Acção do Juízo Central Cível de Lisboa – J5
Sumário:
I – A responsabilidade pelas custas do recurso não depende de quem teve a iniciativa dele, ou de quem foi a iniciativa da acção nem, muito menos, da responsabilidade pela fixação do valor da acção, ou de ter ou não contra-alegado ou de ter ou não contribuído para a complexidade da causa. A responsabilidade das custas do recurso depende apenas, regra geral – com aplicação no caso dos autos -, de quem dá causa ao recurso, entendendo-se como tal quem perde o recurso (art. 527.º/1-2 do CPC).
II – Quem não contra-alega não tem de pagar taxa de justiça (art. 7.º/2 do RCP a contrario; a taxa de justiça remanescente é parte da taxa de justiça devida pela contra-alegação; logo, quem não contra-alega não tem de pagar taxa de justiça remanescente.
III – “Em 2ª instância, não terminando o impulso processual do recurso antes do julgamento, é devido por quem nele ficou vencido e condenado em custas, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela interposição do recurso (art. 6.º, n.º 8, a contrario, do RCP).”
IV – Há três patamares de processos: de especial complexidade, processos normais e processos especialmente simples (que permitem a dispensa da taxa de justiça remanescente: art. 6.º/7 do RCP). O facto de um processo não ter as características de um processo de especial complexidade, não o torna num processo especialmente simples, mas apenas num processo normal, pelo que isso não deve levar à dispensa/redução do pagamento da taxa remanescente.
V – A aplicação da possibilidade de dispensa/redução da taxa de justiça remanescente não deve esquecer que os processos de valor até 275.000€ não permitem qualquer redução da taxa de justiça mesmo que sejam especialmente simples e que, por força dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, os processos de maior valor devem continuar a estar sujeitos a um maior valor de taxa, pelo que não se deve proceder àquela aplicação de forma cega, generalizada, automática e tabelar, dispensando-se sempre, como pretende o réu neste caso, a taxa remanescente na íntegra.
VI – “Para efeitos de custas, cada recurso passou, pelo RCP (art. 1.º/2), a ser considerado como um “processo autónomo”, pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respectivas custas, ou seja, tem que se proceder à definitiva aplicação do art. 527.º do CPC e proceder – aplicando o princípio da causalidade ou o princípio do proveito – à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final).” [este ponto do sumário foi aditado, aqui, em 14/10/2022]
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
I
Notificado do acórdão de 07/07/2022, o réu RES vem requerer a sua reforma quanto a custas, ao abrigo do art. 616/1 do CPC.
Como não cabe recurso do acórdão – como diz o réu H-SA, no seu pedido de reforma, o acórdão ordenou o prosseguimento dos regulares termos do processo, e, nessa medida, não é susceptível de recurso de revista ao abrigo de qualquer das situações previstas no artigo 671.º do CPC (ou, aliás, em qualquer dos artigos seguintes) – o requerimento dirigido a este TRL é admissível.
Posto isto,
O réu divide o requerimento em duas partes.
Uma quanto às custas, onde o réu diz que não foi ele “a ter a iniciativa processual relativamente à acção, nem relativamente ao recurso em causa. De facto, foram os autores que deram causa à acção e os únicos e exclusivos responsáveis pela fixação do valor […].” Por outro lado, “não contra-alegou, tendo o tribunal decidido somente com base nas alegações de recurso dos autores. Neste contexto, o réu não contribuiu para qualquer atraso ou complexidade para a tomada da decisão sobre o recurso em causa, não se justificando, assim, que o réu seja condenado no pagamento de custas […]”
Ora, nada disto está certo. A responsabilidade pelas custas do recurso não depende de quem teve a iniciativa dele, ou de quem foi a iniciativa da acção nem, muito menos, da responsabilidade pela fixação do valor da acção. A responsabilidade das custas do recurso depende, regra geral, de quem dá causa ao recurso, entendendo-se como tal quem perde o recurso (art. 527/1-2 do CPC), independentemente de ter contra-alegado, facto que só tem reflexo na taxa de justiça, ou de ter contribuído ou não para a complexidade do processo.
Assim, reafirma-se o que se disse no acórdão reclamado na parte que importa:
Quanto a custas: […] todos os recursos estão sujeitos a custas e a questão tem que ser decidida no final de cada um deles e não a final do processo principal. Sendo que no caso dos autos, quem fica vencido são os réus, mesmo que o réu RES não tenha contra-alegado, já que se o processo não prosseguisse ele não poderia vir a ser condenado nos pedidos e, como o processo prossegue, ele pode vir a ser condenado (neste sentido, apenas por exemplo, comentários de Salvador da Costa aos acórdãos do TRP de 10/01/2019, Custas a final pela parte vencida (2), publicado no blog do IPPC de 27/03/2019): o disposto no artigo 527 do CPC é aplicável, não só aos recursos de decisões de mérito, como também aos recursos de decisões de forma lato sensu. […] O actual sistema de custas, implementado pelo DL 34/2008, de 26/02, não permite no recurso, em qualquer caso, a condenação no pagamento das custas da parte que vier a ficar vencida a final. Aliás, se o nosso sistema de custas permitisse esse tipo de definição da responsabilidade pelo pagamento das custas do recurso, teríamos a anómala situação de condenação actual de uma entidade a determinar no futuro, em quadro de incerteza sobre essa determinação. […] Conforme resulta do disposto no art. 527/1 do CPC e no artigo 1/2 do RCP, os recursos são considerados processos autónomos para efeito de custas. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527 do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respectiva proporção. Como A, o recorrente, teve êxito no recurso, embora por razões de ordem processual, e B, a recorrida, foi por ele negativamente afectada, esta é nele parte vencida e, consequentemente, deu causa as custas concernentes, conforme a referia presunção. Em consequência, ao invés do decidido pela Relação, a recorrida B, porque vencida no recurso, é a parte responsável pelo pagamento das custas respectivas, pelo que neste devia ter sido condenada; e ao ac. do TRG de 23/04/2020, publicado no mesmo blog a 31/10/2020, sob o título Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final: 2 – O nosso sistema de custas processuais não comporta a condenação no pagamento de custas do recurso na proporção do decaimento a apurar a final. 3 – Vencido no recurso, apesar de nele não ter contra-alegado, é o recorrido B sujeito da responsabilidade pelo pagamento das respectivas custas em sentido estrito – sem a vertente da taxa de justiça.)
E agora remete-se ainda para o acórdão do STJ de 06/10/2021, proc. 1391/18.2T8CSC.L1.S1 (lembrado pela Srª juíza desembargadora 2.ª adjunta): “Para efeitos de custas, cada recurso passou, pelo RCP (art. 1.º/2), a ser considerado como um “processo autónomo”, pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respectivas custas, ou seja, tem que se proceder à definitiva aplicação do art. 527.º do CPC e proceder – aplicando o princípio da causalidade ou o princípio do proveito – à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final).”
Outra quanto à dispensa da taxa de justiça remanescente.
Ora, nesta parte, há uma confusão deste réu. Como este réu não contra-alegou o recurso, não há, da parte dele, qualquer taxa de justiça a pagar. Quem não contra-alega, não tem de pagar taxa de justiça (art. 7/2 do RCP). Como a taxa de justiça remanescente é parte da taxa de justiça devido pelo impulso processual, obviamente que ele não a tem de pagar. Pelo que a decisão que se pronunciou sobre a taxa de justiça não lhe diz respeito e por isso não tem sentido estar a reclamar dela.
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I – Pelo que se julga improcedente a reclamação.
Custas desta reclamação pelo réu RES, que se fixam em 2 UC de taxa de justiça (artigos 527, nºs 1 e 2 do CPC e 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II, penúltima linha, anexo ao mesmo), dada a extensão da reclamação e o trabalho implicado e levando-se em conta a taxa já paga como impulso necessário da reclamação.
II
Também o réu H-SA, vem requerer a reforma do acórdão quanto a custas, ao abrigo do art. 616/1 do CPC, para que seja dispensada a totalidade do remanescente da taxa de justiça devido pelos recorridos, nos termos do artigo 6/7 do RCP.
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A admissibilidade do pedido de reforma já foi defendida acima.
Por outro lado, nestes casos, em que o acórdão já se pronunciou sobre a dispensa/redução da taxa e tendo em conta o conceito amplo de custas (que neste caso abrange as taxas – art. 529/1 do CPC), considera-se que o meio próprio para pôr em causa tal decisão é, de facto, este, embora se possa dizer que uma decisão final sobre custas não abrange a decisão da dispensa da taxa de justiça (tem-se em vista, designadamente, o que é dito pelo ac. do STJ de 15/03/2022, proc. 7167/13.6YYLSB-B.L1.S1).
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Posto isto,
Em primeiro lugar, segundo o H-SA não há lugar ao pagamento de qualquer remanescente de taxa de justiça, face ao disposto no artigo 6.º, n.º 8 do Regulamento das Custas Processuais, nos termos do qual quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente. In casu, o presente recurso veio interposto do saneador-sentença proferido pelo Tribunal de 1.ª instância ― tal significando, portanto, que o acórdão dos autos foi proferido antes da fase da audiência de julgamento (isto é, antes da instrução).
Apreciando:
O requerente está a amalgamar uma acção com um recurso, como se fosse um só processo, mas um recurso não se confunde com uma acção. São dois processos autónomos. O que resulta claramente, para efeitos de custas, do art. 1/2 do RCP. Para que o art. 6/8 do RCP se aplicasse a um recurso, teriam que se verificar os pressupostos dele em relação ao recurso, não em relação à acção + recurso. No recurso, quando o processo termina de modo normal, com uma decisão sumária ou acórdão, é porque houve julgamento, como houve neste caso, a 07/07/2022, pelo que não se pode aplicar o art. 6/8 do RCP.
Neste sentido, por exemplo, o ac. do TRL de 26/05/2022, proc. 5821/14.4YYLSB-A.L2-8:
I – Os recursos são processos autónomos para efeitos de tributação e quando o seu valor exceda 275.000€, a taxa de justiça é variável: à taxa inicialmente paga, correspondente ao valor de 8 UC, acresce, a final, o valor remanescente, correspondente a 1,5 UC por cada [25.000] euros ou fracção (arts. 6.º, nºs 1, 2, e 6; 7º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B, que lhe está anexa). [No parenteses recto fez-se um acrescento de correcção – TRL].
II – Em 2ª instância, não terminando o impulso processual do recurso antes do julgamento, é devido por quem nele ficou vencido e condenado em custas, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela interposição do recurso (art. 6º, n.º 8, a contrario, do RCP).
[…]
Em texto, o acórdão explica:
Traduzindo a interposição de recurso um impulso processual distinto da acção donde emerge e que dela é independente em termos tributários, é com referência a esse processo autónomo que deve ser aferido, face ao disposto no sobredito art. 6º, nº 8, se não deve haver lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Ora, no caso concreto, o processo de recurso terminou com o julgamento, ultrapassada a fase em que ao juiz relator é concedida a possibilidade de apreciar questões como as elencadas no art. 652/1 do CPC ou ordenar as diligências que considere necessárias, pelo que no caso dos autos e nos termos da dita norma, não podia haver lugar à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente à tramitação que ocorreu no 2º grau de jurisdição.
Indo ainda mais longe, veja-se o ac. do TRL de 04/06/2020 (reafirmado em 07/07/2022), proc. 9677/15.1T8LSB-L1-2:
I – O n.º 8 do art.º 6.º do RCP (dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução) não se aplica a recursos. No texto explica: “[…] o n.º 8 do art.º 6.º do RCP tem em vista a tramitação dos processos em primeira instância, únicos em que há lugar à fase da instrução (Título V do Livro II do CPC). Deste preceito resulta que, além da dispensa de pagamento da segunda prestação, nos casos em que o processo termine antes da passagem à fase da discussão e julgamento será dispensado o pagamento da taxa de justiça remanescente. Trata-se de um incentivo ao termo precoce do processo – o que faz pouco (ou muito menos) sentido em sede de recurso.”
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Em segundo lugar, diz o requerente, é seu entendimento que o pagamento de 50% da taxa de justiça remanescente determinado pelo TRL que se cifra em 34.348,50€, continua a revelar-se manifestamente desproporcional e excessivo face aos serviços prestados às partes pelo sistema de justiça na presente instância de recurso. De forma tal que acaba por constituir um verdadeiro obstáculo ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, em flagrante desconformidade com os princípios e direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. Com efeito, importa ter presente que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo. Nesse pressuposto, é unânime e pacífico na jurisprudência que deve existir uma proporção adequada entre as taxas de justiça suportadas pelas partes e os serviços prestados pelo Tribunal, sob pena de a taxa exigida se revelar violadora dos direitos e princípios constitucionais vigentes, designadamente do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, previstos nos artigos 2.º e 20.º da CRP.
A seguir o requerente diz que o pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça ou seja, o valor de 34.348,50€ (a acrescer, aos valores já suportados pelas partes nos autos) não encontra correspondência nos serviços de justiça efectivamente prestados pelo tribunal e usufruídos pelas partes, revelando-se manifestamente excessivo e desproporcional face aos mesmos, pois que o TRL apenas se debruçou e apreciou duas questões, nomeadamente: (i) a questão de saber a de saber se na petição inicial foram ou não alegados factos suficientes para a procedência dos pedidos, analisada nas páginas 5 a 14 do acórdão; e (ii) A questão da excepção de ilegitimidade processual passiva invocada pelo requerente, tratada nas páginas 14 e 15 do acórdão, questões revelaram simples, não tendo exigido por parte do Tribunal quaisquer conhecimentos técnicos especializados, nem implicando uma elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, nem mesmo a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso. O tribunal não conheceu do mérito da causa, nem, por exemplo, teve de apreciar qualquer da prova (documental) já produzida nos autos. E as alegações e contra-alegações de recurso apresentadas pelas partes revelaram-se adequadas aos interesses e posições que cada uma das partes pretendeu fazer valer e a análise efectuada pelo tribunal apenas necessitou de se focar, essencialmente, na petição inicial dos autores, e já não nas demais peças do processo. A conduta processual das partes no âmbito do recurso interposto, não merece qualquer reparo, tendo-se revelado adequada e justa à defesa dos interesses de cada uma das partes, não tendo as mesmas suscitado quaisquer questões desnecessárias ou desleais e/ou feito uso de expedientes dilatórios.
Por fim, diz que o remanescente de taxa de justiça imputado a cada uma das partes (34.348,50€) tampouco se encontra ao alcance do comum das pessoas, do cidadão médio que pretende fazer uso de um serviço público essencial. De facto, o cidadão médio, o comum das pessoas sendo que, como se disse, é a capacidade contributiva do cidadão médio que releva para este efeito, não tem meios para suportar o pagamento de 34.348,50€ para aceder à Justiça, ainda para mais a uma instância de recurso na qual tampouco se decidiu sobre o mérito do litígio. Dito de outra forma, uma taxa de justiça no valor de 34.348,50€ é de tal forma onerosa que impede o cidadão de aceder à Justiça. E nessa medida, é imperioso concluir, que a exigência de pagamento de 50% do remanescente de taxa de justiça, conforme determinado pelo TRL continua a padecer de uma desproporção flagrante, de um insuportável desequilíbrio face ao que foi prestado às partes pelo sistema de justiça, violando não só o princípio constitucional da proibição do excesso, como também o direito de acesso aos tribunais previstos nos artigos 2.º e 20.º da CRP, inconstitucionalidade esta que se invoca para todos os efeitos legais.
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Apreciação
Variação dos valores da taxa em função do valor das acções
O art.6/1 do RCP dispõe que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.”
Na tabela I do RCP prevê-se para as acções com valores até 100.000€, grosso modo, 1 UC de taxa por cada 11.111€, para acções entre 100.000€ e 150.000€ um aumento de 2 UC, depois, acima de 150.000€ e até 250.000€, uma taxa de 2 UC por cada 50.000€, e depois, aplica-se também acréscimo dessa taxa para valores entre 250.000€ e 275.000€, o que significa um aumento de 50%. E depois para valores superiores a 275.000€ aplica-se a taxa de 3 UC por cada 25.000€ ou fracção, o que significa novo aumento de 50%, o que corresponde, grosso modo, a 1 UC por cada 8.333€.
Portanto, o valor da acção é um dos principais factores de fixação do valor da causa, sendo, a partir de certo montante, esse valor mais elevado, proporcionalmente, em relação a acções até 100.000€.
Isto está na lógica da consideração de que a taxa de justiça, uma espécie do género tributo, pressupondo embora uma contraprestação específica, assentando pois na prestação concreta de um serviço público, não é um preço, não pressupondo pois a equivalência económica entre o montante pago e o valor do serviço prestado pela administração e de que não pode, por outro lado, ser determinada de modo a neutralizar a dimensão redistributiva do sistema fiscal (utiliza-se aquilo que é lembrado Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário de, Coimbra Editora, 2009, páginas 14 a 16, relativamente ao que é defendido por alguma doutrina), pelo que, mesmo que não tenham progressividade, têm de manter proporcionalidade, não sendo razoável que apesar do valor da acção/recurso crescer, a taxa mantenha o seu valor.
Note-se aliás, para sublinhar o carácter excepcional que deve presidir a este tipo de decisão – de dispensa do remanescente da taxa de justiça – que num recurso de uma acção até 275.000€ também pode estar em causa uma apreciação de um saneador sentença de absolvição da instância e que, aí, por mais simples que o processo seja, daquela simplicidade não decorre qualquer vantagem para as partes, que tiveram que pagar o valor normal da taxa sem qualquer “desconto”.
Pelo que a aplicação cega, generalizada, automática e tabelar da dispensa da taxa de justiça às acções de valor superior a 275.000€, em caso de suposta simplicidade do processo – e na lógica do tipo de requerimento em causa, todos eles formulados no essencial sem consideração pelos casos concretos e com argumentos semelhantes a muitos outros que são transcritos em muitos acórdãos versando a mesma questão, todas as acções, por mais complexas que sejam, têm o condão de passarem a ser muito simples -, significa que as acções de valor superior passariam a ser gratuitas a partir desse valor, o que acarretaria uma desigualdade em relação aos intervenientes em acções de menor valor, em benefício de partes que, como indicia o valor da acção, têm muito maior capacidade económica (não tendo nada a ver com um cidadão médio), o que aponta para a inconstitucionalidade material da interpretação da norma que permita esse desconto automático.
Pelo que seria essa interpretação do art. 6/7 do RCP, e não a que se seguiu no acórdão reclamado, que ofenderia os princípios da igualdade e de proporcionalidade.
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Processos especialmente simples – Dispensa, total ou parcial, do pagamento da taxa de justiça
No entanto, a partir do valor de 275.000€, o art. 6/7 do RCP possibilita a dispensa do pagamento da taxa remanescente se “a especificidade da situação o justificar”, “atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes”.
Sendo que a possibilidade de dispensa é também uma possibilidade de redução: como o ac. do STJ de 12/12/2013, proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, explica, com pormenor, a norma constante do art. 6/7 do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final.
Ou seja, a norma em causa serve para, em situações especiais, não fazer pagar a totalidade ou parte da taxa prevista para casos normais.
Ora se se possibilita não pagar tanto como nos processos normais, é porque a situação do caso concreto é muito mais simples e implicou muito menos trabalho do que uma situação normal implicaria (ou seja, aquelas acções que ficam claramente aquém de um padrão médio de complexidade – nos termos do acórdão do TC de 15/07/2013, n.º 421/2013, seguidos também pelo ac. do STJ de 12/12/2013, proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1).
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Processos de especial complexidade – agravamento da taxa de justiça
O art. 6/5 do RCP diz que “O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.”
O que, esclareça-se, corresponde, grosso modo, a um aumento de 50%.
E o art. 7/7 do RCP dispõe que “Quando o incidente ou procedimento revistam especial complexidade, o juiz pode determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela ii.”
O que, esclareça-se, pode corresponder, a um aumento de 150%.
No art. 530/7 do CPC, que está conexionado com os artigos 6/5 e 7/7 do RCP, prevê-se a situação inversa da que está prevista no art. 6/7 do RCP.
Ou seja, prevê-se a hipótese de, para efeitos do disposto nos artigos 6/5 e 7/7 do RCP, o juiz declarar a especial complexidade da causa.
Diz o art. 530/7 do CPC: “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
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Três patamares de processos
Isto é, temos três situações distintas: o art. 6/1 do RCP prevê uma tributação para uma acção normal, com taxa mais elevadas para processos com valores mais elevados, incluindo proporcionalmente mais elevadas a partir de certo valor; os artigos 6/5 e 7/7 do RCP (e art. 530/7 do CPC) uma tributação para uma acção ou um incidente ou um procedimento especialmente complexos e o art. 6/7 do RCP uma outra para uma acção especialmente simples (= acção que fica claramente aquém de um padrão médio de complexidade”).
Daqui decorre que uma acção especialmente simples, não é o equivalente a uma acção que não seja especialmente complexa, pelo que não basta que não se verifiquem os índices do art. 530/7 do CPC para que uma acção passe a ser uma acção especialmente simples.
Isto é, o facto de o juiz não poder considerar uma acção como especialmente complexa, não implica que ela passe a ter de ser considerada como especialmente simples. Implica, sim, que ela seja uma acção normal, isto é, que pague a taxa supletiva normal.
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Critérios para a determinação de um processo especialmente simples
Sendo como se diz acima, a determinação de um processo especialmente simples não pode ser feita sem mais pela utilização a contrario do disposto no art. 530/7 do CPC, como o pretende o réu, pois que a não verificação das situações aí previstas não permite, ao juiz, qualificar o processo como especialmente complexo, mas não impõe que o processo se considere especialmente simples. A única conclusão certa é que o processo, não se verificando aqueles critérios, não é especialmente complexo, ou seja, é um processo normal.
Ou seja, os critérios do art. 530/7 do CPC podem ser utilizados mas apenas com a inversão, dizendo-se que se uma acção é especialmente complexa usando aqueles critérios, então uma acção em que se verifiquem os critérios opostos, seria especialmente simples.
Mas critérios opostos não é a mesma coisa que a não verificação dos critérios previstos. E, por isso, os factores aí previstos terão de ser adaptados, para preverem uma situação oposta.
Mas mais: enquanto se vê com naturalidade que a verificação de uma daquelas situações poderá, só por si, implicar a complexidade do processo, já a verificação isolada de um dos critérios opostos, não permite, só por si, a qualificação de um processo como simples, pois que, por exemplo, o facto de um processo conter articulados especialmente simples, não quer dizer que o processo tenha passado a ser simples; daí que o artigo 6/7 do RCP não tenha tentado fazer essa construção.
Seja, como for, poderá, a título indiciário, dizer-se que será especialmente simples o processo relativamente ao qual, para além do mais, se possa dizer que: a) Contém articulados ou alegações especialmente simples; b) Diz respeito a questões de que não demandem especialização jurídica ou especificidade técnica nem importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito diverso; e c) não chegue a ser produzida qualquer prova ou implique a audição de um diminuto número de testemunhas ou a análise de meios de prova especialmente simples ou a realização de quase nenhumas diligências de produção de prova e que sejam especialmente rápidas.
Assim, por exemplo, em relação aos critérios previstos na al. c) do art. 530/7 do CPC – considera-se de especial complexidade uma acção que implique a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas – não bastaria dizer que no processo “não foram apresentados meios de prova considerados complexos, nem se realizou qualquer diligência de produção de prova morosas”. Teria que ser alegado, concretizadamente, que a acção implicou apenas a análise de meios de prova especialmente simples e a realização de quase nenhumas diligências de produção de prova e todas especialmente rápidas.
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Mais duas notas:
I – A dispensa do remanescente da taxa de justiça não diz respeito à actividade de um dos sujeitos processuais, mas ao processo em si, resultante da actividade de todos os sujeitos processuais. É desta que pode resultar a simplicidade do processo.
II – A dispensa do remanescente diz respeito a cada processo, não a um imaginário processo unitário, que abrangesse a acção e o recurso. Para efeitos de custas, cada acção, recurso, incidente ou procedimento cautelar conta com um processo autónomo (art. 1/2 do CPC). O que implica, entre o mais, como diz o ac. do STJ de 14/01/2021, proc, 6024/17.1T8VNG.P1.S1 “que a decisão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é do juiz da primeira instância, no que concerne às acções lato sensu, e do colectivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos ou aos incidentes cujo objecto seja o acórdão em causa.”
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Posto isto:
Aplicação ao caso
Ao contrário do que o réu pressupõe, um recurso de uma decisão do tipo da dos autos não se resolve, no essencial, com a leitura da petição inicial. Qualquer recurso é decidido com o conhecimento integral do recurso e da acção que delimitou o respectivo objecto, o que incluiu, no caso dos autos, entre o muito mais, e grosso modo, a leitura da petição inicial original (com 168 páginas), da petição aperfeiçoada (com 270 páginas e 1299 artigos), e das várias contestações (com 50 + 31 + 330 páginas, com 1696 artigos e mais de 116 documentos, estes espalhados por mais de 25 requerimentos com milhares de páginas, grande parte delas de documentos financeiros/económicos), e respostas à petição aperfeiçoada, só uma delas com 144 páginas e mais 24 documentos com milhares de páginas (tendo a do réu H-SA 58 páginas, a acrescer às 34 páginas da contestação), para além, claro, das alegações de recurso e contra-alegações, e obviamente, das duas decisões já recorridas e de um acórdão que recaiu sobre uma delas (a acção nasceu em 2016 e tem 16 volumes – numa cota de 10/12/2021, dá-se nota que a petição inicial aperfeiçoada estava a fls. 4622 a 4793 – e ainda só vai na fase do saneador). É inconcebível qualificar um recurso com um objecto de estudo assim delimitado, com estas características que ressaltam logo à vista, como um recurso especialmente simples.
Ora, se há recursos que podem ser decididos com meio dia de trabalho, sem possibilidade de qualquer dispensa de taxa de justiça em acções até 275.000€, este, só por si, levou, na leitura das peças processuais e na prolação do acórdão, cerca de 12 dias de trabalho (o processo foi concluso a 15/06 e só foi despachado a 26/06) isto só do relator, a que há que acrescer o trabalho das Srªs juízas adjuntas (que, como aliás consta do acórdão, deram o seu contributo para a elaboração do mesmo e para as soluções que foram adoptadas).
Quanto ao facto de o acórdão ter apenas 15 páginas, é evidente, para quem tem um mínimo de conhecimento jurídico, que o reduzido tamanho de um acórdão pode traduzir muito mais trabalho que a elaboração de um acórdão 10 vezes maior. A síntese dá trabalho, ao contrário do que o réu pressupõe. Basta reparar que o simples § escrito no relatório do acórdão, em que se diz que “A 13/12/2021, foi proferido despacho saneador julgando a acção improcedente contra os três últimos réus, no essencial com base na impugnação deduzida pelos réus”, só foi possível depois de todo o trabalho que consta atrás, com a leitura das três contestações dos réus com as dimensões assinaladas.
Aliás, o acórdão foi curto propositadamente, de modo a evitar complicar ainda mais a acção, levando em conta a extensão que ela já levava. Nele, por exemplo, tiveram-se em conta as alegações e contra-alegações do recurso, sem se transcreverem no acórdão, para evitar o seu empolamento, e com isso teve-se muito mais trabalho do que com a simples transcrição (que se consegue com um simples acto de copy paste) das conclusões daquelas peças processuais.
Por outro lado, o recurso mexe com matéria criminal, económico-financeira e de engenharia financeira, matérias com especificidade técnica (nem que seja para perceber tudo aquilo que foi escrito nas peças processuais e já estava escrito em muitos relatórios juntos) e, por isso, importou a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, sendo que nada disto costuma acontecer nos recursos de acções cíveis.
Por fim, de novo ao contrário do que é pressuposto pelo réu, e como resulta do que antecede, este TRL para perceber e decidir a questão analisou os meios de prova apresentados e já referidos, assumindo estes uma dimensão que não costuma ter em quase nenhum outro recurso de acções cíveis.
Por tudo isto, só as circunstâncias particulares do caso – o facto de o recurso dizer respeito a uma saneador-sentença de absolvição da instância e a decisão final do recurso obrigar ao prosseguimento dos autos, como aliás já tinha sido decidido anteriormente – é que levou à decisão de dispensa/redução de metade a taxa de justiça remanescente, apesar da complexidade óbvia do recurso e do imenso trabalho que ele deu, tal como já se disse no acórdão reclamado (: o trabalho desenvolvido na decisão do recurso foi muito superior ao que ocorre em relação a processos normais, o processo era complexo e a conduta das partes em nada contribuiu para a sua simplificação).
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Quanto às habituais questões de inconstitucionalidade.
Sem prejuízo de já se ter considerado que não se verifica qualquer inconstitucionalidade na interpretação das normas feitas acima – o que aliás se reafirma à cautela -, não há nenhuma questão de inconstitucionalidade agora a considerar visto que ela não foi levantada quando o réu a podia ter levantado.
Os tribunais decidem as questões que têm que decidir no momento próprio e com base no que consta do processo nesse momento. A questão da dispensa da taxa de justiça deve ser colocada ao/s juiz/ízes antes da decisão final, pelo que as partes, representadas por advogados, sabem que, querendo que as suas posições sobre a dispensa sejam consideradas, têm o ónus de as colocar em cima da mesa para o efeito. E é até esse momento que devem utilizar todos os argumentos que tenham para o efeito – inclusive os de inconstitucionalidade -, e não num momento posterior à decisão final. E dada a enorme e prolongada discussão que tem havido sobre esta questão da dispensa, nenhuma parte se pode afirmar surpreendida pela decisão sobre a questão da taxa de justiça. Pelo que, tudo o que o réu diz sobre inconstitucionalidades, já o devia ter dito antes de o acórdão ter sido proferido.
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II – Pelo exposto, mantém-se a decisão do acórdão reclamado quanto à dispensa/redução da taxa de justiça remanescente, julgando a reclamação improcedente.
Custas desta reclamação pelo réu H-SA, que se fixam em 3 UC de taxa de justiça (artigos 527, nºs 1 e 2 do CPC e 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II, penúltima linha, anexo ao mesmo), dado a extensão da reclamação e o trabalho implicado e levando-se em conta a taxa já paga como impulso necessário da reclamação.
Tenha-se em conta que na página 3 deste acórdão consta outra condenação em custas.
Lisboa, 13/10/2022
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto