aplicar as normas de direito de família, entre elas as que estabelecem os requisitos para que haja uma união de facto protegida.
Aliás, entender que a norma do art. 3/3 da Lei da nacionalidade, exige (para preencher o requisito da sentença de reconhecimento) uma sentença de um tribunal cível, recusando a de um tribunal de família, no âmbito de uma acção que tem de aplicar normas do direito de família, para além de contrariar as normas que visam uma maior especialização dos tribunais, é fazer dela uma interpretação inconstitucional, porque teria o resultado de discriminar entre as várias formas de constituir família, contra o disposto na primeira parte do n.º 1 do art. 36 da CRP. Seria o mesmo que dizer que a união de facto é uma forma menos boa de constituir família ou que dá origem a uma família de menor qualidade, que não merece sequer que as acções que lhe digam respeito sejam tratadas pelo tribunal mais competente para o efeito, ao contrário das famílias constituídas por casamento.
De resto, o art. 3/3 da Lei da nacionalidade pode ser interpretada em conformidade com a Constituição, como indicando qual o tribunal onde a acção de reconhecimento deve ser proposta, mas sem permitir a recusa de uma sentença judicial que reconhecesse a união de facto e tivesse sido proferida num tribunal de família. De resto, até bastaria interpretar aquela norma de forma correctiva, pondo-a também de acordo com a Constituição, pois que a lei terá querido apenas afastar a competência dos tribunais administrativos, tendo querido dizer que os tribunais judiciais seriam os competentes, apesar de ter escrito tribunais cíveis (neste sentido, repare-se que o art. 14/4 do regulamento da lei da nacionalidade, fala só numa sentença judicial, não numa sentença cível).
Pelo que, seguiria a posição dos dois acórdãos do TRL que o acórdão a que fica anexo este voto de vencido teve o cuidado de referir como indo neste mesmo sentido (e através dos quais podem ser localizados vários outros, como por exemplo, do TRC de 08/10/2019, proc. 2998/19.6T8CBR.C1; do TRC de 23/06/2020, proc. 610/20.0T8CBR-B.C1; do TRL de 15/12/2020, proc. 379/20.8T8MFR.L1-7; do TRE de 09/09/2021, proc. 2394/20.2T8PTM-A.E1; e do TRP de 28/10/2021, proc. 5202/21.3T8PRT.P1), de que o tribunal de família é competente para a acção em causa, mesmo que os autores digam que ela visa preencher um dos requisitos da lei da nacionalidade.
Pedro Martins