Execução 3469/19.6T8OER Juízo de Execução de Oeiras – J2

              Sumário:

              Qualquer quirógrafo, para valer como título executivo, quer ao abrigo do art. 46/1-c do CPC na redacção anterior à reforma de 2013, quer do art. 703 do CPC depois dessa reforma, tem de estar assinado pelo executado.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo  identificados:

              A requereu uma execução, em 18/09/2019, contra B e C, com base num cheque não assinado de 11/09/2002, que dizia ter sido emitido pelos executados.

              Por despacho de 27/01/2022 a execução foi rejeitada, dizendo-se:

     “Cumpre determinar se o cheque dado à execução, aceitando as partes que o mesmo se encontra prescrito, consubstancia um título executivo à luz do art. 46/1 do CPC na versão [do CPC] anterior à introduzida pela Lei 41/2013, de 26/06, tendo em conta o acórdão do Tribunal Constitucional 408/2015, questão que já foi debatida entre as partes no âmbito dos embargos de executado.

         […]

       No caso, o cheque dado à execução não se encontra assinado pelos executados, pelo que não pode ser aceite como título executivo, mesmo como documento particular, por não reunir os requisitos exigidos para tal, nos termos do disposto [daquela disposição].

         Impõe-se, por isso, a rejeição da execução (artigos 726/2-a e 734 do CPC).

      Pelo exposto, rejeita-se a execução e, em consequência, determina–se a sua extinção.

              O exequente recorrente desta decisão, terminando as suas conclusões com as seguintes conclusões minimamente úteis:

[…]

2. […] a sentença […] enferma de nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615/1-b do CPC, que desde já se argui, uma vez que a mesma não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, de rejeição da execução por inexistência de título executivo.

[…]

14. […] o cheque junto aos […] autos, como título executivo, não se encontra assinado […] uma vez que se trata de um cheque bancário, figurando, ainda assim, como documento particular, e que não poderá ser desconsiderado pelo [tribunal de recurso].

15. De facto, o cheque bancário que resulta dos autos […] é um cheque emitido pelo Banco […], datado de 11/09/2002, reunindo os requisitos de documento particular.

[…]

38. Portanto, face ao que se deixou expendido, o referido cheque não está dotado de força executiva, enquanto título cambiário ou cartular, ou seja, como título de crédito próprio, mas está revestido/dotado de força executiva enquanto documento particular, ou seja, como mero quirógrafo, desde que neles se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo […]

39. De facto, extinta a obrigação cambiária, o cheque vale como quirógrafo, enquanto documento particular, desde que nele se mencione a causa da relação causal subjacente à sua emissão ou que a mesma seja alegada no requerimento executivo. […]

Acrescente-se que nas 39 páginas do recurso, apesar da citação de inúmera doutrina e jurisprudência, o exequente não invoca uma única voz que defenda que um cheque ou um documento particular não assinado possa valer como título executivo.

              Os executados contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso, incluindo a arguição da nulidade.

*

              Questões que importa decidir: a da nulidade do despacho; e a de saber se um cheque não assinado pode valer como título executivo.

*

              Os factos que interessam à decisão destas questões são: (a) o cheque que serve de base à execução não tem qualquer assinatura; (b) a sentença, na síntese feita acima.

                                                                 *

              Da nulidade:

              Decidindo-se pela rejeição da execução por falta de assinatura do documento que serve de título executivo, o despacho não tinha que dizer mais nada do que disse, ou seja, que esse título executivo não estava assinado. Pelo que não se verifica a nulidade arguida.

                                                                 *

              Da falta de assinatura

              O exequente no meio do corpo das alegações do seu recurso cita o art. 1 da Lei Uniforme relativa aos Cheques da Convenção de Genebra de 19/03/1931, sobre os requisitos do cheque, esquecendo-se de transcrever o 6.º requisito exigido por esse artigo: O cheque contém: […] A assinatura de quem passa o cheque (sacador).

              Um título de crédito prescrito, para valer como quirógrafo, tem de estar assinado.

              Isto resultava directamente ao art. 46/1-c do CPC antes da reforma de 2013 [1 – À execução apenas podem servir de base: c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, […]] Daí que quase todos dos inúmeros acórdãos invocados pelo exequente refiram, no próprio sumário, que se trata de documentos particulares assinados. E resulta indirectamente do art. 703/1-c do CPC depois dessa reforma, ao dispor que “à execução apenas podem servir de base: c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos […]” pois que para ser um cheque/título de crédito, tem de ter a assinatura do sacador.

              Quanto à consideração de que o cheque junto aos autos se trata de um cheque bancário, diga-se que todos os cheques são cheques bancários, por força do art. 3 da LUCh: “O cheque é sacado sobre um banqueiro […].” Portanto, o facto de ser um cheque bancário, neste sentido, é irrelevante.

              O exequente estará a usar, no entanto, a expressão cheque bancário, num sentido mais estrito, de um cheque emitido por um banco sobre uma conta do próprio banco (no recurso – ao contrário do que dizia no requerimento executivo – diz que o cheque foi emitido por um banco; mas também diz que a conta bancária era dos executados, por exemplo, na conclusão 36).

              A simples visualização do cheque junto aos autos não permite a conclusão de que se trata de um cheque bancário neste último sentido, mas se fosse esse o caso então nem sequer se estava perante um reconhecimento de dívida pelos executados, posto que o cheque não teria sido emitido por eles, mas por um banco.

              Em qualquer caso, o que interessaria é que desse cheque não consta qualquer assinatura, por isso não há nenhuma assinatura dos executados num escrito a reconhecer a dívida, pelo que não há um quirógrafo deles que possa servir de título executivo.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), pelo exequente (que é quem perde o recurso).

              Lisboa, 23/06/2022

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto